Discurso durante a 76ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre a crise e a reforma do Judiciário. Apelo para a agilização de ação trabalhista de interesse de servidores da Rede Ferroviária Federal. (Como Líder)

Autor
Demóstenes Torres (PFL - Partido da Frente Liberal/GO)
Nome completo: Demóstenes Lazaro Xavier Torres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO. MOVIMENTO TRABALHISTA.:
  • Comentários sobre a crise e a reforma do Judiciário. Apelo para a agilização de ação trabalhista de interesse de servidores da Rede Ferroviária Federal. (Como Líder)
Aparteantes
Garibaldi Alves Filho, José Jorge.
Publicação
Publicação no DSF de 13/06/2003 - Página 15214
Assunto
Outros > JUDICIARIO. MOVIMENTO TRABALHISTA.
Indexação
  • ANALISE, CRISE, JUDICIARIO, CRITICA, MANUTENÇÃO, ISOLAMENTO, PODER, PERIODO, PROMULGAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, INEFICACIA, DEFESA, INTERESSE, POPULAÇÃO, IMPUNIDADE, CRIMINOSO.
  • CRITICA, ESTRUTURAÇÃO, JUDICIARIO, EXCESSO, DEFESA, INTERESSE PARTICULAR, MAGISTRADO, BUROCRACIA, REGISTRO, OBSOLESCENCIA, ORGANIZAÇÃO, MANUTENÇÃO, PRIVILEGIO, PERIODO, COLONIZAÇÃO, AUMENTO, DESPESA, GASTOS PUBLICOS, INEFICACIA, SERVIÇOS JUDICIARIOS.
  • REGISTRO, PARTICIPAÇÃO, LEGISLATIVO, CRISE, JUDICIARIO, MOTIVO, REDUÇÃO, QUALIDADE, ATUAÇÃO, PODER, CRITICA, DEMORA, TRAMITAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, PROPOSTA, REFORMA JUDICIARIA.
  • DEFESA, ALTERAÇÃO, ESTRUTURAÇÃO, JUDICIARIO, SIMPLIFICAÇÃO, MODERNIZAÇÃO, SERVIÇOS JUDICIARIOS, COMBATE, ISOLAMENTO, EXCESSO, AUTORIDADE, MAGISTRADO, INCOERENCIA, DEMOCRACIA, NECESSIDADE, AUTORIZAÇÃO, FISCALIZAÇÃO, CONTROLE EXTERNO.
  • ESCLARECIMENTOS, SITUAÇÃO, AÇÃO JUDICIAL, FUNCIONARIOS, REDE FERROVIARIA FEDERAL S/A (RFFSA), REIVINDICAÇÃO, EFETIVAÇÃO, REAJUSTE, SALARIO, REGISTRO, ANTERIORIDADE, CONCESSÃO, BENEFICIO, PERIODO, REGIME MILITAR.
  • COMENTARIO, OCORRENCIA, IMPETRAÇÃO, RECURSO JUDICIAL, REDE FERROVIARIA FEDERAL S/A (RFFSA), ADIAMENTO, CONCESSÃO, BENEFICIO, FERROVIARIO, SOLICITAÇÃO, PROVIDENCIA, ANDERSON ADAUTO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DOS TRANSPORTES (MTR), MELHORIA, CONFIANÇA, CIDADÃO, JUDICIARIO.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores: “Os jurisdicionados, em perplexidade, amargam irracional espera na resposta do Estado-Juiz”.

Eliana Calmon, Ministra do Superior Tribunal de Justiça.

Há pelo menos duas décadas, os operadores do Direito vêm se defrontando com a crise estrutural do Poder Judiciário no Brasil. Entre magistrados, integrantes do Ministério Público e membros da OAB, pululam teses que convergem à reengenharia da instituição ou do Poder encarregado da prestação jurisdicional. Em que pese a posição favorável à reforma do Poder Judiciário, força inercial atua no sentido de manter o status quo, para o prejuízo do cidadão que recebe um serviço de alto custo, tardio, burocrático e ineficiente.

Enquanto as palavras não se convertem em gestos, na ponta do sistema prospera, com muita razão, arraigado sentimento de desconfiança por parte do homem de bem nas leis e na Justiça.

