Discurso durante a 122ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Audiência com o Ministro da Justiça para tratar da segurança do vereador de Belém/PA, Paulo Fonteles, e do assassinato de trabalhadores sem-terra no Estado do Pará. Apelo para que o Governo do Pará adote providências contra a ação de pistoleiros naquele Estado. (como Líder)

Autor
Ana Júlia Carepa (PT - Partido dos Trabalhadores/PA)
Nome completo: Ana Júlia de Vasconcelos Carepa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Audiência com o Ministro da Justiça para tratar da segurança do vereador de Belém/PA, Paulo Fonteles, e do assassinato de trabalhadores sem-terra no Estado do Pará. Apelo para que o Governo do Pará adote providências contra a ação de pistoleiros naquele Estado. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 17/09/2003 - Página 27307
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • GRAVIDADE, TENSÃO SOCIAL, CAMPO, VIOLENCIA, ESTADO DO PARA (PA), AMEAÇA, MORTE, VEREADOR, CAPITAL DE ESTADO, REGISTRO, AUDIENCIA, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), SOLICITAÇÃO, PROTEÇÃO, PROVIDENCIA, COMBATE, IMPUNIDADE, PARCERIA, GOVERNO ESTADUAL, FORÇAS ARMADAS, OBJETIVO, DESARMAMENTO.
  • GRAVIDADE, DADOS, HOMICIDIO, TRABALHADOR RURAL, ESTADO DO PARA (PA), IMPUNIDADE, MANDANTE, CRIME.
  • LEITURA, TRECHO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O LIBERAL, ESTADO DO PARA (PA), DEPOIMENTO, CRIME, CONFLITO, TERRAS, DENUNCIA, GRAVIDADE, TRABALHO ESCRAVO, TRAFICO, DROGA, OMISSÃO, PODER PUBLICO.

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA. Como Líder. Sem revisão do oradora.) - Serei breve, Srª Presidente.

Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, mais uma vez, venho à tribuna deste Senado para falar da questão agrária. E lamentavelmente o faço devido a mais uma situação de violência ocorrida no Estado do Pará.

Antes, contudo, eu gostaria de informar que venho de uma audiência no Ministério da Justiça, onde tratamos desse e de outros assuntos. Lá estivemos, juntamente com o Vereador Paulo Fonteles, com o Deputado Federal Daniel, membro da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, com o Deputado Federal Jamil Haddad, com o Vereador Arnaldo Jordy e com Vereadores de Belém do Pará. Fomos ao Ministro da Justiça entregar um dossiê e solicitar providências para a situação em que se encontra o Vereador Paulo Fonteles, filho do advogado e ex-Deputado Estadual Paulo Fonteles, supostamente assassinado a mando do Sr. Josiel Martins.

O Paulinho Fonteles, como é mais conhecido, Vereador em Belém do Pará, está sendo ameaçado de morte exatamente por esse cidadão chamado Josiel Martins. Esse fato já foi denunciado na imprensa local. Josiel Martins já teve a sua prisão decretada pela morte de um genro, mas está foragido.

Na verdade, há um apelo para que se faça uma grande audiência pública no Estado com os órgãos de segurança pública do Pará, a fim de que a impunidade não volte a imperar no meu Estado. E não queremos mais aquela história de apenas chorar os nossos mortos; queremos evitar as mortes. Não queremos que o Paulinho Fonteles, na verdade, seja assassinado como foi o seu pai, que era um grande lutador, um advogado defensor de trabalhadores rurais. Por isso fomos ao Ministério da Justiça, onde fomos muito bem acolhidos pelo Ministro, Dr. Márcio Thomaz Bastos. Contamos também com a presença do Dr. Douglas, do Ministério da Justiça, e do Dr. Pedro, da Secretaria Nacional de Direitos Humanos.

Debatemos outro assunto com o Ministro referente exatamente ao tema que abordarei em seguida.

Em trinta anos, há o registro de 700 trabalhadores rurais assassinados no Estado do Pará, mas, até hoje, apenas um único fazendeiro sentou-se no banco dos réus como mandante dos crimes.

Foi lá também que ocorreu o assassinato de 19 trabalhadores sem-terra, no Município de Eldorado dos Carajás, sendo os comandantes da operação policial os únicos condenados até o momento.

Esse histórico, infelizmente, se é mais brutal no Pará, não difere muito do que ocorre pelo País afora e contribui para que os trabalhadores rurais confiem cada vez menos na Justiça como o árbitro desses conflitos.

Desta feita, aconteceu uma chacina com 8 pessoas na Fazenda Primavera, distante 180 quilômetros do Município de São Félix do Xingu. Essas pessoas eram 7 trabalhadores rurais e o dono da fazenda. Conforme depoimento de um Cabo da Polícia Militar, Leidivaldo Souza, que foi um dos que chegou ao local do crime, publica hoje o jornal O Liberal, que é do meu Estado, a seguinte descrição:

Eles [os pistoleiros assassinos] chegaram pela frente do barraco, quando os trabalhadores repousavam após o almoço. Deram logo dois disparos em dois agricultores que estavam na rede, com arma calibre 12. Os demais eles conseguiram dominar. Mandaram deitar de bruços no chão e mataram com um tiro na cabeça. [Morreram com um tiro na nuca.] Todos morreram com tiro na cabeça, só um, Eliseu, que morreu com um tiro na costela, perto do coração. Ao todo foram disparados dezenove tiros. Todas as vítimas eram homens adultos.

