Discurso durante a 80ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Propostas para viabilizar a compensação do fundo de desoneração das exportações dos estados.

Autor
Ana Júlia Carepa (PT - Partido dos Trabalhadores/PA)
Nome completo: Ana Júlia de Vasconcelos Carepa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA TRIBUTARIA.:
  • Propostas para viabilizar a compensação do fundo de desoneração das exportações dos estados.
Aparteantes
Eduardo Azeredo.
Publicação
Publicação no DSF de 19/06/2003 - Página 15849
Assunto
Outros > REFORMA TRIBUTARIA.
Indexação
  • DEBATE, REFORMA TRIBUTARIA, PROPOSTA, AUSENCIA, TRIBUTAÇÃO, EXPORTAÇÃO, ESCLARECIMENTOS, PREJUIZO, RECEITA, ESTADOS, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DO PARA (PA), RENUNCIA, NATUREZA FISCAL, IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS (ICMS), NECESSIDADE, CORREÇÃO, IMPASSE, FEDERAÇÃO.
  • ANUNCIO, APRESENTAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, COMPENSAÇÃO, PERIODO, ESTADOS, AUSENCIA, TRIBUTAÇÃO, EXPORTAÇÃO, REPASSE, PERCENTAGEM, IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO, IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS (IPI), DISTRIBUIÇÃO, PROPORCIONALIDADE, SALDO, BALANÇA COMERCIAL, AMBITO ESTADUAL, FAVORECIMENTO, MUNICIPIOS.
  • APRESENTAÇÃO, SUGESTÃO, EMENDA, PROJETO, REFORMA TRIBUTARIA, TRAMITAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, TRANSFORMAÇÃO, CREDITOS, EMPRESA, EXPORTAÇÃO, IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS (ICMS), TITULO DA DIVIDA PUBLICA, OBJETIVO, PAGAMENTO, IMPOSTO FEDERAL.
  • DENUNCIA, POLITICA FISCAL, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, PREJUIZO, ESTADOS, EXPORTAÇÃO.

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, público que nos ouve, vou comentar algumas declarações feitas ontem. Antes, no entanto, vou falar de um assunto que, sem dúvida, é um tema atualíssimo na conjuntura política, principalmente quando se discute a reforma tributária no nosso País: a desoneração das exportações, no âmbito da reforma tributária, em trâmite na Câmara dos Deputados.

E como não poderia deixar de ser, faço este debate do ponto de vista do meu Estado, o Pará, que tem sido prejudicado por uma legislação punitiva aos Estados exportadores. Entretanto, não o faço com a miopia dos que acreditam em soluções parciais ou casuísticas para defender um Estado e criar constrangimentos a outros: temos uma visão regional que não é destacada da visão global. E tampouco faço este debate com a disposição de quem somente se põe a criticar políticas sem apontar soluções.

Trago, hoje, na verdade, duas alternativas viáveis, construídas a partir do debate com acadêmicos, técnicos e setores organizados da sociedade, como, ademais, prima a história do nosso Partido, o Partido dos Trabalhadores. Por último, o faço especialmente para esclarecer a sociedade sobre alguns pontos da reforma tributária que têm sido discutidos de maneira falaciosa pela imprensa e por alguns atores políticos.

Começo, então, por esse último ponto, porque é esclarecendo a cidadania e defendendo a verdade que se constrói um mandato verdadeiramente popular e se recupera o prestígio das instituições.

O tema da desoneração das exportações é candente no Estado do Pará e relevante também para os outros entes federados, porque a Lei Kandir, aprovada em 1996, sob o Governo Fernando Henrique, ao proibir a imposição de ICMS aos exportadores, criou um sistema de renúncia fiscal de modo a favorecer a balança comercial e o balanço de pagamentos, barateando o preço para o comprador externo. Ora, isso tem impactos significativos e, obviamente, positivos, no equilíbrio fiscal, no risco Brasil e na taxa de juros. É, teoricamente, o elemento alavancador do desenvolvimento, ao garantir ganhos de competitividade nos produtos cuja cadeia produtiva se configura primordialmente no território nacional. Ela é uma política consistente? Acreditamos que sim. É compatível com um projeto de desenvolvimento economicamente sustentável? Também acreditamos que sim. É capaz de viabilizar a superação dos atuais níveis de pobreza e reversão do quadro de desigualdades observados na sociedade brasileira? Pode ser, se associado a outros instrumentos de promoção da igualdade social, sem a qual qualquer desenvolvimento não é benéfico.