Hoje venho à tribuna do Senado para apresentar breve diagnóstico da crise do Poder Judiciário, analisar alguns pontos da proposta de reforma em tramitação nesta Casa e espelhar, num caso concreto, as agruras de centenas de famílias que, um dia, na distante década de 1970, bateram às portas da Justiça do Trabalho em busca do remédio reparador de lesão a um direito líquido e certo. Mas, infelizmente, até a presente data, permanece “Esperando Godot”.

Ainda que proeminentes membros do Poder Judiciário, inclusive integrantes dos tribunais superiores, acordem com a necessidade de se reformar a estrutura e o funcionamento do Poder, houve um tempo em que a instituição avocava a condição de intangibilidade, como se a magistratura estivesse acima e não a serviço da organização social, e o juiz detivesse condição de vestal.

A mentalidade canhestra predominou durante a realização da Constituinte, quando se perdeu uma oportunidade fantástica de corrigir rumos que levariam a uma Justiça célere e reparadora. À época interesses corporativos impuseram solução conservadora com a intenção de manter anacronismos derivados de ordenações coloniais, em nome de pseudo-independência institucional. Poderíamos estar hoje incumbindo-nos de aperfeiçoar o trabalho delegado ao Constituinte, mas, 15 anos depois, a tarefa ainda é a de, tijolo por tijolo, desmontar o caos que se assenhorou do sistema brasileiro de prestação jurisdicional.

E não poderia ser diferente. Enquanto a nova Carta constitucionalizou o Direito em profusão e assegurou inúmeras prerrogativas à sociedade e ao Estado, a manutenção da mesma estrutura judiciária ensejou inevitável descompasso entre a demanda e a potencial capacidade do Poder. A crise expõe a hipossuficiência do Judiciário, consome a sua credibilidade e produz duas fissuras no mundo real: na esfera cível, a sensação de que o Estado juiz é inoperante para compor os conflitos de interesses; e na penal, temerária convicção de que é preferível desrespeitar a lei, porque há a garantia da impunidade. Atentem para um dado lamentável. No Brasil, o índice de eficiência da Justiça Criminal alcança algo em torno de 1%, enquanto nos Estados Unidos o indicador é 50%.

Sr. Presidente, que não venham os detratores do Judiciário imaginar que vão encontrar, no exercício do meu mister, condição favorável à execração pública da magistratura. Destino ao Poder o mais sincero respeito. Durante o exercício das atividades de Promotor de Justiça, testemunhei o trabalho abnegado de inúmeros juízes. Ao estudar Direito, formei a minha convicção do quanto são caras à estabilidade democrática as prerrogativas constitucionais que garantem o exercício da atividade jurisdicional, mas não posso declinar de enumerar os defeitos do Poder Judiciário e propor mecanismos legislativos para saná-los, sob pena de incorrer nos pecados da omissão e da pusilanimidade.

No aspecto estrutural, o Poder Judiciário padece de um sistema complexo, burocrático, obsoleto, moroso, estratificado em justiças especializadas, dotado de instâncias excessivas e inúmeros tribunais, características que corroboram para que o Poder Judiciário se mantenha à distância da sociedade e não consiga dizer o Direito com a propriedade e o tempo dignos do cidadão.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, observem que o Supremo Tribunal Federal, que deveria ser uma corte constitucional por excelência, mas, à falta de valor vinculante das suas decisões, converteu-se, consoante a sistemática empregada, num balcão de varejo onde se discute até a tutela de “lulus de madames”. Enquanto nos Estados Unidos a Suprema Corte examina algo próximo de cem ações por ano, no País, a mais alta instância do Direito brasileiro julga mais de cinqüenta mil procedimentos anuais.

É preciso reconhecer que o Brasil também vive indiscutível queda na qualidade do trabalho legislativo, o que propicia uma avalanche de questionamentos judiciais em matéria constitucional. Temos hoje uma legislação infraconstitucional confusa, carente de sistematização, facilitadora da procrastinação processual e patrona das lides duvidosas. Os números confirmam a gravidade do problema: por ano, o Superior Tribunal de Justiça examina aproximadamente 200 mil processos e conta com apenas 33 Ministros.

