Discurso durante a 18ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa da utilização do carvão mineral como fonte de energia. Necessidade da reforma agrária.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ENERGETICA. REFORMA AGRARIA. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.:
  • Defesa da utilização do carvão mineral como fonte de energia. Necessidade da reforma agrária.
Aparteantes
Marcelo Crivella, Mão Santa, Íris de Araújo.
Publicação
Publicação no DSF de 26/07/2003 - Página 20432
Assunto
Outros > POLITICA ENERGETICA. REFORMA AGRARIA. DISCRIMINAÇÃO RACIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, RELEVANCIA, QUANTIDADE, CARVÃO MINERAL, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), IMPORTANCIA, ELABORAÇÃO, POLITICA, APROVEITAMENTO, CARVÃO, UTILIZAÇÃO, FONTE ALTERNATIVA DE ENERGIA, CONTRIBUIÇÃO, DESENVOLVIMENTO REGIONAL, REDUÇÃO, DESEMPREGO.
  • REGISTRO, NECESSIDADE, REVISÃO, SISTEMA ELETRICO, BRASIL, BUSCA, FONTE ALTERNATIVA DE ENERGIA, APOIO, SOLICITAÇÃO, SINDICATO, TRABALHADOR, INDUSTRIA, EXTRAÇÃO, CARVÃO, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), CRIAÇÃO, CONSELHO NACIONAL, DESENVOLVIMENTO, CARVÃO MINERAL.
  • ANALISE, PROCESSO, REFORMA AGRARIA, BRASIL, EXPECTATIVA, RESPEITO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, AUSENCIA, VIOLENCIA, TENSÃO SOCIAL.
  • COMENTARIO, ATUAÇÃO, MOVIMENTO TRABALHISTA, TRABALHADOR RURAL, OPOSIÇÃO, ORADOR, UTILIZAÇÃO, VIOLENCIA.
  • COMENTARIO, DISCURSO, LIDER, MOVIMENTO TRABALHISTA, TRABALHADOR RURAL, REGISTRO, FALTA, INTERESSE, INCITAMENTO, VIOLENCIA, SEM-TERRA, FAZENDEIRO.
  • REGISTRO, ENCONTRO, ORADOR, DELEGAÇÃO, INTELECTUAL, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), APRESENTAÇÃO, DOCUMENTO, COMPROVAÇÃO, VALIDADE, CRIAÇÃO, COTA, NEGRO.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, uso a tribuna nesta manhã de sexta-feira para falar um pouco de um tema que entendo fundamental para o País e para o Rio Grande do Sul. Falo hoje sobre o carvão mineral.

Sr. Presidente, o carvão mineral é reconhecido como a segunda fonte de energia primária no mundo, logo depois do petróleo, e como a principal fonte primária para a produção de energia elétrica.

As reservas do carvão mineral brasileiro somam hoje 32,4 bilhões de toneladas, quantidade equivalente a 2,5 bilhões de toneladas de petróleo. Constituem a maior reserva de combustíveis fósseis do País, sendo cerca de 4,5 vezes maior do que as reservas atualmente comprovadas de petróleo.

No Rio Grande do Sul estão mais de 89% das reservas brasileiras de carvão, mas, infelizmente, por falta de uma política consistente de aproveitamento desse combustível, ainda importamos 85% da energia consumida no Estado.

É por isso, Sr. Presidente, que retomamos hoje esse tema, com a intenção de unir todos os setores envolvidos no processo total de aproveitamento do carvão mineral, com o objetivo de tentar chegar a uma solução para uma enorme região do meu Estado.

Além de Bagé, onde temos a usina de Candiota - e lá esperamos aumentar em muito o investimento -, quero falar também sobre a chamada Região Carbonífera do Baixo Jacuí. Essa região envolve os Municípios gaúchos de Charqueadas, Eldorado do Sul, São Jerônimo, Arroio dos Ratos, Butiá, Minas do Leão, Pantano Grande, Rio Pardo, Cachoeira do Sul e São Sepé, para não citar todos os Municípios. O carvão mineral ali explorado tem a sua grande utilização como combustível para termeletricidade e, para usos industriais, para a formação de vapor para caldeiras, na redução direta, por via sólida, em baixos fornos, na fabricação de cimento.