Não discutimos o princípio da desoneração, mas seus efeitos perversos e, por isso, a discussão é bastante acalorada, em especial no meu Estado do Pará.

O Pará, por suas peculiaridades, acabou sendo prejudicado por essa política. Como seu modelo de desenvolvimento foi e ainda é caracterizado pela pouca diversificação da base produtiva e pela implementação de grandes projetos, especialmente minerais e metalúrgicos, com baixo índice de verticalização, conforma-se como um Estado exportador de produtos primários e semi-elaborados. O que ocorre? Sendo superavitário, ou seja, exportando mais do que importa, e com disposto na Lei Kandir, o Estado deixa de arrecadar os recursos.

Para termos uma idéia do drama fiscal que representa a desoneração no Pará, desde a aprovação da Lei Kandir, em 1996, o Estado perdeu cerca de R$500 milhões, ou melhor, o Estado deixou de arrecadar R$500 milhões. Mais ainda, como grande parte dos bens usados pelas empresas exportadoras são adquiridos fora do Estado, as empresas pagam o ICMS por esses insumos no Estado de origem. Como o tributo está alcançado pela desoneração, essas mesmas empresas acabam por adquirir um crédito contra a fazenda do Estado do Pará pelo imposto que pagaram no Estado onde tais bens foram produzidos. Esse montante alcança hoje, no Pará, algo em torno de R$250 milhões, ou seja, o Estado deixou de arrecadar R$500 milhões, e R$250 milhões estão nas mãos das empresas exportadoras e representam crédito contra a fazenda do Estado. E o mais irônico é que são justamente Estados como o Pará e Minas Gerais que acabam por arcar com grande parte do saldo positivo da balança comercial brasileira, os mais prejudicados pela legislação, sem que com isso obtenham a devida contrapartida.

Faço essa retrospectiva porque, quando da apresentação da reforma tributária, alguns Governadores, inclusive o do meu Estado, pareciam surpresos com a existência da desoneração, como se essa fosse uma novidade e não viesse ocorrendo já há seis anos. Parece que alguns fazem questão de ter uma amnésia, como o ex-Presidente da República. Na verdade, a desoneração constava da Carta dos Governadores de fevereiro deste ano. Portanto, todos sabiam que isso seria colocado na proposta de reforma tributária.

De fato, a desoneração é uma herança da gestão do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso. Na sua versão original, a Lei Kandir sequer possuía a previsão de um fundo de compensação aos Estados, mecanismo que somente foi adotado em 1997, após pressão dos Governadores.

De acordo com a legislação proposta e aprovada no Governo Fernando Henrique Cardoso, esse fundo, que nunca supriu de fato as perdas dos Estados com a desoneração, seria encerrado em 2000. Depois, por pressão, houve nova negociação e esse fundo foi estendido até 2002, apenas no Governo Fernando Henrique Cardoso - governo do mesmo Partido do ex-Governador e do atual Governador do nosso Estado. É preciso que todos saibam: foi a equipe de transição do Presidente Lula que realizou a negociação fundamental e de emergência para viabilizar a extensão desse mecanismo constante na Lei Kandir até 2006, diferente do que se tem dito no nosso Estado. Se dependesse do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, essa compensação teria terminado em 2000 ou se estenderia, no máximo, até 2002.

Mas, diante desse quadro em que as desonerações estão postas como um imperativo de economias sujeitas a intensos fluxos internacionais de bens e serviços - como resolver o problema dos Estados exportadores que perdem receita com a renúncia? Acreditamos que a mudança de modelo tributário não deve ser abrupta. É preciso ter mecanismos de transição para permitir que as economias locais se adaptem e um novo modelo de desenvolvimento se instale.

Tenho falado, nesta Casa, sobre a postura crítica que temos ao modelo de desenvolvimento do Pará e da Amazônia como um todo: de cima para baixo, de fora para dentro, sem levar em conta a grande diversidade da região. É preciso mudar esse modelo, diversificando sua base e criando outros instrumentos e mecanismos de geração de emprego e distribuição de renda. Mas isso não se faz do dia para a noite e nem tem sido a marca dos governos até o ano passado.

