Discurso durante a 17ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Gestão dos recursos hídricos no país.

Autor
Teotonio Vilela Filho (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AL)
Nome completo: Teotonio Brandão Vilela Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Gestão dos recursos hídricos no país.
Publicação
Publicação no DSF de 25/07/2003 - Página 20126
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • AVALIAÇÃO, EVOLUÇÃO, GESTÃO, RECURSOS HIDRICOS, BRASIL, REGISTRO, LEGISLAÇÃO, DEFINIÇÃO, POLITICA NACIONAL, CRIAÇÃO, AGENCIA NACIONAL DE AGUAS (ANA), COMITE, BACIA HIDROGRAFICA.
  • COMENTARIO, NEGOCIAÇÃO, INICIO, COBRANÇA, UTILIZAÇÃO, AGUA, COMITE, BACIA, RIO PARAIBA DO SUL, COMPROMISSO, APLICAÇÃO, RECURSOS, RECUPERAÇÃO, MEIO AMBIENTE, GESTÃO, ORGANIZAÇÃO SOCIAL, CRITICA, GOVERNO FEDERAL, AUTORITARISMO, PARALISAÇÃO, PROCESSO, RECURSOS ORÇAMENTARIOS, AGENCIA NACIONAL DE AGUAS (ANA).
  • DEFESA, MOBILIZAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, APERFEIÇOAMENTO, MODELO, GESTÃO, RECURSOS HIDRICOS, GARANTIA, DESCENTRALIZAÇÃO, AUTONOMIA, APLICAÇÃO, RECURSOS, ARRECADAÇÃO, USUARIO, BACIA.

O SR. TEOTÔNIO VILELA FILHO (PSDB - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores: graves apreensões quanto ao futuro próximo da boa gestão dos recursos hídricos do nosso País me obrigam a ocupar a tribuna do Senado nesta tarde.

O Brasil, nos últimos dez anos, vem estruturando, com sucesso inegável, embora com resultados ainda modestos, um processo sustentável de gestão de seus recursos hídricos, a partir de uma escala que começa com a reversão do quadro de absoluta degradação de algumas reservas hídricas. E prossegue com o uso mais racional da água, sobretudo nas regiões que já apresentam graves problemas de escassez.

Caminhamos bastante nesses dez anos. Os passos até podem parecer menos largos do que desejaríamos, mas com certeza são mais firmes do que imaginaríamos há meros dez anos. Sobretudo são passos que levam em conta quatro características básicas do modelo que se construiu com a efetiva e decisiva participação da sociedade brasileira: descentralização, integração da gestão, a participação de todos os setores envolvidos e a auto-sustentabilidade do processo.

Por iniciativa do Governo Fernando Henrique, mas com a decidida colaboração e participação do Congresso, criou-se em 1997 a lei 9.433, que definiu a Política Nacional de Recursos Hídricos e o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. O sistema atendeu a esses pré-requisitos básicos e nasceu descentralizado, integrado, principalmente participativo, apoiado em comitês de bacias que têm a participação de setores do Governo, de técnicos, dos usuários e da sociedade civil. O desafio da água, afinal, não é apenas de governos, é da sociedade inteira e é a perspectiva da integração e da participação que legitima o sistema e lhe garante sustentabilidade.

Em julho de 2.000, avançou-se mais ainda, com a aprovação da criação da Agência Nacional de Águas, com o objetivo de disciplinar a utilização dos rios, de forma a controlar a poluição e o desperdício, para garantir a disponibilidade das águas para as gerações futuras. No ano passado, um novo e decisivo passo adiante: em plena transição de governo, o Comitê da Bacia do Paraíba do Sul pactuou com seus usuários o início da cobrança do uso da água na bacia, um feito ainda absolutamente inédito no Brasil.

O processo de negociações foi longo. Levou, na verdade, quase cinco anos de trabalho de técnicos, de gestores públicos, ambientalistas e usuários, todos concentrados na montagem de um arranjo político que desembocasse na chance de salvar os rios da região. Fez-se o acordo, mas os usuários da bacia do Paraíba queriam, com razão, a garantia de que os recursos que eles gerassem seriam, de fato, investidos na recuperação e na melhoria do sistema Paraíba do Sul. Noutras palavras, na salvação dos rios da região e na garantia de água para as gerações futuras.