Sr. Presidente, um aproveitamento mais racional dessas reservas do Baixo Jacuí poderá contribuir para a elevação da participação do carvão mineral no desenvolvimento global do meu Estado. De fato, com o investimento no carvão, o desenvolvimento no Rio Grande do Sul pode avançar em mais de 50%. O carvão poderá gerar divisas, mais empregos, circulação de renda nos Municípios envolvidos e evitar um dos grandes problemas que ocorrem hoje: a migração da população mineira para as periferias das grandes cidades, principalmente para a capital, o que aumentaria as favelas, o desemprego e a desigualdade social.

Portanto, diante desse potencial energético, da capacidade do carvão mineral de alavancar o desenvolvimento do Rio Grande do Sul, a discussão desse tema, no meu entendimento, deve ter um lugar destacado na conjuntura nacional.

A implantação de projetos nessa região do Estado, objetivando à ampliação do mercado carbonífero local, inclusive o exportador, abre oportunidades para a reativação do mercado de emprego. Hoje, os dados são assustadores. Ontem mesmo, ouvi o Senador Mão Santa e V. Exª, Sr. Presidente, tocarem nesse assunto. Temos que crescer e pensar que cada Estado deve desenvolver o seu potencial econômico para gerar emprego em nível estadual, com uma repercussão positiva em nível nacional.

Estudos desenvolvidos pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Extração de Carvão do Rio Grande do Sul estimam que só a abertura das obras para a construção da usina de Jacuí I possibilitará a criação imediata de 1,5 mil postos de trabalho diretos e outros 4,5 mil empregos indiretos na produção desse mineral importante, que é o carvão.

A implantação de usinas termoelétricas significa disponibilizar energia elétrica para o desenvolvimento, utilizando-se combustível nacional de baixo custo, que, por ser produzido e industrializado aqui, é imune às variações cambiais que os combustíveis importados apresentam.

No caso de obras na região carbonífera do Baixo Jacuí, atenderão a uma região pouco desenvolvida e distante apenas 100 quilômetros de Porto Alegre.

É nesse sentido que também apoiamos a solicitação do Sindicato, para a elaboração de um estudo por parte do Ministério das Minas e Energia, para que seja consolidado um Conselho Nacional de Desenvolvimento do Carvão. Esse Conselho, com gestão deliberativa tripartite e paritária, com a participação do Sindicato dos Trabalhadores, do Sindicato das Indústrias de Extração de Carvão, do Ministério das Minas e Energia e do Departamento Nacional de Produção Mineral, deverá ter a missão de realizar estudos e pesquisas minerais para o melhor aproveitamento do carvão como combustível gerador de energia e, por conseguinte, de emprego.

Apoiamos essa iniciativa do Sindicato, na certeza da necessidade de uma urgente revisão do modelo energético brasileiro, para que nele o carvão mineral seja definitivamente incluído como uma das principais fontes.

Manifestações recentes de S. Exª a Ministra das Minas e Energia, companheira Dilma Rousseff, gaúcha e profunda conhecedora da questão carbonífera de nosso Estado, apontam para a defesa de uma nova política de médio prazo para a inclusão progressiva do carvão na geração de energia e, conseqüentemente, de emprego.

Chamamos, pois, a atenção do Governo para que o carvão mineral tenha a sua utilização incentivada e assim se viabilizem novas fontes de energia, com a geração de mais trabalho, renda e desenvolvimento dos Municípios localizados nas regiões carboníferas.

