Discurso durante a 131ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Aspectos da comercialização da soja transgênica no Brasil.

Autor
Geraldo Mesquita Júnior (PSB - Partido Socialista Brasileiro/AC)
Nome completo: Geraldo Gurgel de Mesquita Júnior
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.:
  • Aspectos da comercialização da soja transgênica no Brasil.
Aparteantes
Eduardo Suplicy, João Capiberibe.
Publicação
Publicação no DSF de 30/09/2003 - Página 29858
Assunto
Outros > POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.
Indexação
  • JUSTIFICAÇÃO, OPOSIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), AUTORIZAÇÃO, PLANTIO, SOJA, ALTERAÇÃO, GENETICA, DESRESPEITO, OPINIÃO PUBLICA, SOBERANIA NACIONAL, IDEOLOGIA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO (PSB).
  • ANALISE, ORIGEM, PROBLEMA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, ANTERIORIDADE, DESRESPEITO, LEGISLAÇÃO, MEIO AMBIENTE, AUSENCIA, FISCALIZAÇÃO, IMPORTAÇÃO, ILEGALIDADE, SEMENTE, PRODUTO TRANSGENICO.

O SR. GERALDO MESQUITA JÚNIOR (Bloco/PSB - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a Lei nº 10.688, de junho deste ano, isentou do cumprimento das normas de biossegurança estabelecidas no art. 225 da Constituição Federal a comercialização da safra de 2003 de soja transgênica, sancionando uma grave ofensa ao ordenamento jurídico do País praticada em detrimento de toda a coletividade. O Governo Federal curvou-se à evidência dos fatos consumados pelos quais não era responsável, para não ferir uma situação constituída, incentivada e praticada com a complacência e sem dúvida com a cumplicidade das autoridades que o antecederam no poder.

A justificativa desse ato está na excepcionalidade prevista no § 1º do art. 1º, ao estipular que a comercialização dessa safra “só poderá ser efetivada até 31 de janeiro de 2004, inclusive, devendo o estoque existente após aquela data ser destruído, mediante incineração, com completa limpeza dos espaços de armazenagem para recebimento da safra de 2004”. Dispõe ainda que esse produto transgênico deverá ser obrigatoriamente comercializado “como grão ou sob outra forma que destrua as suas propriedades produtivas, sendo vedada sua utilização ou comercialização como semente”.

O art. 5º também preceitua que “para o plantio da safra de soja de 2004 e posteriores, deverão ser observadas os termos da legislação vigente, especialmente das Leis 8.974, de 5 de janeiro de 1995, e 8.078, de 11 de setembro de 1990, e demais instrumentos legais pertinentes”, enquanto o seu art. 7º estabelece a multa de R$16.110,00 fixada proporcionalmente à lesividade da conduta, “sem prejuízo de outras cominações civis, penais e administrativas previstas em lei” para o descumprimento desse estatuto legal.

Essa lei, aprovada pelo Congresso, sancionada e promulgada pelo Presidente da República e referendada por nove Ministros de Estado, entre os quais a do Meio Ambiente, resultou da omissão, da imprevidência, da deliberada tolerância e da cumplicidade dos governos que, desde 1981, vêm sistematicamente descumprindo e ignorando a Política Nacional do Meio Ambiente, aprovada pela Lei nº 6.938, de 31 de agosto daquele ano. A medida preveniu prejuízo de um bom número de produtores rurais que terminaram contando, naquela emergência, com a solidariedade de toda a Nação, na prática de um ato sabidamente ilegal e lesivo aos interesses nacionais.

O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou claros os solenes compromissos de seu Governo com o meio ambiente e a proteção da saúde dos brasileiros, ao determinar a destruição do estoque existente e ao demonstrar, de forma insofismável, que se não omitiria ante o dever legal de dar efetividade à política do meio ambiente, aprovada há mais de uma década.

Um mês antes da promulgação da Lei nº 10.688, preocupado com a possibilidade da permissão por ela finalmente admitida, solicitei à Consultoria Legislativa do Senado informações sobre a “liberação para a comercialização de soja transgênica no Brasil”. E os termos da Nota Técnica que a respeito me foi fornecida, firmada pela Drª Carmem Rachel Scavazzini Marcondes Faria, Consultora desta Casa, não só aumentaram minha preocupação como também deixaram-me estarrecido por verificar a leviandade e a fragilidade com que este assunto está sendo conduzido em nosso País.

