Discurso durante a 78ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Solicita uma Comissão Parlamentar de Inquérito mista para o Banestado e queda das taxas de juros.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), BANCO DO ESTADO DO PARANA S/A (BANESTADO). POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • Solicita uma Comissão Parlamentar de Inquérito mista para o Banestado e queda das taxas de juros.
Aparteantes
Eurípedes Camargo, Roberto Saturnino.
Publicação
Publicação no DSF de 17/06/2003 - Página 15675
Assunto
Outros > COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), BANCO DO ESTADO DO PARANA S/A (BANESTADO). POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • SOLICITAÇÃO, SENADO, RECONSIDERAÇÃO, POSSIBILIDADE, ABERTURA, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), CONTRIBUIÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, MINISTERIO PUBLICO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), POLICIA FEDERAL, APURAÇÃO, EVASÃO DE DIVISAS, BANCO DO ESTADO DO PARANA S/A (BANESTADO).
  • REGISTRO, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DIFICULDADE, OBTENÇÃO, INFORMAÇÕES, IMPORTANCIA, INVESTIGAÇÃO, DESVIO, DINHEIRO, BANCO DO ESTADO DO PARANA S/A (BANESTADO), DECLARAÇÃO, LUIZ FRANCISCO DE SOUZA, PROCURADOR, RELEVANCIA, COLABORAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI).
  • ANUNCIO, PROXIMIDADE, REUNIÃO, COMITE, POLITICA MONETARIA, ANALISE, SITUAÇÃO, ECONOMIA, BRASIL, ESTABELECIMENTO, VALOR, TAXAS, JUROS.
  • SOLICITAÇÃO, COMITE, POLITICA MONETARIA, ATENÇÃO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, DESEMPREGO, BRASIL, EXPECTATIVA, DECISÃO, REDUÇÃO, TAXAS, JUROS, CONTRIBUIÇÃO, AUMENTO, PRODUTIVIDADE, NUMERO, EMPREGO, RETORNO, CRESCIMENTO ECONOMICO.
  • LEITURA, ESTUDO, REFERENCIA, SITUAÇÃO, TAXAS, JUROS, AUTORIA, JOÃO SABOIA, ECONOMISTA, PROFESSOR, UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (UFRJ), EXPECTATIVA, CONTRIBUIÇÃO, COMITE, POLITICA MONETARIA.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Mão Santa; Srªs e Srs. Senadores, em primeiro lugar, quero fazer uma referência ao pronunciamento do Senador Osmar Dias relativo ao episódio da CPI.

Os Líderes do Senado Federal avaliaram que poderiam aguardar o trabalho da Polícia Federal, do Ministério da Justiça e do Ministério Público para examinar a questão da remessa da ordem de US$30 bilhões ao Exterior. Acontece que mais dados estão vindo à tona. Hoje mesmo, o jornal O Estado de S.Paulo traz revelações a respeito das dificuldades das autoridades, nos Estados Unidos, para obterem informações com as autoridades brasileiras. Além disso, o importante membro do Ministério Público, Procurador Luiz Francisco de Souza, comunicou, por meio de uma entrevista, que há informações novas muito importantes e que precisam ser objeto de apuração. Em sua opinião, uma Comissão Parlamentar de Inquérito do Congresso Nacional viria a colaborar significativamente para o desvendar do episódio.

Então, de maneira muito construtiva e até diante da cobrança feita pela opinião pública, tentarei ponderar com os Líderes em geral, com o Líder do Governo, Senador Aloizio Mercadante, e com o Líder Tião Viana que talvez seja o caso de o Senado Federal constituir uma Comissão Parlamentar de Inquérito, quem sabe mista, em cooperação com a Câmara dos Deputados.

Sabem perfeitamente os Parlamentares - Senadores, Deputados Federais e outros políticos - que é da tradição do Senado Federal realizar as apurações da maneira mais isenta. E poderemos dizer às Lideranças dos diversos Partidos que, da parte sobretudo dos Senadores com grande experiência em realização de CPIs, não haverá nenhum espírito de “denuncismo”. Haverá, sim, equilíbrio e determinação na maneira de se ouvirem as partes, de se esclarecerem episódios e de, com muita isenção, com muita responsabilidade, contribuir para a apuração dos fatos.