Sr. Presidente, era o que eu tinha a dizer a respeito do aproveitamento do carvão, que considero de suma importância, pois, além de gerar energia, pode ser um multiplicador, direto e indireto, até de milhões de novos empregos.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Paulo Paim, gostaria de participar do pronunciamento de V. Exª.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Senador Mão Santa, V. Exª, sempre que solicita um aparte, já está com a palavra.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Inicialmente, gostaria de saudar V. Exª, em nome dos 81 Senadores da República, pela sensibilidade que demonstra em relação ao trabalho. Como disse Padre Antônio Vieira, “o exemplo arrasta”, e V. Exª dá o exemplo de trabalho, o que tem alta repercussão. Tomei conhecimento de uma recente pesquisa qualitativa, Senadora Iris de Araújo, sobre as instituições brasileiras. Existe a pesquisa quantitativa, que é numérica, e a qualitativa, em que se selecionam 30 pessoas de qualidades e competências variadas para discutir e manifestar seus pensamentos, que são analisados por observadores e especialistas. Por essa pesquisa, uma das instituições mais respeitadas e acreditadas no Brasil, hoje, é o Senado Federal. Napoleão disse uma vez, quando estava preso, que o francês era muito tímido e até mesmo preguiçoso e até para tomar banho dava trabalho, mas, com um grande comandante, valia por cem. Queremos testemunhar aqui o trabalho do nosso grande comandante, o Presidente José Sarney, e o de V. Exª. V. Exª tem sido um cireneu. Estamos no Senado, hoje, trabalhando e debatendo os grandes problemas nacionais. E V. Exª foi o grande cireneu que o Presidente José Sarney encontrou para administrar esta Casa. Gostaria de dizer que o tema do seu pronunciamento é muito importante e que devemos debatê-lo exaustivamente, para ajudá-lo nessa luta pelo trabalho e pelo trabalhador, não pelo trabalho escravo e explorador. Daí a decência e a visão de V. Exª. Diria que temos que ser otimistas. Nasci durante a guerra, e havia um Presidente americano, Flanklin Delano Roosevelt, que foi reeleito quatro vezes, numa época difícil, durante a recessão, no pós-guerra. Ele dizia a seus compatriotas: “Norte-americanos, procurem trabalho, procurem um empreendimento. Se tiverem dificuldades, persistam; se não der certo, busquem outro. A salvação está no trabalho!”. Ele promoveu o new deal, valorizando, sobretudo, o campo. Dizia ele: “Se colocarmos um pico de luz em cada fazenda, se houver uma panela na cozinha de cada fazendeiro, este país estará salvo”. E ainda disse: “As cidades poderão ter sido destruídas, mas elas ressuscitarão do campo. Não vamos destruir o campo, porque as cidades perecerão por fome”. E manteve o homem trabalhando, valorizado e prestigiado. O nosso homem do campo foge. Todos esses sem-terra merecem ser canonizados. Eles saíram do campo, porque o Governo não lhes deu luz, água, assistência técnica. O Governo não fez investimentos para beneficiar o pequeno agricultor. E os que estão aí, Senador Paulo Paim, não são sem-terra, são sem-emprego. Deles, 70% vieram para as urbes - os números demonstram. Este é um País da agricultura, com vocação para a agricultura; mesmo com esse êxodo, como o da Bíblia, ainda estamos vencendo na agricultura. Senador Paulo Paim, receba nosso agradecimento pelo trabalho e pelo exemplo que nos tem dado para cumprirmos o nosso dever de Senador da República.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Senador Mão Santa, agradeço-lhe pelo aparte. Cumprimento V. Exª, que, mais uma vez, demonstra o seu compromisso com o social e, principalmente, com essa frente de Deputados e Senadores em defesa do emprego, da qual faz parte.

Parece que, no Brasil, hoje, virou crime falar em reforma agrária. E praticamente todos os países do mundo já fizeram a reforma agrária. E falo de países capitalistas, socialdemocratas - não me refiro aos países comunistas; não é essa a minha intenção.

O Ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, por quem tenho o maior carinho e o maior respeito, era meu liderado - e falo isso com orgulho. Eu era Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Canoas, e o Miguel Rossetto era metalúrgico de uma empresa chamada Coensa, onde liderava. Tínhamos uma afinidade muito grande no comando daquela categoria tão importante, mas, já naquela época, Miguel Rossetto, atual Ministro do Desenvolvimento Agrário, demonstrava toda a sua liderança, sua capacidade, sua habilidade e o seu preparo. Depois, foi Deputado Federal e Vice-Governador do Rio Grande do Sul.

Ainda ontem, uma revista me perguntou sobre Miguel Rossetto e disse-me que ele estranhava, porque, enquanto alguns o taxam de sectário, de radical, tentando desmoralizá-lo, a revista fez uma pesquisa entre empresários do Rio Grande do Sul, trabalhadores e a oposição ao então Governo de Olívio Dutra e de Miguel Rossetto e todos elogiaram o Ministro do Desenvolvimento Agrário. Todos o têm como um homem sério, responsável, preparado, habilitado para fazer essa grande mediação no conflito que porventura possa ocorrer no campo.

Efetivamente, o Ministro Miguel Rossetto tem compromisso com a reforma agrária, como todos temos, mas, como S. Exª sempre diz, uma reforma pacífica, ordeira, dialogando, conversando e até indenizando, quando for o caso de se ter que indenizar.