Existem sobreviventes desse massacre e já estão em Belém sob proteção policial. Eram duas pessoas que haviam saído para buscar sementes. Com certeza, serão muito úteis para que se possa desvendar a verdadeira causa desse episódio. Mas é preciso que o massacre ao menos sirva para que venha a público a grave situação da região conhecida como “Terra do Meio”. Trata-se de uma área não claramente delineada, mas em geral tida como limitada, ao norte, pelo rio Amazonas, o rio Tapajós e a Rodovia Cuiabá/Santarém; ao leste, pela bacia do rio Xingu e, ao sul, pelos limites do Município de Altamira.

Tem predominado na região a exploração ilegal de madeiras nobres, como o mogno, sendo grande a incidência de trabalho escravo nessa região. Talvez a região com a maior incidência de trabalho escravo seja exatamente a chamada Terra do Meio. Nessa região também, o crescimento do tráfico de drogas é cada vez maior, e avulta a ausência do Poder Público em todas as suas esferas, o que tem transformado aquela região em terra sem lei, da qual a recente chacina é, infelizmente, somente mais um triste exemplo.

No ano passado, um cidadão da liderança dos trabalhadores, chamado Brasília, também foi assassinado.

Ações violentas como essas têm um claro objetivo: causar o pânico entre trabalhadores e pequenos produtores rurais, para favorecer a entrada de grileiros, madeireiros ilegais e traficantes na região.

O Estado brasileiro não pode coonestar com esse verdadeiro faroeste que se instalou no Pará. É urgente a constituição de uma ampla força-tarefa que englobe o Governo Estadual e seus órgãos de segurança pública, porque é uma questão de segurança e o Governo Federal, se necessário com a participação das Forças Armadas para a regularização fundiária e ordenamento territorial na região.

Fizemos um apelo ao Ministro para que de imediato o Ministério da Justiça, junto com a Polícia Federal, junto com as forças de segurança do Estado, junto com as Forças Armadas, faça uma Operação Desarmamento naquela região. Não é possível viver, em pleno século XXI, num local onde o que tem imperado é a lei da força e não a força da lei. Não queremos mais isso.

É preciso que o Poder Judiciário - e vi algumas críticas que me deixaram absolutamente espantada - também assuma sua responsabilidade, pois não basta reclamar da “falta de energia para decidir sobre a reforma agrária”, enquanto seguidas decisões judiciais acabam dando guarida à impunidade que tem sido a regra nos crimes contra trabalhadores rurais. Isso quando não se anulam decretos de desapropriação para fins de reforma agrária como recentemente decidiu, por maioria, o Supremo Tribunal Federal.

Espero que esse fato sirva para mobilizar Governo e sociedade, para impedirmos que se crie um território apartado de nosso Estado democrático de direito ali no oeste do Pará, na Terra do Meio. E que todos assumam sua responsabilidade.

Quero dizer que não é um crime, não se caracteriza como tal, as próprias investigações caminham para isso. Não se trata, na verdade, de um crime em que trabalhadores sem terra ocuparam... Não, não tem a ver. Na verdade se trata de uma região onde há um grupo de pistoleiros, de bandidos. Eu diria inclusive o seguinte: que os fazendeiros e os madeireiros sérios com certeza não devem estar satisfeitos, porque ali há bandidos travestidos de fazendeiros, bandidos travestidos de madeireiros em conluio com o tráfico de drogas naquela região. Isso é seriíssimo e tem crescido. Precisamos tomar uma atitude.

O Sr. Ministro da Justiça afirmou claramente que já existe um grupo da Polícia Federal fazendo um trabalho de inteligência na área e vai aguardar esse relatório imediato até para avaliar a nossa proposta de uma Operação de Desarmamento que envolve não só todos os órgãos de segurança e até as Forças Armadas, mas os Ministérios do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Agrário para a regularização fundiária e ordenamento territorial na região.

Infelizmente temos que vir à tribuna, mais uma vez, falar de uma chacina no Estado do Pará, que é o Estado campeão de morte, campeão de violência no campo. Trata-se de um crime de segurança pública.

Faço um apelo daqui desta tribuna ao Governador do Estado para que tome providências, porque não é de hoje que aquela região é uma terra sem lei; que o efetivo da Polícia Militar é absolutamente inócuo para aquela região, uma região de conhecida tensão em que todos reconhecem que a ação desses pistoleiros invadindo, matando e expulsando trabalhadores é exatamente para facilitar a ação desses grileiros que vêm explorar terras indígenas, explorar a madeira nobre da região sem contribuir para o desenvolvimento, e muitos, como disse, em parceria com o tráfico de drogas.

