Discurso durante a 114ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações acerca do pronunciamento do Senador Marcelo Crivella. Análise da invasão e ocupação do Iraque pelos Estados Unidos.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA INTERNACIONAL. PREVIDENCIA SOCIAL.:
  • Considerações acerca do pronunciamento do Senador Marcelo Crivella. Análise da invasão e ocupação do Iraque pelos Estados Unidos.
Aparteantes
Arthur Virgílio.
Publicação
Publicação no DSF de 06/09/2003 - Página 26323
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA INTERNACIONAL. PREVIDENCIA SOCIAL.
Indexação
  • APOIO, DISCURSO, AUTORIA, MARCELO CRIVELLA, SENADOR, DEFESA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CRITICA, OPOSIÇÃO, ALEGAÇÕES, ALTERAÇÃO, CAMPANHA ELEITORAL.
  • CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), GRÃ-BRETANHA, DESRESPEITO, PEDIDO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), AUSENCIA, INVASÃO, ORIENTE MEDIO, INEXISTENCIA, PROVA, JUSTIFICAÇÃO, GUERRA, PROTESTO, OPOSIÇÃO, AMERICA DO NORTE, RETIRADA, EXERCITO ESTRANGEIRO, REJEIÇÃO, COMANDO MILITAR, ORGANISMO INTERNACIONAL.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, PREVIDENCIA SOCIAL, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, REGISTRO, EXISTENCIA, TRABALHADOR, AUSENCIA, RECEBIMENTO, BENEFICIO PREVIDENCIARIO.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, repito ao nobre Senador Crivella, antes de iniciar o meu pronunciamento, que fiquei impressionado com o pronunciamento de S. Exª, e o achei absolutamente correto. Mas fiz questão de ressaltar a diferença entre os tipos de mudança, para que não parecesse a alguém que nos estivesse assistindo que um homem da sua seriedade fazia um pronunciamento que justificasse aquilo que, na minha opinião, é a parte mais negra da política brasileira: a falta de convicção.

O que tem de pior para começarmos uma política brasileira séria é exatamente a falta de convicção. É triste.

No Uruguai, o Partido Blanco e o Partido Colorado têm mais de 250 anos. Desde a independência do Uruguai são os dois mesmos partidos. Nesses 250 anos é difícil encontrar dez parlamentares que tenham trocado de partido.

Na Argentina, o partido radical é do século retrasado e o partido justicialista é do início do século passado.

Nós, aqui no Brasil, temos essa transformação permanente de partidos e, dentro dos partidos, parlamentares que, num mesmo mandato, trocam quatro vezes de legenda. É contra isso que me posiciono, é a isso a que me refiro quando falo que temos que ter convicções, idéias. Mudar, claro que sim; olhar em roda, verificar quanta coisa mais podemos fazer e ser. Por exemplo, acontece, e é tradicional - acho que hoje tudo mudou, não acontece mais - de os jovens entrarem na faculdade, principalmente de medicina ou arquitetura, e serem comunistas apaixonados, mas, quando se formam e colocam a roupa, montam consultório e passam a ser homens normais, dizendo que aquelas idéias eles as tinham no passado, que estão vendo a vida diferente e que, entre o sonho de querer uma sociedade socializada e a realidade de salvar vidas, escolheram salvar vidas. Isso foi o que eu quis dizer e é isso que considero importante.

Sr. Presidente, falo aqui rapidamente.

Eu também apresentei uma emenda à reforma da Previdência Social.

Penso que a Previdência Social tem um importante papel na redução da pobreza no Brasil. Foi a partir disso que apresentei essa emenda. A nossa intenção é garantir que a Constituição Federal dê o direito aos excluídos. Milhões de brasileiros não têm acesso à previdência. Quatro em cada dez brasileiros estão desprotegidos, sem os benefícios da previdência social.

Conforme podemos constatar através dos dados do IBGE, em 1999 34% dos brasileiros viviam abaixo da linha da pobreza. Mas, se não fosse a previdência, seriam 45,3%. Isto é, 18 milhões de brasileiros deixaram de ser pobres graças ao sistema da previdência. Se não houvesse a previdência, eles estariam no rol dos miseráveis.

