Discurso durante a 90ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Aniversário de 418 anos da cidade de João Pessoa - Paraíba. Defende a atuação do Senado frente as críticas publicadas em artigo do Jornal da Paraiba.

Autor
Ney Suassuna (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PB)
Nome completo: Ney Robinson Suassuna
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. IMPRENSA. SENADO.:
  • Aniversário de 418 anos da cidade de João Pessoa - Paraíba. Defende a atuação do Senado frente as críticas publicadas em artigo do Jornal da Paraiba.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 06/08/2003 - Página 22229
Assunto
Outros > HOMENAGEM. IMPRENSA. SENADO.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, MUNICIPIO, JOÃO PESSOA (PB), ESTADO DA PARAIBA (PB), JORNAL, JORNAL DA PARAIBA.
  • REPUDIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, JORNAL DA PARAIBA, ESTADO DA PARAIBA (PB), AUTORIA, INALDO LEITÃO, DEPUTADO FEDERAL, CRITICA, ATUAÇÃO, SENADO, DESRESPEITO, REPUTAÇÃO, SENADOR.
  • DEFESA, IMPORTANCIA, TRABALHO, SENADO, REPRESENTAÇÃO, ESTADOS, REFORÇO, DEMOCRACIA.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, antes de abordar o tema que desejo tratar desta tribuna, solidarizo-me com o povo de João Pessoa, parabenizando todos, porque hoje a nossa capital está completando 418 anos de existência. Também saúdo a existência do jornal O Correio da Paraíba, que completa hoje 50 anos. Com toda certeza, meu Estado está feliz por essas duas comemorações.

Mas, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em sua edição do último 23 de julho, o Jornal da Paraíba publicou artigo assinado pelo Exmº Sr. Deputado Federal Inaldo Leitão. Um artigo que chega ao campo da afronta e tangencia o da irresponsabilidade.

O descalabro começa pelo título: “Para que serve o Senado?” E tem continuidade numa série de frases mal alinhavadas, típicas dos surtos de desatino. Permito-me reproduzir algumas delas:

Eu diria que a chamada Câmara Alta não tem utilidade alguma. (...) o Senado não só descumpre seu papel constitucional na vida real como se transformou em um ambiente político-institucional inservível, medíocre e pomposo demais;

Detentores de privilégios comparáveis aos príncipes do Império, os Senadores fazem barulho demais, produzem pouco e custam caro aos contribuintes.

Essa, Srªs e Srs. Senadores, a linha do texto, sempre farto nos adjetivos, indigente nas argumentações.

Talvez fosse o caso de não se dar importância ao assunto - e pensei em fazê-lo. Mas é preciso que pelo menos se dê uma resposta. Eu poderia simplesmente relegar o artigo ao vasto cesto em que devem sucumbir as atitudes impensadas.

Mas creio, por outro lado, que a questão é grave o suficiente para que lhe dediquemos alguma atenção, ao menos aquela necessária para pôr os conceitos em seus devidos lugares, restabelecer a verdade e lembrar à sociedade o papel do Senado Federal.

Eu disse, Sr. Presidente, que o artigo é pobre em argumentações. Na verdade, são apresentados apenas dois argumentos.

Primeiro, o nobre Deputado afirma - palavras dele: “na experiência que tenho como membro e tive como Presidente da Comissão de Justiça da Câmara, pude testemunhar a péssima qualidade das proposições oriundas do Senado”.

Quanto a esse aspecto, eu poderia trazer mil testemunhos que evidenciam a qualidade dos trabalhos produzidos no Senado Federal, mas prefiro tão-somente concluir que a um parlamentar que desconhece o nome exato da comissão que presidiu e da qual ainda é membro falta autoridade para questionar a excelência do que se faz ou do que se fez aqui nesta Casa Legislativa.

O segundo “argumento”, Srªs e Srs. Senadores, é ainda mais risível. Diz o nobre Deputado - e volto a transcrever suas palavras: “a conduta de cada Senador é ditada pelo interesse político-partidário e não pelo Estado ao qual pertence. Não é raro um Senador ser adversário do Governador de seu Estado. A Paraíba tem o exemplo mais próximo. Dois dos três Senadores são adversários do atual Governador. Como poderiam defender o Estado na Federação, adotando o programa do Governo Estadual, se dele divergem? Impossível”.

