Discurso durante a 71ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a proposta de reforma da Previdência.

Autor
Delcídio do Amaral (PT - Partido dos Trabalhadores/MS)
Nome completo: Delcídio do Amaral Gomez
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PREVIDENCIA SOCIAL.:
  • Considerações sobre a proposta de reforma da Previdência.
Publicação
Publicação no DSF de 06/06/2003 - Página 14395
Assunto
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL.
Indexação
  • NECESSIDADE, DEBATE, SENADO, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, AMBITO, POLITICA, SEGURIDADE SOCIAL, GARANTIA, DIREITOS, SAUDE, ASSISTENCIA SOCIAL, APOSENTADORIA, REGISTRO, DADOS, BENEFICIO PREVIDENCIARIO, IMPORTANCIA, TRANSFERENCIA, RENDA, ZONA RURAL, REDUÇÃO, POBREZA.
  • ANALISE, DADOS, DEFICIT, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS), REGISTRO, DIFERENÇA, SEGURIDADE SOCIAL, PREVIDENCIA SOCIAL.
  • NECESSIDADE, MODERNIZAÇÃO, SISTEMA, PREVIDENCIA SOCIAL, MOTIVO, AUMENTO, EXPECTATIVA, VIDA, BRASILEIROS, INCLUSÃO, ECONOMIA INFORMAL, ANALISE, REGIME, SETOR PRIVADO, SERVIÇO PUBLICO, FORÇAS ARMADAS, PREVIDENCIA COMPLEMENTAR, DEFESA, PROPOSTA, GOVERNO FEDERAL, REFORMULAÇÃO.
  • QUESTIONAMENTO, COBRANÇA, CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIARIA, APOSENTADO, MOTIVO, INFERIORIDADE, ARRECADAÇÃO.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Sr. Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, trouxe, pessoalmente, ao Congresso Nacional, no último dia 30 de abril, o Projeto de Reforma da Previdência Social e disse: “O jogo agora é com os parlamentares.”

Assim, Srªs e Srs. Senadores, proponho agora começarmos, nesta Casa, um dos mais importantes jogos para o futuro deste País: a desmitificação da reforma previdenciária.

É fundamental que tenhamos pleno e total conhecimento sobre este tema, para que possamos decidir com sabedoria e sobriedade, tendo em vista a importância dos seus reflexos na vida do cidadão brasileiro.

Até o momento, tem-se entendido a necessidade da reforma da Previdência de diversas formas: ou como uma das imposições do Fundo Monetário Internacional - FMI, para equacionar o déficit do Tesouro Nacional, ou para acabar com os privilégios dos servidores públicos e de categorias profissionais do setor privado que se aposentam com tempo de serviço reduzido, ou para acabar com os recorrentes rombos de um sistema previdenciário deficitário. No entanto, não se tem feito qualquer associação à necessidade de uma reforma da Previdência Social num contexto mais amplo, ou seja, de uma política de seguridade social.

É interessante lembrar que a Constituição de 1988 avançou muito ao organizar um Sistema Integrado de Seguridade Social, como definido no artigo 194: “A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.”

A saúde pública e a assistência social são, assim, direitos sociais claros de cidadania, financiados por impostos pagos pela sociedade, de forma direta e indireta, cabendo ao Estado o dever de garantir amparo aos doentes, aos portadores de deficiências e proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice. Além do mais, as pessoas portadoras de deficiência física e os idosos, que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, têm garantido um salário mínimo de benefício mensal.

A seguridade social conta com diversas fontes de recursos. Entre elas podemos destacar:

1. recursos orçamentários da União, dos Estados e Municípios, especificamente destinados para este fim;

2. contribuições sociais específicas dos empregadores e empresas (sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho das pessoas por eles contratados);

3. Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - COFINS;

4. Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL;

5. contribuição sobre a receita de concursos de prognósticos; e

6. Contribuição Sobre Movimentação Financeira - CPMF.

Em 2002, a Previdência Social gastou R$88 bilhões, ou 6,78% do Produto Interno Bruto - PIB, com benefícios sociais, atingindo a marca histórica de 21,1 milhões de benefícios pagos mensalmente. Considerando dados do IBGE - para cada beneficiário direto há 2,5 pessoas que se beneficiam indiretamente - os benefícios pagos chegaram a 74 milhões de pessoas, ou 42,3% da população brasileira.

Tais recursos, quando aplicados às pessoas da área rural são destinados ao auxílio de famílias que vivem em economia de subsistência, ao financiamento de pequenas produções que acabam por dinamizar o comércio e reduzir a migração das áreas rurais para as grandes cidades e garantir renda na época de entressafra local.

No Brasil, a previdência social tem um papel importante na transferência de renda da área urbana para a área rural. Em seis de cada dez municípios brasileiros, a renda proveniente da Previdência Social supera o Fundo de Participação dos Municípios - FPM.

Como se pode ver, Srªs e Srs. Senadores, a política de seguridade social no Brasil - saúde pública, previdência e assistência social - pode se constituir em um importantíssimo programa de distribuição de renda e de redução da pobreza.

Em 2002, o déficit declarado do INSS foi da ordem de R$17 bilhões, ou 1,31% do PIB; no entanto, não existe uma separação clara entre o que seja o déficit da previdência social e o déficit da seguridade social, que é um conceito muito mais amplo.

Só para a previdência rural foi destinado um montante de R$14,8 bilhões (86,9% do déficit total), enquanto houve uma arrecadação de contribuições rurais de R$2,3 bilhões, o que configura uma contrapartida contributiva pequena ou quase inexistente e a caracteriza plenamente como benefício da seguridade social.

O conceito de seguridade social estabelecido pelo artigo 194 da Constituição brasileira de 1988 possibilita, portanto, a instituição de benefícios sociais não-contributivos para o combate à pobreza, assim como permite a criação de canais de distribuição de renda.