Trago, hoje, duas propostas. Uma, que darei entrada aqui e que está em processo de coleta de assinaturas, é uma Proposta de Emenda Constitucional que cria um mecanismo compensatório temporário, visando a corrigir a distribuição desigual dos custos fiscais vinculados à desoneração entre os entes federativos estaduais. Atualmente, os Estados que exportam arcam com os maiores custos. Se isso ocorre, que incentivos têm os Estados para redirecionarem os seus recursos produtivos para os setores exportadores? Além disso, imaginem o impacto enorme na sua sustentabilidade fiscal. Como serão feitas as políticas sociais e a manutenção da infra-estrutura produtiva, com a presença de fortes renúncias?

Para corrigir isso, a Proposta de Emenda Constitucional constitui um fundo baseado em um percentual do Imposto de Importação e do Imposto sobre Produtos Industrializados, a ser distribuído aos Estados e ao Distrito Federal, levando-se em conta o valor proporcional das respectivas exportações de produtos primários e semi-elaborados e ao saldo positivo na balança comercial de cada um. Além disso, 25% desse montante seria repassado aos Municípios, segundo os critérios constitucionais.

A outra proposta será entregue ao Relator da Reforma Tributária, Deputado Virgílio Guimarães, daqui a pouco. É uma sugestão de emenda aditiva ao projeto da reforma tributária em tramitação na Câmara. Não é um mecanismo compensatório, mas é a garantia do funcionamento da desoneração das exportações por representar a securitização dos créditos do ICMS. O que isso significa? Está-se criando uma verdadeira “bomba-relógio” nos Estados exportadores, pois as empresas exportadoras estão creditando o valor do ICMS pago no Estado de origem, quando adquirem bens que servirão à sua produção para exportação, junto às secretarias de Fazenda dos Estados onde ocorre a exportação, ampliando ainda mais as perdas dos Estados exportadores. Ou seja, quando se faz uma compra no Paraná, o ICMS é colocado como crédito contra a Fazenda no Estado do Pará, que é o Estado exportador.

Qual é a nossa sugestão que será entregue ao Deputado Relator da reforma? Com a transformação desses créditos das empresas exportadoras em títulos públicos a serem utilizados para pagamento de tributos federais, posteriormente compensados pela União junto aos Estados de origem, será possível atingir com efetividade a desoneração das exportações, já que os Estados - não é apenas o Estado do Pará -, como regra geral, não têm pago às empresas exportadoras os valores que elas têm direito. Eles têm gerado um acúmulo de créditos que deverá ser pago de alguma forma e algum dia. Isso ameaça, num futuro próximo, inviabilizar as finanças de algumas unidades da federação, entre elas o Pará.

Com a securitização, a União não arcará com o peso da medida, o custo da desoneração será dividido de forma mais equânime dentro da federação, e as empresas poderão fazer circular os recursos hoje presos às secretarias de fazenda estaduais.

Srªs e Srs. Senadores, ambas as propostas trazem a possibilidade de corrigir distorções e solucionar impasses no federalismo fiscal brasileiro. Seja por intermédio de mecanismos de securitização ou de mecanismos compensatórios - na verdade, os dois são compensatórios - existem alternativas para o problema - não ad aeternum, mas temporal, pois a nossa proposta é por quinze anos, e a cada ano se diminui um quinze avos desse recurso até que o Estado possa se adequar e alterar a sua base produtiva. É preciso dizer claramente que esses problemas foram herdados do governo passado, e o nosso governo tem procurado solucioná-los com o diálogo, a construção de consensos, a reflexão responsável de quem governa para o amanhã - um amanhã com mais justiça social, mais solidariedade e mais compromisso com o desenvolvimento sustentável e ético deste País. E, acima de tudo, que as cidadãs e os cidadãos saibam que nós, legítimos representantes de seus interesses e sonhos, estamos trabalhando para a edificação de um novo modelo de desenvolvimento e, muito mais do que isso, de uma nova sociedade.

Neste ponto, eu queria lamentar o modo com que esse debate tem sido feito no nosso Estado. Estão tentando fazer com que o povo, as entidades representativas da sociedade e as entidades empresariais esqueçam de que este é um problema herdado do governo anterior, do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, problema para o qual estamos apresentando, Senador Eurípedes Camargo, soluções concretas nunca antes apresentadas. E parece que alguns se esquecem disso.

