Discurso durante a 135ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas ao presidente Lula diante da explicação à viagem particular da Ministra Benedita da Silva, custeada pelo Erário. Indecisão do Governo envolvendo a sanção do Estatuto do Idoso.

Autor
Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Críticas ao presidente Lula diante da explicação à viagem particular da Ministra Benedita da Silva, custeada pelo Erário. Indecisão do Governo envolvendo a sanção do Estatuto do Idoso.
Publicação
Publicação no DSF de 04/10/2003 - Página 30245
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, HUMBERTO COSTA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), IMPOSIÇÃO, OBSTACULO, SANÇÃO PRESIDENCIAL, ESTATUTO, IDOSO, MOTIVO, SOLICITAÇÃO, VETO (VET), ARTIGO, PROTEÇÃO, CIDADÃO, VELHICE, ABUSO, PLANO, ASSISTENCIA MEDICA, DESAPROVAÇÃO, CONDUTA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, FALTA, PUNIÇÃO, BENEDITA DA SILVA, MINISTERIO DA ASSISTENCIA SOCIAL, UTILIZAÇÃO, FUNDOS PUBLICOS, REALIZAÇÃO, VIAGEM, CARATER PESSOAL.
  • REFERENCIA, DECLARAÇÃO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, EXPECTATIVA, MELHORIA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, BRASIL, COMENTARIO, GRAVIDADE, CRISE, ECONOMIA NACIONAL, AUMENTO, PREÇO, CESTA DE ALIMENTOS BASICOS, RISCOS, DESNUTRIÇÃO, POPULAÇÃO CARENTE, DIFICULDADE, AQUISIÇÃO, MEDICAMENTOS, IDOSO, DEFESA, ISENÇÃO, TAXAS, APOSENTADO, CONTENÇÃO, PREJUIZO, SAUDE.
  • LEITURA, PUBLICAÇÃO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ANALISE, DIVERGENCIA, OPINIÃO, MEMBROS, GOVERNO FEDERAL, APROVAÇÃO, ESTATUTO, IDOSO, CRITICA, CONTEUDO, DECLARAÇÃO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MOTIVO, OFENSA, CIDADÃO, VELHICE.
  • DESAPROVAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, EXCESSO, GASTOS PUBLICOS, PROPAGANDA, CRITICA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DECLARAÇÃO, INTERVENÇÃO, FUTEBOL, DEFESA, PROVIDENCIA, MELHORIA, EFICIENCIA, ADMINISTRAÇÃO FEDERAL.
  • TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, PUBLICAÇÃO, IMPRENSA, ANALISE, CONDUTA, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, uma semana depois da viagem particular da Ministra Benedita da Silva, às custas do Erário, depois da confusão do episódio dos transgênicos, o Planalto segue errando, agora com mais um capítulo de trapalhadas, em meio a entrechoques entre o Presidente e o Ministro da Saúde, na sanção do Estatuto do Idoso.

Primeiro de tudo, o Governo estava acatando uma boa iniciativa do Congresso Nacional ao programar a sanção da lei, de iniciativa do nobre Senador Paulo Paim. Isso era bom, positivo para o Governo e para o País. De repente, a tempestade inunda toda a aparência de antes, com a intempestiva reação do Ministro Humberto Costa, praticamente condenando o gesto de cidadania aos idosos. Pelo menos em parte. A trapalhada é que o Ministro teve que voltar atrás. Mas quem garante, pergunto eu, que sua marcha-ré não foi apenas para consumo público?

A dose foi dupla. No mesmo dia, a base governista no Senado mais uma vez usou o rolo compressor por sobre as intenções das oposições, que tentaram ressalvar, na taxação dos inativos, os aposentados com mais de 70 anos, além dos aposentados por incapacidade física. Em vão. O Governo petista na prática anulava o gesto, que poderia ser altivo, ao programar a solenidade de sanção do Estatuto do Idoso, que deu no que deu. Deu com uma mão e tirou com a outra.