Na Mensagem Presidencial ao Congresso Nacional, no início dos trabalhos legislativos do corrente ano, o Senhor Presidente da República assim se expressou: “Com 6,9 milhões de benefícios anuais, a Previdência Rural é o maior programa de transferência de renda do País”.

E disse mais, na mesma Mensagem ao Congresso Nacional: “A expansão da Previdência Social está ajudando a reduzir os níveis de pobreza no País. Caso não existissem os pagamentos feitos pelo sistema previdenciário, o percentual de pobres aumentaria de 34% para 45,3% da população, ou seja, o número de pobres aumentaria de 54,5 milhões para 72,6 milhões. O gasto da Previdência Social foi responsável pela diminuição de 11,3 pontos percentuais nos níveis de pobreza em 1999. Não fosse essa política pública, haveria 18,1 milhões a mais de pobres.”

Assim, para o Governo Federal, a Previdência Social privada tem desempenhado papel fundamental na redução da pobreza e na política de reequilíbrio e desenvolvimento regional, com significativa transferência de renda para a população, principalmente para as áreas rurais.

A razão do comentário é mostrar que a Previdência tem, efetivamente, promovido a distribuição de renda no País, mesmo num quadro deficitário como o atual, e também a necessidade de se destacar, claramente, a diferença entre seguridade social e previdência social, algo que precisa ser levado em consideração para que seja feita uma análise fria do déficit específico da nossa Previdência.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eis porque falei em desmistificação da Reforma Previdenciária. É imperioso separar a Previdência Social, que tem uma relação contributiva, da Seguridade Social. Esta tem sua característica própria e os benefícios decorrentes de suas ações não podem ser considerados como deficitários, pois resultam de impostos pagos pela sociedade. Não se diz que um hospital ou uma escola pública sejam deficitários, ou que seja déficit o pagamento a um deficiente físico ou ao idoso que não possuem meios de prover a própria manutenção.

Portanto, neste momento, devemos centrar nossa análise sobre a previdência social, que é alvo do projeto de reforma em tramitação no Congresso Nacional, sem perder de vista sua inclusão num sentido mais amplo da seguridade social.

A PREVIDÊNCIA SOCIAL

A Previdência social possui quatro regimes diferentes, quais sejam: o Regime Geral da Previdência Social (RGPS); o Regime Previdenciário voltado para os Servidores Públicos; o Regime dos Servidores Militares e o Regime de Previdência Complementar.

O Regime Geral da Previdência Social, administrado pelo Instituto Nacional de Seguro Social - INSS, inclui obrigatoriamente todos os trabalhadores do setor privado, segundo disposto nas Leis Trabalhistas, bem como empregados autônomos, domésticos, rurais e segurados facultativos.

As contribuições variam de 8 a 11% até o benefício com teto máximo de R$1.561,00, havendo o caso de alíquotas de contribuição diferenciada para empregados domésticos, por exemplo.

O Regime Geral de Previdência Social está estruturado pelo Sistema de Repartição Simples, ou seja, as contribuições dos empregados de hoje são destinadas a cobrir o pagamento dos atuais aposentados. É um pacto social: os ativos pagam pelos inativos. Toda a receita das contribuições previdenciárias do ano é destinada a cobrir os gastos, do ano, com os benefícios dos inativos. Não existe a hipótese de formação de reserva para capitalização futura.

Dessa forma, os atuais contribuintes, quando passarem para a condição de inativos, encontrarão garantia na contribuição das futuras gerações. Assim, este Sistema só tem equilíbrio, se houver, no longo do prazo, uma relação estável entre o número de contribuintes e de beneficiários.

Até a década de 60, o Brasil era considerado o País do futuro, com uma população jovem, e, para cada brasileiro inativo, existiam pelo menos outros sete trabalhando. O número de contribuintes era muito superior ao dos inativos.

Além do mais, a expectativa de vida do brasileiro nessa época girava em torno de 55 anos. O brasileiro que começasse a trabalhar com 18 anos poderia se aposentar por tempo de serviço, após 35 anos, com 53 anos. O inativo gozava então seu benefício, em média, por dois anos.

Com o objetivo de fazer justiça social, foram iniciadas as concessões de redução de tempo de trabalho, as chamadas aposentadorias especiais, àquelas categorias profissionais cujas profissões se caracterizavam como atividades de risco - eletricistas, químicos, mineradores, radiologistas, professores, e uma gama imensa de outras profissões, cujo trabalho exigia efetiva exposição aos agentes físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física.

Isto, associado à crescente elevação da expectativa de vida do brasileiro - 68,9 anos, dados de 2001, IBGE -, em função dos investimentos governamentais em saneamento básico, saúde, educação, etc., provocou o aparecimento das aposentadorias precoces na década de 90, com a inatividade iniciando-se perto dos quarenta anos de idade. E muitos inativos passaram a ficar mais tempo nessa condição, recebendo aposentadorias por mais tempo que o efetivamente trabalhado.

A par dessas evoluções, vieram as modificações aprovadas pela Constituição de 1988, criando benefícios sem a cobertura financeira plena. Só a criação de benefícios de aposentadoria para todos os brasileiros com mais de 65 anos, homens, e 60 anos, mulheres, mesmo para os que nunca contribuíram, gerou despesas anuais da ordem de R$15,0 bilhões.

De outra forma - isso é muito importante - , a economia entrou em fase de estagnação, e lá se vão quase duas décadas perdidas, gerando desemprego e subemprego, com enorme aumento do trabalho informal. Se na década de 70 houve aumento de 7,9% no número de contribuintes, nos anos 90 ele foi de apenas 0,8%.

Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD/IBGE - 2001, existem no setor privado 40,7 milhões de brasileiros, que correspondem a 56,1% da população ocupada total, que não contribuem para a Previdência Social, ou seja, se encontram no mercado informal da economia, sem nenhum direito social. Deste total, aproximadamente 19,8 milhões estão totalmente à margem do sistema, porque não têm nenhuma capacidade contributiva - ganham menos de um salário mínimo ou não têm remuneração. São os excluídos. E que, no futuro, irão engrossar os gastos com benefícios sociais.

