Discurso durante a 132ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre o programa espacial brasileiro.

Autor
Papaléo Paes (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: João Bosco Papaléo Paes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.:
  • Considerações sobre o programa espacial brasileiro.
Publicação
Publicação no DSF de 01/10/2003 - Página 29687
Assunto
Outros > POLITICA CIENTIFICA E TECNOLOGICA.
Indexação
  • REFERENCIA, DESASTRE, EXPLOSÃO, CENTRO DE LANÇAMENTO DE ALCANTARA (CLA), ATRASO, PROGRAMA, ATIVIDADE ESPACIAL, BRASIL, GRAVIDADE, PERDA, VIDA HUMANA, DIFICULDADE, ATENÇÃO, SITUAÇÃO, PESQUISA ESPACIAL, TRANSMISSÃO, CONHECIMENTO, OPINIÃO PUBLICA, ANALISE, HISTORIA, DESENVOLVIMENTO, POLITICA AEROESPACIAL, INICIO, REGIME MILITAR.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, CONSTRUÇÃO, CENTRO DE LANÇAMENTO DE ALCANTARA (CLA), AMPLIAÇÃO, NEGOCIAÇÃO, POLITICA EXTERNA, COOPERAÇÃO, DESENVOLVIMENTO TECNOLOGICO, ESCLARECIMENTOS, PROGRAMA, ATIVIDADE ESPACIAL, BRASIL, PARCERIA, PAIS ESTRANGEIRO, CHINA, LANÇAMENTO AEROESPACIAL, SATELITE, PARTICIPAÇÃO, CRIAÇÃO, ESTAÇÃO, PESQUISA ESPACIAL, AMBITO INTERNACIONAL.

O SR. PAPALÉO PAES (PMDB - AP. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o lamentável acidente sofrido pelo Veículo Lançador de Satélites (VLS-1) em Alcântara, no Maranhão, que vitimou vinte e um técnicos altamente especializados do Programa Espacial Brasileiro, terá por principal conseqüência um atraso de seu cronograma ainda maior que aquele que já vinha enfrentando, causado pela escassez de verbas. Não será fácil repor essa mão-de-obra altamente qualificada, constituída por pessoas com mais de dez anos de aprofundamento de estudos e de dedicação ao programa. É preciso insistir neste ponto: embora os custos materiais do acidente sejam enormes, a maior perda foi mesmo de capital humano.

O acontecimento teve, porém, uma conseqüência que podemos considerar positiva, apesar das tristes circunstâncias e da morte trágica de tantas pessoas. Trata-se do aparecimento, nos meios de comunicação, de notícias sobre a existência e o andamento do Programa. No presente contexto cultural, em que a televisão é, para muitos, o único veículo de informação, aquilo que está fora do noticiário simplesmente não existe para milhões de brasileiros, como para os cidadãos de todo o mundo.

É, na verdade, uma das contradições da globalização: pode-se saber tudo sobre a morte dos filhos de Saddam Hussein e ignorar absolutamente o que se passa do outro lado de rua em que você mora. Os habitantes de Alcântara não faziam a menor idéia do que faziam ali aqueles homens, que, do outro lado da baía, vinham de vez em quando para um almoço ou um lanche nos restaurantes e lanchonetes da cidade, aproveitar a qualidade do peixe.

A verdade é que, por muitos anos, o Programa Espacial Brasileiro vem sendo executado, pouco a pouco, em face da míngua de recursos, por profissionais abnegados, sob o silêncio constrangedor dos meios de comunicação, aos quais parece não interessar a questão do desenvolvimento tecnológico autônomo para o País ou, muito pior, a questão estratégica do domínio de tecnologia sensível, de aplicação para a defesa nacional. É como se a segurança, nesse sentido estratégico, não fosse, para os ideólogos encastelados nos jornais, uma atribuição compatível com um país periférico como o nosso.

É como se dissessem esses autoproclamados formadores de opinião: o Brasil tem é que se preocupar somente com os problemas aqui do chão, como a desigualdade social ou a criminalidade. Tecnologia, defesa nacional, deixem isso para os senhores do mundo, os americanos! Para que nos vamos meter nesses assuntos, nós, subdesenvolvidos?

O Programa Espacial Brasileiro somente pode ser honestamente analisado por quem leve em conta os seguintes aspectos: a conjuntura geopolítica mundial em que foi proposta a Missão Espacial Completa Brasileira (MECB), com todas as condições vigentes, externa e internamente, as metas estabelecidas em 1979 pela Política Nacional Aeroespacial (PNAE), e o que pôde ser cumprido, apesar dos contínuos cortes a que o Programa foi submetido ao longo desses anos, marcados pelas dificuldades orçamentárias do Estado, que teve suas energias concentradas quase exclusivamente no combate à inflação.