O jornal O Estado de S. Paulo, ao se referir a mais essa trapalhada palaciana, observa que esse ritual virou rotina: “Desencontro vira rotina no primeiro escalão”, diz o título da matéria.

Na manhã de ontem, o próprio Presidente Lula confirmou que o espetáculo das trapalhadas é uma realidade. Na entrevista coletiva aos repórteres de emissoras de rádio, o Presidente que, felizmente, confirmou a sanção do Estatuto, deu um recado a sua equipe, lembrando que os Ministros tiveram tempo suficiente para tomar conhecimento do projeto. Se não fizeram isso, que agüentem agora.

Bem, essa é a decisão do presidente. Antes, ao responder a outra pergunta dos radialistas sobre a viagem religiosa de Benedita da Silva, Lula fez apenas passar a mão na cabeça da Ministra. Na versão do Presidente, tudo não passou de um erro burocrático do Ministério, ao solicitar a autorização para a viagem. Fica aí apenas a mão na cabeça. A justificativa não convence, a menos que o “equívoco” também seja uma das trapalhadas rotineiras do Governo.

Convenhamos, não existe isso de alisar a cabeça de alguém depois de uma traquinagem. No Governo, no Estado e na administração ou é ou não é, não há qualquer outra derivação. E, se existe, será uma derivação equivocada, portanto, inaceitável.

A postura do Presidente nesse sentido também está cheia de equívocos. Isso ficou bem evidente ao longo da entrevista que ele concedeu ontem aos radialistas no Palácio do Planalto. As perguntas foram as que a Nação inteira indaga o tempo todo, na expectativa de que o Governo venha a ter êxito e, em conseqüência, a vida do brasileiro melhore.

Já as respostas do Presidente, todas elas, passaram ao largo, como se pode concluir numa análise isenta do que Lula afirmou naquele encontro com os jornalistas, transmitido pelo rádio.

A Nação tem lembrança de tudo o que ele já afirmou, desde a sua posse, no dia 1º de janeiro. Nada se confirmou - e como lamento isso. O Presidente, depois de tantos anúncios e depois de tantas bandeiras, não conseguiu impedir que todas fossem por água abaixo.

Agora, na entrevista aos radialistas, o Presidente manteve a conjugação do verbo no futuro, sem saber que o Brasil vive o presente. E presente difícil. Portanto, exigente. A situação está a pedir, já e agora, o verbo no presente.

É hora de deixar de lado o uso de parábolas. De que adianta dizer que “o tempo das vacas magras acabou”? Vou repetir a frase do Presidente. Ele disse que “o tempo das vacas magras acabou”. O verbo está no pretérito, pretérito perfeito, mas a intenção continua no futuro.

Pergunto: alguém crê que acabou o tempo das vacas magras? Quem quer que saia por aí, mesmo com lupa ou telescópio, não vai encontrar a vaca gorda de que falou o Presidente ao acenar novamente, no pretérito do futuro, que “a economia vai crescer no último trimestre e no ano que vem.”

Gostaríamos de olhar com otimismo o comportamento da economia brasileira, mas não consigo divisar a luz no túnel, ainda sombrio e infelizmente nada prometedor.

Basta uma breve análise nas cifras oficiais para constatar que o País não vive num mar de rosas. Até mesmo o controle da inflação, de que tanto se vangloria o Governo de Lula, voltou a engrenar marchas ascendentes.

Em agosto, houve crescimento de 0,5% e, no mês passado, o incremento foi ainda maior, registrando 0,8%, segundo dados da Fipe*. O mais dramático é que o custo da cesta básica disparou, crescendo 17% nos últimos doze meses. Só o arroz, um dos itens da mesa do pobre, teve o preço elevado em 72% e a carne subiu 16%.

O professor Jorge Arbache, da Universidade de Brasília, apontou o crescimento do desemprego, com três mil desempregados só na Capital Federal, uma cidade de porte médio. Segundo o professor, o preço da cesta básica equivale hoje a 70% do rendimento líquido da renda do trabalhador.