Quanto maior o mercado informal de trabalho, menor será a base contributiva e, por via de conseqüência, maior será o déficit previdenciário e o gasto assistencial, pois quem não contribui hoje, não terá amanhã acesso aos benefícios previdenciários.

É fácil, portanto, inferir, do acima exposto, a necessidade de mudanças na Previdência Social, deixando principalmente de confundi-la com a Seguridade Social, que objetiva assegurar os direitos sociais à população brasileira, sem a contrapartida contributiva.

A PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES PÚBLICOS

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, vou tratar agora do Sistema Previdenciário dos Funcionários Públicos.

É um regime também por repartição simples, com algumas diferenças em relação ao Regime Geral de Previdência Social - RGPS:

a) a aposentadoria do servidor público é igual à última remuneração na ativa, enquanto a dos trabalhadores do setor privado, regidos pelo Regime Geral da Previdência Social, é limitada ao teto de R$1.561,00;

b) o funcionário público recolhe 11% sobre o valor integral de seus vencimentos, enquanto que a contribuição do segurado do INSS varia de 8% a 11%, até o teto de R$1.561,00;

c) o limite de idade para o servidor público é de 53 anos para homens e de 48 anos para mulheres, enquanto que o do trabalhador do setor privado é de 60 anos para homens e 55 anos para mulheres;

d) o servidor originário do setor privado, independentemente do tempo de serviço e de contribuição ao INSS, se aposenta pelo regime do serviço público, ou seja, com a sua última remuneração.

Essas características e todos os demais problemas do Regime Geral da Previdência Social - envelhecimento populacional e conseqüente desequilíbrio entre o número de ativos e inativos; elevação da expectativa de vida, redução do tempo de serviço por motivo de periculosidade; benefícios sem cobertura financeira plena e, principalmente, a estagnação da economia, com profunda redução do quadro funcional - acarretaram a inviabilidade do atual sistema, tendo em vista que, na lógica da repartição simples, o crescimento econômico é chave para o equilíbrio de longo prazo, pois a sustentação da renda dos inativos depende da capacidade de geração de renda dos empregados na ativa.

Infelizmente, Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, administrações passadas foram imprevidentes. Deixaram a Previdência Social - tanto a privada quanto a pública - atingir o quadro atual de desequilíbrio, com um déficit de R$56,2 bilhões em 2002. Destes, R$39,2 bilhões apenas no regime do setor público.

Há, portanto, uma necessidade premente de mudanças no sistema previdenciário nacional, que tenha como objetivo, e não poderia ser diferente, alcançar o reequilíbrio das contas da Previdência Social. Quaisquer outros objetivos, tais como “acabar com os privilégios dos servidores públicos”, “tornar o sistema mais justo, aproximando as aposentadorias dos setores público e privado”...

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Já concluo, Sr. Presidente.

(...) ”criar um sistema mais universal e menos desigual, com pisos e tetos não muito distantes entre si”, etc., são simples colocações de quem desconhece a realidade brasileira e tem uma visão míope do problema previdenciário.

Diz-se que boa parte do déficit da Previdência decorre dos desequilíbrios contributivos que favorecem os servidores do setor público em detrimento dos trabalhadores privados, e acha-se um absurdo que a média de aposentadoria do setor privado seja de R$374,89, enquanto que a média do setor público (Executivo) atinja R$2.272,00, em valores de 2002.

Falar-se em média das aposentadorias dos setores privado e público tem o mesmo significado que comparar o nosso pobre salário mínimo de R$240,00 com o teto salarial do setor público, de R$12.720,00. A correlação é absurda.

No setor privado, todo trabalhador recolhe durante até 35 anos sobre um valor máximo de 10 salários mínimos. Lógico, portanto, que a média será muito baixa, inferior a 10 salários mínimos e, principalmente, será condicionada para baixo, para valores bem inferiores a esse limite, devido ao grande número de empregados que recebem apenas um salário mínimo.

Já no setor público, os servidores, que não têm alguns benefícios do setor privado, como o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, por exemplo, não recolhem sobre o teto de dez salários mínimos, mas sobre a sua remuneração total. O Governo faz assim também a função da Previdência Complementar, pois os funcionários públicos contribuíram sobre a totalidade da remuneração. Nada mais justo, portanto, que tenham aposentadorias que ultrapassem o teto do INSS - e uma média maior -, visto que contribuíram para isso durante anos.

Há o caso de servidores que não contribuíram durante todo o tempo e que foram beneficiados pela Constituição de 1988, ao transformar alguns celetistas em servidores públicos, enquadrando-os no Regime Jurídico Único - RJU. Nesse caso, existem ainda alguns servidores que contribuíram por anos para entidades de Previdência Complementar Privada - funcionários do Banco Central, do Ipea, do CNPq - e passaram para o Regime Jurídico Único. Contribuíram, portanto, durante todo o tempo trabalhado sobre a sua remuneração total.

Cabe aqui lembrar a imprevidência do Governo, que contribuiu com as entidades de previdência privada, relativamente à sua contrapartida para os planos de aposentadoria complementar daqueles funcionários, e que não se apropriou dessa poupança, quando esses funcionários foram transferidos para o Regime Jurídico Único. Sendo assim, o Governo assumiu a aposentadoria integral, inclusive a parcela complementar que caberia às entidades de previdência privada, mas não trouxe a reserva relativa à sua contrapartida nas entidades de Previdência Complementar.

Assim, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, foram muitos os erros cometidos pelos diversos Governos anteriores com a nossa Previdência Social. Abandonaram o sistema de capitalização, pois havia a necessidade de se usarem as reservas para outros objetivos nacionais. O sistema de repartição simples resolvia bem o problema, no princípio, pois havia mais ativos do que inativos. Até meados da década de 90, a Previdência era superavitária.