Bem, esse é um raciocínio que peca pelo menos em duas premissas: de um lado, ao imaginar que os interesses do Governo Estadual sempre se confundem com os interesses do Estado; depois, ao inferir que os Senadores seriam mesquinhos e tolos a ponto de prejudicar a própria população que lhes confia os votos.

Ora, o povo, e dele entendem as Srªs e os Srs. Senadores, é sábio o bastante para perceber quando os parlamentares tomam atitudes que prejudicam os interesses do Estado por eventuais interesses político-partidários.

Pois são esses, vejam só, os “argumentos” citados no artigo.

Mas é possível, é bem possível que um arrazoado tão precário tenha explicação: é possível que o articulista ignore o papel desempenhado pelo Senado Federal ao longo da nossa história e, principalmente, nos dias de hoje.

Por isso, Sr. Presidente, porque o ataque desferido a esta Casa pode ter sido fruto da desinformação, penso que vale a pena relembrar alguns fatos.

A figura do Senado, tal como adotada hoje em nosso País, surgiu com a revolução norte-americana. Na nação que resultou da associação voluntária das antigas colônias, autônomas em termos administrativos, ficou o Senado encarregado de representar as unidades da Federação, que ali compareciam com igual representação.

À Câmara coube a representação do povo, efetivada mediante a eleição de Bancadas estaduais diferenciadas, conforme a população de cada Estado. O modelo fez sucesso na constituição de muitas outras Federações: na América Latina, quando da independência dos países de língua espanhola e, posteriormente, na Ásia, na África e até em países da Europa.

No Brasil, adotou-se a mesma solução, embora o processo que a fomentou tenha evoluído de forma um pouco diferente.

Declarada a independência, a Monarquia constituiu-se como Estado unitário; os Senadores, vitalícios, dependiam da escolha do Imperador; e a aspiração ao federalismo tornou-se bandeira dos republicanos.

Com a proclamação da República, teve início a organização federada da Nação e o bicameralismo assumiu a feição que mantém até hoje: uma Câmara composta de representantes do povo e um Senado que representa a Casa das unidades da Federação.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Ney Suassuna, V. Exª me concede um aparte?

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Pois não, Senador Mão Santa. Por gentileza, use a palavra.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Em primeiro lugar, Senador Ney Suassuna, peço permissão para, como brasileiro, dizer que é uma grande emoção comemorarmos o aniversário de João Pessoa, encantadora cidade nordestina, e uma grande decepção saber que um paraibano escreveu tanta besteira em tão poucas linhas e em tão pouco tempo. Quis Deus que esta sessão esteja sendo presidida por um médico, o Senador Papaléo Paes. Lembro-me de que o meu professor de cirurgia, Mariano de Andrade, balbuciou: “A ignorância é audaciosa”. Mencionou tal frase quando estava formando cirurgiões, para que eles não viessem a querer celeridade, a querer operar com a velocidade de uma corrida de cavalos, por desconhecerem a finesse da anatomia, pensando no tempo do ato e não nas conseqüências. Ele dizia: “A ignorância é audaciosa”. Vejo aí a ignorância audaciosa. A origem do Senado, respeitando a cultura do grande Senador Ney Suassuna, é anterior. O maior líder da história do mundo: Moisés, que, tentando libertar o povo de Deus dos faraós do Egito, abriu o Mar Vermelho com os poderes de Deus. Depois, conversando com Ele, recebendo as leis, os mandamentos, durante 40 anos tentou levar o povo de Deus a uma terra prometida, mas fraquejou, e houve momento em que seu povo foi buscar o bezerro de ouro para adorar. Conversando com Deus, ouviu: “Moisés, busque os mais velhos, os sábios, os mais experientes, que eles o ajudarão a carregar o fardo do povo”. 