A semente de soja geneticamente modificada utilizada no Brasil é, mais que exclusividade, monopólio de uma só empresa multinacional, detentora da tecnologia e dos direitos de sua comercialização. A permissão para o cultivo em nosso País foi requerida à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança do Ministério da Ciência e Tecnologia, em 15 de junho de 1998, e concedida cerca de 90 dias depois, pelo Comunicado nº 54. Trata-se, Sr. Presidente, de medida hoje sobrestada por decisão judicial objeto de recurso cuja apreciação foi suspensa temporariamente a pedido da Advocacia-Geral da União, por iniciativa do Ministério do Meio Ambiente.

A plantação e a comercialização praticadas ao arrepio da lei e proibidas por decisão da Justiça constituem, portanto, atos ostensivamente ilegais, ilegítimos e imorais em todo o País. Tanto que, reconhecendo essa situação, mas admitindo sua existência em algumas áreas do território nacional, o Governo editou a Medida Provisória nº 113, de 26 de março deste ano, permitindo a comercialização da safra de 2002 em caráter de incontestável excepcionalidade.

O açodamento e a leveza do registro e da permissão concedidos pelo órgão nacional de biossegurança à empresa detentora do monopólio de soja aqui comercializada se caracterizam pela ressalva que fizeram cientistas da própria CTNBio, ao assinalarem no respectivo processo de licenciamento que “o dossiê apresentado pela proponente contém apenas, e tão-somente, informações sobre a soja em questão quando cultivada nos Estados Unidos. As experiências relatadas para o Brasil dizem respeito a testes de comprovação de eficiência das variedades, visando ao registro do herbicida “Roundup”, neste País, tratando basicamente de questões agronômicas e não aquelas de segurança ambiental. Não abordam, assim, aspectos relevantes para a biossegurança de linhagens transgênicas. Consideramos este nível de informação insuficiente para a tomada de decisão para o que se pode chamar de desregulamentação deste produto no Brasil”.

Não bastasse essa advertência, do mesmo processo de licenciamento consta ainda, nas págs. 349 a 354, outro parecer subscrito por Maria Imaculada Santo Gama, cuja identificação não consta dos autos, mas cujos termos, lavrados em 9 de setembro de 1998, denotam tratar-se de especialista na matéria. Diz o texto:

A soja RR não resultaria em impacto ambiental negativo se comparada com seu parental não modificado. Não apresenta potencial para se tornar uma planta daninha, não possui parentes silvestres no Brasil, impossibilitando, assim, a introgressão de genes no ambiente silvestre.

Seria necessária a análise de dados sobre o comportamento dos cultivares RR derivados da linhagem (GTS) 40-3-2 no nosso ambiente antes de ser liberado o seu plantio e a produção comercial no Brasil, visto que a soja é destinada à comercialização e consumo humano e animal.

Ainda aquela técnica:

[a interessada] deveria apresentar dados que comprovassem a equivalência de comportamento e de características dos cultivares de soja RR plantadas no ambiente brasileiro, em comparação com cultivares não transgênicas, e permitindo que os resultados em relação à segurança alimentar de soja RR produzida nos Estados Unidos pudessem ser considerados com segurança para as condições brasileiras.

A sentença judicial que proíbe o cultivo comercial da soja transgênica em todo o território nacional, decorre de ação proposta pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor e pela Associação Civil Greenpeace. Também impõe que a Comissão Nacional Técnica de Biossegurança exija de qualquer interessado na obtenção de licença para cultivo e comercialização de produtos transgênicos a realização prévia de estudo de impacto ambiental.

Trata-se, portanto, Srªs e Srs. Senadores, não de um problema de Governo, mas de uma questão de Estado, tutelada pela Constituição Federal, em face do disposto no seu art. 225, já regulamentado pela Lei nº 6.938.