Entre as deficiências estruturais, não poderia olvidar o abismo que se formou entre a capacidade física de operação do Judiciário e a demanda de trabalho. Existe no País a proporção de um Juiz para cada 30 mil habitantes, enquanto nas nações desenvolvidas o índice é de um Magistrado para cada cinco mil habitantes. Mas mora aqui uma gritante contradição. Quando são comparados os gastos de custeio da máquina judiciária em relação ao orçamento, o Brasil supera os Estados Unidos uma vez que os recursos são destinados a sustentar uma burocracia paquidérmica e estéril.

Sr. Presidente, é imprescindível rever o desenho estrutural do Poder Judiciário a partir de instrumento que enxugue o tamanho e as distâncias entre as instituições com especial valorização das decisões de primeiro grau de jurisdição. A somatória das justiças comum e especial conta com seis órgãos de primeiro grau, seis de segundo, além do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, do Tribunal Superior Eleitoral, do Superior Tribunal Militar e do Tribunal Superior do Trabalho, com a função de uma terceira instância.

O Sr. Garibaldi Alves Filho (PMDB - RN) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Concedo o aparte com muito prazer ao Senador Garibaldi Filho.

O Sr. Garibaldi Alves Filho (PMDB - RN) - Senador Demóstenes Torres, sou um admirador da sua cultura jurídica, tenho acompanhado de perto o seu trabalho na Subcomissão de Segurança e vejo que V. Exª domina muito bem todos esses temas ligados ao exercício do Poder Judiciário. No entanto, gostaria de dizer-lhe - creio que V. Exª concordará comigo - que a reforma do Judiciário, de certa maneira, é hoje uma responsabilidade do Poder Legislativo.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Perfeitamente.

O Sr. Garibaldi Alves Filho (PMDB - RN) - O projeto da reforma do Judiciário foi iniciado nesta Casa e chegou a ser apreciado em algumas Comissões, inclusive na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, quando foi Relator o Senador Bernardo Cabral, mas, depois, a tramitação parou. A opinião pública, a exemplo daquela música popular, há de perguntar: parou por quê?

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Senador Garibaldi Alves Filho, V. Exª diz, com muita propriedade, que o Poder Legislativo, especialmente o Senado Federal, tem responsabilidade, porque estamos discutindo o projeto da reforma do Judiciário. Também trato do assunto neste momento, uma vez que a reforma depende essencialmente de nós.

A Constituinte perdeu a oportunidade de fazer uma reforma profunda, mas nós não podemos perder essa chance, mesmo porque a crise de credibilidade e a ineficiência do Poder Judiciário são muito grandes não por culpa do juiz ou do promotor de justiça, mas em virtude dessa estrutura burocratizada, uma verdadeira herança da burocracia portuguesa e da legislação ainda colonial.

Sr. Presidente, a falta de um regime de controle administrativo do Poder, conforme já pude relatar nesta tribuna, também contribui para alimentar a crise de confiabilidade da instituição, ainda atenta ao corporativismo doentio, muito embora vozes, principalmente emanadas dos Tribunais Superiores, reconheçam a necessidade de uma urgente Reforma do Judiciário.

Ao lado dos problemas estruturais, causas orgânicas agravam a situação falimentar do sistema em vigor, especialmente no que se refere ao sistema processual esposado. Ele enseja formalidades excessivas, peca por números aviltantes de recursos e beneficia, ao revés do que norteia a filosofia jurídica, justamente quem não possui o bom direito. No Brasil, o modelo procedimental acolhe a morosidade como regra, por intermédio de uma irracional possibilidade de apelações e agravos meramente protelatórios, além de um número injustificável de instâncias.

Tramita no Senado, como disse o nosso querido Senador Garibaldi Alves Filho, a Proposta de Emenda à Constituição nº 29, de 2000, que trata da Reforma do Poder Judiciário. Já somam onze anos de discussão, sendo oito demandados na apreciação e aprovação da matéria na Câmara dos Deputados. Nesta Casa, a PEC nº 29, de 2000, teve como Relator o ex-Senador Bernardo Cabral, a quem devoto respeito como cidadão e como jurista do mais alto gabarito, mas, infelizmente, o texto é tímido, destina a maior parte das atenções a questões epidérmicas e está longe de restituir a credibilidade e a glória do Poder Judiciário. O Brasil precisa de uma reforma do Judiciário profunda, que administre remédios eficazes aos graves problemas estruturais elencados, bem como sane as deficiências funcionais que impedem razoável prestação jurisdicional do Estado.

