Discurso durante a 84ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Contrário ao uso dos recursos do BNDES para investimentos em países da América do Sul e da África.

Autor
Valdir Raupp (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Valdir Raupp de Matos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE DESENVOLVIMENTO.:
  • Contrário ao uso dos recursos do BNDES para investimentos em países da América do Sul e da África.
Publicação
Publicação no DSF de 26/06/2003 - Página 16329
Assunto
Outros > POLITICA DE DESENVOLVIMENTO.
Indexação
  • APREENSÃO, ANUNCIO, DECISÃO, POLITICA EXTERNA, GOVERNO BRASILEIRO, INVESTIMENTO, RECURSOS, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), PAIS ESTRANGEIRO, ESPECIFICAÇÃO, AMERICA DO SUL.
  • ANALISE, INJUSTIÇA, APLICAÇÃO, RECURSOS, BANCO NACIONAL DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO E SOCIAL (BNDES), OMISSÃO, DESENVOLVIMENTO REGIONAL, DETALHAMENTO, PROBLEMAS BRASILEIROS, PRIORIDADE, CRIAÇÃO, EMPREGO, POLITICA SOCIAL, SANEAMENTO, REGISTRO, PESQUISA, FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS (FGV), URGENCIA, NECESSIDADE, INVESTIMENTO, INDUSTRIA, ATENDIMENTO, PREVISÃO, CRESCIMENTO ECONOMICO.

O SR. VALDIR RAUPP (PMDB - RO. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o BNDES é considerado um dos maiores bancos de fomento do mundo. Ele trabalha com um orçamento de linhas de crédito da ordem de 32 bilhões de reais. É uma montanha de dinheiro. Mas essa montanha fica parecendo um pequeno morrote quando cotejada com a gigantesca sede do Brasil por investimentos.

Por isso preocupo-me, Sr. Presidente, quando vejo o governo tecendo planos ambiciosos de usar o BNDES como instrumento de política externa, fazendo-o investir em empreendimentos em países da América do Sul e da África. No Brasil, os investimentos do BNDES são necessários na indústria, tanto nas grandes como nas pequenas empresas, na infra-estrutura, inclusive de saneamento, no apoio às exportações brasileiras, no esforço para atenuar as disparidades regionais. É um mundo de necessidades!

Receio, Sr. Presidente, que o cobertor fique curto demais se, além de atender a essas prementes carências internas, o BNDES se puser a financiar projetos de outros países.

Valorizo, sim, os esforços do Brasil em promover a integração regional na América do Sul, visando ao fortalecimento de um bloco nosso aliado para fins da negociação da ALCA, diante do poderio dos Estados Unidos. É positiva a aproximação comercial com outros países e continentes. Por exemplo, faz sentido financiar operações de comércio exterior que ajudem empresas de outros países a comprar bens e serviços brasileiros. Se temos essa disponibilidade financeira, é uma iniciativa útil, como já fazem os chamados Eximbanks em vários países.

Como já afirmou o Presidente Lula, devemos buscar o alargamento de nossas relações políticas, diplomáticas e comerciais. Mas buscar de forma prudente. Sem esquecer que a verdadeira e autêntica influência e ascendência do Brasil brotará de seu firme e contínuo desenvolvimento econômico e social. E sem esquecer, ainda, que na sigla BNDES o “n” é de Nacional, o “d” é de Desenvolvimento e o “s” é de Social.

Nos meses recentes, soubemos que o BNDES irá injetar um capital de 400 milhões de dólares na Corporación Andina de Fomento, cujos sócios principais são Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela. Depois, foi noticiado que o BNDES também vai financiar uma Corporación Platina de Fomento, associada ao Mercosul. Fala-se em investimentos em infra-estrutura em países da América do Sul e da África. Pretende, ainda, o BNDES, abrir uma linha de crédito de 1 bilhão de dólares à Argentina, a ser usada como garantia dos intercâmbios comerciais entre os dois países, segundo o mecanismo conhecido como Convênio de Crédito Recíproco, ou CCR.

Ora, quem normalmente opera o CCR é o Banco Central. O dinheiro do BNDES, seguindo uma boa tradição, deveria ser destinado a empresas brasileiras. Agora, o Governo Lula quer inovar, canalizando dinheiro do BNDES para a Argentina, usando os recursos do nosso banco de fomento, que tem como função desenvolver o Brasil, e não outros países e continentes. Esse bilhão de dólares do CCR do BNDES seria gasto assim: 500 milhões de dólares para empresas brasileiras exportarem para a Argentina e 500 milhões de dólares para empresas argentinas exportarem para o Brasil. Isto soa absurdo, mas é o que está sendo proposto.

Temos de tomar cuidado, Sr. Presidente, para que essa estratégia de liderança política na América do Sul e no Atlântico Sul não nos suba à cabeça. Corremos o risco de nos mostrar ao mundo vestidos de fraque, da cintura para cima, e, da cintura para baixo, vestidos de forma pouco apresentável.

Nesse vôo alto e pretensioso, podemos acabar esquecendo que a Argentina tem, sim, pobreza, mas o Brasil tem miséria, e muita! O dinheiro do BNDES pode parecer uma montanha, mas diante de nossas necessidades é dinheirinho contado e suado.

Vejamos, por exemplo, nossas disparidades regionais. As regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste concentram 45% da população brasileira. Mas essas regiões recebem, juntas, em média, apenas 25% dos financiamentos do BNDES. O presidente do BNDES, recentemente, no dia 10 de junho, esteve na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado e lá pôde ouvir de pelo menos 10 Senadores representantes dessas regiões desfavorecidas afirmações sobre a injustiça dos subinvestimentos do BNDES nesse Brasil que fica longe da sede do banco, no Rio de Janeiro.