Portanto, Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores e todos que nos ouvem e nos vêem no Brasil inteiro, parabenizo o Ministro da Justiça, que assumiu o compromisso de tomar as atitudes necessárias. Entendo que tais atitudes devem ser tomadas conjuntamente por todos os Poderes. Essa é uma responsabilidade de todos nós, de todos os setores da sociedade. Esse é um desafio não apenas para as diversas esferas do Poder Público - federal, estadual e municipal -, mas também para a sociedade civil. Devemos estar sempre atentos e de olhos abertos. Não podemos jamais ser coniventes com essa situação. Isso vem referendar o que tenho dito: não temos de fazer nenhum tipo de CPI do MST, pois, infelizmente, nos últimos tempos, em meu Estado, quem tem praticado as ações mais violentas não têm sido os trabalhadores, mas grupos de fazendeiros, como salientei na semana passada. Alguns, repito, nem sequer podem levar o título de fazendeiros; são bandidos travestidos de fazendeiros, bandidos travestidos de madeireiros, que atuam na ilegalidade.

É uma situação que merece de todos nós sensibilidade. Com certeza, o Poder Executivo está tomando as devidas providências e o Poder Judiciário, em vez de fazer declarações incorretas, deveria ajudar e não atrapalhar.

Muito obrigada.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DA SRª SENADORA ANA JÚLIA CAREPA.

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A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA) - Sr. Presidente, Srªs. Sr.s Senadores, mais uma vez, venho à tribuna do senado para falar da questão agrária e lamentavelmente, mais uma vez o faço por conta de uma situação ocorrida em meu estado o Pará.

Em trinta anos, há o registro de 700 trabalhadores rurais assassinados no Pará, sendo que até hoje um único fazendeiro sentou-se como mandante no banco dos réus.

Foi lá também que ocorreu o assassinato de 19 trabalhadores sem-terra em Eldorado de Carajás, sendo os comandantes da operação policial os únicos condenados até o momento.

Esse histórico, infelizmente, se é mais brutal no Pará, não difere muito do que ocorre pelo país afora, e contribui para que os trabalhadores rurais confiem cada vez menos na Justiça como árbitro desses conflitos.

Desta feita, tratou-se da chacina de oito pessoas na fazenda Primavera, distante 180 Km do município de São Felix do Xingu. Conforme depoimento do cabo da PM Leidivaldo Souza, que foi um dos que chegou ao local do crime, publicado no jornal O LIBERAL de hoje, temos a seguinte descrição:“Eles ( pistoleiros/assassinos) chegaram pela frente do barraco, quando os trabalhadores repousavam após o almoço. Deram logo dois disparos em dois ( agricultores) que estavam na rede, com arma calibre 12.Os demais eles conseguiram dominar. Mandaram deitar de bruços no chão e mataram co tiro na cabeça. Todos morreram com tiro na cabeça, só um, Eliseu, que morreu com u tiro na costela perto do coração. Ao todo foram disparados 19 tiros. Todas as vítimas eram homens adultos”.

Existem sobreviventes desse massacre que já estão em Belém sob proteção policial, e devem ser úteis no desvencilhar deste episódio. Entretanto, é preciso que o massacre ao menos sirva para que venha a público a grave situação da região conhecida como “ Terra do Meio”. Trata-se de uma área não claramente delineada, mas em geral tida como limitada ao norte pelo rio Amazonas, pelo rio Tapajós e pela rodovia Cuiabá-Santarém; a leste pela bacia do rio Xingu e ao sul pelos limites do município de Altamira no Pará.

Tem predominado na região a exploração ilegal de madeiras nobres, como o mogno, sendo grande a incidência de trabalho escravo e o crescimento do tráfico de drogas. Principalmente, avulta a ausência do Poder Público em todas suas esferas, o que tem transformado aquela região em terra sem lei da qual a recente chacina é, infelizmente, somente mais um triste exemplo.

Claramente as ações violentas como esta tem um claro objetivo : causar o pânico entre trabalhadores e pequenos produtores rurais, para favorecer a entrada de grileiros, madeireiros ilegais e traficantes na região.

O Estado brasileiro não pode coonestar com este verdadeiro faroeste que se instalou no Pará . É urgente a constituição de uma ampla força tarefa, que englobe governo Estadual e Federal, inclusive se necessário com a participação das Forças Armadas, para regularização fundiária e ordenamento territorial na região.

É preciso que o Poder Judiciário também assuma sua responsabilidade, pois não basta reclamar de “falta de energia para decidir sobre a reforma agrária” , enquanto seguidas decisões judiciais acabam dando guarida à impunidade que tem sido a regra nos crimes contra trabalhadores rurais . Isso quando não se anula decretos de desapropriação para fins de reforma agrária, como recentemente decidiu , por maioria, o STF.

Espero que este fato sirva para mobilizar governo e sociedade, para impedirmos que se crie um território apartado de nosso estado democrático de direito no oeste do Pará.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/09/2003 - Página 27307