Discurso durante a 89ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Alerta ao governo federal para que exerça a autoridade necessária no cumprimento dos princípios constitucionais, tendo em vista constantes manifestações populares, que têm infligido o estado de direito.

Autor
Eduardo Siqueira Campos (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/TO)
Nome completo: José Eduardo Siqueira Campos
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. REFORMA AGRARIA.:
  • Alerta ao governo federal para que exerça a autoridade necessária no cumprimento dos princípios constitucionais, tendo em vista constantes manifestações populares, que têm infligido o estado de direito.
Publicação
Publicação no DSF de 05/08/2003 - Página 22130
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • COMENTARIO, ATUAÇÃO, VIDA PUBLICA, ORADOR, REGISTRO, IMPORTANCIA, ATENÇÃO, SITUAÇÃO, ORGANIZAÇÃO RURAL, INVASÃO, TERRAS, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DO TOCANTINS (TO), RELEVANCIA, ATIVIDADE AGROPECUARIA, PRODUÇÃO, ALIMENTOS.
  • ANALISE, CONDUTA, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MOVIMENTO TRABALHISTA, SEM-TERRA, REGISTRO, POSSIBILIDADE, INTERPRETAÇÃO CONTROVERTIDA, OPINIÃO PUBLICA, FAVORECIMENTO, INTERESSE PARTICULAR, GOVERNO FEDERAL.
  • DEFESA, IMPOSIÇÃO, AUTORIDADE, GOVERNO FEDERAL, EXECUÇÃO, REFORMA AGRARIA, NECESSIDADE, PLANEJAMENTO, ELABORAÇÃO, CRITERIOS, CRIAÇÃO, ASSENTAMENTO RURAL, INFRAESTRUTURA, PROPRIEDADE IMPRODUTIVA, REGISTRO, RESPONSABILIDADE, EXECUTIVO, CUMPRIMENTO, PRERROGATIVA, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, IGUALDADE, CIDADÃO.
  • EXPECTATIVA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, GARANTIA, DIREITOS, CIDADÃO, EXECUÇÃO, REFORMA CONSTITUCIONAL, CONCILIAÇÃO, INTERESSE, POPULAÇÃO, MANIFESTAÇÃO, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, OPOSIÇÃO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA.

O SR. EDUARDO SIQUEIRA CAMPOS (PSDB - TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, meus queridos telespectadores da TV Senado, especialmente os tocantinenses, sem dúvida nenhuma, passamos um fim de semana de muitas preocupações.

Sou um Parlamentar do PSDB, um Partido que pode ser enquadrado como nítida Oposição - às vezes dura, rígida, atenta e vigilante - ao Governo do Partido dos Trabalhadores. Sou um Parlamentar da Oposição e mantenho desta tribuna uma política de reivindicação permanente com relação aos interesses do meu Estado, o Tocantins, e do Brasil.

Creio que é papel dos Senadores, que representam os Estados, e dos Deputados, que representam os diversos segmentos da sociedade civil, ouvir as manifestações de preocupação da sociedade com relação à questão da propriedade de terras, da residência, do direito adquirido, do direito à reforma agrária, da distribuição de renda.

Sr. Presidente, trata-se de um assunto complexo. Acumulo pouca experiência para proferir a palavra que vai chamar a atenção do Governo Federal, dos governos estaduais, dos nossos prefeitos e, acima de tudo, da opinião pública nacional para esse momento que estamos vivendo. Tenho certeza de que com a experiência que trago posso manifestar desta tribuna algumas das minhas opiniões, entendimentos, preocupações que podem servir como contribuição, senão como alerta, para esse momento em que vivemos.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, fui Deputado Federal, eleito em 1988, assim que foi criado o Estado do Tocantins. Cumpri, portanto, metade daquele mandato, já que no Estado essas eleições foram para mandatos de apenas dois anos. Em 1990 tive a felicidade de ser o Deputado Federal mais votado nas primeiras eleições realizadas no Tocantins para mandatos integrais, para compor a Câmara dos Deputados, o Senado e também o Governo do Estado.

Vim para a Câmara dos Deputados e, logo no primeiro ano, fui escolhido líder do Partido Democrata Cristão, que depois se fundiu com outro. Éramos 22 Deputados e decidimos ser autônomos, independentes. Fazíamos reuniões semanais para decidir sobre todas as votações, tendo em vista os interesses do Governo, dos Estados e da população brasileira.

