Discurso durante a 129ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Aspectos da proposta de reforma da previdência com relação à instituição, para servidores públicos, de fundo complementar de previdência gerido pelo sistema privado.

Autor
Augusto Botelho (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RR)
Nome completo: Augusto Affonso Botelho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PREVIDENCIA SOCIAL.:
  • Aspectos da proposta de reforma da previdência com relação à instituição, para servidores públicos, de fundo complementar de previdência gerido pelo sistema privado.
Publicação
Publicação no DSF de 26/09/2003 - Página 29176
Assunto
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL.
Indexação
  • APREENSÃO, REDAÇÃO, TRECHO, PROPOSTA, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, POSSIBILIDADE, ERRO, INTERPRETAÇÃO, REFERENCIA, GESTÃO, REGIME, CONTRIBUINTE FACULTATIVO, COMPLEMENTAÇÃO, FUNCIONARIO PUBLICO.
  • MANIFESTAÇÃO, OPOSIÇÃO, GESTÃO, INICIATIVA PRIVADA, REGIME, CONTRIBUINTE FACULTATIVO, COMPLEMENTAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, FUNCIONARIO PUBLICO, REGISTRO, PRIORIDADE, EMPRESA, ALCANCE, LUCRO, UTILIZAÇÃO, VERBA, INVESTIMENTO, MERCADO FINANCEIRO, AUMENTO, SERVIDOR, RISCOS, PERDA, BENEFICIO PREVIDENCIARIO.
  • SOLICITAÇÃO, SENADO, ATENÇÃO, TRECHO, PROPOSTA, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, REFERENCIA, GESTÃO, REGIME, CONTRIBUINTE FACULTATIVO, COMPLEMENTAÇÃO, IMPORTANCIA, MELHORIA, REDAÇÃO, IMPEDIMENTO, PREJUIZO, SERVIDOR.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o projeto de Reforma da Previdência que tramita no Congresso Nacional tem um aspecto que merece particular atenção dos parlamentares, pois, a depender de sua precisa redação, interpretação e regulamentação por lei, pode oferecer perigo aos servidores públicos. Refiro-me à instituição de regime de previdência complementar para os servidores com remuneração superior ao teto atendido pelo seu sistema próprio de previdência.

O perigo consiste em instituir esses fundos complementares de previdência como fundos privados, no sentido de serem geridos por empresas privadas, seguidoras obrigatórias do critério de maximização dos lucros e atreladas às turbulências do mercado.

Somos totalmente contrários à instituição, para servidores públicos, de fundos complementares geridos pelo sistema privado.

Estaríamos, com isso, recaindo na proposta derrotada no governo anterior e adotando um modelo que já se mostrou pouco seguro em vários países.

Esses fundos costumam colocar-se a reboque do mercado e, dado que vivemos num regime capitalista, há que lembrar que isso implica sempre risco e incerteza. Isto é, o oposto do desejável para um fundo de aposentadoria, principalmente se vier a prevalecer a modalidade de contribuição definida e de benefício indefinido.

Sr. Presidente, o associado a um fundo complementar necessita, acima de tudo, de segurança, da certeza de poder manter seu padrão de vida ao reduzir-se sua capacidade de trabalho.

É uma ilusão esperar por solidez e segurança de um fundo dependente das flutuações de mercado ao longo de 30 ou 35 anos.

Difícil definir um provável nível de benefício futuro com a imprevisibilidade do sistema capitalista. Os sempre tão elogiados fundos privados chilenos trouxeram, na verdade, enorme frustração aos seus participantes. Esses fundos chilenos, na crise de 1997, sofreram enormes perdas, que redundaram em danos patrimoniais de cerca de 30%.

Na crise mais recente, de 2001 em diante, em que se encerrou, com um estouro de bolha, o ciclo de crescimento dos países ricos nos anos 90, inúmeros fundos de pensão nos Estados Unidos, Inglaterra e França sofreram perdas gigantescas, de até 40%. Milhões de seus associados foram duramente golpeados em suas esperanças de uma aposentadoria confortável. Muitos, muitíssimos, enfrentam agora a necessidade de continuar a trabalhar até idade muito avançada.