Mas as repercussões dos benefícios da Constituição de 1988, a estagnação da economia, o desmonte do Estado pela reforma administrativa e a implantação de políticas específicas concedendo subsídios a diversos setores da economia -- pequenas e médias empresas optantes do Simples, entidades filantrópicas, clubes de futebol, segurados especiais, etc -- determinaram a situação de desequilíbrio da Previdência Social, que não pode ser imputada simplesmente a “privilégios dos servidores públicos” ou a meros aspectos atuariais. São várias as políticas de relevante impacto social que condicionaram o desequilíbrio da Previdência Social, ou, melhor dizendo, da Seguridade Social.

Concluo, Sr. Presidente, desta vez de forma definitiva, dizendo que o regime de repartição simples é inadequado para os benefícios de longa duração, tanto que a Previdência Complementar Privada adota o sistema de capitalização. A repartição simples só é viável, no longo prazo, se houver equilíbrio entre ativos e inativos. Há que se pensar, portanto, no sistema de capitalização, evoluindo para um Sistema de Previdência com Contribuição Definida. Quase todas as empresas estatais, privatizadas ou não, já mudaram ou estão em processo de mudança de Planos de Benefício Definido para Planos de Contribuição Definida.

Para o Regime Geral de Previdência Social, o RGPS, há necessidade de um esforço para um verdadeiro processo de “inclusão social” por meio de incentivos à filiação e contribuição, reduzindo a informalidade. Além disso, é fundamental a ampliação de medidas de combate à sonegação e fraudes e, principalmente, um trabalho direcionado para a recuperação de créditos referentes às dívidas para com a Previdência Social, estimadas em R$150 bilhões no ano de 2003.

Com relação à Previdência Pública, entendemos como bastante coerentes as alternativas propostas pelo Governo, no que se refere à limitação da idade mínima para a aposentadoria, tendo em vista a elevação da expectativa de vida da população brasileira; à determinação do redutor de benefícios para aqueles servidores que anteciparem a sua aposentadoria (5% por ano que faltar para atingir a idade mínima, limitada a 35%); à fixação do mesmo teto de R$2,4 mil tanto para a iniciativa privada quanto para o servidor público, para os servidores que ingressarem a partir de agora no serviço público, passando estes a contribuir para Fundos de Previdência Complementar, para receber vencimento adicional; à limitação do valor das aposentadorias ao teto constitucional referente aos três Poderes, no valor de R$12.720,00; e à...

O SR. PRESIDENTE (José Sarney. Fazendo soar a campainha.) - Senador Delcídio Amaral, como haverá a posse do Presidente do Supremo Tribunal Federal, interrompo V. Exª para entrarmos na Ordem do Dia rapidamente. Em seguida, assegurarei a palavra a V. Exª, para que termine seu discurso.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Pois não, Sr. Presidente.

O SR. PRESIDENTE (José Sarney) - Concedo a palavra ao Senador Delcídio Amaral, por cinco minutos, para concluir o seu discurso.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Concluo, Sr. Presidente, o meu pronunciamento.

Gostaria também de apresentar o meu ponto de vista como de absoluta pertinência à questão dos servidores oriundos da iniciativa privada, ingressados no serviço público, que terão suas aposentadorias proporcionais aos tempos de serviço na iniciativa privada e no setor público.

Gostaria de registrar que, em 2001, o Governo Federal, atendendo às exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101, de 04.05.2001), desenvolveu um trabalho, elaborando avaliações atuariais que calculam o valor da contribuição em função do benefício a ser recebido quando da aposentadoria, para o Regime Geral de Previdência Social - RGPS, para os benefícios assistenciais previstos na Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS (Lei nº 8.742, de 07.12.1993), para o Regime dos Servidores Civis do Poder Executivo da União e para o Regime dos Militares da União.

As projeções do déficit para o grupo de servidores civis e militares, exceto Estados e Municípios, demonstram uma estabilização no patamar de 2,1% do PIB para o período de 2001 a 2020. Adicionando-se o déficit do Regime Geral da Previdência Social, atingir-se-ia o valor próximo de 3,1% do PIB ao ano, no período de 2001 a 2020.

Evidentemente, esses resultados são extremamente sensíveis às hipóteses consideradas. A premissa de crescimento da economia (3,5% do PIB ao ano, por exemplo) afeta positivamente a arrecadação em geral e diminui o peso relativo da despesa e do déficit.

Fica claro, assim, que uma das causas fundamentais da crise da previdência decorre dos rumos da economia. A retomada do crescimento econômico, com a crescente geração de emprego e renda como conseqüência, reduziria o déficit da previdência.

Dessa forma, considerando a taxa de crescimento do PIB de 4,25%, com que o Governo do Presidente Lula trabalha como premissa da Lei de Diretrizes Orçamentárias - LDO para 2004, bem como as alterações da reforma da previdência, acredito que o déficit previdenciário tenda a diminuir do patamar dos 3,1% dos estudos atuariais citados acima.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, acredito que a reforma da Previdência e a reforma tributária deverão criar plenas condições para a retomada do crescimento econômico, reduzindo-se, assim, a crise previdenciária.

Para a avaliação do mérito da cobrança, ou não, dos aposentados e pensionistas, é muito importante que se observe o equilíbrio das contas da Previdência, em função das medidas constantes da reforma da previdência enviada à Câmara dos Deputados, até porque essa taxação não geraria uma arrecadação maior que R$1 bilhão e promoveria um desgaste político grande. Portanto, a pertinência dessa proposta deve ser bastante analisada nesta Casa.

O SR. PRESIDENTE (Romeu Tuma) - Desculpe-me, mas peço a V. Exª que não conceda apartes, para não avançar ainda mais no seu tempo.