Por isso, aproveito o gancho do aparte de V. Exª para fazer essa referência ao Ministro Miguel Rossetto, tanto a S. Exª quanto a Olívio Dutra, Ministro das Cidades. Por que faço esse vínculo? Porque, na ocupação da Volkswagen, houve um assassinato covarde. Um cidadão atirou em um fotógrafo, ato que tem aqui o nosso total repúdio. Isso não tem nada a ver com a ocupação da Volkswagen, que está sendo negociada com habilidade, inclusive com o Governador de São Paulo, do PSDB, que está sendo muito habilidoso. Aproveito, inclusive, para cumprimentar S. Exª. Dizer que o culpado é o Governador de São Paulo, ou o Olívio Dutra, ou o Miguel Rossetto, porque falam em ocupação no campo e na cidade? Todos, para mim, estão tendo uma postura ímpar, o Ministro Olívio Dutra, o Ministro Miguel Rossetto e também o Governador Geraldo Alckmin, de São Paulo, do PSDB, em relação a esse acidente, pois temos que combater a violência.

Temos que encontrar a saída para o emprego, para o salário, respondendo ao social, mas o criminoso tem que ser punido e ir para a cadeia, responder, com todo o rigor da lei, pelo ato covarde que cometeu.

Com alegria, permito um aparte à Senadora Iris de Araújo.

A Srª Iris de Araújo (PMDB - GO) - Senador Paulo Paim, V. Exª aborda um tema que, coincidentemente, vou levar à discussão hoje neste plenário.Tive uma preocupação muito grande, mas, ao ouvir as palavras de V. Exª, de uma certa forma, sinto-me confortada ao falar sobre a reforma agrária. Quero referir-me ao tema com palavras equilibradas e trazer essa discussão da maneira como entendo que ela deve ser encaminhada. V. Exª, como eu e outros Senadores que aqui lutamos por essa causa, concordamos com o fato de que a reforma precisa ser feita. Hoje, no Brasil, há uma consciência nacional de que temos que mudar e, se possível, inverter a situação do êxodo rural, que transforma as cidades em campos de batalha pela falta de perspectiva. Ao abrir o jornal O Estado de S. Paulo de hoje, fiquei preocupada com a seguinte manchete: “Stédile convoca guerra contra os fazendeiros”. Diz a matéria: “Em Porto Alegre, em discurso feito no Município de Cambuçu, na quarta feira, e publicado ontem pelo jornal Zero Hora, o líder nacional do Movimento dos Sem-Terra, MST, João Pedro Stédile, convocou todos os sem-terra e pequenos agricultores do País para uma verdadeira guerra e demarcou o campo de batalha: ‘A luta camponesa abriga hoje 23 milhões de pessoas. Do outro lado, há 27 mil fazendeiros. Essa é a disputa’, discursou Stédile”. Isso me preocupa, Senador Paulo Paim, e deve preocupar V. Exª, todos os Senadores e esta Nação. Queremos resolver todos os problemas do Brasil, juntamente com o Presidente Lula, que, tenho a certeza, há de conseguir, porque tem o apoio da massa popular que o elegeu. Mas temos de levar em consideração que não podemos permitir esse tipo de radicalização. Quando V. Exª abordou esse tema, eu o considerei oportuno, porque é sobre isso que eu gostaria de falar hoje. Muito obrigada pelo aparte, Senador Paulo Paim.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Senadora Iris de Araújo, com certeza, farei um aparte ao pronunciamento de V. Exª, porque esse é um assunto cativante, que mexe com as nossas vidas, com a vida do povo brasileiro.

Quando me refiro à reforma agrária, não me lembro apenas do enfoque da dita violência que poderá ocorrer, assunto de que vou tratar, mas vejo, olhando para o horizonte, milhões de pessoas de enxada na mão, dirigindo um trator, levando uma foice, enfim, trabalhando, molhando a terra, semeando, e produzindo o alimento que chega à mesa de quem, como nós, fica na área urbana. Mas sabemos que são gerados milhões de emprego lá no campo. Isso para mim é muito importante. Quando me refiro à reforma agrária, não consigo enxergá-la na linha da violência. De jeito nenhum. E não vou endossar a violência.

Mas quero falar um pouquinho, se me permitem, do gaúcho João Pedro Stédile. É um homem que optou por uma vida, eu diria, quase franciscana. É um pastor da terra. João Pedro Stédile, se assim quisesse - e digo isto com convicção, porque o conheço -, poderia ser um deputado ou mesmo um senador. Mas nunca disputou um cargo político.