Depois, Sr. Presidente, deixei a Câmara dos Deputados e fui o primeiro prefeito eleito de Palmas, a capital de todos os tocantinenses. Foi uma experiência muito importante.

A próxima eleição foi a de 1998. Concorri em vaga única, e 74,6% dos eleitores do meu Estado me trouxeram para o Senado da República. Sr. Presidente, seja qual for a votação, é muito grande a responsabilidade de um Senador. Por isso, zelo pelo meu mandato parlamentar e pelas obrigações que assumi perante a população do meu Estado. Não deixo que o interesse partidário tome conta dos meus sentimentos a ponto de criticar por criticar, de ocupar a tribuna apenas para marcar posição partidária, ou mesmo - como disse aqui na semana passada - para mudar de Partido para me situar melhor com quem está no poder. O equilíbrio na conduta parlamentar, a análise crítica e construtiva, a opinião importante, a conciliação, a formação do consenso quando se faz necessário o consenso da Nação, tudo isso são pensamentos que guardo dentro de mim como norteadores de uma conduta parlamentar construtiva para este e para qualquer momento.

Procurei atuar assim quando estava no PSDB e era Situação, e também agora quando o meu Partido - PSDB - faz oposição ao atual Governo.

Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, como Deputado ou como Senador, nunca integrei a Frente Parlamentar Ruralista. Não por desmerecê-la ou por ver qualquer demérito, qualquer nódoa, qualquer mancha ou problema de qualquer espécie nos produtores rurais ou em seus representantes.

Sr. Presidente, sou professor com registro no Ministério da Educação, mas, em função da vida pública e do exercício de sucessivos mandatos, no exercício da política, estou afastado do caminho para o qual me preparei na vida universitária. Já assinei a Frente Parlamentar pela Criança Brasileira, pela Infância e outras frentes parlamentares eventuais para assuntos sociais. No debate entre a questão do proprietário rural, da bancada ruralista e daqueles que se colocam como representantes de sindicatos, de movimentos - como o MST - sempre acreditei ser importante analisar o problema. Meu Estado é eminentemente agrícola, rural, com forte potencial produtor. É também um Estado dedicado à pecuária. O Tocantins é articulador entre a Amazônia Legal, de que somos parte, e o Nordeste. Somos o portal de entrada da Amazônia. Somos o Estado produtor mais próximo da Região Nordeste, que sabemos não ser auto-suficiente na produção de alimentos.

Como Parlamentar representante do meu Estado, ainda que ele seja uma Unidade federativa de peso no aspecto da produção agrícola e na pecuária, com grandes, pequenas e médias propriedades, procurei sempre participar desse debate de forma bastante independente e autônoma. Contudo, Sr. Presidente, não quero, absolutamente, entender que foi a partir do momento em que o MST visitou o Presidente da República, quando Sua Excelência colocou na cabeça o boné que o MST lhe ofereceu - ato tão comentado e que considero esgotado -, em um gesto de simpatia para com aqueles que o visitavam, aliás, como o fez com o boné da equipe olímpica que hoje representa o Brasil nos jogos na República Dominicana. Não quero dizer que a partir daquele momento o Brasil entrou em uma crise séria e profunda no âmbito da reforma agrária e da propriedade. Não, esse problema ocorre há muitos anos. A reforma agrária é uma questão antiga no País. O Governo Fernando Henrique Cardoso atravessou momentos difíceis nesse aspecto. Várias vezes foi invadida a fazenda do próprio Presidente. Hoje é muito fácil um Senador, um Deputado, o próprio Presidente da República ou um Ministro de Estado saber o quanto deve ter sido difícil para o Presidente Fernando Henrique enfrentar uma situação como aquela quando a propriedade dele foi invadida. Afinal de contas, por se tratar do Presidente da República, o fato chama atenção, ganha notoriedade e a partir da reação do Presidente da República, todos os articulistas, jornalistas e o povo brasileiro em geral têm opiniões divididas: acertou ou errou o Presidente.

O mesmo aconteceu com o Presidente Lula. Grande parte da população brasileira entende que Sua Excelência não deveria ter colocado o boné do MST; outra parte acha que nisso não repousa mal nenhum. Eu tenho absoluta certeza de que o Senhor Presidente não teve outra intenção senão a de dizer que os integrantes do MST eram bem-vindos ao Palácio do Planalto.