No Congresso, são 81 Senadores e 513 Deputados que, tenho certeza, conhecem de cor e pormenorizadamente as carências e necessidades dos Municípios, Estados, regiões e eleitorados que representam. Prioridades de toda ordem, graves e locais, padecem de falta de recursos, sejam orçamentários, sejam de ações de fomento. Como mero exemplo, entre tantos, posso lembrar Porto Velho, capital de Rondônia, Estado que tive a honra de governar. Lá são registrados índices preocupantes de desemprego, de mau atendimento no saneamento, de criminalidade.

Na minha região, o Norte, e no meu Estado, é crônica a escassez de investimentos, na criação de empregos, em programas sociais. Em Rondônia, apenas 20% da população são servidos por rede de esgotos. A companhia de águas de Rondônia, a CAERD, exemplarmente recuperada por uma gestão compartilhada com seus funcionários, passou a gerar lucro mensal de 2 milhões de reais. Mesmo assim, precisa, e não tem encontrado, buscar recursos para financiar um plano de expansão que permita elevar o índice de atendimento da população com água tratada, de 40% para 70%.

Posso assegurar, Sr. Presidente, que, para grandes segmentos da população brasileira, e certamente, e mais ainda, para os habitantes da sofrida Região Norte, fica difícil de entender os mirabolantes planos de investimentos e financiamentos internacionais do Governo, via BNDES. É fácil, é questão de bom senso, compreender nossa preocupação com os critérios de prioridade na utilização dos vastos recursos concentrados no BNDES.

Sr. Presidente, voltando, agora, minha atenção para o ângulo crucial do desenvolvimento econômico nacional como um todo, principalmente aquele que se dá pelo crescimento dos setores industriais, fortes geradores de empregos, só posso dizer que aumenta a minha preocupação. Duas pesquisas de que tive notícia recentemente causaram-me espanto. São pesquisas de duas importantes instituições, a FGV, Fundação Getúlio Vargas, e o Iedi, Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial, sobre a carência de novos investimentos na indústria brasileira.

Podemos pensar que, devido à fase de baixo crescimento pela qual estamos passando, a indústria brasileira não tenha muita necessidade de financiar-se para promover expansão de capacidade. Pois a situação é bem diversa. O BNDES está na iminência de ser muito pressionado para financiar a indústria brasileira, para financiar o Brasil. Uma indústria, quando chega a usar 80% de sua capacidade, tem que começar a pensar em investir na expansão. É a regra econômica. Se não fizer isso, arrisca-se a perder oportunidades de negócios que sempre podem surgir.

A mesma regra dos 80% aplica-se a setores industriais inteiros e ao setor industrial como um todo. Ora, diante da política de estímulo às exportações, e às vésperas de uma retomada do crescimento, que mais mês, menos mês, irá ocorrer, a indústria brasileira encontra-se desarmada, sem suficiente capacidade de reserva para aumentar sua produção, de modo a atender surtos de demanda.

A FGV, em levantamento deste ano sobre a utilização de capacidade industrial no Brasil, constatou que ela já atingiu, em média 81%. De 19 setores industriais, 12 já operam acima de 80%. Vários setores já atingiram índices de saturação. O setor de papel e celulose já atingiu 100%. Bicicletas, motos e peças, 97,2%. Alumínio, cobre e zinco, 95,7%. E por aí vai. O grupo de indústrias que está na faixa entre 80% e 90%, considerada também faixa de sufoco, inclui confecções, perfumaria, artefatos para embalagem, produtos têxteis e vários outros.

Já há economistas preocupados com o fato de que a transição entre consumo retraído e consumo expandido possa ser rápida demais, provocando gargalos na produção e explosão de importações, o que traria danos à economia.

O Iedi elaborou um estudo por outro ângulo. Fez simulação de cenários de futuro imediato para a economia brasileira e estimou o que aconteceria com a capacidade industrial. Para a hipótese considerada mais provável, 10% de crescimento nas exportações setoriais e 2% nas vendas internas, 20 dos 28 setores pesquisados ingressariam na faixa de sufoco próxima aos 90%. Para alguns setores, no aspecto de necessidade de novos investimentos, já está piscando a luz vermelha. Para muitos outros, já se acendeu a luz amarela.

Sem investimentos na indústria, a economia não deslanchará. O Brasil já sofre, de há muito, com baixas taxas de investimento, em relação ao PIB. A nossa é apenas 18%. A da Malásia é 23%; a da Coréia do Sul é 27%.

São dados, Sr. Presidente, que mostram a vastidão da tarefa que tem pela frente o BNDES, se seguir a linha do bom senso, que é investir no Brasil. Há estudiosos da questão que calculam que a montanha de 32 bilhões de reais do BNDES teria, na verdade, que chegar a 100 bilhões, para atender a economia brasileira. Para expandir a indústria, apoiar a infra-estrutura, estimular as exportações, atenuar as disparidades regionais.

Por meritórios que sejam os pensamentos de liderança e integração regional, precisamos, de cabeça fria, atentar para a realidade e para a hierarquia de nossas necessidades. O Brasil vem primeiro. Nosso econômico, nosso social. Não precisamos distribuir presentes, perdulariamente, para angariar prestígio. Como disse no início, o Brasil se imporá naturalmente, gradualmente, no cenário continental e internacional, se promover firme e constantemente o seu desenvolvimento econômico e social.

Sr. Presidente, repito: no nome do BNDES, o “d” é de Desenvolvimento, o “e” é de Econômico, o “s” é de Social e, sobretudo, o “n” é de Nacional. O bom negócio para o Brasil é investir no Brasil. Portanto, o BNDES deve investir aqui. O resto virá por simples decorrência.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/06/2003 - Página 16329