Lamentavelmente, por todos esses precedentes, a opinião pública nacional acaba de ser agredida por uma decisão precipitada e intempestiva que violenta, não só o bom senso, as leis em vigor e a política ambiental brasileira, mas também as expectativas de uma parte expressiva da sociedade brasileira e as convicções manifestadas pelo Presidente da República, durante sua campanha eleitoral.

A assinatura de uma medida provisória na última 5ª feira pelo Sr. Vice-Presidente da República, no exercício da Presidência, liberando o plantio de soja transgênica em todo o País, sem as cautelas devidas, torna o Governo refém de interesses que precisam ser mais bem esclarecidos. A medida provisória foi precedida de manifestações do Vice-Presidente da República, dizendo textualmente que o Governo foi atropelado pelos fatos. Com todo respeito que de mim merece S. Exª, ouso afirmar que há um erro de perspectiva nessa afirmação. Os fatos, há muito conhecidos, não atropelaram o Governo quando propôs e sancionou a Lei nº 10.688, permitindo a comercialização da safra de 2003 da soja cuja semente foi sabidamente contrabandeada. É o Governo que acaba de atropelar o País com essa inoportuna medida que agride o bom senso, violenta a política de proteção ao meio ambiente e agrava a insegurança jurídica em que, de alguns anos a esta data, vive o País.

A solidariedade e o apoio que não tenho regateado ao Governo, como integrante de sua base parlamentar de sustentação nesta Casa, e para cuja vitória me empenhei com total dedicação de minhas poucas e frágeis possibilidades, têm por limite as minhas convicções, os valores que sempre cultivei e as promessas públicas em que sempre acreditei.

Tenho, disciplinadamente, feito parte da base parlamentar de sustentação do atual Governo, suportando o ônus de apoiar medidas por vezes equivocadas e das quais eventualmente divirjo, por entender necessário constituirmos um cinturão de solidariedade em torno do Presidente Lula, que tem a oportunidade histórica de criar as condições para, em breve, instalarmos no nosso País um Governo genuinamente popular, que persiga sem trégua a justiça social, a fraternidade e a igualdade de oportunidades para todos os brasileiros...

O SR. PRESIDENTE (Papaléo Paes) - Senador Geraldo Mesquita Júnior, permita-me comunicar que a sessão será prorrogada por 18 minutos: 7 minutos para V. Exª concluir seu pronunciamento e 10 minutos para o Senador Garibaldi Alves Filho realizar o seu.

O SR. GERALDO MESQUITA JÚNIOR (Bloco/PSB - AC) - Como eu ia dizendo, Sr. Presidente, temos a oportunidade história de criar as condições para, em breve, instalarmos no nosso País um Governo genuinamente popular, que persiga sem trégua a justiça social, a fraternidade e a igualdade de oportunidades para todos os brasileiros, sonho de milhões e milhões de trabalhadores, estudantes, donas-de-casa, empresários patriotas, sem-terras, sem-tetos e sem-nada deste querido País.

Até agora fui solidário nos erros e nos acertos. Mas Governo nenhum contará com a minha cumplicidade para legitimar um ato que atenta contra a soberania nacional, que sujeita todos nós à ganância inescrupulosa de corporações poderosas e a produtores atrasados, que colocam seus interesses comerciais mesquinhos à frente do bem-estar do povo brasileiro.

Para minha tristeza e decepção, o meu Governo, o Governo que ajudei a eleger, o Governo que deveria estar envolvido de corpo e alma na realização de uma profunda, justa e genuína reforma agrária, resolveu ceder aos caprichos de uma minoria que nele não votou e que vai atraí-lo para a desmoralização nacional e internacional.

Não se trata de uma questão pessoal, mas de um problema ideológico, doutrinário e político que tanto o Partido dos Trabalhadores quanto o Partido Socialista Brasileiro a que pertenço abraçamos, defendemos e por ele lutamos. Nesta Casa tramitam projetos de lei como o de nº 216, de 1999, da Senadora Marina Silva, proibindo por cinco anos o plantio e a comercialização de alimentos contento Organismos Geneticamente Modificados, e o de nº 271, de 2000, do Senador Antonio Carlos Valadares, suspendendo a produção e a comercialização de tais produtos até o ano de 2004.

