Discurso durante a 58ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Leitura de nota a respeito de indefinições na gestão do setor elétrico. Proposta de um amplo debate sobre as agências reguladoras e a política de energia do governo. (Como Líder)

Autor
Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ENERGIA ELETRICA.:
  • Leitura de nota a respeito de indefinições na gestão do setor elétrico. Proposta de um amplo debate sobre as agências reguladoras e a política de energia do governo. (Como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 20/05/2003 - Página 11826
Assunto
Outros > ENERGIA ELETRICA.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, DISCURSO, ORADOR, ANALISE, GOVERNO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, GESTÃO, SETOR, ENERGIA ELETRICA, PRIVATIZAÇÃO.
  • APREENSÃO, ATUAÇÃO, MINISTERIO DE MINAS E ENERGIA (MME), BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), ALTERNATIVA, RETORNO, ESTADO, INVESTIMENTO, SETOR, ENERGIA ELETRICA, NECESSIDADE, DEBATE, FUNÇÃO, AGENCIA, ORGÃO REGULADOR, AGENCIA NACIONAL DE ENERGIA ELETRICA (ANEEL), POLITICA ENERGETICA, PREVENÇÃO, DESEQUILIBRIO.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, lerei os trechos mais nevrálgicos de um pronunciamento que eu gostaria de ver transcrito, na íntegra, nos Anais da Casa.

O Governo Fernando Henrique recebeu um setor elétrico insustentável, marcado pela inadimplência, pelas obras paralisadas e pelo vazio institucional de sete anos sem novas concessões. Iniciou uma enorme transformação, tentando corrigir distorções do antigo modelo que havia falido e no qual o Estado ocupava todas as posições, planejando, executando, financiando, regulando, fiscalizando e fixando tarifas. A conta tinha sido passada para os contribuintes em 1993 e não foi pequena: 32 bilhões de dólares em valores de hoje.

................................................................................................................

O Governo passado também reconheceu que não poderia continuar atuando em todos os setores econômicos. Em nome da atração de novos capitais, imprescindíveis para a expansão da oferta, e do incentivo à eficiência econômica, dispôs-se a abrir mão da propriedade e do enorme poder cartorial de controlar o dia-a-dia de um setor que movimenta mais de 70 bilhões de reais por ano.

................................................................................................................

Nos últimos anos vinham sendo construídas as condições para que o setor elétrico evoluísse permanentemente de forma sustentável. Quatro premissas marcam essa trajetória: transparência, liberdade, isonomia e eficiência.

................................................................................................................

Tudo isso está sendo deixado de lado pela nova gestão, sem que se tenha clareza do caminho alternativo que será implementado. O Ministério de Minas e Energia e o BNDES, e suas vestais do passado, destoam de um Governo que se mostra atento ao futuro.

.......................................................................................................

Vivemos um momento especial. Vamos decidir que competição queremos, se aquela na qual vence o mais capaz e que pode trazer benefícios ao consumidor e à economia, ou aquela que será vencida por quem obtiver mais privilégios e benefícios cartoriais, que só aportam novos custos e ineficiências e apontam para a instrumentalização política de um setor vital para a economia.

Vivemos o risco de o País ficar exposto à mais perversa de todas as alianças políticas, aquela composta por parte do velho empresariado, fortalecido nos cartórios da ditadura militar, sempre em busca de proteção governamental ou de uma reserva de mercado, em acordo com o segmento sindical encastelado nas estatais, que também defende os privilégios dos seus membros.

.......................................................................................................

Enfim, pode-se perguntar: quanto essas indefinições e o espírito saudosista e centralizador vão custar ao País? Se cada indústria, cada consumidor ou, pior, cada contribuinte vai pagar a conta, eles merecem, ao menos, saber o que e porque estarão pagando. Que sinais daremos aos investidores? Que tipo de investidores pretendemos atrair? São questões que se impõem e precisam ser tratadas com o mesmo realismo com que o Governo Lula tem tratado as questões macroeconômicas.

...........................................................................................................

Ao mesmo tempo, é necessário lembrar que o modelo proposto, calcado no investimento público, via estatais - na verdade um retorno, travestido, ao paradigma construído durante a ditadura militar - é causador de desequilíbrios fiscais e endividamento público.

.............................................................................................................