Ora, a meta última desejada pela MECB era a aquisição da completa autonomia nacional no projeto e construção de satélites de pequeno porte e lançadores. Ambiciosa em demasia, essa meta fazia sentido no contexto da excessiva autoconfiança no destino do Brasil como potência, que caracterizou certas iniciativas do regime militar. Embora, obviamente, não tenha sido atingida essa meta, algumas realizações merecem destaque.

O Brasil foi capaz, por exemplo, de projetar e construir um satélite de coleta de dados, o SCD-1, que se mantém em órbita dez anos após seu lançamento. Não há dúvida de que o País absorveu os princípios mais importantes da engenharia espacial envolvidos na construção de satélites. É uma resposta àqueles que somente enxergam aquela caricatura do Brasil como país de incapazes ou, como no título de um filme recente, “cronicamente inviável”.

A concepção do SCD-1 como uma missão de produção de dados relevantes teve ainda a conseqüência benéfica da criação de tecnologia de plataformas de coleta de dados, hoje empregadas por uma grande comunidade de usuários.

No caso do Veículo Lançador de Satélites (VLS-1), o desenvolvimento sofreu pesadamente com as restrições internacionais de fornecimento de equipamentos tecnológicos, em face do temor, principalmente da parte dos Estados Unidos, do domínio de tecnologias sensíveis por países de sua periferia geopolítica. Por isso, foi preciso enfrentar o desafio de um projeto inteiramente nacional e inovador, o que resultou em grandes avanços, mas também deixou muitos problemas por resolver, na aerodinâmica, na guiagem e na propulsão, que talvez estejam na origem do acidente.

A construção do próprio Centro de Lançamento de Alcântara é uma realização de importância inegável, pois nos possibilitou as condições de negociação com outros países para o estabelecimento de parcerias para cooperação tecnológica. Não devemos esquecer-nos de que Alcântara é uma das praças de lançamento de satélites mais próximas do Equador, comparável somente com a da Guiana Francesa. A situação equinocial, ou a baixa latitude, é, como se sabe, um fator que reduz muito o consumo de combustível dos foguetes, porque toma proveito da maior velocidade de rotação da Terra sobre o paralelo de zero grau.

Entre os resultados menos satisfatórios do Programa, deve-se destacar a pouca repercussão do desenvolvimento tecnológico na indústria associada ao projeto. Apesar de alguns resultados importantes, como ocorreu com os painéis solares, a maioria das empresas envolvidas não adquiriram uma escala de negócios que possibilite o emprego das tecnologias desenvolvidas em aplicações comerciais. Elas continuam, assim, tendo o Programa - isto é, o Governo - como seu principal ou mesmo único comprador, o que constitui ameaça a sua sustentabilidade e a sua capacidade de investimento.

É caso grave, pois é do conhecimento geral o fato de que a comercialização dos produtos resultantes da tecnologia desenvolvida para fins da corrida espacial nos Estados Unidos e nos outros países ricos é uma das atividades mais lucrativas do mundo de hoje, pois possibilitou toda essa parafernália de aparelhos eletrônicos - como telefones celulares - sem os quais a vida passou a nos parecer impossível. É exatamente isso que torna maior o interesse das empresas em ser parceira dos programas sensíveis do Governo desses países.

O programa China-Brazil Earth Resources Satellite, conhecido pelo acrônimo CBERS, é uma outra realização de monta do Programa Espacial Brasileiro, em um esforço bem-sucedido de cooperação internacional. São satélites dedicados a atividades estratégicas de entendimento dos fenômenos ambientais.

O sensoriamento remoto, produto dessa tecnologia, permite aos cientistas monitorar eventos como queimadas nas florestas, o progresso da fronteira agrícola ou o avanço de áreas de mineração.

O Programa Espacial Brasileiro inclui ainda a participação na construção da Estação Espacial Internacional. Embora essa participação seja muito criticada por parte de membros da comunidade científica nacional, que considera de baixo conteúdo tecnológico os componentes atribuídos a nosso País pelo acordo internacional, a verdade é que se trata de um projeto de enorme responsabilidade, e o simples fato de o Brasil ser incluído como fornecedor de alguma parte do equipamento já constitui uma demonstração de confiança, da parte dos integrantes do consórcio, na capacidade brasileira de construir componentes de qualidade para aparelhos espaciais.

Assim, apesar de todos os contratempos, tanto os de contingenciamento de verbas quanto os lastimáveis insucessos, o Programa Espacial Brasileiro deve continuar a contar com nosso apoio. Acidentes acontecem com programas ousados, como é o da tecnologia espacial. E isso não se dá somente no Brasil: lembremo-nos, por exemplo, de que a Apolo I explodiu na plataforma, matando seus três tripulantes, mas foi a base para o programa vitorioso que levou o homem a pisar a Lua. Nosso Programa também continuará, aumentando a capacidade nacional de desenvolvimento científico e tecnológico.

Em face do acidente na Base de Alcântara, estamos no aguardo das conclusões periciais, a fim de compreendermos o que foi, de fato, o ocorrido naquele trágico episódio.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/10/2003 - Página 29687