Levando em conta um dado que a Senadora Iris de Araújo citou com muita precisão e que está publicado no jornal - e vou chegar ao discurso do João Pedro Stédile -, se esses 23 milhões de pessoas que lutam por um pedaço de terra estivessem, de forma desorganizada, lutando pela sobrevivência neste País, imaginem V. Exªs qual seria o nível de violência que teríamos, inclusive nos grandes centros, nas cidades! O êxodo ocorreria de forma natural.

João Pedro Stédile, para mim, é o maior líder dos sem-terra deste País. Podem citar outros tantos. Respeito-os, mas, João Pedro Stédile, para mim, é o maior líder. Ele fez a opção pela preparação para a multiplicação de quadros, pela formação. É um professor que, com didatismo, está organizando a população desamparada e desesperada que percorre, a pé, quilômetros e quilômetros de estrada por este País.

Como venho do movimento sindical, às vezes dou o seguinte exemplo: alguém acha que o cidadão faz greve porque gosta? Eu já disse da tribuna e repito de novo: ninguém faz greve porque gosta. Da mesma forma, não é por essa razão que milhares de pessoas, homens, mulheres, crianças, de pés descalços, andam pelas estradas, pelos acostamentos dos asfaltos quentes, às vezes por cem, duzentos, trezentos ou quatrocentos quilômetros, dizendo: “Queremos trabalhar!”, “Queremos um pedaço de terra para produzir”.

Alguém já disse - e foi um dos pais do capitalismo - que os sindicatos foram inventados para não permitir o impacto entre o empregado e o empregador e para serem o organizador, o negociador, o porta-voz dos trabalhadores junto ao empregador, para evitar conflitos. Eu diria que o MST está cumprindo esse papel. É claro que eles sabem que, se não se mobilizarem, a reforma agrária não vai ocorrer - e nós o sabemos também. Calculem se esses 23 milhões de pessoas estivessem nas suas casas, dormindo, tomando água e talvez comendo farinha com água. Isso resolveria a questão da reforma agrária? Não resolveria. Eles têm que estar em movimento, porque isso é o que vai fazer com que as autoridades, inclusive do nosso Governo, sensibilizem-se com a reforma agrária.

Agora, vou chegar no seu discurso: sei que João Pedro Stédile é um homem de bem, mas sei também que às vezes, na emoção do discurso, avançamos o sinal. Isso já aconteceu com o Presidente Lula, comigo e com muitos dos que estão aqui. Por isso, entendo que o gesto de João Pedro Stédile foi simbólico, indicando que não podemos ficar imobilizados, mas não acredito que João Pedro Stédile queira, efetivamente, que aconteça uma guerra entre os trabalhadores da área rural e os proprietários de terras. Concordo com o argumento da Senadora, de que o assunto é delicado, de que não podemos permitir isso - e não vamos permitir -, mas acredito que, na emoção do discurso, o João Pedro tenha avançado o sinal. Eu o conheço e sei que é um homem de bem, que trabalha para que a reforma agrária efetivamente aconteça.

O Sr. Marcelo Crivella (Bloco/PL - RJ) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Pois não, Senador Crivella.