O Sr. José Jorge (PFL - PE) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. DEMÓSTENES TORRES(PFL - GO) - Com muito prazer, Senador José Jorge.

O Sr. José Jorge (PFL - PE) - Senador Demóstenes Torres, congratulo-me com V. Exª pelo tema que levanta aqui hoje e, aproveitando a oportunidade, comunico à Casa que, nesta semana, o Presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, Senador Edison Lobão, designou-me Relator da Reforma do Judiciário que está tramitando naquela Comissão. Certamente, para esse trabalho, precisarei muito da colaboração e da experiência de V. Exª. Quero também descrever a situação em que se encontram esses projetos de reforma do Judiciário. É uma situação um pouco complicada: existe esse projeto em tramitação na Casa, já aprovado na Câmara dos Deputados, que teve uma versão aprovada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, tendo, inclusive, entrado na pauta do Senado Federal no final da Legislatura passada, relatado pelo Senador Bernardo Cabral, mas sem chegar a ser votado. Agora, a Câmara dos Deputados criou uma Comissão Especial para também estudar a reforma do Judiciário e o Ministério da Justiça, uma Secretaria Especial para a reforma do Judiciário. Também gostaria de lembrar que há várias leis, e esta emenda constitucional só faz referência à parte da reforma constitucional do Judiciário, mas há várias modificações não-constitucionais, talvez até mais importantes. Estou iniciando o trabalho, mas sei que, evidentemente, dependerá do consenso da Casa, por tratar-se de projeto muito polêmico. Ainda há uma segunda polêmica: o projeto se refere a outro Poder e, portanto, para nós, será mais difícil tratá-lo. Mas também temos um projeto já mais avançado, já aprovado na Câmara e, portanto - não sei se V. Exª concorda -, estando correto, não há por que não o aprovar o mais rapidamente possível. Assim, congratulo-me com V. Exª pelo levantamento do tema e, como Relator, coloco-me - e não poderia ser diferente - à disposição de V. Exª e dos demais companheiros da Casa. Muito obrigado.

O SR. DEMÓSTENES TORRES (PFL - GO) - Senador, agradeço a V. Exª pela intervenção tão brilhante. Tenho certeza de que agora, com o projeto em suas mãos, teremos oportunidade de analisá-lo com a profundidade de que precisa o Poder Judiciário.

Concordo muito com o que V. Exª diz. Talvez a reforma do Judiciário implique menos reformas constitucionais e mais reformas da legislação extraordinária e da comum, porque são inúmeros os procedimentos proscratinátorios. O primeiro grau de jurisdição quase sempre não encontra a valorização adequada.

Estou à inteira disposição de V. Exª para contribuir para que esse projeto ajude a resgatar a credibilidade do Poder Judiciário. Digo que o Poder Judiciário está perdendo a sua credibilidade não em função da desqualificação dos juízes, mas principalmente porque a eles não é dada a oportunidade de julgar. A sentença de um juiz não tem credibilidade nenhuma, porque está revista em inúmeras decisões e, mais ainda, a decisão do Supremo Tribunal Federal também não tem força alguma, porque aquele órgão julga, mas a sua decisão pode ser contrariada por qualquer outro juiz de Direito, uma vez que a decisão não tem vinculação e só vale para o caso concreto.

Parabenizo o nosso Presidente Edison Lobão por ter imbuído V. Exª dessa tarefa grandiosa, da qual, com certeza, V. Exª irá se desincumbir com a presteza de sempre, a legitimidade de sempre e o brilhantismo de sempre, para o bem do nosso Brasil.

O Senado precisa ter coragem para quebrar as resistências corporativas e, por intermédio de soluções negociadas, encontrar um modelo de reforma responsável e com ânimo definitivo. Os integrantes do Poder Judiciário não devem temer a atividade parlamentar, mas se integrar ao trabalho dos Senadores, para que possamos encontrar paradigma de Justiça célere, eficiente e à altura do cidadão.