O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Para encerrar, Sr. Presidente, o princípio de não tributar benefício, no meu ponto de vista, é correto.

Agradeço sua paciência e peço que registre, na íntegra, este discurso.

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, O DISCURSO DO SR. SENADOR DELCÍDIO AMARAL.

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O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS) - Sr. Presidente, Srªs e Srs Senadores. o Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva trouxe, pessoalmente, ao Congresso Nacional, no último dia 30 de abril, o Projeto de Reforma da Previdência Social e disse: - “O jogo agora é com os parlamentares.”

Assim, Senhoras Senadoras e Senhores Senadores, proponho agora começarmos, nesta Casa, um dos mais importantes jogos para o futuro deste País: - a desmistificação da Reforma Previdenciária.

É fundamental que tenhamos pleno e total conhecimento sobre este tema, para que possamos decidir com sabedoria e sobriedade, tendo em vista a importância dos seus reflexos na vida do cidadão brasileiro.

Até o momento, tem-se entendido a necessidade da Reforma da Previdência de diversas formas: - ou, como uma das imposições do Fundo Monetário Internacional - FMI, para equacionar o Déficit do Tesouro Nacional ou para acabar com os privilégios dos servidores públicos e de categorias profissionais do setor privado que se aposentam com tempo de serviço reduzido, ou para acabar com os recorrentes rombos de um Sistema Previdenciário deficitário. No entanto, não se tem feito qualquer associação à necessidade de uma Reforma da Previdência Social num contexto mais amplo, ou seja, de uma política de Seguridade Social.

É interessante lembrar que a Constituição de 1988 avançou muito ao organizar um Sistema Integrado de Seguridade Social, como definido no Artigo 194: “A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.”

A saúde pública e a assistência social são assim direitos sociais claros de cidadania, financiados por impostos pagos pela sociedade, de forma direta e indireta, cabendo ao Estado o dever de garantir amparo aos doentes, aos portadores de deficiências e proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice. Além do mais, as pessoas portadoras de deficiência física e os idosos, que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, têm garantido um salário mínimo de benefício mensal.

A seguridade social conta com diversas fontes de recursos. Entre elas podemos destacar:

1.    recursos orçamentários da União, Estados e Municípios, especificamente destinados para este fim;

2.    contribuições sociais específicas dos empregadores e empresas (sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho das pessoas por eles contratados);

3.    Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - COFINS;

4.    Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL;

5.    Contribuição sobre a receita de concursos de prognósticos e

6.    Contribuição Sobre Movimentação Financeira - CPMF

 Em 2002, a Previdência Social gastou R$ 88, 0 bilhões, ou 6,78% do Produto Interno Bruto - PIB, com benefícios sociais, atingindo a marca histórica de 21,1 milhões de benefícios pagos mensalmente. Considerando dados do IBGE - para cada beneficiário direto há 2,5 pessoas que se beneficiam indiretamente - os benefícios pagos chegaram a 74 milhões de pessoas, ou 42,3% da população brasileira.

Tais recursos, quando aplicados às pessoas da área rural são destinados ao auxilio das famílias que vivem em economia de subsistência, ao financiamento de pequenas produções que acabam por dinamizar o comércio e reduzir a migração das áreas rurais para as grandes cidades e garantem renda na época de entressafra local.

No Brasil, a previdência social tem um papel importante na transferência de renda da área urbana para a área rural. Em seis de cada dez municípios brasileiros, a renda proveniente da Previdência Social supera o Fundo de Participação dos Municípios - FPM.

Como se pode ver, Senhoras e Senhores Senadores, a política de seguridade social no Brasil - saúde pública, previdência e assistência social - pode se constituir em um importantíssimo programa de distribuição de renda e de redução da pobreza.

  Em 2002, o déficit declarado do INSS foi da ordem de R$ 17,0 bilhões, ou 1,31% do PIB, no entanto, não existe uma separação clara entre o que seja o déficit da previdência social e o déficit da seguridade social.

Só para a previdência rural foi destinado um montante de R$ 14,8 bilhões (86,9% do déficit total) contra uma arrecadação de contribuições rurais de R$ 2,3 bilhões, o que configura uma contrapartida contributiva pequena ou quase inexistente, e a caracteriza plenamente como benefício da seguridade social.

O conceito de seguridade social estabelecido pelo artigo 194 da Constituição Brasileira de 1988, possibilita, portanto, a instituição de benefícios sociais não-contributivos para o combate à pobreza, assim como permite a criação de canais de distribuição de renda.

                  Na Mensagem Presidencial ao Congresso Nacional, no início dos trabalhos legislativos do corrente ano, o senhor Presidente da República assim se expressou: - “Com 6,9 milhões de benefícios anuais, a Previdência Rural é o maior programa de transferência de renda do País.”

E disse mais, na mesma Mensagem ao Congresso Nacional: - “A expansão da Previdência Social está ajudando a reduzir os níveis de pobreza no País. Caso não existissem os pagamentos feitos pelo sistema previdenciário, o percentual de pobres aumentaria de 34% para 45,3% da população, ou seja, o número de pobres aumentaria de 54,5 milhões para 72,6 milhões. O gasto da Previdência Social foi responsável pela diminuição de 11,3 pontos percentuais nos níveis de pobreza em 1999. Não fosse essa política pública, haveria 18,1 milhões a mais de pobres.”

Assim, para o Governo Federal, a Previdência Social privada tem desempenhado papel fundamental na redução da pobreza e na política de reequilíbrio e desenvolvimento regional, com significativa transferência de renda para a população, principalmente para as áreas rurais.

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, eis porque falei em desmistificação da Reforma Previdenciária. É imperioso separar a Previdência Social, que tem uma relação contributiva, da Seguridade Social. Esta tem sua característica própria, e os benefícios decorrentes de suas ações não podem ser considerados como deficitários, pois resultam de impostos pagos pela sociedade. Não se diz que um hospital ou uma escola pública sejam deficitários. Ou que seja déficit o pagamento a um deficiente físico ou ao idoso que não possuem meios de prover a própria manutenção.