Por tudo isso, Sr. Presidente, não posso concorrer com o meu voto para aprovar essa medida provisória de má inspiração, de péssima repercussão e de efeitos sabidamente nocivos para a sociedade brasileira. Lealmente, como tenho sempre procedido, reiterando a amizade pessoal e o respeito que me unem aos meus Líderes e ilustre colegas Antonio Carlos Valadares, Tião Viana e Aloizio Mercadante, manifesto publicamente a certeza de que ajo com correção, isenção e serenidade ao optar pelas minhas convicções e as do meu Partido, antes que sancionar a medida por todos os títulos inconveniente, imprópria e inadequada a que o Governo acaba de recorrer, para dar a assunto de tal transcendência a pior das soluções, aquela que todos sempre condenamos como um recurso ao arbítrio, à força e à prepotência.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senador Geraldo Mesquita Júnior, V. Exª me concede um aparte?

O SR. GERALDO MESQUITA JÚNIOR (Bloco/PSB - AC) - Com muito prazer, Senador Eduardo Suplicy.

O SR. PRESIDENTE (Papaléo Paes) - Peço a V. Exªs que procurem ser breves. O tempo será esgotado em quatro minutos.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Senador Geraldo Mesquita Júnior, além de expressar com tanta assertividade o seu ponto de vista crítico com respeito a essa medida provisória, V. Exª também enaltece o trabalho que a Senadora Marina Silva vem realizando como Ministra do Meio Ambiente. Tenho a convicção de que, ao transmitir ao Presidente Lula, ao Vice-Presidente José Alencar e à Nação a importância de se tomar os devidos cuidados em relação aos possíveis malefícios, seja à saúde das pessoas, seja ao meio ambiente, da possibilidade de produzir a soja transgênica, S. Exª o fez com competência, baseada no conhecimento que, efetivamente, pôde acumular. A propósito, ainda vamos conhecer melhor a medida provisória no debate do assunto. Ela adicionou algumas proposições, levando em conta o seu ponto de vista. É possível, portanto, que a medida provisória, ao ser eventualmente convertida em projeto de lei, venha a sofrer modificações, as quais estaremos aqui debatendo. Acredito que será muito importante, quando da tramitação da medida, ouvirmos o Ministro da Agricultura e a Ministra do Meio Ambiente para termos um esclarecimento cabal. É importante ressaltar que a Ministra do Meio Ambiente anunciou que deverá sugerir ao Presidente um novo projeto de lei a respeito do assunto. Quero registrar minha confiança no trabalho sério que a Ministra Marina Silva tem realizado à frente do Ministério do Meio Ambiente.

O SR. GERALDO MESQUITA JÚNIOR (Bloco/PSB - AC) - Concedo um aparte ao Senador João Capiberibe.

O SR. PRESIDENTE (Papaléo Paes) - Resta um 1:52min.

O Sr. João Capiberibe (Bloco/PSB - AP) - O pronunciamento de V. Exª analisa dois aspectos importantes de mérito, um deles é o uso de OGM - Organismos Geneticamente Modificados. Evidentemente, há uma dúvida; aliás, não há nenhuma certeza se faz bem ou se faz mal. E isso nos divide. Um aspecto me parece fundamental, que é o da ilegalidade sistemática praticada pela Monsanto: a introdução clandestina de sementes. E o Governo termina editando uma medida provisória levada pelo fato consumado. A ilegalidade neste País é praticada sistematicamente por muitos grupos e setores da sociedade. Se prevalecer a política do fato consumado, daqui a pouco o Governo terá que mandar medida provisória para legalizar a maconha. A maconha foi introduzida ilegalmente e é comercializada como a semente de soja, que foi introduzida no País de forma clandestina, patrocinada por um poderoso grupo econômico. Essa é uma preocupação que quero compartilhar com V. Exª. Estamos juntos. Nosso Partido tem essa preocupação com a vida e disso não nos podemos afastar. Parabéns por seu discurso.

O SR. GERALDO MESQUITA JÚNIOR (Bloco/PSB - AC) - Muito obrigado. Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/09/2003 - Página 29858