Nos Estados Unidos, esses problemas foram agravados pela manipulação de fundos privados, na forma de compra de ações de grandes empresas que vieram a se revelar como exímias na arte de maquiar sua contabilidade. Um nome símbolo desse vexame foi a Enron. Mas houve muitas outras. O noticiário em torno delas costuma ressaltar os aspectos de escândalo financeiro, mas omite o desespero de milhões de famílias que foram lesadas por confiarem na gestão privada de seus fundos de pensão.

Sr. Presidente, o projeto original da Reforma da Previdência que o atual Governo enviou à Câmara dos Deputados dizia, em seu artigo 1º, na modificação que introduzia no parágrafo 14 do artigo 40 da Constituição, o seguinte: União, Estados e Municípios poderão instituir regime de previdência complementar para seus servidores. Note-se bem, previdência complementar, sem qualificativo, repetindo as idéias do governo passado e abrindo o caminho para a previdência complementar privada.

O substitutivo que a Câmara enviou ao Senado veio com uma correção, quanto a esse particular: ele agora fala em previdência complementar de natureza pública. Com isso, a Câmara mostrou sensibilidade política, mas ainda não resolveu inteiramente a questão, pois há ambigüidades cercando essa redação.

O que se pode imaginar é que o legislador da Câmara tenha pensado em fundos de pensão complementar como os que são usuais nas empresas estatais. Eles são regidos pelas Leis Complementares nº 108, de 2001, e 109, também de 2001, que vieram regulamentar o artigo 202 da Constituição. Ocorre que, a rigor, juridicamente, esses fundos regem-se pelo direito privado. Seu patrimônio não pertence ao Poder Público, é privativo dos participantes dos fundos, que os administram.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é preciso diferenciar entre os termos que usualmente denotam a natureza dessas entidades fechadas de previdência, e os termos jurídicos precisos, que têm implicação legal.

Há quem possa interpretar que um fundo público teria que ser um braço da administração direta, sujeito às regras de concurso para o recrutamento de seu corpo gestor, e às regras de licitação impostas à administração governamental, no que se relacionasse com suas operações do dia-a-dia.

Na verdade, o que interessa é que essas entidades de previdência, de público de associados definido, criadas com a finalidade de gerar rendimentos complementares para seus participantes, quando de sua aposentadoria, tenham regras de gestão e de formação de patrimônio que busquem o critério de segurança a longo prazo para esses mesmos associados. Que não sigam as regras do jogo capitalista de mercado, de maximização de lucros para as entidades gestoras porventura contratadas, nem tampouco a exclusiva lógica de prover recursos para investimentos em programas de governo. O patrimônio deve ter evolução segura e previsível, garantida pela responsabilidade subsidiária do Poder Público que instituir o fundo.

Ainda relacionado com a questão da definição jurídica desses fundos complementares, da sua natureza privada ou pública aos olhos da doutrina jurídica, cabe lembrar que um determinado conceito de fundo público é definido por uma lei de 1964, a Lei nº 4.320, cuja ementa é a seguinte: “Estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.”

No Título VII dessa Lei, intitulado “Dos Fundos Especiais”, os artigos 71 a 74 definem um conceito de fundo público que pode interessar à nossa discussão. Apesar de criados para serem instrumentos de gestão orçamentária do Poder Público, esses fundos especiais poderiam ser uma forma de associar o Estado aos fundos de previdência complementar dos servidores.

De resto, os fundos especiais definidos pela Lei 4.320, de 1964, são de fato usados, até hoje, pelo sistema previdenciário para servidores públicos de alguns Estados da Federação. E foram utilizados nos antigos institutos de aposentadoria federais, como, por exemplo, o IPASE.

Esse conceito de fundo público especial poderia ser o caminho para que um fundo complementar de servidores pudesse receber recursos de orçamento público. Cabe ainda lembrar que essa matéria é vinculada ao artigo 167 da Constituição, que exige, em seu inciso IX, a prévia autorização legislativa para a instituição de fundos.

Sr. Presidente, o alerta que quero trazer a esta Casa, por ocasião das deliberações sobre a Reforma da Previdência, é, pois, o seguinte: a questão da previdência complementar dos servidores exige especial cuidado, é questão complexa. A redação que adotarmos não deve fechar caminhos úteis, nem escancarar as portas para interpretações que tragam a insegurança aos servidores, como seria o atrelamento de seu futuro às estrepolias de uma gestão privada associada ao jogo bruto do mercado.

É o que tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/09/2003 - Página 29176