Aliás, lamento as críticas injustas, mas elas são típicas de quem é ex. Senador Geraldo Mesquita Júnior, o ex-Presidente da República age como ex-marido; a mulher decidiu se separar e ele não se conforma porque foi ela quem tomou a decisão. Então, ele fica inquieto, revoltado e passa a atacar a todos. É um típico ex, que não se conformou de ter sido preterido, de ter sido colocado na condição de ex, não por sua vontade, mas pela vontade do povo. Aí tenta chamar a atenção, procurando fazer com que o povo esqueça de que o Brasil que herdamos, com todas as mazelas, foi construído por esse ex.

O Sr. Eduardo Azeredo (PSDB - MG) - Senadora, V. Exª me permite um aparte?

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA) - Concedo um aparte a V. Exª.

O Sr. Eduardo Azeredo (PSDB - MG) - Senadora Ana Júlia Carepa, com toda a liberdade que temos tido aqui de debater - é muito bom ouvi-la -, gostaria de lembrar que o Presidente Fernando Henrique foi reeleito; não é por força das urnas que ele hoje é um ex-Presidente. É um erro que a senhora comete, pois Fernando Henrique há havia sido reeleito uma vez e não podia sê-lo outra vez. As declarações do Presidente são baseadas em fatos reais. Estamos ao fim dos primeiros seis meses do Governo Lula e não vemos ações efetivas na prática, tanto é que as reações começam a acontecer. Os jornais estão mostrando a diminuição da produção industrial no Rio de Janeiro, São Paulo e Minas, e isso preocupa muito. É evidente que os problemas existem. Sabemos bem que no fim do ano passado tínhamos uma escalada da inflação, advinda do temor de que declarações anteriores do PT, feitas por vários de seus membros, pudessem ser colocadas em prática. Felizmente, não o foram. Estamos de acordo. O Presidente Lula teve bom senso e responsabilidade e não colocou em prática questões como “Fora, FMI”, que era um dos slogans do PT. Faço esse pequeno aparte no sentido de registrar que o Presidente Fernando Henrique é um ex-Presidente por força da lei, que não permitiu que ele se candidatasse uma outra vez, mas ele deixou um bom legado de realizações para o Brasil. Estamos aqui, como membros da Oposição, para registrar apoio ao Presidente Fernando Henrique.

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA) - Obrigada, Senador. Discordo da sua posição: é um ex-preterido, sim. É preterido porque fez campanha, levou debaixo do braço seu candidato, como candidato do seu governo, que iria continuar o seu governo, e esse candidato foi preterido, sim.

Como a Mesa já está...

O Sr. José Jorge (PFL - PE) - Permite-me um aparte, nobre Senadora Ana Júlia Carepa?

O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim) - Não, Infelizmente, por acordo feito com todos os Líderes, aparte só dentro do horário...

O Sr. José Jorge (PFL - PE) - Mas se passaram somente seis segundos, Sr. Presidente.

O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim) - Foi um pedido de todos os Líderes. Como todos os Líderes pediram isso, a Mesa vai ter que cumprir.

O Sr. José Jorge (PFL - PE) - Está bom. Eu espero que V. Exª use o mesmo critério quando forem os Senadores do PT.

O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim) - Pode ter certeza que sim. Inclusive fiz sinal para a oradora, pedindo que concluísse, pois o seu tempo havia terminado.

Eu tenho sido tolerante com todos os Srs. Senadores. O pedido feito pela Mesa é que não concedesse aparte, em hipótese nenhuma, quando o horário do orador na tribuna estiver terminado, como foi o caso. Eu lamento, Senador José Jorge. V. Exª sabe que eu tenho sido tolerante, inclusive com V. Exª, quando o seu tempo havia terminado. E V. Exª será o próximo orador.

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA) - Senador José Jorge, eu concederia o aparte, com todo o prazer, como concedi ao Senador Eduardo Azeredo. Mas eu sabia dessa regra, dessa decisão da Mesa, que, aliás, é correta.

Tanto é verdade que a herança foi negativa para o nosso País, que eu vim aqui falar de uma questão que existe desde 1996, qual seja, a desoneração das exportações. Jamais foi apresentada uma solução concreta não só para o nosso Estado do Pará como para Minas Gerais. Estamos aqui hoje apresentando uma solução, uma proposta que cria uma externalidade positiva, que é dividida entre todos os entes federativos; uma externalidade positiva para a União.

É essa proposta e também a PEC que vamos entregar daqui a pouco ao Relator, Deputado Virgílio Guimarães, para que S. Exª possa incluí-las na proposta de reforma tributária.

Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/06/2003 - Página 15849