Então, se os Senadores e os Srs. Líderes considerarem adequado, diante dos novos fatos que estão surgindo, reconsiderar a decisão de não realizar a CPI e de, portanto, em cooperação com a Câmara dos Deputados, instituir uma Comissão Parlamentar de Inquérito Mista, anunciou o Senador Antero Paes de Barros que, amanhã, novamente vai apresentar o requerimento de constituição de CPI no Senado. S. Exª avalia que seria interessante fazermos uma comissão na Câmara e outra no Senado. No entanto, se houver comunhão de propósitos, bom-senso e cooperação entre as duas Casas, poderemos realizar uma CPI em que todos possam colaborar. Assim, os Senadores vão trabalhar com o propósito de examinar, com isenção, quais problemas e possíveis irregularidades existiram na remessa assombrosa de US$30 bilhões para o exterior.

Mas o que eu gostaria hoje de dar minha contribuição, além dos outros Senadores que falaram a respeito, é sobre a importante decisão que haverá, nesta semana, por parte do Comitê de Política Monetária, Copom. Os Diretores do Banco Central que fazem parte do Copom vão fazer, amanhã e depois de amanhã - possivelmente até quinta-feira -, uma análise da situação econômica brasileira e dos fatores que poderão fazer com que tomem a decisão de manter, eventualmente até aumentar - o que acho quase impossível - ou diminuir a taxa de juros Selic.

Sr. Presidente, diante da evolução dos dados, inclusive referentes aos indicadores de inflação, que são agora no sentido da diminuição importante da taxa inflacionária, segundo todos os índices, mas também levando em consideração os indicadores de atividade econômica e, sobretudo, do desemprego, estou bastante persuadido e avalio que é chegado, sim, o momento amadurecido de os membros do Copom tomarem a decisão da diminuição gradual, moderada que seja. Dessa forma, os responsáveis pela política monetária e econômica podem sentir a temperatura da água, sabendo qual o passo adequado e prudente de diminuição das taxas de juros, e perceber que essa atitude vai contribuir para trazer maior otimismo dos empresários, fazendo com que esses possam acender as luzes verdes para a realização de investimentos, havendo, com isso, uma diminuição da taxa de desemprego e um aumento das oportunidades de emprego.

Considerando que são inúmeros os setores da economia que hoje apresentam capacidade ociosa e que há outros setores que, inclusive, precisariam se preparar para um novo degrau de expansão, aumentando o nível de investimentos, a diminuição, mesmo que moderada, da taxa de juros, vai proporcionar um caminho de otimismo, fazendo com que o aumento da produção de bens e serviços contribua para o combate à inflação. Precisamos ressaltar que o combate à inflação não se faz apenas pelo controle da demanda por bens e serviços, mas, em muitas ocasiões, pelo aumento da produção de bens e serviços, que, por seu lado, coincide justamente com o aumento das oportunidades de emprego. Nas circunstâncias presentes, isso é fundamental.

Reitero a sugestão que formulei ao Ministro Jaques Wagner, quando compareceu à Comissão de Assuntos Econômicos, pois justamente hoje, véspera da reunião do Copom, é o momento exato de S. Exª transmiti-la. Sugeri a S. Exª - que julgou muito significativa a proposta e com ela concordou - que transmitisse ao Ministro da Fazenda, Antônio Palocci, e ao Presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, um relatório pormenorizado a respeito da condição de desemprego hoje na economia brasileira. É fundamental que, na reunião do Copom, a preocupação com o desemprego e com a atividade econômica seja muito maior do que a caracterizada pela própria ata da reunião do Copom, de maio último.