Ministro Palocci e Presidente Lula, essa via é bastante conhecida, assim como suas decorrentes pressões inflacionárias. Não se pode cometer o velho erro de deixar que as políticas setoriais não estejam em sincronia com a política macroeconômica, pois podem ser geradoras de energia elétrica, mas, também, de desequilíbrios estruturais indesejáveis.

.............................................................................................................

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente, acrescentando, mais uma vez, que entrego aqui o pronunciamento, de certa forma alentado, para que seja publicado na íntegra, propondo que iniciemos, nesta Casa, um debate amplo, qualificado, sério, de alto nível - não poderia ser de outra forma, pois não se coadunaria com o Senado - sobre agências reguladoras, políticas de energia, enfim, sobre questões que representariam o bom ou o mau caminho no campo microeconômico - e o Governo atual envereda pelo mau caminho.

No campo macroeconômico, o Governo vai razoavelmente bem. Da Administração - a meu ver -, ele paralisa o País e está sendo paralisado pelas suas perplexidades. No terreno microeconômico, o Governo também está paralisado e, ao contrário, quando não se demonstra paralisado, está indo por caminhos que lembram um passado que não é bom para o País. Ao mesmo tempo, não estão conseguindo entender que, a persistirem por essa via, estão afugentando investimentos significativos na infra-estrutura brasileira a partir do momento zero do Governo Lula e, quem sabe, ao longo de todos os seus quatro anos de gestão.

Muito obrigado, Sr. Presidente. Era o que eu tinha a dizer.

 

*********************************************************************************

SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DO SR. SENADOR ARTHUR VIRGÍLIO

*********************************************************************************

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) -

Sr. Presidente,

Srªs e Srs. Senadores, s

ão inegáveis os pontos de acerto do Governo do Presidente Lula. O retorno da confiança da comunidade financeira internacional, a redução do risco Brasil, a valorização do Real e os sinais de queda da inflação e do desemprego são resultados da implementação de uma política econômica necessária e adequada. Há, é verdade, inesgotáveis argumentos para comprovar que os acertos do Governo do Partido dos Trabalhadores derivam da negação de tudo o que o Partido pregou e que são a maior homenagem que o atual governo poderia prestar ao que o precedeu. No momento, entretanto, é mais importante e original tratar dos erros ainda ocultos do que dos acertos evidentes do novo Governo.

A grande questão que se coloca é: vencidos os desafios fiscais mais prementes, estaremos preparando o País para um salto de desenvolvimento? O que está sendo feito no campo da infra-estrutura corresponde ao que se observa na macroeconomia? Segundo dizem muitos dos técnicos e investidores que me procuram, a resposta é não. E a resposta é não justamente porque, ao contrário do que faz na macroeconomia, no campo da infra-estrutura, em particular no setor elétrico, o PT pretende inovar olhando pelo retrovisor.

O Governo Fernando Henrique recebeu um setor elétrico insustentável, marcado pela inadimplência, pelas obras paralisadas e pelo vazio institucional de sete anos sem novas concessões. Iniciou uma enorme transformação, tentando corrigir distorções do antigo modelo que havia falido e no qual o Estado ocupava todas as posições, planejando, executando, financiando, regulando, fiscalizando e fixando tarifas. A conta tinha sido passada para os contribuintes em 1993 e não foi pequena: 32 bilhões de dólares em valores de hoje.

Adicionalmente, o Governo FHC percebeu que o setor elétrico se tornara muito mais do que um setor da infra-estrutura. Ao longo do tempo, havia se convertido em um instrumento de transferência de renda e de execução de políticas de fomento a outros setores da economia. Diversos dos mecanismos que permitiam subsídios, incentivos, privilégios e compensações se mostraram indutores de ineficiências, distorções e desperdícios, traduzidos na conta paga pelo País.

Um dos aspectos mais importantes na reforma do setor foi a busca da implantação do realismo tarifário, de modo que a energia passasse a ser paga efetivamente por aqueles que a consumiam, ao contrário de como era antes, com o contribuinte - e não o consumidor - pagando parcelas da conta, em decorrência de manipulações de todo o tipo e sem qualquer transparência.

O Governo passado também reconheceu que não poderia continuar atuando em todos os setores econômicos. Em nome da atração de novos capitais, imprescindíveis para a expansão da oferta, e do incentivo à eficiência econômica, dispôs-se a abrir mão da propriedade e do enorme poder cartorial de controlar o dia-a-dia de um setor que movimenta mais de 70 bilhões de reais por ano.