Um outro economista, entrevistado no noticioso matutino da Rede Globo, disse não ver outro caminho para enfrentar as dificuldades a não ser a redução das quantidades de alimentos na mesa do brasileiro.

O risco é o agravamento do problema de desnutrição no País, de que resultará certamente demanda maior aos hospitais e às farmácias.

Sr. Presidente, o amparo ao idoso é muito mais do que uma obrigação do Governo e de todos nós. O Governo do Presidente Lula, no entanto, fecha os olhos para essa realidade ao se negar a acolher proposta do PSDB para isentar as pessoas de mais 70 anos da taxação que agora vai incidir sobre os inativos.

Em matéria muito bem elaborada, com base em consultas a numerosas pessoas, o jornal O Estado de S. Paulo assinala: “ Chegar à terceira idade com saúde perfeita e sem precisar tomar remédios é privilégio de poucos. É nessa fase que as doenças crônico-degenerativas costumam levar idosos regularmente a farmácias. Medicamentos de uso continuado para controle de pressão, diabetes, osteoporose, entre outros, são fundamentais para garantir qualidade de vida. O Estatuto do Idoso promete fornecer esses remédios gratuitamente, mas o próprio Ministério da Saúde reconhece não ter recursos para atender à crescente população de idosos.

Aqui deste plenário, o nobre Senador Mão Santa, que é médico, já demonstrou o que hoje o jornal publica. Só para controlar a pressão, as pessoas idosas costumam gastar perto de R$40,00 mensais. Se a pressão alta for acompanhada por doenças que provocam dor nas articulações, a conta fica maior. Dependendo do antiinflamatório, o gasto fica entre R$40,00 e R$80,00 por mês. Nessa faixa de idade, são comuns também, como mostra a mesma reportagem de o Estadão, a depressão e a osteoporose.

Só para o principal medicamento que trata a osteoporose, os custos mensais variam de R$80,00 a R$120,00, conforme a marca. Aliviar os sintomas depressivos não fica por menos de R$60,00 por mês e pode chegar facilmente a R$ 100,00. Aos 67 anos, a aposentada Maria José de Lima deixou de comprar os remédios para a osteoporose por conta do preço. “Não dá para pagar R$120,00”, diz. Para complicar, não toma mais a medicação à base de cálcio para os ossos, que custa, em média, R$90,00 por mês, e parou de fazer o tratamento da bursite. “Ainda tenho de tomar antiinflamatório”, diz a Srª Maria José de Lima, brasileira, aposentada. Continua ela: “Se fosse comprar todos os remédios, ia morar debaixo da ponte”, reclama.

A situação dessa brasileira não difere muito da de milhares de outros idosos, todos agora, infelizmente, desprezados pelo Governo que aí está.

Sr. Presidente, esta manhã, telefonou-me de Passos, no Sul de Minas, uma brasileira de 72 anos, a Srª Maria Gomes Vasconcelos. Ela contou que acompanha, há dias, pela TV Senado, todos os debates da votação da reforma da Previdência na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania desta Casa. Sua expectativa era a de que o Governo se revelasse sensível e não taxasse os aposentados com mais de 70 anos de idade. “Fiquei numa tristeza muito grande, logo eu que votei no Lula”, diz a aposentada Maria Gomes Vasconcelos.

Essa senhora, Srªs e Srs. Senadores, prosseguiu conversando e disse que ouvira, também ontem, um discurso do Senador Mão Santa, do Piauí, no plenário do Senado. Disse-me ela: “Gosto muito de ouvir o Dr. Mão Santa, ele fala o que gostamos de ouvir”.

Ela se disse horrorizada quando soube, pelo discurso do Senador Mão Santa, que “o Lula aumentou os Ministérios para 40”. Indagou-me: “É isso mesmo, Dr. Virgílio? É por essas coisas que o Brasil não tem jeito.” Disse estar triste também com uma Senadora cujo nome não lembrava. Falou que até gostava muito dela, a quem chegou a escrever uma cartinha. Como ela não se lembrou, não sei a quem ela se refere. Outro dia, ela ouviu essa Senadora falando que o Governo tinha que proteger o PT na hora de nomear funcionários. Ela disse: “Não pode, não. O senhor diga isso a ela”.