Senador Roberto Saturnino, V. Exª estava presente na reunião da Comissão, quando mostrei ao Ministro Jaques Wagner que, de 53 itens - cada um de aproximadamente dez linhas - registrados na Ata da reunião do Copom, apenas em dois deles, na verdade, em 14 linhas - de quase 500 linhas -, havia menção à questão do desemprego. É preciso reverter esse quadro. É preciso que aquelas pessoas reunidas no Copom estejam próximas de ver a realidade brasileira.

Hoje, estive, Senador Eurípedes Camargo, na Febem, em São Paulo, para dialogar com jovens de 14 a 19 anos, que estão num lugar superlotado. Ali, há 62 colchões para dormir e nada menos do que 500 jovens na unidade de atendimento inicial da Febem. Dormem em cada colchão de três a quatro jovens. Numa sala, 130 desses jovens puderam, hoje, conversar comigo. Fiz uma exposição para eles a respeito do que seria a renda básica de cidadania, procurando verificar se, segundo a minha percepção e a deles, essa não seria uma solução importante para diminuir a criminalidade, e todos concordaram absolutamente. Mas, ali, todos me disseram: “Sem oportunidades de emprego, sem oportunidades de remuneração para nossos pais, às vezes, não temos outra alternativa”.

Senador Roberto Saturnino, no Rio de Janeiro, um rapaz, Rubens Sabino da Silva, ator do filme Cidade de Deus, que atuou como personagem da cidade alta, depois de ter trabalhado por pouco mais de um ano com o brilhante cineasta Fernando Meirelles, por uma situação de desespero e por estar há alguns dias sem se alimentar, resolveu, num ônibus, após sentar-se ao lado de uma senhora, tirar-lhe a bolsa para obter os recursos que lhe pudessem dar o alimento do dia. Ele acabou sendo preso.

Conversei com o advogado José Estevão Martins, que está, juntamente com o cantor Marcelo Yuca e com o Fernando Meirelles, colaborando para reunir os documentos necessários para que possa o Rubens ter a solicitação de liberdade provisória aceita pela Justiça. De hoje para a amanhã, o pedido será formulado ao Juiz responsável pelo caso.

O Sr. Roberto Saturnino (Bloco/PT - RJ) - Concede-me V. Exª um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Concedo o aparte ao Senador Roberto Saturnino, com muita honra.

O Sr. Roberto Saturnino (Bloco/PT - RJ) - Cumprimento-o uma vez mais. V. Exª faz um discurso ponderado, ajuizado, mas um discurso de grande substância, citando, inclusive, o caso exemplar do rapaz Rubens que, sendo estrela de um dos filmes mais vistos pela população brasileira e mais louvados pela nossa opinião pública, deu o chamado escorregão - atitude bem própria da situação em que ele e milhões de jovens brasileiros se encontram, como os citados por V. Exª, e que hoje estão na Febem de São Paulo, com os quais teve contato. Portanto, é preciso atentar para a situação de desemprego que se alastrou e levá-la em conta quando das decisões. A decisão do Copom não diz respeito apenas à questão monetária e inflacionária; ela precisa considerar a economia como um todo. E V. Exª fez essa afirmação ponderadamente, e mais: aconselhou o Ministro Jaques Wagner a enviar um relatório circunstanciado aos diretores do Copom, porque esse fator precisa ser levado em conta. Há a expectativa nacional da redução da taxa de juros, ainda que não seja substancial, amanhã ou depois. Não pude me manifestar, mas discordo do Senador Antero Paes de Barros quando disse que uma pequena redução não trará nenhum resultado significativo, mas que seria preciso haver uma redução substancial. Quero dizer a S. Exª que acredito que mesmo uma redução modesta tem, sim, um efeito importante. Em primeiro lugar, porque ela significa a sinalização de um processo de redução na medida em que o Governo tem afirmado que não quer reduzir para, depois, ter de elevar novamente. Então, uma redução, ainda que modesta, é a sinalização do início de um processo de diminuição da taxa, cujo efeito psicológico é importante na decisão dos investidores. Ademais, é preciso também considerar que cada 1% de redução significa liberação de cerca de 8 bilhões de reais no Orçamento para investimentos sociais e de infra-estrutura. Qualquer redução é importante. S. Exª não tem razão ao dizer que uma redução modesta não teria nenhum significado. Agora, V. Exª está registrando, Senador Suplicy, como sempre faz, os fatos em um paradigma de sensatez, de construtividade e de ponderação, demonstrando aos diretores do Copom que é chegada a hora, sim, de dar essa sinalização que todo o Brasil, especialmente os desempregados, os jovens desempregados, estão esperando. Os meus cumprimentos e os meus parabéns, Senador Eduardo Suplicy!