Portanto, neste momento, devemos centrar nossa análise sobre a Previdência Social, que é alvo do Projeto de Reforma em tramitação no Congresso Nacional, sem perder de vista sua inclusão num sentido mais amplo da Seguridade Social.

A PREVIDÊNCIA SOCIAL

A Previdência Social possui quatro regimes diferentes, quais sejam: o Regime Geral da Previdência Social (RGPS); o Regime Previdenciário voltado para os Servidores Públicos; o Regime dos Servidores Militares e o Regime de Previdência Complementar.

O Regime Geral da Previdência Social, administrado pelo Instituto Nacional de Seguro Social - INSS, inclui obrigatoriamente todos os trabalhadores do setor privado, segundo disposto nas Leis Trabalhistas, bem como empregados autônomos, domésticos, rurais e segurados facultativos.

As contribuições variam de 8 a 11% até o benefício com teto máximo de R$ 1.561,00, havendo o caso de alíquotas de contribuição diferenciada para empregados domésticos, por exemplo.

O Regime Geral de Previdência Social está estruturado pelo Sistema de Repartição Simples, ou seja, as contribuições dos empregados de hoje são destinadas a cobrir o pagamento dos atuais aposentados. É UM PACTO SOCIAL, OS ATIVOS PAGAM PELOS INATIVOS. Toda a receita das contribuições previdenciárias do ano é destinada a cobrir os gastos, do ano, com os benefícios dos inativos. Não existe a hipótese de formação de reserva para capitalização futura.

Dessa forma, os atuais contribuintes, quando passarem para a condição de inativos encontrarão garantia na contribuição das futuras gerações. Assim, este Sistema só tem equilíbrio, se houver, no longo prazo, uma relação estável entre o número de contribuintes e de beneficiários.

Até a década de 60, o Brasil era considerado o País do futuro, com uma população jovem e, para cada brasileiro inativo, existiam pelo menos outros sete trabalhando. O número de contribuintes era muito superior ao dos inativos.

Além do mais, a expectativa de vida do brasileiro nessa época girava em torno de 55 anos. O brasileiro que começasse a trabalhar com 18 anos poderia se aposentar por tempo de serviço (35 anos), com 53 anos. O inativo gozava então seu benefício, em média, por dois anos.

Com o objetivo de justiça social, foram iniciadas as concessões de redução de tempo de trabalho, as chamadas aposentadorias especiais, àquelas categorias profissionais cujas profissões se caracterizavam como atividades de risco - eletricistas, químicos, mineradores, radiologistas, professores, e uma gama imensa de outras profissões, cujo trabalho exigia efetiva exposição aos agentes físicos, biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física.

Isto, associado à crescente elevação da expectativa de vida do brasileiro - 68,9 anos, dados de 2001, IBGE - em função dos investimentos governamentais em saneamento básico, saúde, educação, etc provocaram o aparecimento das aposentadorias precoces da década de 90, com a inatividade iniciando-se próxima aos quarenta anos de idade. E, muitos inativos passaram a ficar mais tempo nessa condição, recebendo aposentadorias por mais tempo que o efetivamente trabalhado.

A par dessas evoluções, vieram as modificações aprovadas pela Constituição de 1988, criando benefícios sem a cobertura financeira plena. Só a criação de benefícios de aposentadoria para todos os brasileiros com mais de 65 anos (homens) e 60 anos (mulheres), mesmo aos que nunca contribuíram, gerou despesas anuais da ordem de R$ 15,0 bilhões.

De outra forma, a economia entrou em fase de estagnação, e lá se vão quase duas décadas perdidas, gerando desemprego e subemprego, com enorme aumento do trabalho informal. Se na década de 70 houve aumento de 7,9% no número de contribuintes, nos anos 90 ele foi de apenas 0,8%.

Segundo dados da Pesquisa Nacional de Amostras por domicílio - PNDA/IBGE - 2001, existem no setor privado 40,7 milhões de brasileiros, que correspondem a 56,1% da população ocupada total, que não contribuem com a previdência social, ou seja, se encontram no mercado informal da economia, sem nenhum direito social. Deste total, aproximadamente 19,8 milhões estão totalmente à margem do sistema porque não têm nenhuma capacidade contributiva - ganham menos de 1 Salário Mínimo, ou não têm remuneração. SÃO OS EXCLUÍDOS. E que, no futuro, irão engrossar os gastos com benefícios sociais.

Quanto maior o mercado informal de trabalho, menor será a base contributiva, e por via de conseqüência, maior será o déficit previdenciário e o gasto assistencial, pois quem não contribui hoje, não terá amanhã acesso aos benefícios previdenciários.

É fácil portanto inferir, do acima exposto, a necessidade de mudanças na previdência social, deixando principalmente de confundi-la com a Seguridade Social, que objetiva assegurar os direitos sociais à população brasileira, sem a contrapartida contributiva.

A PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES PÚBLICOS

Senhor Presidente, Senhoras Senadoras e Senhores Senadores, vou tratar agora do Sistema Previdenciário dos Funcionários Públicos.