O Sr. Marcelo Crivella (Bloco/PL - RJ) - Cada vez que sobe à tribuna, V. Exª nos comove pela inteligência e pelo discurso sincero, honesto, que traduz, verdadeiramente, o sentimento de cada um de nós, Senadores. V. Exª sabe que, na leitura da Bíblia, encontramos duas vezes Deus dizendo que se arrependeu. Deus dizendo que se arrependeu! Na primeira vez, Deus se arrependeu de ter criado o homem, porque os desígnios do seu coração eram continuamente pecaminosos. Deus se arrependeu, depois, de ter feito o primeiro rei de Israel, Saul. Não era a vontade de Deus que Israel tivesse rei. Ele tomou o homem mais humilde daquela nação e, assim que ele assumiu o poder, transformou-se no homem mais orgulhoso e tirano. A Bíblia cita, também, uma confissão de Deus em que Ele diz: “A minha ira dura um segundo, mas a minha misericórdia, por toda a eternidade”. Até Deus, num momento de ira, disse algo de que depois se arrependeu. E que exemplo bonito o do Criador! Talvez, se todos tivermos a mesma humildade, saberemos que não é possível julgar as pessoas por um discurso que, num determinado instante, leva-nos e nos toma de paixão. Visitei alguns assentamentos no Nordeste, quando voltei da África, e verifiquei que precisamos ir além da reforma agrária, precisamos de uma reforma agrícola. No Jacaré-Curituba, por exemplo, no Município de Poço Redondo, há cem famílias. O Prefeito é um sujeito como o João Pedro, um franciscano. Esse é franciscano mesmo, chama-se Frei Enoque. Ele me disse o seguinte, quando fomos juntos ver o assentamento: “Pois é, Crivella, cem famílias foram aqui colocadas sem condições de plantar. O caminhão do Exército enche a cisterna uma vez por mês, mas essa água não é suficiente para plantar ou sequer tomar banho; é só para cozinhar e beber. Eles caçam bichinhos silvestres do semi-árido; quando acabam esses bichinhos e não há mais como caçar, eles fazem carvão com pequenos arbustos e vendem o saco a R$1,00. Também, Senador Paulo Paim, são cobrados pedágios na estrada e o próximo passo são os saques aos armazéns, porque não há como sobreviver no campo, principalmente em assentamentos no semi-árido, meu Deus do céu! É como deixássemos crianças sozinhas na rua para sobreviverem. Portanto, acho que V. Exª, nessa guerra, nessa luta, no seu desejo de defender a reforma agrária, conta também com a participação de todos nós, Senadores, para que isso seja incorporado com uma reforma agrícola que dê sustentabilidade aos nossos assentamentos, de tal maneira que o nosso trabalho seja perfeito e possamos, realmente, desenvolver este País. Senador Paulo Paim, muito agradecido.

O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Cumprimento o Senador Crivella pelo seu aparte, dizendo que conheço um pouco da sua história. V. Exª é um Senador que muito orgulha esta Casa. Considero-o também, além de Senador, um pastor não só da Igreja, mas das causas populares. O seu trabalho, feito no Nordeste, é reconhecido por todos.

Veja bem a força de expressão. Se fôssemos pescar do seu pronunciamento uma fala e colocá-la no jornal, seria lido o seguinte: “Hoje, num debate no Senado, o Senador x ou y disse que, se não organizarmos os trabalhadores, eles poderão começar os saques aos armazéns e o assalto aos caminhões”. Diriam que estamos insuflando, quando V. Exª está alertando, pois é nosso papel organizar os trabalhadores e conduzi-los para que, efetivamente, esse movimento caminhe para uma reforma agrária pacífica, negociada, tranqüila e de alto nível.

Por isso, cumprimento V. Exª e assinaria em baixo, e na íntegra, o seu aparte, que peço à Mesa seja contemplado no meu pronunciamento. Muito obrigado, Senador.

Sr. Presidente, meu tempo já encerrou e, como diz às vezes, na Presidência, o Senador Mão Santa, já bem acima dos 10%. Só quero deixar dado como lido, na íntegra, o meu pronunciamento, em que faço o relato de que ontem, no exercício da Presidência do Senado, recebi uma delegação dos Estados Unidos, formada por advogados, escritores, estudiosos e intelectuais, sobre as ações afirmativas. Estiveram comigo, na tarde de ontem, os advogados que, na Universidade de Michigan, defenderam junto ao Supremo Tribunal Federal a política de cotas em que foram vitoriosos. Vai haver uma votação semelhante no Brasil, no Supremo também. O exemplo deles e os documentos que me trouxeram são importantes para demonstrar o valor das ações afirmativas.

Falo isso, Senadora Iris de Araújo, em homenagem a toda mulher brasileira, mas hoje é o Dia Internacional da Mulher Negra. Esteve aqui, nessa delegação, entre aqueles que advogam essa posição, uma grande liderança das mulheres negras dos Estados Unidos. Concluo dizendo que informei-lhes - e faço o mesmo desta tribuna - que no Brasil, felizmente, o Procurador-Geral da República, Dr. Cláudio Fonteles, já deu o seu parecer, totalmente favorável às ações afirmativas e à política de cotas. Disse isso pessoalmente a mim, quando entreguei um parecer, feito pelo Departamento Jurídico do Senado, sustentando as ações afirmativas.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA DISCURSO DO SR. SENADOR PAULO PAIM.

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O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS) - Sr. Presidente, Srª e Srs. Senadores, o carvão mineral é reconhecido como a segunda fonte de energia primária no mundo, logo depois do petróleo, e como a principal fonte primária para a produção de energia elétrica.