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Agradeço o aparte, Senador Roberto Saturnino.

Tomei conhecimento de um artigo muito bem elaborado pelo economista João Sabóia, Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, denominado “O desperdício dos juros”, cuja cópia encaminharei ao Ministro Antonio Palocci e ao Presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, como contribuição, para reflexão sobre a decisão que irá tomar o Copom.

Sr. Presidente, permita-me ler trechos do artigo. Eu respeitarei o tempo, Senador Pedro Simon, porque sei que V. Exª ainda usará a palavra.

O Sr. Eurípedes Camargo (Bloco/PT - DF) - Senador Eduardo Suplicy, concede-me V. Exª um aparte?

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Com muita honra, eu concedo um aparte ao Senador Eurípedes Camargo. Em seguida, eu concluirei com a referência ao artigo do Jornalista João Sabóia.

O Sr. Eurípedes Camargo (Bloco/PT - DF) - Senador Eduardo Suplicy, serei muito breve, mas não poderia deixar, neste momento, de aparteá-lo, quando V. Exª discorre, com muita propriedade, sobre a economia e a exclusão desse processo de forma clara e didática. Apesar da aridez do tema, V. Exª consegue traduzi-lo para que um leigo como eu entenda a dimensão da proposta que está sendo apresentada nesse momento. Discursos como esse deveriam ser repetidos, para que a população tenha maior clareza. Também agradeço a V. Exª pela oportunidade de participar do debate sobre tema tão importante para o País.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Muito obrigado, Senador Eurípedes Camargo, pelo aparte. Penso que precisamos sempre olhar a economia com a preocupação do real: como ela está afetando a qualidade de vida das pessoas, e, sobretudo, os efeitos da negação de oportunidade de trabalho, de remuneração e de renda a pessoas, o que, muitas vezes, cria extraordinários problemas familiares.

            Portanto, ao decidir a taxa de juros, é fundamental observar seu efeito no desemprego e na atividade econômica.

Diz o Professor João Sabóia:

A intensidade da discussão sobre taxa de juros atingiu, nas últimas semanas, um nível como há muito não se via no País. Enquanto, de um lado, posicionam-se aqueles que defendem a necessidade de avançar ainda mais no combate à inflação antes de se iniciar a queda da taxa básica da economia (Selic), do outro, não foram poucos a se manifestarem a favor de uma queda imediata dos juros.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa) - Senador Eduardo Suplicy, lamento informar que há outros oradores inscritos.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Sr. Presidente, pelo menos me permita citar os principais elementos deste artigo e, depois, pedirei a sua transcrição na íntegra.

Ainda diz o artigo:

A taxa Selic, que havia sido elevada de 22% para 25% ao ano em dezembro de 2002, na última reunião do Copom do Governo FHC, foi aumentada para 25,5% em janeiro e 26,5% em fevereiro (...)

A taxa de inflação, que havia disparado ao longo do segundo semestre por conta das incertezas políticas e da conseqüente desvalorização do real, vem diminuindo ao longo deste ano. Se considerarmos, por exemplo, o IPCA, a taxa mensal vem caindo sistematicamente, baixando de 2,10% em dezembro para 0,61% em maio. O IGP-DI caiu de 2,70% em dezembro para 0,41% em abril, apresentando deflação de 0,67% em maio. O IPA vem apresentando deflação desde abril. Em maio, a queda foi impressionante (1,68%). O IPC da Fipe subiu apenas 0,31% em maio. O Índice do Custo de Vida do Dieese, apenas 0,24%. Os índices de preços ao consumidor só não têm apresentado resultados ainda mais favoráveis devido aos preços administrados. Portanto, a evolução da inflação mostra uma tendência clara e inequívoca de redução acentuada nos últimos meses.