É um regime também por repartição simples, com algumas diferenças em relação ao Regime Geral de Previdência Social - RGPS:

a) a aposentadoria do servidor público é igual à última remuneração na ativa, enquanto os trabalhadores do setor privado, regidos pelo Regime Geral da Previdência Social, é limitada ao teto de R$ 1.561,00;

b) o funcionário público recolhe 11% sobre o valor integral de seus vencimentos, enquanto que a contribuição do segurado do INSS varia de 8 a 11%, até o teto de R$ 1.561,00;

c) o limite de idade para o servidor público é de 53 anos (homem) e de 48 anos (mulher), enquanto que o trabalhador do setor privado é de 60 anos (homem) e 55 anos (mulher);

d) servidor originário do setor privado, independente do tempo de serviço e de contribuição ao INSS, se aposenta pelo regime do serviço público, ou seja, com a sua última remuneração;

Com essas características, e todos os demais problemas do Regime Geral da Previdência Social - envelhecimento populacional e conseqüente desequilíbrio entre o número de ativos e inativos; a elevação da expectativa de vida, a redução do tempo de serviço por motivo de periculosidade; os benefícios sem cobertura financeira plena e, principalmente, a estagnação da economia, com profunda redução do quadro funcional - acarretaram a inviabilidade do atual sistema, tendo em vista que, na lógica da repartição simples, o crescimento econômico é chave para o equilíbrio de longo prazo, pois a sustentação da renda dos inativos depende da capacidade de geração de renda dos empregados na ativa.

Infelizmente, Senhor Presidente, Senhoras Senadoras e Senhores Senadores, os Governos passados foram bastante imprevidentes. Deixaram a Previdência Social - tanto a privada quanto a pública - atingirem o quadro atual de desequilíbrio, com um déficit de R$ 56,2 bilhões em 2002. Destes, R$ 39,2 bilhões, apenas no regime do setor público.

Há, portanto, uma necessidade premente de mudanças no sistema previdenciário nacional, que tenha como objetivo, e não poderia ser diferente, o de alcançar o reequilíbrio das contas da Previdência Social. Qualquer outro objetivo, tais como “acabar com os privilégios dos servidores públicos”; “tornar o sistema mais justo, aproximando as aposentadorias dos setores público e privado”; “criar um sistema mais universal e menos desigual, com pisos e tetos não muito distantes entre si”; etc, são simples colocações de quem desconhece a realidade brasileira e tem uma visão míope do problema previdenciário.

Diz-se que boa parte do déficit da Previdência decorre dos desequilíbrios contributivos que favorecem os servidores do setor público em detrimento dos trabalhadores privados e, acha-se um absurdo, que a média de aposentadoria do setor privado seja de R$ 374,89, enquanto que a média do setor público (executivo) atinja R$ 2.272,00, em valores de 2002.

Falar-se em média das aposentadorias dos setores privado e público, tem o mesmo significado que comparar o nosso pobre Salário Mínimo (SM) de R$ 240,00 com o teto salarial do setor público, de R$ 12.720,00. A correlação é absurda.

No setor privado, todo trabalhador recolhe durante até 35 anos, sobre um valor máximo de 10 Salários Mínimos. Lógico, portanto, que a média será muita baixa, inferior a 10 Salários Mínimos e, principalmente, será condicionada para baixo, para valores bem inferiores a esse limite, devido ao grande número de empregados que recebem apenas 1 Salário Mínimo.

Entretanto, é interessante lembrar que os executivos da iniciativa privada (ou das empresas públicas) que recebem altos salários, se aposentam pelo INSS com esse valor de 10 Salários Mínimos, pois contribuíram sobre 10 Salários Mínimos. Mas recebem complementação (que não entra na média do setor privado) por entidades de Previdência Complementar Privada, os conhecidos Fundos de Pensão, por terem contribuído para essas entidades, no mesmo período, num percentual elevado sobre a parcela de remuneração excedente aos 10 Salários Mínimos.

Já no setor público, os servidores, que não têm alguns benefícios do setor privado como o FGTS, por exemplo, não recolhem sobre o teto de 10 Salários Mínimos, mas sobre a sua remuneração total. O Governo faz assim, também, a função da Previdência Complementar, pois os funcionários públicos contribuíram sobre a totalidade da remuneração. Nada mais justo, portanto, que tenham aposentadorias que ultrapassem o teto do INSS - e uma média maior - visto que contribuíram para isso durante anos.

Há o caso de servidores que não contribuíram durante todo o tempo e que foram beneficiados pela Constituição de 1988, ao transformar alguns celetistas em servidores públicos, enquadrando-os no Regime Jurídico Único - RJU. Nesse caso, existem ainda alguns servidores que contribuíram por anos, para entidades de Previdência Complementar Privada - funcionários do Banco Central, do IPEA, CNPQ, por exemplo - e passaram para o RJU. Contribuíram, portanto, durante todo o tempo trabalhado sobre a sua remuneração total.

Cabe aqui lembrar a imprevidência do Governo, que contribuiu com as entidades de Previdência Privada, relativamente à sua contrapartida para os planos de aposentadoria complementar daqueles funcionários e que não se apropriou dessa poupança, quando esses funcionários foram transferidos para o RJU. Sendo assim, o Governo assumiu a aposentadoria integral, inclusive a parcela complementar que caberia às entidades de previdência privada, mas não trouxe a reserva relativa à sua contrapartida nas Entidades de Previdência Complementar.

Assim, Senhor Presidente, Senhoras Senadoras e Senhores Senadores, foram muitos os erros cometidos pelos diversos Governos anteriores com a nossa Previdência Social. Abandonaram o sistema de capitalização, pois havia necessidade de se usar as reservas para outros objetivos nacionais. O sistema de repartição simples resolvia bem o problema, no princípio, pois havia mais ativos do que inativos. Até meados da década de 90, a Previdência era superavitária.

Mas as repercussões dos benefícios da Constituição de 1988, a estagnação da economia, o desmonte do Estado pela Reforma Administrativa e a implantação de políticas específicas concedendo subsídios a diversos setores da economia determinaram a situação de desequilíbrio da Previdência Social, que não pode ser imputada simplesmente a “privilégios dos servidores públicos” ou a meros aspectos atuariais. São várias as políticas de relevante impacto social que condicionaram o desequilíbrio da Previdência Social. Ou, da Seguridade Social.

