Discurso durante a 56ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Necessidade de um combate mais efetivo ao trabalho infantil doméstico.

Autor
Patrícia Saboya (PPS - CIDADANIA/CE)
Nome completo: Patrícia Lúcia Saboya Ferreira Gomes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Necessidade de um combate mais efetivo ao trabalho infantil doméstico.
Publicação
Publicação no DSF de 16/05/2003 - Página 11389
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • GRAVIDADE, ACEITAÇÃO, CULTURA, BRASIL, TRABALHO, INFANCIA, SUBSTITUIÇÃO, EMPREGADO DOMESTICO, DIFICULDADE, COMBATE.
  • REGISTRO, DADOS, ESTATISTICA, TRABALHO, CRIANÇA, RESIDENCIA, CONCENTRAÇÃO, MULHER, NEGRO, INJUSTIÇA, INFERIORIDADE, REMUNERAÇÃO, AUMENTO, JORNADA DE TRABALHO, RISCOS, EXPLORAÇÃO SEXUAL, ATRASO, ESCOLARIZAÇÃO.
  • SAUDAÇÃO, MOBILIZAÇÃO, FUNDO INTERNACIONAL DE EMERGENCIA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFANCIA (UNICEF), ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), BRASIL, MUNDO, CAMPANHA, ESCLARECIMENTOS, POPULAÇÃO, EXPLORAÇÃO, CRIANÇA, EMPREGADO DOMESTICO.
  • CONCLAMAÇÃO, ATUAÇÃO, LEGISLATIVO, ALTERNATIVA, TRABALHO, INFANCIA, ESPECIFICAÇÃO, CRIAÇÃO, RENDA, EMPREGO, FAMILIA.

A SRª PATRÍCIA SABOYA GOMES (PPS - CE) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ocupo, mais uma vez, esta tribuna com o firme propósito de chamar a atenção para um grave problema, que tem afetado a qualidade de vida de milhares de crianças e adolescentes brasileiros. Refiro-me ao Trabalho Infantil Doméstico - uma prática historicamente aceita no nosso País.

Se na última década conseguimos avançar bastante na luta contra o trabalho infantil, com a adoção de programas sociais voltados para a educação, como o PETI e o Bolsa-Escola, o mesmo não podemos dizer em relação às atividades realizadas por meninos e meninas em casas de família.

Essa forma de trabalho infantil permanece invisível aos olhos de grande parte da população brasileira e até mesmo de nossas autoridades. As dificuldades para combatê-la são, sobretudo, de ordem cultural. Ainda é extremamente comum o pensamento de que envolver crianças e adolescentes em tarefas domésticas nas casas de terceiros é uma maneira de livrá-las da situação de pobreza em que vivem.

O resultado dessa visão é que o Brasil ainda não enxerga o Trabalho Infantil Doméstico como um problema. Trata-se, Srªs e Srs. Senadores, de um sério equívoco.

De acordo com dados da Pesquisa Nacional de Amostras por Domicílios (PNAD), de 2001, existem quase 500 mil crianças e adolescentes entre cinco e 17 anos trabalhando em casas de terceiros. Nesse universo, 45% são menores de 16 anos - ou seja, estão abaixo da idade mínima permitida por lei para admissão no emprego. É na minha região, o Nordeste, que se concentra o maior número de crianças trabalhadoras domésticas: são 175 mil ou 35% do total.

É importante ressaltar que esse tipo de atividade tem uma forte conotação de gênero e de raça: nada menos do que 93% dessas crianças são do sexo feminino e 61% são afro-descendentes.

Algumas falsas idéias cercam o Trabalho Infantil Doméstico. Ao contrário do que se pensa, ele não é um “ofício” mais leve. Crianças e adolescentes que exercem essa atividade perdem, muitas vezes, a chance de freqüentar regularmente a escola, podem ter problemas de ordem psicológica e social por ficarem longe do convívio de suas famílias e estão sujeitas a uma série de injustiças que vão desde a baixa remuneração e as longas jornadas de trabalho até a possibilidade de serem vítimas de abuso sexual por parte dos patrões.

Segundo dados disponibilizados pela Organização Mundial do Trabalho (OIT), 74% dessas crianças estão matriculadas na escola, mas apresentam nível de atraso maior que a média da sua faixa etária. Mais da metade trabalha além de 40 horas semanais e não tem férias. Muitas não têm direito a repouso nos finais de semana nem a férias, são mal remuneradas e, em inúmeros casos, sequer recebem salários. Na visão de alguns empregadores, a concessão de certas “regalias”, como passeios, doação de roupas e brinquedos usados, já seria suficiente para compensar as crianças trabalhadoras domésticas.

Não podemos mais achar que essa é uma situação “normal”. Meninos e meninas submetidos a qualquer trabalho estão sendo privados de um direito fundamental: o direito de ser criança. O direito de correr, pular, brincar de boneca, soltar pipa, jogar futebol, nadar. O direito de viver experiências lúdicas - tão importante no processo do desenvolvimento físico, mental, social e emocional.

A boa notícia é que a sociedade já começa a se mexer. No último dia 30 de abril, a OIT, o Unicef, a Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI), a Fundação Abrinq e a Save The Children, do Reino Unido, lançaram uma campanha de esclarecimento sobre o Trabalho Infantil Doméstico. A iniciativa prevê a veiculação de comerciais informativos a respeito do tema nos meios de comunicação de massa com o intuito de dar visibilidade aos problemas causados pelo envolvimento de crianças e adolescentes em afazeres nas casas de terceiros. Essa campanha é o primeiro passo de uma ampla mobilização social para o enfrentamento do Trabalho Infantil Doméstico.

O Legislativo não pode ficar de fora dessa mobilização. O Parlamento pode e deve assumir um papel central no debate sobre as alternativas para combater esse tipo de trabalho infantil.

Sabemos que um dos caminhos para a erradicação de práticas como o Trabalho Infantil Doméstico passa necessariamente por políticas sociais capazes de investir no fortalecimento das condições de vida das famílias. Além da inserção das crianças em programas que incentivam a troca do batente pelas salas de aula, é necessário adotar medidas de geração de emprego e renda voltadas para os familiares.

Estou convicta de que o enfrentamento do Trabalho Infantil Doméstico não se faz apenas com a implementação de ações governamentais. Para mudar a realidade desses meninos e meninas, temos que investir em uma verdadeira mudança de mentalidade.

Portanto, a participação ativa da população nessa batalha é imprescindível. A sociedade precisa realmente se convencer de que as crianças devem, antes de tudo, ter direito a estudar e a brincar.

O trabalho infantil não pode mais ser visto como uma solução para a pobreza, como uma maneira de tirar meninos e meninas das ruas, afastando-os da criminalidade. Estudos mostram que ele perpetua o ciclo de pobreza e miséria no qual estão inseridos milhões de famílias brasileiras. Muito provavelmente, as crianças e adolescentes que estão na labuta hoje não terão, no futuro, a formação adequada para enfrentar um mercado de trabalho tão complexo e competitivo.

Srªs e Srs. Senadores, precisamos reagir a mais esse tipo de injustiça cometido contra milhares de crianças e adolescentes brasileiros, a quem não é dada a oportunidade de ter um presente saudável e um futuro promissor.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/05/2003 - Página 11389