Para a celebração do acordo dois fatores foram fundamentais, na medida em que lastreavam a credibilidade dos negociadores: primeiro, a autonomia financeira da Agência Nacional de Águas; em segundo, a estabilidade dos diretores da instituição, que assumiam o compromisso de aplicação dos recursos na própria bacia. Confirmado o acordo, o início dessa cobrança pioneira, no entanto, foi condicionado à criação de uma Organização Social - OS, que é uma das alternativas de gestão descentralizada previstas pela reforma administrativa do Estado brasileiro. Essa Organização Social teria a responsabilidade de executar os estudos e ações determinados pelo Comitê da Bacia do Paraíba do Sul, contando para isso com o suporte financeiro da arrecadação resultante da cobrança pelo uso da água, repassado pela própria Agência Nacional de Águas.

Mas tudo, infelizmente, parece agora ameaçado. 

O avanço dos últimos anos parece comprometido pelo que os estudiosos já consideram mais um grave erro estratégico do novo governo, que, através da Casa Civil, paralisou todo o processo de criação da Organização Social, alegando que esse modelo não era adequado. Passou-se por cima do Comitê de Bacia, do Conselho Nacional de Recursos Hídricos, de técnicos, de ambientalistas, de todo mundo. Atropelou-se um longo processo de discussão e participação. De novo o Governo age unilateralmente, na temível solidão do autoritarismo mais temido.

Pior ainda, o Governo dá sinais de querer mesmo o retrocesso, por mais perigosa que seja essa decisão, por mais estrategicamente equivocada que seja. A mesma Casa Civil que paralisa o processo de criação da Organização Social defende a extinção da própria Agência Nacional de Águas, que seria substituída por uma autarquia - uma involução sob todos os aspectos lamentável e condenável. O avanço dos últimos anos escorre pelo ralo.

O Governo já busca, na prática, acabar com a ANA por absoluta asfixia orçamentária, a partir do contingenciamento linear que vem impondo às estruturas públicas de todo o País.

No ano passado, o pagamento efetuado pelo setor elétrico referente ao uso da água foi de 59 milhões de reais, mas o total recebido pela ANA foi de apenas 26 milhões, menos da metade. Tudo o mais foi contingenciado. Para este ano, o orçamento prevê uma arrecadação de 87 milhões, mas a previsão de disponibilidade é de apenas 44 milhões, pouco mais da metade salva do contingenciamento. Os projetos da ANA estão perigosamente contingenciados, alguns em mais de 90% de seu valor. Há rubricas em que o contingenciamento do Governo é praticamente o mesmo que atinge os investimentos da União: 99%.

A Agência tem sofrido restrições de custeio até para as despesas mais elementares, embora o orçamento da ANA esteja garantido por contribuições dos usuários de água em todo o País, não por verbas do Orçamento da União. O Governo Federal, no entanto, arrecada essas taxas e não as repassa à Agência, comprometendo, assim, um avanço institucional que é hoje internacionalmente reconhecido.

Está na hora de o Congresso buscar o aperfeiçoamento do modelo aprovado aqui mesmo nesta Casa. A lei federal e as leis estaduais de recursos hídricos garantem um modelo descentralizado, integrado, participativo e auto-sustentável. Garante a estabilidade do mandato para os dirigentes das Agências, mas é preciso ir além da autonomia financeira dessas instituições. É preciso criar, na própria legislação, mecanismos que assegurem a aplicação dos recursos oriundos das contribuições dos usuários nas bacias onde são arrecadados. E que impeçam contingenciamentos como esse imposto pelo atual Governo, que paralisam hoje a estrutura pública, que eles pretendem amanhã desmontar. Parece até a técnica diabólica do sucateamento antes da desmontagem final.

Levamos dez anos para construir um modelo de gestão de nossos recursos hídricos inovador, sem similar no mundo, destacado e aplaudido país afora. Se tem imperfeições, é preciso eliminá-las. Se tem equívocos, é preciso corrigi-los. O que não se pode é admitir o retorno a um modelo autárquico e centralizado que, ao longo dos anos, se mostrou ineficiente e absolutamente incapaz de evitar a degradação dos recursos hídricos e a gestão perdulária que hoje temos a obrigação de corrigir.

A água é um bem crescentemente escasso, por isso é ainda maior e mais urgente o desafio de preservá-la e geri-la com eficiência. Mas se não temos toda a água que desejamos, é preciso, pelo menos, que tenhamos toda a visão de futuro de que precisamos, até para evitar que a história nos condene como a geração que usurpou do futuro do Brasil exatamente o bem estratégico mais abundante que a natureza nos confiou. Não se pode esquecer, afinal, que o problema ecológico de hoje é o problema econômico de amanhã. O problema ambiental de hoje é o problema social de amanhã. E esse é um problema muito grave para ser decidido apenas por um governo ou um governante, por mais iluminados que se julguem.

Era o que tinha a dizer.

Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/07/2003 - Página 20126