Esses números, por si só, demonstram a importância da previdência no conjunto de políticas públicas de redução da injustiça social no Brasil.

Um marco decisivo do papel do sistema previdenciário foi a inclusão dos trabalhadores rurais, que, a partir da Constituição de 1988, passaram a ter direito à aposentadoria. Talvez um dos fatos mais bonitos da Constituição de 1988 foi exatamente esse. O trabalhador rural não existia, não tinha direito, não tinha chance, não tinha possibilidade. Mas a Constituição de 1988 os incluiu entre os que tinham direito à aposentadoria - eles e os trabalhadores domésticos.

A sociedade brasileira certamente entende que existe uma situação de urgência social.

Dizia Alberto Pasqualini, meu querido Mão Santa, teórico do trabalhismo, que paira sobre a sociedade uma hipoteca social. Não é possível continuar convivendo com a miséria, a fome e suas conseqüências em termos de desagregação social, violência e criminalidade.

Estão aí as estatísticas sobre a falta de segurança nas grandes cidades. A eliminação da pobreza é responsabilidade da sociedade e deve ser objeto de políticas públicas de governo.

Conforme dados da mais recente Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), referentes a 2001, dos 70,6 milhões de trabalhadores brasileiros apenas 30 milhões contribuem com a previdência social. Os demais não têm cobertura do regime previdenciário. O que significa que, em cada 10 trabalhadores brasileiros, quatro não estão protegidos pela Previdência Social. Esses 40,6 milhões são os excluídos, os sem previdência.

Desse total, 18,7 milhões de trabalhadores têm rendimento mensal acima de um salário e podem ser considerados como economicamente capazes de contribuir e ter, em contrapartida, direito ao plano de benefícios. Mas tanto devem ser tomadas algumas providências e implementadas medidas de estímulo à sua adesão ao regime.

Neste sentido, repito, apresentamos nossa emenda à reforma que chega ao Senado, onde será debatida. Essa não é uma Casa “carimbadora”. É uma casa revisora, uma instituição da República que comemora 181 anos de existência. E vamos debater, sim, as questões que dizem respeito à sociedade, medidas que mudam a legislação, afetam direitos e têm impacto sobre o futuro de milhões de pessoas.

Vamos contribuir com o propostas e argumentos, para o aperfeiçoamento da reforma da previdência, aprovada de forma muito rápida na Câmara Federal e que, enviada ao Senado, é considerada quase que automaticamente aprovada também aqui.

Nosso Presidente, Senador José Sarney, chegou a informar à Nação no dia 08 de agosto, conforme manchete do Jornal do Senado,  que o Senado deveria manter o texto da Câmara. E isso que a reforma ainda não havia sequer sido votada em primeiro turno na Câmara. Felizmente, o Presidente José Sarney desautorizou a manchete do Jornal do Senado dizendo que não correspondia ao seu pensamento.

Falo sobre um terceiro assunto. É raro. Normalmente falamos sobre um assunto só, mas está impressionante o nível de debate nesta Casa. Sexta-feira, às 11h27, vejo um plenário tão cheio e lembro-me de que, no ano passado e nos anos anteriores, às sextas-feiras, fazíamos um esforço, entre cinco, seis Senadores. Sexta-feira era dia de tertúlia, em que procurávamos salvar o Brasil porque podíamos falar à vontade, porque era um dia em que não tinha tanta gente na Casa.

Quero me referir, Sr. Presidente, ao que está acontecendo no Iraque. É impressionante. Os americanos desconheceram o Conselho da ONU, humilharam o Conselho da ONU e promoveram o avanço militar no Iraque. Hoje, tristemente, está provado, nos Estados Unidos e na Inglaterra, que dados falsos ou, pelo menos - não vamos dizer isso -, dados duvidosos foram oferecidos pela assessoria do Presidente e do Primeiro-Ministro, e que eles não foram sinceros ao falar ao mundo, porque, na verdade, os órgãos de segurança americanos e ingleses nunca tiveram a garantia de armas de destruição em massa existentes no Iraque. Foram lá, destruíram; estão lá.

