Discurso durante a 111ª Sessão Especial, no Senado Federal

Homenagem a memória do Jornalista Roberto Marinho, Presidente das Organizações Globo.

Autor
Tasso Jereissati (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Tasso Ribeiro Jereissati
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem a memória do Jornalista Roberto Marinho, Presidente das Organizações Globo.
Publicação
Publicação no DSF de 04/09/2003 - Página 25894
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, ROBERTO MARINHO, JORNALISTA, EMPRESARIO, PRESIDENTE, REDE DE TELECOMUNICAÇÕES, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), EMPENHO, INCENTIVO, SETOR, COMUNICAÇÕES, CULTURA, EDUCAÇÃO, BRASIL.
  • SOLIDARIEDADE, FAMILIA, MEMBROS, REDE DE TELECOMUNICAÇÕES.

O SR. TASSO JEREISSATI (PSDB - CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Dr. João Roberto, o Senado Federal hoje reverencia um dos mais ilustres brasileiros, o já saudoso Dr. Roberto Marinho. Nem as homenagens que recebeu em vida, nem as póstumas, que no presente e no futuro imediato lhe serão prestadas, talvez não consigam alcançar a real dimensão da importância desse carioca de São Cristóvão para a História do Brasil no último século.

O SR. PRESIDENTE (José Sarney) - Senador Tasso Jereissati, peço a V. Exª licença para interrompê-lo, a fim de convidar o Ministro Nelson Jobim para compor a Mesa, uma vez que S. Exª está investido na função de representante do Presidente do Supremo Tribunal Federal. (Pausa.)

Com minhas desculpas, V. Exª pode prosseguir.

O SR. TASSO JEREISSATI (PSDB - CE) - Dizia eu que talvez não se possa alcançar a real dimensão da importância do Dr. Roberto Marinho. E por uma razão muito simples: ainda não nos é possível - e talvez não o seja por um bom tempo - aquilatar nem o tamanho, nem os reflexos da sua obra, que se espalha de forma amplíssima em vários campos da vida nacional, com repercussões que ainda se farão sentir ao longo das próximas décadas. É que as idéias e ações dos grandes homens não se circunscrevem a determinado espaço, muito menos se limitam a seu próprio tempo. Alguns homens se destacam pelas idéias; outros, pela ação. A muito poucos, entretanto, são concedidos o talento, a firmeza de convicções e a perseverança necessários à implementação das idéias por meio da ação. As pegadas desses homens ímpares se prolongam para além do marco inevitável do fim da sua passagem terrena. Assim, as marcas indeléveis desses gigantes somente serão fielmente registradas pela história que ainda está por ser escrita. História essa que será lida não por seus contemporâneos, mas pelas futuras gerações, contaminadas pelo espírito e pelo exemplo desses grandes homens.

Esse é o caso do Jornalista Roberto Marinho. Um grande homem, de grandes obras e de grandes exemplos. Exemplo de humildade, quando, aos 20 anos, ao ser impelido por sua mãe, Dª Francisca Pisani Marinho, a assumir a direção do jornal O Globo, criado por seu pai, o Jornalista Irineu Marinho, 21 dias antes de precocemente falecer, reconheceu que lhe faltava conhecimento e experiência para enfrentar tal encargo. Preferiu, antes, apreender os segredos e ofícios das redações, onde trabalhou por seis anos, para só então assumir a direção. Naquela época, se entranhou a paixão pelo jornalismo, a ponto de se dizer até o final, num misto de orgulho e modéstia, “apenas um jornalista”.

Exemplo a ser seguido pelos “companheiros” - como carinhosamente chamava os repórteres -, de obstinada busca da informação, superando as barreiras com ousadia e criatividade, sem olvidar que sempre existem pelo menos duas versões a serem ouvidas.

Exemplo de larga visão, quando incentivou o rompimento das relações com o eixo Alemanha/Itália/Japão, na Segunda Guerra Mundial, quando aqui muitos anda não percebiam os disfarces do nazi-fascismo, vacilando em apoiar a democracia representada pelos aliados.

Exemplo de solidariedade, quando decidiu dar cobertura, ao vivo, pela televisão, da enchente de 1966, em que milhares de cariocas ficaram desabrigados, como forma de incentivar as campanhas de doações à população necessitada.

Esse particular exemplo se repete ao longo de décadas, assim como faz até hoje a Rede Globo, por intermédio de programas como o “Criança Esperança”, campanha anual que financia centenas de projetos educativos e assistenciais em todo o Brasil.

Exemplo também de visionário, ao ser um dos primeiros a perceber a inevitável globalização da economia e a exponencial demanda por informação de um mundo sem fronteiras. O investimento em novas tecnologias e mercados, mesmo ainda não consolidados, foram marcas do seu audaz empreendedorismo.

Exemplo de educador que investiu, estimulando e incentivando projetos educacionais em todos os níveis, inclusive na formação dos próprios educadores, dotando-os de instrumentos facilitadores da sua nobre tarefa, agregando conteúdo e qualidade.