Sei que mensagens assim chegam diariamente a todos os Senadores. No caso da senhora de Passos, deu azar, porque, logo após, em entrevista aos radialistas, o Presidente Lula, com postura que beirou a arrogância, contrariou D. Maria Gomes, dizendo que o aparelhamento que a Nação toda condenou e vai continuar condenando continuará. Disse o Presidente Lula: “Eu tenho que nomear pessoas competentes e da confiança do Presidente”.

Sr. Presidente, requeiro que as notícias a seguir, publicadas na edição de hoje de o Estadão, passem a integrar este pronunciamento e a constar dos Anais do Senado da República. “Estatuto do Idoso: nova trapalhada do Governo”, matéria de Tânia Monteiro de o Estadão. Diz ela:

O Estatuto do Idoso ficou sete anos em discussão no Congresso e continuou polêmico até na sanção do texto, ontem, pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em cerimônia oficial, o Presidente assinou, simbolicamente, o Estatuto. Mas até o início da noite, permanecia o suspense sobre o veto ou não ao artigo que proíbe planos de saúde de reajustarem mensalidades de pessoas com mais de 60 anos. Com dúvidas jurídicas, o texto não seguiu para publicação no Diário Oficial da União.

Lula também tropeçou na linguagem. Começou o discurso de improviso, afirmando que os 119 artigos do Estatuto formam um “guarda-chuva de garantias legais que a sociedade devia aos seus idosos”, dando-lhes “dignidade”, “sem depender de favores, sem amargar humilhações”. Mas cometeu um deslize ao citar um conselho que dá aos amigos: “Quando se aposentarem, por favor, não fiquem em casa atrapalhando a família. [que desastre! Agora sou eu que digo isto: que desastre!] Tem que procurar alguma coisa para fazer. Vá a um clube, faça alguma coisa que torne o seu dia mais prazeroso, porque, se você ficar disputando espaço no sofá com o neto para ver um desenho animado ou ver o futebol, a sua vida vai ficar chata”.

Sr. Presidente, de fato, causa-me uma certa revolta o Presidente confundir incapacidade com idade, não percebendo que é uma aspiração dos seres humanos sábios procurarem chegar à velhice. É um privilégio, porque, quem não tem sorte e não tem juízo, termina não chegando à velhice, é preciso juntar as duas coisas. E o Presidente confunde e praticamente referenda um preconceito, ou seja, imagina que o papel do idoso é disputar o espaço diante da televisão com o seu neto. O Presidente precisaria moderar essa coisa do improviso. Isso é desastroso, porque Sua Excelência vai bem lendo; quando pára de ler, desanda a improvisar e começamos a ver esses verdadeiros impropérios hoje dirigidos ao idoso; amanhã, sei lá a quem, mas sempre aquela coisa do impulso, e da falta de disciplina para organizar o pensamento e ficar naquilo que foi organizado e estabelecido.

Volto à matéria de Tânia Monteiro :

Para comprovar a tese de que idade não significa falta de disposição, Lula mencionou a sogra de 75 anos. “Se falar para ela que tem um passeio a pé daqui para a China, ela topa ir”. [Meu Deus do Céu!] O Presidente citou seu próprio caso com exemplo. Disse que está procurando viver de forma “mais gostosa, mais saborosa e mais motivadora” e, “se Deus for generoso”, quer chegar aos 100 anos.

Desejo sinceramente que o Presidente chegue aos 100 anos e desejo que o Presidente construa um governo que não negue aos idosos que estão aí lutando pela vida o direito de também eles chegarem aos 100 anos de idade.