Sr. Presidente, digo isso porque o Governador Siqueira Campos, meu pai, que já deixou o Governo do Estado, recebeu o MST no seu gabinete. Listamos os assentamentos existentes no Tocantins e ficou demonstrado que em cada assentamento havia um trator que o Estado havia posto à disposição dos produtores e que ele estava fazendo projetos, como o Projeto Cacimba, e dando máquinas no período das águas, das chuvas. No Tocantins isso é bem delimitado, pois há seis meses de seca e seis meses de muita chuva. No período correto fizemos as represas.

Havia dezenas de projetos, desde o do Banco do Povo até os projetos das rodovias intermunicipais. No Estado do Tocantins há mais de cem máquinas dentro de um programa apenas para rodovias e estradas vicinais.

            O encontro foi extraordinário. Aliás, diga-se de passagem - a opinião pública nacional pode prestar atenção -, normalmente o Tocantins não é manchete em invasões de terras. Não se ouve falar em invasão de terra no Estado do Tocantins, nem de prédio público, nem de órgão público, nem de sede de Incra. Isso não costuma ocorrer no nosso Estado. Agora, Sr. Presidente, não vou dizer que não tenham tentado, mas quero dizer que sempre houve autoridade presente para deixar claro que o governante nada mais é do que um representante do todo e que promove o equilíbrio entre as partes. Então, é muito importante que nenhuma parte possa se sentir no direito de se sobrepor às demais. Ninguém está acima da Constituição. Nenhum movimento, por mais belo que seja - o movimento operário, o movimento camponês, o movimento sindical, o movimento dos sem-teto, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra; o movimento dos proprietários rurais -, está acima da Constituição Brasileira. Ninguém está acima da Lei e do Direito. Cabe ao Presidente da República, ao Congresso Nacional e ao Poder Judiciário prover a harmonia do País.

Sr. Presidente, em um pronunciamento de 20 minutos, não é possível dizer que esta ou aquela seria a fórmula ideal para se fazer a reforma agrária. Apenas entendo, num raciocínio simplista, que a reforma agrária deve ser feita com o Governo Federal à frente, com o prefeito que conhece o seu município; podendo estar presente o juiz de direito e outros membros da sociedade civil daquela localidade, articulada com os Governadores, dentro de uma programação. Poderíamos ter continuidade nos assentamentos, na missão de procurar o que é o patrimônio improdutivo, a terra improdutiva e ter o modelo adequado de não apenas colocar as pessoas naquele local, sem que elas possam produzir.

É conhecido da nossa população o fato de que, muitas vezes, módulos são entregues ao produtor sem condições e, anos depois, são vendidos, e por ali já não está mais quem era sem-terra. Obteve terra, mas vendeu. E, quem sabe, já está em outro assentamento. Isso me preocupa muito, Sr. Presidente.

Esses dias, ouvi do equilibrado Governador, do responsável, do grande Governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckimin: “Assentados serão aqueles que estão cadastrados, dentro de uma pesquisa, de um trabalho desenvolvido pelo Instituto de Terras do Estado de São Paulo, juntamente com outras instituições que promoveram o cadastro e que, gradativamente, à medida que as desapropriações ocorrem, vão fazendo os assentamentos.”

Agora, Sr. Presidente, será que há condições de o Governo Federal atender a uma fórmula desorganizada, segundo a qual, onde houver um foco de invasão, inicia-se um processo? É lógico que isso desarmoniza o País, faz com que o dólar suba e a Bolsa caia. Isso desequilibra, amedronta, afugenta capitais.

Sr. Presidente, um dos princípios mais importantes para quem tem a responsabilidade de conduzir o povo é o princípio da autoridade e não princípio do autoritarismo.

O Presidente Lula, pela sua luta, pela sua história, é um homem formado de convicções democráticas, tem a formação de movimentos populares e chegou à Presidência da República porque conseguiu convencer o eleitor brasileiro de que, depois de tantas lutas sindicais, depois de tanto representar o povo como Deputado, depois de ser candidato à Presidência da República por três vezes e perder, atingiu o amadurecimento necessário para conduzir o povo brasileiro sem ser parte, zelando pelo todo com autoridade.