As reservas do carvão mineral brasileiro somam hoje 32,4 bilhões de toneladas,quantidade equivalente a 2,5 bilhões de toneladas equivalentes de petróleo. Constituem a maior reserva de combustíveis fósseis do País, sendo cerca de quatro vezes e meia maior do que as reservas atualmente comprovadas de petróleo.

No Rio Grande do Sul estão mais de 89% das reservas brasileiras de carvão, mas por falta de uma política consistente de aproveitamento desse combustível, ainda importamos 85% da energia consumida no Estado.

É por isso que retomamos hoje esse tema, com a intenção de unir todos os setores envolvidos no processo total que envolve o carvão mineral com o objetivo de tentar chegar a uma solução para a Região Carbonífera do Baixo Jacuí, no meu Estado.

Esta região envolve os municípios gaúchos de Charqueadas, Eldorado do Sul, São Jerônimo, Arroio dos Ratos, Butiá, Minas do Leão, Pântano Grande, Rio Pardo, Cachoeira do Sul e São Sapé.

O carvão mineral ali explorado tem sua grande utilização com combustível para termeletricidade, e para usos industriais para formação de vapor para caldeiras, na redução direta, por via sólida, em baixos fornos, na fabricação de cimento.

Um aproveitamento mais racional dessas reservas do Baixo Jacuí poderá contribuir para a elevação da participação do carvão mineral no desenvolvimento global do Rio Grande do Sul.

O carvão poderá gerar divisas, mais empregos, circulação de renda nos municípios envolvidos, e evitar a migração da população mineira para as periferias da grande cidades, onde aumentariam as favelas, o desemprego e as desigualdades sociais.

Portanto, diante desse potencial energético, da capacidade do carvão mineral de alavancar o desenvolvimento do Rio Grande do Sul, a discussão desse tema torna-se uma necessidade imperiosa.

A implantação de projetos nessa região do Estado, objetivando a ampliação do mercado carbonífero local, inclusive o exportador, abre a oportunidade de importantes benefícios para a economia estadual e brasileira.

Estudos desenvolvidos pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Extração de Carvão do Rio Grande do Sul estimam que só a abertura das obras para a construção da usina de “Jacuí I” possibilitará a criação imediata de 1.500 postos de trabalho diretos e outros 4.500 empregos indiretos na produção de carvão.

A implantação de usinas termelétricas significa disponibilizar energia elétrica para o desenvolvimento, utilizando-se combustível nacional de baixo custo, imune às variações cambiais que os combustíveis importados apresentam.

No caso de obras na Região Carbonífera do Baixo Jacuí, atenderão a uma região pouco desenvolvida e distante apenas 100 quilômetros de Porto Alegre.

É nesse sentido que também apoiamos a solicitação do Sindicato, para a elaboração de um estudo por parte do Ministério das Minas e Energia para que seja consolidado um Conselho Nacional do Desenvolvimento do Carvão.

Esse Conselho, com gestão deliberativa tripartite e paritária, com a participação do Sindicato dos Trabalhadores, Sindicato das Indústrias de Extração de Carvão, Ministério das Minas e Energia e do Departamento Nacional de Produção Mineral, deve ter a missão de realizar estudos e pesquisas minerais para um melhor aproveitamento do carvão como combustível gerador de energia.

Apoiamos essa iniciativa do Sindicato na certeza da necessidade de uma urgente revisão do modelo energético brasileiro, para que nele o carvão mineral seja definitivamente incluído como uma de suas principais fontes.

Manifestações recentes de Sua Excelência a ministra das Minas e Energia Dilma Roussef, gaúcha e profunda conhecedora da questão carbonífera de nosso Estado, apontam para a defesa de uma nova política de médio prazo para a inclusão progressiva do carvão na geração de energia.

Chamamos pois a atenção do governo para que o carvão mineral tenha a sua utilização incentivada e assim se viabilize o seu maior aproveitamento para fins energéticos, com geração de mais trabalho,renda e desenvolvimento dos municípios localizados nas regiões carboníferas.

Outro tema que desejo abordar na manhã de hoje diz respeito às ações afirmativas no Brasil e sua repercussão internacional. Assim, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, queremos saudar as Mulheres Negras de todo o mundo. Hoje se comemora o Dia Internacional da Mulher Negra, esteio de nosso povo e matriz principal de nossos processos de civilização.

Pelos dados do IBGE, os mecanismos discriminatórios reservam à mulher negra os indicadores sociais e econômicos mais negativos da sociedade brasileira.