É claro que, para os Estados Unidos, não há nada mais sério do que ver morrer um soldado americano. A vitória espetacular, o tom vibrante do Presidente Bush foi se esvaziando na medida em que a guerra de fato não terminou quando decretaram o seu fim. Estamos vivendo uma guerrilha, uma verdadeira Guerra do Vietnã em pleno deserto, os americanos morrendo e não conseguindo manter o mínimo da paz necessária.

O ilustre brasileiro que morreu representando a ONU, tombando em defesa dos interesses da paz, dizia que temos de resolver o problema do Iraque da maneira mais rápida possível; que as tropas estrangeiras têm de sair. “Imagine como eu me sentiria se assistisse a desfiles de tropas estrangeiras por Copacabana; é isso que eles estão sentindo” - dizia ele.

Como está havendo a confusão, como as tropas americanas estão perdendo a força e a autoridade interna, levaram à decisão uma nova proposta ao Conselho da ONU. Qual é a proposta? Os Estados Unidos reconhecem que têm morrido muitos americanos e que estão gastando muito mais do que imaginavam - deveriam ter parado de gastar. Então, eles querem que a ONU aprove o envio de outras nações: que as outras nações enviem tropas para ajudar lá no Iraque.

Acho positivo que os americanos peçam para a ONU entrar com tropas da ONU. Ótimo, mas os americanos não estão propondo que entrem as tropas da ONU, sob o comando da ONU, com uma retirada em parte dos americanos. Não! Eles querem que os americanos fiquem com o comando total; sob o comando total dos americanos, que França, Inglaterra, Alemanha, Itália e outros países enviem tropas para ajudá-los.

É claro que o projeto foi rejeitado. De saída, a França e a Alemanha o rejeitaram.

Vejam o que diz aqui: “A proposta de resolução (...) para a reconstrução do Iraque não convenceu todos os integrantes (...)” Rejeitaram porque acharam que não era por aí. “(...) porque os Estados Unidos insistem em manter o controle militar e político no país”. Eles não concordam que a ONU assuma esse comando e faça o papel de transição. “Para Chirac e Schröder, o projeto não explica como a soberania será transferida para os iraquianos”. Os alemães e os franceses querem saber como a soberania do Iraque voltará aos iraquianos. “Os Estados Unidos argumentam [é fantástico, por amor de Deus] que a transferência de poder não é o mais importante. O principal assunto da resolução não é dar ou não a soberania aos iraquianos, mas sim como a comunidade internacional pode-se unir para apoiar o povo local e devolver o poder o mais possível”.

Quer dizer, como se pode impor à força a destruição das tropas locais? O problema da soberania - quando vai ser, se deve ser ou não -, isso não significa muito para os Estados Unidos.

“As sucessivas baixas norte-americanas e os últimos atentados no Iraque levaram o secretário (...) para discutir o possível apoio militar organizado pela ONU. ‘É hora de o resto do mundo nos mandar reforços. Acho que deveríamos reduzir a nossa participação e abrir espaços para outro países’.”

Sr. Presidente, eu acho uma grosseria esse projeto de resolução apresentado pelos Estados Unidos à ONU. Penso que os Estados Unidos já deviam ter aprendido que, por mais fortes que sejam, por mais autoridade que tenham, não vão conseguir impor a sua vontade ao mundo da forma como eles querem. O americano, que conseguiu um avanço estúpido, de uma violência brutal, a essa altura, mereceria o respeito do mundo inteiro se apresentasse ao conselho da ONU uma resolução para que a ONU assumisse o controle das forças que estão no Iraque. A ONU convocaria tropas de outros países e, aos poucos, essas tropas substituiriam os americanos, que iriam se retirando. A ONU ficaria com a autoridade de dizer como e quando cessará essa intervenção e quando e como haverá a entrega do poder aos iraquianos.