Eu soube, Sr. Presidente, que, numa determinada oportunidade, um movimento foi ao Palácio do Planalto, e que foi recebido pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso e pediu-lhe que abrisse a bandeira do movimento para que os repórteres que estavam ali registrassem o encontro. O Presidente da República disse, então: “Olha, nós estamos no Palácio do Planalto, o centro das decisões nacionais. A única Bandeira que é estendida aqui dentro é a bandeira brasileira, a Bandeira do Brasil, e isso quando o Presidente determina.” E assim foi encerrada a reunião.

Não quero, Sr. Presidente vir à tribuna tratar da questão da reforma agrária para ser o algoz, o crítico do ato do Presidente da República, do Ministro Miguel Rossetto, do Ministro da Agricultura e do Governo como um todo. Precisamos, com urgência, delimitar, mostrar os limites, mostrar às partes, à sociedade civil que existe uma Constituição em vigor, que existem leis e direitos a serem respeitados. E, como eu disse, ninguém está acima da Constituição, nem os proprietários rurais, nem aqueles que se denominam sem-terra.

É uma questão interessante, Sr. Presidente. As próprias reportagens, de qualquer uma das redes nacionais, mostravam o Movimento dos Sem-Terra, nos centros urbanos, em meio aos desempregados, aos moradores das periferias, consultando as pessoas se queriam participar do movimento. Naturalmente, estando desempregado, morando na periferia e não tendo terra, esse é um sem- terra, e dali a pessoa parte para um assentamento, sem ter vivido uma experiência no campo, sem ter participado da produção, sem conhecer o processo, sem ter os instrumentos. É mais fácil que não vingue e que não se resolva o problema da terra dessa forma.

Eu sei, Sr. Presidente, da paixão, do fascínio, que exerce sobre a opinião pública os movimentos populares. Isso aconteceu com o próprio Presidente da República, que era do movimento sindical. Mas a população que admira o movimento sindical também se sente prejudicada quando há o abuso no direito de greve. A população que respeita o sindicato dos cobradores e motoristas também contra ela se revolta quando falta o ônibus para trabalhar. Então, é importante que fique claro para a opinião pública nacional que quem está presidindo, está presidindo para todos, e o poder emana para a totalidade da população e não para uma parte.

Não quero que este meu discurso seja tomado como também uma crítica dirigida especificamente ao MST. Mas que saiba o MST que existe um Presidente da República que precisa falar por todos os brasileiros e que o País não pode viver a bagunça, o País não pode viver o período da ocupação de prédios públicos, as cidades não podem ser tomadas pelos assaltos a hotéis, a prédios, a edifícios por aqueles que ainda não têm teto. Para isso existe a política habitacional, para isso existe a política rural e para isso existe Governo.

E é isto, Sr. Presidente, que, ao final do meu tempo, quero deixar como resultado do meu pronunciamento: um pedido, um alerta de um Membro do Congresso Nacional para o Governo Federal, para que não lhe falte a autoridade necessária para colocar as coisas nos seus devidos lugares, para colocar todos os movimentos, todos os segmentos, segundo o que diz a Constituição, para que o País possa retomar a tranqüilidade e crescer com paz, permitindo ao trabalhador que encontre seu lugar no mercado de trabalho, através da preparação, da educação e do crescimento organizado de uma nação extraordinária, com terras, com potencial, mas que não se entenda que a vitória do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva é o sinal verde para que não tenhamos mais o respeito à propriedade, o respeito à Constituição, ao Estado de direito.

Fica, portanto, Sr. Presidente, externada a minha preocupação que trago após ter contatado com lideranças do meu Estado, com os próprios Senadores, com o motorista de táxi, com qualquer brasileiro que fica alarmado com o que está estampado nas revistas, nos noticiários, na televisão... É grave! Tudo isso é muito preocupante e só a autoridade estabelecida é que pode harmonizar.

Para isso, Sr. Presidente, o Presidente da República pode contar com uma oposição responsável e construtiva - talvez tenha faltado ao próprio Presidente Fernando Henrique Cardoso, que teve uma oposição muito mais ácida, muito mais crítica, que marcou posição.

Não, Sr. Presidente, queremos fazer a história deste País. Precisamos da estabilidade, da harmonia, e que o Brasil continue a ser o País da paz, como mostrou a revista Veja, da produção. O Brasil pode ser o maior produtor mundial de alimentos se tiver o equilíbrio para deixar tudo em seu devido lugar, com autoridade e com responsabilidade.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/08/2003 - Página 22130