Mas ela luta e se organiza, o Movimento das Mulheres Negras é o segmento mais expressivo e mais combativo do Movimento Negro. Saudamos aqui nossas companheiras pelo transcurso de seu dia.

Sr. Presidente, as primeiras ações afirmativas que beneficiam afrodescendentes estão sendo implementadas no Brasil. Desde a Lei Áurea, portanto há 115 anos, não se fez nada para incluir a população negra, à margem dos direitos básicos de cidadania.

Precisamos insistir no fato de que as ações afirmativas são pensadas de uma perspectiva integracionista. Elas beneficiam não só afrodescendentes - é importante destacarmos -mas beneficiam o país como um todo.

Ao contrário do descaso segregacionista, que até aqui prevaleceu entre nós e abandonou à própria sorte os milhões de descendentes de africanos que, com o seu sacrifício, garantiram o crescimento e o desenvolvimento do Brasil.

Insistimos neste ponto porque precisamos refutar, de uma vez por todas, os argumentos daqueles que, reagindo aos primeiros esboços de políticas de inclusão da população afrodescendente, questionam essas medidas especiais porque elas estimulariam o “racismo” e a “segregação de grupos raciais”.

Ao contrário, são medidas especiais destinadas a garantir e assegurar a superação das desigualdades raciais, que resultam de práticas históricas reiteradas de racismo e discriminação racial.

Os opositores das ações afirmativas parecem debochar de medidas legais internacionais, construídas a duras penas. Seguem uma tradição enraizada entre nós de fazer letra morta de tratados, acordos e convenções que visam assegurar o respeito a direitos humanos fundamentais.

Ora, Sr. Presidente, esses opositores das ações afirmativas se satisfazem, na defesa de seus interesses, apenas com a igualdade formal: a igualdade de todos perante a lei. Mas o que querem, de fato, é impedir a concretização da justiça, a conquista da igualdade material.

São aqueles também que não perdem oportunidade de louvar o país plural, mas temem a afirmação dos valores da diversidade nas relações sociais concretas.

A discussão é inédita entre nós, alastra-se por todo o país e o Supremo Tribunal Federal terá em breve que julgar a ação de inconstitucionalidade proposta pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos Privados de Ensino, contra a lei estadual que fixou o sistema de cotas para afrodescendentes no Rio de Janeiro.

Não se trata de decidir sobre um fato isolado, com origem localizada em um estado da Federação.

O Governo brasileiro se comprometeu em Durban com a implementação de políticas de ação afirmativa, incluindo as cotas nas universidades.

Várias outras iniciativas já estão em curso, na Bahia e em Brasília, e o próprio ministro da Educação, o professor Cristovam Buarque, já declarou que as cotas são um mecanismo legítimo de superação das desigualdades educacionais.

O fato de o segundo maior país negro do mundo decidir-se, finalmente, a criar mecanismos de superação da exclusão da população de origem africana, desperta interesse internacional.

Ontem mesmo recebemos a visita de uma delegação norte-americana, composta por representantes de entidades que supervisionam, em parceria com as Nações Unidas, o desenvolvimento e a execução de programas voltados para a superação das desigualdades raciais e o combate ao racismo.

Os principais defensores da Universidade de Michigan e dos direitos dos estudantes negros, John Payton e Theodore M. Shaw, Gay MacDougall e muitos outros compõem uma delegação de advogados de direitos humanos interessados em trocar experiências sobre ações afirmativas e o sistema de cotas.

Os Estados Unidos acompanham com interesse o debate que travamos no Brasil sobre políticas de inclusão da população negra.

Nossa contribuição internacional para a superação dos preconceitos e a valorização da diversidade não foi ainda bem avaliada por nós mesmos.

Não poderia deixar de registrar também a presença da Ministra Matilde Ribeiro, de Nilza Iraci, dirigente do Geledés, e do Dr. Humberto Adami, responsável por garantir, na ação de inconstitucionalidade encaminhada pelas escolas privadas ao Supremo, a participação das entidades e organizações do Movimento negro. Participam na condição de Amicus Curiae.

São nomes expressivos do Movimento Negro brasileiro que recepcionam a delegação norte-americana em várias cidades. Uma troca de experiências que reforçará os argumentos jurídicos, nesse momento decisivo de promoção da igualdade por meio das ações afirmativas.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/07/2003 - Página 20432