Apesar de pouco percebidas, profundas mudanças legais e estruturais foram adotadas na construção de um ambiente que permitisse a implantação do novo modelo. A opção pela livre comercialização de energia; a separação das atividades de serviço público, ligadas ao monopólio natural de transporte de energia, daquelas atividades competitivas de produção e comercialização; e a criação da Agência Nacional de Energia Elétrica, do Operador Nacional do Sistema e do Mercado Atacadista de Energia, dentre outros aspectos, foram todas iniciativas que compõem esse movimento.

Nos últimos anos vinham sendo construídas as condições para que o setor elétrico evoluísse permanentemente de forma sustentável. Quatro premissas marcam essa trajetória: transparência, liberdade, isonomia e eficiência.

Transparência, ao procurar abrir a todos a “caixa preta” do setor elétrico, em especial nas licitações de novas concessões e nas revisões das tarifas das distribuidoras, convocando a sociedade para discutir até que ponto poderá o consumidor suportar injustas distorções acumuladas, muitas vezes ao longo de décadas.

Liberdade, ao permitir que os consumidores escolhessem seus fornecedores de energia, induzindo às distribuidoras e comercializadoras a buscar sempre adquirir a energia mais barata e confiável para preservar e expandir seus mercados.

Isonomia, ao garantir a todos os agentes o mesmo tratamento, derivado das leis e dos regulamentos setoriais, condição fundamental para a atração de capitais privados para o setor.

Eficiência, como resultado da competição e do funcionamento de um mercado dinâmico, com regras claras, transparentes e isonômicas.

Tudo isso está sendo deixado de lado pela nova gestão, sem que se tenha clareza do caminho alternativo que será implementado. O Ministério de Minas e Energia e o BNDES, e suas vestais do passado, destoam de um Governo que se mostra atento ao futuro. Os sinais que emitem são de um retorno à farsa e às falsas soluções já experimentadas. Pretendem o impensável, o impossível - realizar a expansão do setor elétrico com base em empresas estatais, cuja eficiência esteve sempre ligada ao desmando e ao desperdício dos recursos público: grandes obras e enormes privilégios para empregados e fornecedores.

Os recursos para o financiamento da expansão viriam de... Este é o ponto nevrálgico da proposta. De recursos públicos, concorrendo com outras prioridades governamentais? De financiamentos externos? Do endividamento público? Dos já penalizados consumidores atuais? A proposta em nada se diferencia das de antigos dirigentes setoriais - é sempre bom recordar - nascidos à sombra de um processo notadamente antidemocrático e de uma política econômica excludente.

Ademais, apostam no que é materialmente inviável. Só o segmento de geração demanda cerca de dez bilhões de reais por ano para a expansão da oferta de energia elétrica. A transmissão e a distribuição pediriam mais algo em torno de cinco bilhões de reais para a manutenção da qualidade do serviço e da confiabilidade do sistema. Todo o orçamento de investimentos do Governo Federal para 2003 soma pouco mais de sete bilhões de reais. De onde tirar, portanto, os recursos necessários para o setor elétrico? A Eletrobrás fala em disponibilidades para investimentos, este ano, de cerca de quatro bilhões de reais. E o restante, de onde viria, senão do setor privado? As mudanças não foram feitas, como se vê, por mero capricho ideológico neo-liberal...

Sem qualquer debate mais amplo, o que se percebe é que as medidas anunciadas publicamente e as urdidas nos bastidores apontam na mesma direção: a extinção do MAE e a criação de um comprador único ou pool comprador de energia para o Pais, o enfraquecimento e captura da ANEEL (apesar dos discursos em contrário) e o fortalecimento das estatais federais de energia. Isto é, apontam na direção de algo que já vivemos e cujos resultados continuam sendo pagos pela sociedade brasileira.

Ao mesmo tempo em que aperta o cerco às distribuidoras, na maioria privadas, postergando o reconhecimento da CVA, mudando unilateralmente contratos, como na questão do IGP-M da Parcela A e determinado o parcelamento das revisões tarifárias, o Governo dá sinais de que vai tentar favorecer às suas geradoras, mantendo integralmente o IGPM para as tarifas de geração, ameaçando aumentar, por decreto, os preços do MAE e até mesmo promovendo, de forma anti-competitiva e prejudicial às distribuidoras, incentivos não isonômicos para venda a consumidores finais. Como parte do mesmo movimento, o Governo cerceia a atuação da ANEEL, contingenciando, em nome do equilíbrio fiscal, recursos da taxa de fiscalização, que não são seus, nem têm origem no contribuinte. Os recursos que mantêm a ANEEL vêm do consumidor, que está pagando por algo que não vai receber - como, por exemplo, a fiscalização dos serviços. Eles têm destinação específica estabelecida em lei e não podem ser gastos em qualquer outra finalidade. Isso poderá gerar, para o Governo, inclusive o constrangimento de sofrer uma ação por parte do Ministério Público, em razão do contingenciamento indevido dessa verba.