CONCLUSÃO

O regime de repartição simples é inadequado para os benefícios de longa duração, tanto que a Previdência Complementar Privada adota o sistema de capitalização. A repartição simples só é viável, no longo prazo se houver equilíbrio entre ativos e inativos. Há que se pensar, portanto, no sistema de capitalização, evoluindo para um Sistema de Previdência com Contribuição Definida. Quase todas as empresas estatais, privatizadas ou não, já mudaram ou estão em processo de mudança de Planos de Benefício Definido para Planos de Contribuição Definida.

Para o Regime Geral de Previdência Social, o RGPS, há necessidade de um esforço para um verdadeiro processo de “inclusão social” por meio de incentivos à filiação e contribuição, reduzindo a informalidade. Além disso, é fundamental a ampliação de medidas de combate à sonegação e fraudes, e, principalmente, um trabalho direcionado para a recuperação de créditos referentes às dívidas para com a Previdência Social, estimadas em R$ 150,0 bilhões, no ano de 2003.

Com relação à Previdência Pública, entendemos como bastante coerentes as alternativas propostas pelo Governo, no que se refere: à limitação da idade mínima para aposentadoria, tendo em vista a elevação da expectativa de vida da população brasileira; à determinação do redutor de benefícios para aqueles servidores que anteciparem a sua aposentadoria (5% por ano que faltar para atingir a idade mínima, limitada a 35%); à fixação do mesmo teto de R$ 2.400,00, tanto para a iniciativa privada quanto para o servidor público, para os servidores que ingressarem a partir de agora no serviço público, passando estes a contribuir para Fundos de Previdência Complementar, para receber vencimento adicional; à limitação do valor das aposentadorias ao teto constitucional referente aos três poderes, no valor de R$ 12.720,00, e, à adequação do valor da aposentadoria para aqueles servidores oriundos da iniciativa privada, ingressados no serviço público, que será proporcional aos tempos de serviço, na iniciativa privada e no setor público.

Em 2001, o Governo Federal, atendendo às exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101, de 04.05.2001) desenvolveu um trabalho elaborando avaliações atuariais, que calculam o valor da contribuição, em função do benefício a ser recebido quando da aposentadoria, para o Regime Geral de Previdência Social - RGPS, para os benefícios assistenciais previstos na Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS (Lei nº 8.742, de 07.12.1993), para o Regime dos Servidores Civis do Poder Executivo da União e para o Regime dos Militares da União.

Para se fazer a estimativa de déficit do Regime Geral da Previdência Social, foram consideradas algumas hipóteses para receita e despesa com benefícios previdenciários. De 2001 a 2004, consideraram-se as taxas de crescimento do PIB e da massa salarial de acordo com parâmetros do projeto de Lei das Diretrizes Orçamentárias - LDO para 2002. A partir de 2004, a taxa de crescimento do PIB se iguala ao crescimento da massa salarial determinada pelos modelos demográficos e de mercado de trabalho. Considerou-se ainda um crescimento da produtividade média de 1,6% ao ano. No lado das despesas, para 2001, considerou-se o reajuste do Salário Mínimo de 19,2% e reposição da inflação para os demais benefícios. A partir de 2002, todos os benefícios foram reajustados de forma a preservar o seu valor real.

O resultado desse trabalho demonstrou que o déficit do Regime Geral da Previdência Social, no período de 2001 a 2020 apresenta pequenas oscilações ao redor de 1% do PIB. Para o Regime dos Servidores Civis e Militares, não abrangendo os servidores dos estados e municípios, foi levado em consideração dados do Sistema de Informações de Administração de Pessoal - SIAPE, que representa aproximadamente 85% do total de servidores civis da União. Não estariam contemplados os servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, Banco Central Ministério Público da União - MPU e Ministério das Relações Exteriores que se encontram lotados no exterior. Foi feita uma extrapolação para os 15% restantes, adotando-se a hipótese de que o comportamento deste grupo é semelhante ao grupo das carreiras estratégicas, com pequeno ajuste para o ponto final.

Foram incorporadas, como hipótese, as modificações introduzidas pela Medida Provisória nº 2131/00 no plano de remuneração e contribuições dos militares e a separação dos novos integrantes no serviço público em carreiras típicas, cujos integrantes estariam filiados ao regime próprio de previdência, e demais servidores, que seriam contratados na modalidade de empregados públicos e, portanto, filiados ao INSS.

As projeções do déficit para o grupo de servidores civis e militares, exceto estados e municípios, demonstram uma estabilização no patamar de 2,10% do PIB para o período 2001 a 2020, que adicionado ao déficit do Regime Geral da Previdência Social, atingiria o valor próximo de 3,1% do PIB, ao ano, no período de 2001 a 2020.

Estes resultados, logicamente, são extremamente sensíveis às hipóteses consideradas. A premissa de crescimento da economia (3,5% do PIB ao ano, por exemplo) afeta positivamente a arrecadação em geral e diminui o peso relativo da despesa e do déficit.

Fica claro, assim, que uma das causas fundamentais da crise da previdência decorre dos rumos da economia. A retomada do crescimento econômico, com crescente geração de emprego e renda como conseqüência, reduziria o déficit da previdência.

Dessa forma, considerando que o Governo do Presidente Lula trabalha como premissa da Lei de Diretrizes Orçamentárias - LDO para 2004, com uma taxa de crescimento do PIB de 4,25% e, considerando mais as alterações da Reforma da Previdência, acredito que o déficit previdenciário tenda a diminuir do patamar dos 3,1% dos estudos atuariais citados acima.

Portanto, Senhor Presidente, Senhoras Senadoras e Senhores Senadores, acredito que a reforma da previdência e a reforma tributária, deverão criar plenas condições para a retomada do crescimento econômico, reduzindo assim a crise previdenciária. Portanto, venho sugerir uma reavaliação do mérito da cobrança ou não dos aposentados e pensionistas (que geraria uma arrecadação de apenas R$ 1,0 bilhão, porém com tremendo desgaste político), pois concordo que “o princípio de não tributar benefício parece correto”.

Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/06/2003 - Página 14395