Estou aqui para mostrar até que ponto um país, quando não tem contraface, praticamente se considera como dono do mundo. Como podem perder o sentimento de justiça, de respeito e de compreensão, de que os outros, adversários ou não, são criaturas humanas detentoras de direitos inalienáveis à vida, à dignidade?

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Pedro Simon?

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Como eles não entendem isso? Apesar de tudo que fizeram, apesar de terem a repulsa do mundo inteiro, apesar de a própria imprensa nacional da Inglaterra e dos Estados Unidos estar repudiando o que aconteceu, porque foram enganados pelas notícias, a essa altura, eles não têm humildade. A ONU não está cobrando nada. A Alemanha e a França não estão cobrando nada. Estão aguardando para ver o que vai acontecer. A França, a Alemanha e a ONU não estão nem criticando os Estados Unidos; estão aguardando o que vai acontecer. Em meio a isso, uma proposta dessa natureza, sem grandeza, sem um mínimo de respeito ao Direito Internacional.

Ouço, com prazer, o aparte do nobre Senador Arthur Virgílio.

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - Senador Pedro Simon, serei bastante breve. Saudando o seu brilhante e oportuno discurso, como de hábito, menciono que, a meu ver, neste momento delicado em que vive a diplomacia mundial, talvez tenhamos aí algo de bom, ou seja, a possibilidade do renascimento do multilateralismo. Se bem trabalhada a solução da crise pela diplomacia mundial - e aí incluo a diplomacia brasileira - poderá, quem sabe, estar aí a possibilidade de renascimento do multilateralismo, que parecia morto com os eventos que levaram à guerra do Iraque. Talvez, todos juntos consigamos construir ou reconstruir a perspectiva da opinião de cada um, proporcional à sua força, e de todos na direção de uma ordem que não se submeta à idéia de unilateralismo, que, a meu ver, é algo que não constrói do ponto de vista da paz duradoura que se pretende para o mundo que está à nossa volta. Parabéns pelo discurso de V. Exª.

O SR. PEDRO SIMON (PMDB - RS) - Muito oportuno e muito competente o aparte de V. Exª. Na verdade, a crítica internacional vem colocando o que V. Exª diz numa posição de destaque. Se olharmos a potência econômica, a potência política e a potência militar, vivemos num regime inédito na História da Humanidade. Talvez, os romanos tivessem esse poderio, mas numa época em que o poderio não representa o que é hoje, domínio sob todos os ângulos, inclusive intelectual, com os meios de comunicação. Não precisam nem sair de lá, para fazer com que um país viva a realidade que eles querem. Mas tem razão V. Exª, e várias pessoas têm interpretado dessa forma; os equívocos que os americanos cometeram - e este equívoco notadamente foi muito grave - fazem com que as pessoas parem para refletir que isso não pode continuar. Reparem que, logo depois, quando houve a guerra, acreditava-se que a ONU, a exemplo da Liga das Nações, estava a caminho da extinção. Não foi o que aconteceu, porque os americanos, com todo seu poderio e força, tiveram a repulsa praticamente do mundo inteiro. Não é possível que eles determinem uma meta do caminho a ser seguido por toda a humanidade.

É importante o retorno da ONU, onde cada um tem oportunidade de debater, de discutir, de falar. Os Estados Unidos com muito mais força, é claro, assim como a Inglaterra, a França, a Alemanha e outros que fazem parte do Conselho da ONU, mas todos os países têm o poder de participar e discutir naquele órgão.

Como falou o nobre Líder, a frieza e a insensibilidade da proposta americana ajudou muito. Eles se consideram superiores e consideram-nos apêndices do mundo, que eles têm que ajudar a sustentar. Creio que a rejeição da resolução proposta pelos americanos fará com que eles reconheçam que a ONU deve ter o direito de indicar o comando da operação, ainda que os soldados americanos sejam em maior número.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

 

*****************************************************************************************

DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR PEDRO SIMON EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210 do Regimento Interno.)

************************************************************************************************


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/09/2003 - Página 26323