Vários países, como a Inglaterra, Portugal, Espanha e os Estados Unidos, também estão fazendo mudanças em seus modelos do setor elétrico. Em nenhum deles, porém, está previsto um retrocesso em prejuízo do binômio competição-eficiência. Certamente o nosso processo em curso, até por ter ficado incompleto, precisa de aperfeiçoamentos, muitos dos quais encaminhados no final do Governo passado, mas isso não deve implicar retroceder no que já se avançou.

Vivemos um momento especial. Vamos decidir que competição queremos, se aquela na qual vence o mais capaz e que pode trazer benefícios ao consumidor e à economia, ou aquela que será vencida por quem obtiver mais privilégios e benefícios cartoriais, que só aportam novos custos e ineficiências e apontam para a instrumentalização política de um setor vital para a economia.

Vivemos o risco de o País ficar exposto à mais perversa de todas as alianças políticas, aquela composta por parte do velho empresariado, fortalecido nos cartórios da ditadura militar, sempre em busca de proteção governamental ou de uma reserva de mercado, em acordo com o segmento sindical encastelado nas estatais, que também defende os privilégios dos seus membros.

As “propostas” do novo Governo, frise-se, gestadas sem transparência e que, como boatos, estão circulando nos bastidores são, sobretudo, inconsistentes. Será que a sociedade arcaria com a transferência de recursos orçamentários para suportar a compra de energia por parte do “comprador único” estatal? A sociedade brasileira sabe quais os custos da “solução” que lhe estará sendo apresentada? Dadas as evidentes restrições financeiras do Estado brasileiro e seu passado de manipulação política de contratos, é de se supor que os investidores privados de geração seriam tentados a aumentar seus custos, protegendo-se, legitimamente, contra a muito possível inadimplência do “comprador único”. Por último, qual seria o incentivo à eficiência que estaria sendo incorporado a tal proposta? Parece, afinal, que tudo o que se quer, com fins demagógicos, é transferir a despesa do bolso do consumidor para o bolso do contribuinte.

Outro aspecto de suma importância que vem sendo negligenciado pelo Governo é o da estrutura tarifária ou, de modo mais singelo, a conta de luz. Hoje, o consumidor é onerado por uma carga tributária pesadíssima e uma série de encargos setoriais, além de estar correndo o risco de ter que arcar com energias mais caras, quando outras mais baratas estariam disponíveis. Sobre o tema o governo só se detém em caráter emergencial (como na postergação do pagamento da CVA), mas sem qualquer abordagem estrutural. Antes o discurso se dava em função de uma suposta perversidade do IGP-M, o que parece ter saído de moda, com o arrefecimento das variações do índice. Uma abordagem conceitual e transparente para a questão tarifária ainda é aguardada pela sociedade brasileira.

Enfim, pode-se perguntar: quanto essas indefinições e o espírito saudosista e centralizador vão custar ao País? Se cada indústria, cada consumidor ou, pior, cada contribuinte vai pagar a conta, eles merecem, ao menos, saber o que e porque estarão pagando. Que sinais daremos aos investidores? Que tipo de investidores pretendemos atrair? São questões que se impõem e precisam ser tratadas com o mesmo realismo com que o Governo Lula tem tratado as questões macroeconômicas.

Ao mesmo tempo, é necessário lembrar que o modelo proposto, calcado no investimento público, via estatais - na verdade um retorno, travestido, ao paradigma construído durante a ditadura militar - é, causador de desequilíbrios fiscais e endividamento público.

Ministro Palocci e Presidente Lula, essa via é bastante conhecida, assim como suas decorrentes pressões inflacionárias. Não se pode cometer o velho erro de deixar que as políticas setoriais não estejam em sincronia com a política macroeconômica, pois podem ser geradoras de energia elétrica, mas, também, de desequilíbrios estruturais indesejáveis.

Era o que eu tinha dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/05/2003 - Página 11826