Que mal há em instituir sistema de prestação jurisdicional em que a complexidade seja substituída pela simplificação; a obsolescência ceda lugar aos modernos recursos da tecnologia de informação; a multiplicidade de instâncias seja trocada pelo fortalecimento do juízo de primeiro grau; a especialização débil de órgãos judiciais absorvida por instituições menos estratificadas; os atos processuais parnasianos, o delírio apelandi e a processualística romanista varridos em nome de uma Justiça operante?

O tempo do Juiz ou do Promotor de Justiça protegido da demanda social em um gabinete inexpugnável e envolto em toga intangível passou. O magistrado opera parcela de soberania concedida pelo Estado e não está acima do bem e do mal. Pretender o gerenciamento da prestação jurisdicional em redomas é avocar espécie de autocracia, e isto é insustentável em uma sociedade que se pretende democrática.

Sr. Presidente, para finalizar, gostaria de fazer o relato de uma das maiores injustiças praticadas neste País. Trata-se de uma ação reclamatória trabalhista que remonta a lesão a um direito concedido durante o Governo Militar do Presidente Humberto de Alencar Castello Branco e que até hoje, quase 40 anos depois, não foi reparada.

Em 1964, o referido Presidente da República concedeu reajuste vencimental de 110% aos funcionários da Rede Ferroviária Federal S. A, empresa pública em extinção judicial há quatro anos. À época, a estatal, de modo discricionário, decidiu pagar aos funcionários apenas 30% do reajuste. Em 1978, só em Goiás, 432 ferroviários ingressaram com ação trabalhista com a finalidade de cobrar a diferença aviltada. Um ano depois, os reclamantes obtiveram sentença favorável na Primeira Vara do Trabalho. A Rede, então, recorreu ao Tribunal Regional do Trabalho, e também perdeu. Não satisfeita, a estatal recorreu ao Tribunal Superior do Trabalho e, mais uma vez, foi parte sucumbente. Com a finalidade meramente de procrastinar os efeitos da decisão, ingressou com recurso extraordinário no Supremo Tribunal Federal, e a mais alta Corte de Justiça deste País reconheceu que não havia matéria constitucional a se tratar e deu ganho de causa aos ferroviários. Em 1985, o procedimento voltou a Goiânia e foi julgada extinta a execução. O advogado dos reclamantes, Dr. Moacyr Raymundo de Souza, conseguiu reverter a decisão em ação rescisória, mas o processo não sai da fase de execução de sentença, ainda que esteja concluída a penhora dos bens da empresa estatal. Formalmente, a Rede ingressou com Embargos de Execução com a finalidade exclusiva de alongar o prazo de recebimento dos reclamantes e se furtar à obrigação de reparar o dano a um direito líquido e certo.

Srªs e Srs. Senadores, os ferroviários formam um grupo de pessoas que se dedicaram primeiro ao trabalho e depois à espera de uma justiça que não se confirma. Aliás, dos 432 autores iniciais, 160 morreram sem ver a materialização de seus direitos, e certamente se foram descrentes das leis e do Poder Judiciário. Estou falando de uma gente humilde, composta por sexagenários, septuagenários e octogenários. Estiveram em meu gabinete e não foi difícil reconhecer no cenho de cada um deles a frustração com a Justiça brasileira. É muito doloroso a um cidadão ter reconhecido um direito material e, por conta das armadilhas do sistema, não conseguir obter os efeitos de uma sentença favorável.

Gostaria de pedir ao Exº Sr. Ministro dos Transportes, Dr. Anderson Adauto Pereira, que intervenha no caso e encerre definitivamente as medidas procrastinatórias empregadas pela Rede Ferroviária Federal, que está roubando a razão de viver de aposentados e viúvas. Aquelas pessoas deram o sangue pela grandeza da estatal e hoje têm de praticar mendicância judiciária por conta da prepotência e insensibilidade histórica de dirigentes apoiados em um sistema jurídico desigual. Vou, inclusive, pedir audiência ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, para expor este gravíssimo caso e solicitar providências em nome de quem já não pode mais esperar a resposta do Estado-Juiz.

Muito obrigado, inclusive pela tolerância, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/06/2003 - Página 15214