Se passarmos para o lado real da economia, os indicadores são bastante preocupantes. A taxa de desemprego do IBGE vem aumentando, dede o início do ano, atingindo 12,4% em abril. Segundo o IBGE, os salários na indústria caíram 6,25% no primeiro trimestre de 2003 em relação ao primeiro trimestre de 2002 e a produção recuou 4,2% em abril deste ano em relação ao mesmo mês de 2002. Os dados da Pesquisa Mensal do Comércio (PMC) mostraram queda de 5,98% nas vendas no comércio varejista no primeiro trimestre. O PIB do primeiro trimestre deste ano permaneceu estagnado em relação ao último trimestre de 2002 (...)

Sr. Presidente, o custo dessa política tem sido extraordinário, inclusive do ponto de vista de aumentar-se significativamente o pagamento da taxa de juros.

O SR. PRESIDENTE (Mão Santa) - Senador Eduardo Suplicy, é extraordinário seu pronunciamento, mas há três extraordinários Senadores inscritos sendo aguardados pelo País.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Respeitarei o apelo de V. Exª. Solicito que meu discurso seja transcrita, na íntegra, a colaboração do Professor João Sabóia ao Ministro e à direção do Banco Central.

Muito obrigado.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR EDUARDO SUPLICY EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210 do Regimento Interno.)

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            O Desperdício dos Juros

João Sabóia1

            A intensidade da discussão sobre taxa de juros atingiu nas últimas semanas um nível como há muito não se via no país. Enquanto de um lado se posicionam aqueles que defendem a necessidade de avançar ainda mais no combate à inflação antes de se iniciar a queda da taxa básica da economia (Selic), do outro não foram poucos a se manifestarem a favor de uma queda imediata dos juros.

Recuperemos um pouco a evolução de algumas informações econômicas dos últimos meses. A taxa Selic, que havia sido elevada de 22% para 25% ao ano em dezembro de 2002, na última reunião do COPOM do governo FHC, foi aumentada para 25,5% em janeiro e 26,5% em fevereiro, permanecendo neste patamar desde então. A principal argumentação das autoridades governamentais para sua elevação e manutenção em nível tão elevado é a necessidade de combater a inflação.

Não entraremos aqui na discussão sobre a adoção do regime de metas inflacionárias e sobre o papel da taxa de juros no combate à inflação, até porque se trata de uma questão polêmica e complexa. Há argumentos mostrando que a taxa de juros estaria mais associada ao controle do câmbio do que da inflação e que questionam a efetividade da utilização do regime de metas inflacionárias para combater a inflação. Por outro lado, mesmo que a elevação da taxa de juros possa contribuir para a redução da inflação, suas conseqüências sobre o crescimento da dívida pública a médio prazo são danosas.2

A taxa de inflação, que havia disparado ao longo do segundo semestre por conta das incertezas políticas e da conseqüente desvalorização do real, vem diminuindo ao longo deste ano. Se considerarmos, por exemplo, o IPCA, a taxa mensal vem caindo sistematicamente, baixando de 2,10% em dezembro para 0,61% em maio. O IGP-DI caiu de 2,70% em dezembro para 0,41% em abril, apresentando deflação de 0,67% em maio. O IPA vem apresentando deflação desde abril. Em maio a queda foi impressionante (1,68%). O IPC da FIPE subiu apenas 0,31% em maio. O ICV do DIEESE, apenas 0,24%. Os índices de preços ao consumidor só não têm apresentado resultados ainda mais favoráveis devido aos preços administrados. Portanto, a evolução da inflação mostra uma tendência clara e inequívoca de redução acentuada nos últimos meses.