Exemplo de amante das artes, que não apenas desfrutou egoisticamente da beleza, mas financiou e estimulou todas as formas artísticas. Incentivou inúmeros projetos culturais e patrocinou outros tantos de recuperação do patrimônio histórico em todo o País, muitas vezes adiantando-se ao papel compulsório do Poder Público, garantindo a preservação de relíquias que se corroíam à espera de iniciativa e atitude oficial.

Exemplo, enfim, de brasileiro, que se orgulhava disso e fazia questão de divulgar a cultura de seu País. As produções da Rede Globo, de altíssima qualidade, hoje são transmitidas para todo o mundo e são objetos de inúmeras premiações. Mas muito mais do que o mero sucesso comercial que a Rede Globo magnífica e merecidamente alcançou, movia o Dr. Roberto um ideal muito mais admirável: a integração nacional. Entendia perfeitamente o quão vital se faz para a soberania de uma nação a integração entre suas várias regiões, conferindo-lhe uma identidade cultural, essencial à sua unidade política. Nesse sentido, a televisão se transforma num poderosíssimo instrumento. Não há como negar o extraordinário papel da Rede Globo na construção dessa identidade. Ao longo de três décadas, a família brasileira aprendeu a se reconhecer nos temas e personagens televisivos, em que se fundem as raízes de nossas diversas matrizes culturais, revelando os vários ângulos desse multifacetado ente que representa o “ser brasileiro”. Assim, o caboclo amazonense se vinculava ao imigrante sulista e ao sertanejo nordestino, numa paradoxal coincidência de sentimentos e valores. Esse processo se perpetua ao se permitir, na visão utópica do artista, que o industrial paulista, o seringueiro do Acre, o artista baiano, o jangadeiro cearense, o vaqueiro do Pantanal, enfim, essa imensurável profusão de personalidades se fundisse num único personagem, no qual todos se identificam, rompendo preconceitos e, acima de tudo, construindo e fortalecendo um inquebrantável sentido de nacionalidade.

A TV Globo e a Fundação Roberto Marinho talvez sejam apenas as mais visíveis faces de sua grandiosa obra. Uma obra vastíssima, de enormes realizações e conquistas, de exaustiva enumeração. Limitar-me-ei, portanto, a enaltecer seu conteúdo, abstendo-me de enunciar suas diversas formas. Prefiro ressaltar que esta obra se reveste das matérias-primas mais valiosas que se possa encontrar na alma humana: o idealismo e o amor ao próximo.

O idealismo de imaginar que o trabalho de um homem pode e deve reverter em prol de seu país e de sua gente. O idealismo de crer que este trabalho suplanta todas as dificuldades e a convicção de que não se pode, absolutamente, ser feliz sem repartir essa felicidade com seu próximo.

Dr. Roberto já faz muita falta. Personagem ativo em todos os momentos decisivos para os rumos de nossa sociedade na última metade do Século XX, jamais se omitiu, defendendo suas idéias e crenças com honestidade e firmeza. Enfrentou as dificuldades com altivez, não se detendo ante as diversas crises econômicas, ocasiões em que muitos se acautelariam. Não mediu riscos ao investir em sua convicção de que o Brasil é muito maior que qualquer conjuntura ou circunstância.

Em momentos como este que atravessamos, de estagnação, sem originalidade ou ousadia, seria fundamental poder contar com sua sabedoria, seu gênio intuitivo e espírito empreendedor.

Louvemos, pois, o homem e sua obra, mas antes de tudo cultivemos o exemplo deste brasileiro, que soube como poucos amar o Brasil.

Permita-me, finalmente, Sr. Presidente, dar um certo tom pessoal a essas palavras. Fui um dos brasileiros que teve a honra de conhecer e de conviver com o Dr. Roberto. Ficam-me a cordialidade afetuosa, a delicadeza no trato, características marcantes de sua personalidade. Nunca percebi qualquer traço de prepotência ou arrogância, tão comuns a quem se habitua ao poder e ao sucesso.

Fui também testemunha da rigidez de seus princípios, impregnando todos com quem convivia, pessoal e profissionalmente, imprimindo tal caráter a toda a sua organização. Para ele, suas crenças e convicções estavam acima das circunstâncias e nada o impedia de praticá-las, em mais um exemplo a ser seguido.

Levem, então, Dona Lily e João Roberto, em nome de todos os Senadores, em especial dos Senadores do PSDB e do nosso Partido, os nossos sentimentos. A Roberto Irineu, José Roberto e todos os netos, a nossa solidariedade, não somente em razão da dor da perda, mas também a nossa solidariedade e apoio a quem tem a enorme responsabilidade de levar adiante tão grandiosa obra, que se tornará menos árdua quanto mais se inspirarem no exemplo do inesquecível Jornalista Roberto Marinho.

Muito obrigado. (Palmas)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/09/2003 - Página 25894