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - E Moisés delegou a Jetro, seu sogro, a seleção desses sábios.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - E ele chamou setenta pessoas, nascendo, aí, a inspiração para a criação do Senado, idéia melhorada na Grécia - que V. Exª representa tão bem -, com a sabedoria e a cultura democrática, passando pelos Direitos romano e americano. Cheguei há pouco do México, onde há 120 Senadores. A ignorância é audaciosa nos momentos impróprios. Trata-se de uma opção da democracia existente no sistema bicameral. Uma casa é aberta - e Niemeyer desenhou tão bem -, recebe todas as idéias do povo, representa o povo e seus membros são proporcionais à população. E acabariam os pequenos Estados. O que seria o nosso Amapá, o nosso Roraima sem os bravos senadores? Aqui há uma igualdade. No México, como disse, há 120 Senadores, e, no nosso País, Pedro I, o Imperador, quando entrou pela primeira vez na primeira sessão do Senado fez questão de deixar de fora o cetro e a coroa em sinal de respeito. E mais ainda: bem recentemente, Mitterrand, no último livro que escreveu, já morrendo, com o auxílio de um amigo que ganhou um prêmio Nobel de Literatura, dizia que a democracia só será salva se cada vez mais fortalecermos os três Poderes. É este, a exemplo de Deus, que deve fazer leis boas e justas, o pão de que mais necessita a humanidade.

O SR. NEY SUASSUNA (PMDB - PB) - Muito obrigado, nobre Senador. Incorporo o aparte de V. Exª ao meu discurso.

Num País de dimensões continentais como o Brasil, com enorme densidade numa região e pouca densidade em outras regiões, portanto com disparidades demográficas, econômicas e, até certo ponto, culturais, não podemos retornar à condição de Estado unitário que detínhamos no Império.

O Senado é indispensável para o funcionamento da Federação; o Senado é indispensável para evitar que os interesses dos Estados mais ricos e populosos venham a predominar sobre os interesses daqueles mais pobres e despovoados.

Isso é exatamente o que ocorreria com a organização unicameral, em que as bancadas mais numerosas poderiam sempre impor sua vontade, sem instância alguma de revisão dessas decisões.

Observem, Sras e Srs. Senadores, que a Constituição de 1988 dispõe, no parágrafo 4º de seu art. 60, que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado. Ora, o Senado Federal é justamente a garantia dessa forma federativa de Estado.

Para comprovar o acerto dessa tese, basta examinar, rapidamente, algumas funções do Senado Federal.

Tem esta Casa a função revisora das proposições originadas na Câmara, que obedece à necessidade de submeter as leis às duas maiorias importantes na Federação: a maioria do povo e a maioria dos Estados. Não se trata, de maneira nenhuma, de razão de ordem técnica, pois as equipes de assessoramento das duas Casas são igualmente capacitadas.

O processo e julgamento do Presidente, Vice-Presidente e demais autoridades indicadas pelo texto constitucional são competência privativa do Senado, pois entendeu o Constituinte que a decisão deveria caber à maioria das Unidades da Federação.

Todas as normas que regem a dívida da União, Estados e Municípios são, também, competência privativa do Senado Federal. Com razão, pois a matéria diz respeito às finanças dos entes da Federação.

Aliás, quem acompanha as deliberações sobre essa matéria constata que normalmente os Senadores votam de acordo com as reivindicações dos governos estaduais, ou seja, comportam-se como representantes do Estado, não como representantes de interesses partidários ou facciosos.

Finalmente, a aprovação de diversas autoridades indicadas pelo Presidente da República, após argüição pública ou secreta, também é competência privativa do Senado. Mais uma vez, a decisão do Constituinte foi de inteira procedência. Quem os embaixadores brasileiros irão representar no exterior: o povo ou a Federação?

Seria possível aprovar a nomeação, por exemplo, de um Presidente do Banco Central, por quem passam decisões que afetam os Estados de forma diferenciada, beneficiando alguns e prejudicando outros, apenas com os votos da maioria dos representantes do povo, concentrada em meia dúzia de Estados? Certamente não.

Em suma, Sr. Presidente, Sras e Srs. Senadores, penso que não cabe, neste e em qualquer outro momento, questionar o princípio federativo em nosso País. Conseqüentemente, penso que nenhum brasileiro em sã consciência pode atribuir algum mérito à disparatada proposta do articulista.

Devemos todos unir esforços para que as duas Casas, Câmara dos Deputados e Senado Federal, possam prosseguir em sua fascinante missão de identificar e tornar reais os anseios da sociedade brasileira.

Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/08/2003 - Página 22229