Se passarmos para o lado real da economia, os indicadores são bastante preocupantes. A taxa de desemprego do IBGE vem aumentando desde o início do ano, atingindo 12,4% em abril. Segundo o IBGE, os salários na indústria caíram 6,25% no primeiro trimestre de 2003 em relação ao primeiro trimestre de 2002 e a produção recuou 4,2% em abril deste ano em relação ao mesmo mês de 2002. Os dados da Pesquisa Mensal do Comércio (PMC) mostraram queda de 5,98% nas vendas no comércio varejista no primeiro trimestre. O PIB do primeiro trimestre deste ano permaneceu estagnado em relação ao último trimestre de 2002. Após dois anos medíocres, o país caminha para um terceiro ano de pouco crescimento econômico. Dificilmente o PIB atingirá 2% em 2003.3

A economia não é uma ciência exata. Enquanto aqueles mais preocupados com o lado real da economia acham que a queda da inflação já é mais que suficiente para a redução da Selic, ou mesmo que ela nunca deveria ter chegado ao atual patamar, aqueles que priorizam o combate à inflação a qualquer custo acham que é preciso esperar ainda mais para reduzir os juros. Todos encontram bons argumentos para defender seus pontos de vista. Portanto, não se trata de saber quem está certo e quem está errado, mas de encontrar alternativas para a retomada do crescimento econômico com o menor custo possível.

É compreensível que o governo Lula tenha iniciado a nova gestão preocupado em manter a governabilidade, que poderia ficar seriamente ameaçada pela possibilidade de o mercado financeiro jogar contra sua política econômica. Nesse sentido, compreende-se a política econômica conservadora dos primeiros meses. O mercado ficou muito satisfeito. A queda da taxa de câmbio e da taxa de risco do país são dois exemplos eloqüentes do “sucesso” da política fiscal de Antonio Palocci e da política monetária de Henrique Meirelles.

O custo de tal política para o país, entretanto, tem sido enorme. O pagamento de juros da dívida pública no primeiro quadrimestre de 2003 subiu 68,4% em relação ao primeiro quadrimestre de 2002, passando de R$ 30,4 para R$ 51,3 bilhões no período. No período de 12 meses terminados em abril, os gastos com juros atingiram R$ 134,8 bilhões. São números astronômicos. Para se ter uma idéia destas cifras, basta mencionar que a receita fiscal total do tesouro nacional (IR, IPI, CPMF etc) no primeiro trimestre de 2003 foi de R$ 63,1 bilhões. O superávit fiscal primário recorde do setor público no primeiro quadrimestre deste ano, que atingiu R$ 32,6 bilhões, cobre apenas parte dos juros de R$ 51,3 bilhões pagos no período, pressionando o crescimento da dívida pública.

Outros dados poderiam ser acrescentados para mostrar o absurdo do volume de recursos públicos que estão sendo despejados nas mãos dos detentores do capital financeiro. Cada ponto percentual a menos na taxa Selic representa uma economia anual de R$ 3,4 bilhões de pagamento de juros da dívida pública.4 Este valor seria suficiente para pagar um salário mínimo mensal a 1,7 milhão de famílias durante 12 meses, contribuindo para a redução dos níveis de pobreza do Brasil. Se a taxa Selic tivesse baixado apenas um ponto percentual na reunião de maio do COPOM, teria havido uma economia de R$ 280 milhões no período de um mês até a próxima reunião do COPOM do mês de junho.

Se levarmos em consideração a taxa básica de juros paga pelos títulos do tesouro norte-americano, uma taxa de risco do Brasil de cerca de 800 pontos e uma expectativa do mercado para a inflação de 8,3% para os próximos 12 meses, chega-se a um valor aproximado de 18% ao ano que, segundo as próprias regras do mercado, poderia ser considerado adequado para a taxa Selic.5 Tendo em vista a taxa atual de 26,5% e as expectativas inflacionárias para os próximos 12 meses, a taxa real esperada encontra-se em 16,8%.6 Este valor não encontra paralelo em qualquer outro país do mundo.

Se a Selic de 18% já estivesse em vigor, permitiria uma economia de R$ 28,7 bilhões em pagamento de juros nos próximos 12 meses relativamente à taxa atual de 26,5%. Este valor seria suficiente para a transferência de um salário mínimo mensal a cerca de 10 milhões de famílias durante um ano. Se isto fosse possível, seria uma contribuição notável para a redução da pobreza no país. Supondo-se quatro pessoas por família, uma distribuição de renda deste tipo poderia atingir 40 milhões de pessoas, que é aproximadamente o número de pobres do país segundo as estimativas oficiais.

É claro que estes recursos não estariam disponíveis para serem transferidos diretamente aos pobres. Como o governo não tem recursos suficientes para o pagamento total dos juros, parte dos juros é transformada em nova dívida. Os cálculos servem apenas como ilustração do desperdício de recursos públicos que poderiam ter uma melhor destinação do que aumentar os lucros do sistema financeiro para níveis elevadíssimos como ocorrido no primeiro trimestre de 2003.

A discussão acima mostra os riscos que o país está correndo com relação à possibilidade de aprovação de autonomia para o Banco Central. Se aprovada, poderia colocar o governo contra a parede, caso o BC atuasse em dissonância relativamente à orientação geral da política do governo. Nunca é demais lembrar que, diferentemente do que está sendo defendido no Brasil, o papel do BC não deve se restringir à defesa da moeda. O BC mais famoso do mundo (FED) tem entre suas obrigações a busca de crescimento econômico e do pleno emprego.

A expectativa de toda a sociedade em relação ao governo Lula é que sua prioridade número um seja a diminuição das desigualdades sociais e o combate à pobreza. Sua experiência de vida e seu passado político apontam indiscutivelmente neste sentido. Está mais do que na hora dele dizer a que veio e orientar claramente seu governo na direção esperada. Por que não ser criativo e montar um regime de “metas sociais”, de modo a não deixar dúvidas que seu governo está comprometido com a melhoria das condições de vida da população de baixa renda? Já que temos metas inflacionárias, teríamos também metas sociais para evitar eventuais exageros da política econômica.


1 Professor titular do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O autor agradece os comentários feitos por João Sicsú e Jennifer Hermann a uma versão anterior deste artigo.


2 O Grupo de Estudos sobre Moeda e Sistema Financeiro do IE/UFRJ tem publicado vários textos sobre o assunto. No site www.ie.ufrj.br/moeda há vários artigos, por exemplo, Sicsú, J., Teoria e Evidências do Regime de Metas Inflacionárias, Revista de Economia Política, v. 22, n. 2, 2002, Sicsú, J., Flutuação Cambial e Taxa de Juros no Brasil, Revista de Economia Política, v. 22, n.3, 2002 e Hermann, J., A Macroeconomia da Dívida Pública: Notas sobre o Debate Teórico e a Experiência Brasileira Recente (1999-2002), Cadernos Adenauer, nº 4, 2002.


3 Segundo cálculos realizados pelo autor, a economia brasileira precisa crescer entre 3% e 4% ao ano para absorver as pessoas que entram no mercado de trabalho a cada ano, de modo a não elevar a taxa de desemprego do país. Ver, Saboia, J., Desemprego: Desafio para o Governo Lula, Jornal dos Economistas, CORECON-RJ, março de 2003.


4 Segundo o Relatório da Dívida Pública do Banco Central, de abril de 2003, a dívida em poder do público indexada à Selic atingia R$ 337,7 bilhões.


5 O cálculo é muito simples. Basta aplicar a taxa de inflação esperada para a economia brasileira à taxa básica de juros da economia norte-americana e adicionar oito pontos percentuais. Para um investidor estrangeiro a inflação esperada poderia ser tomada como proxy para a desvalorização cambial esperada.


6 Ver Economia & Conjuntura, IE/UFRJ, maio de 2003.



Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/06/2003 - Página 15675