Volto à matéria de Tânia Monteiro:

Ao fim da cerimônia, o Ministro da Saúde, Humberto Costa, estava constrangido com a falta de anúncio do veto. Ele contou ter recomendado, em parecer, a retirada do artigo sobre planos de saúde. Para ele, o dispositivo é “redundante”, já que a Lei de Planos de Saúde proíbe reajustes por mudança de faixa etária para quem tem mais de 60 anos e seja associado ao plano há pelo menos dez anos.

O ministro também criticou a proposta de distribuição gratuita de remédios de uso contínuo prevista no Estatuto, alegando que não há recursos para bancar o benefício aos 20 milhões de idosos do País.

Costa ignorava o fato de que, pouco antes da cerimônia, Lula aprovara integralmente o estatuto, em uma reunião realizada no Palácio do Planalto com a presença dos Ministros da Casa Civil, José Dirceu; da Previdência, Ricardo Berzoini; da Secretaria-Geral, Luiz Dulci, e do Senador Paulo Paim (PT - RS), autor do projeto. Só o ministro da Saúde não foi convidado.

Paim disse estranhar a reação de Costa, lembrando que o estatuto passou sete anos no Congresso e foi aprovado por unanimidade. [Aí, disse Paulo Paim] “Se ele não leu, problema dele”.

Continua Tânia Monteiro:

A Casa Civil recebeu 40 pedidos de veto. Segundo Paim, o Presidente manteve os três principais pontos: a proibição de aumento nos planos de saúde; a redução de 67 para 65 anos da idade dos idosos de famílias carentes que ganham 1 salário mínimo, previsto na Lei Orgânica da Assistência Social; e a previsão de pena de 6 meses a 12 anos de cadeia por maus-tratos aos idosos.

Na cerimônia, foram exibidas cenas de maus-tratos ao casal de idosos da novela Mulheres Apaixonadas da Rede Globo. “Quando vejo aquela neta falar com eles daquele jeito, tenho vontade de dar umas palmadas nela”, comentou Lula.

Aí o Presidente sai da falta de ação prática pelos idosos para imaginar que o remédio para uma neta que não seja sensível é o espancamento. Ou seja, que o Presidente não enverede por esse caminho perigoso do improviso se não tem a plena capacidade de domar os seus impulsos, porque, afinal de contas, não se trata mais do líder sindical, não se trata sequer do ilustre presidente de honra do Partido dos Trabalhadores; trata-se do dirigente principal de um País de economia e sociedade complexas como é o Brasil.

“Desencontro vira rotina no primeiro escalão”. É matéria também de O Estado de S. Paulo, de Lígia Formenti, que passo a ler:

O mal-estar de ontem, durante a sanção do Estatuto do Idoso, engrossa a lista de episódios que mostram a falta de sintonia entre decisões de Governo e a opinião de Ministros. Logo pela manha, o Ministro da Saúde, Humberto Costa, defendeu abertamente o veto ao artigo que proibia o reajuste de mensalidades de planos de saúde. Para ele, a lei que regula o setor já oferece proteção aos maiores de 60 anos. Essa opinião já constava de um parecer preparado pelo Ministério. No fim da tarde, pouco antes de embarcar para São Paulo, o Ministro deixou claro estar alheio às discussões para resolver o impasse.

Não tive resposta, ainda, do que ficou definido lá. Em princípio, não teve veto.”

Nos dez meses de Ministério, esta é a terceira vez que Costa tem de lidar com decisões de governo que esbarram em assuntos ligados à sua Pasta.

Primeiro, foi a Medida Provisória que flexibilizou a restrição de propaganda de cigarro. Com a edição da MP, Costa foi alvo de duras críticas. Entre elas, a de que a medida tinha sido editada para beneficiar a Prefeitura de São Paulo, que podia ser excluída do circuito da Fórmula-1.

Em audiência pública na Câmara dos Deputados - para discutir a MP da publicidade do cigarro -, Costa sugeriu que, no projeto, fossem incluídas também restrições para a propaganda do álcool. A sugestão foi incorporada ao texto. Mas a Casa Civil foi contra. O texto aprovado só faz menção ao cigarro.

Na semana passada, as divergências também foram explícitas, mas com a Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, contrária à edição da MP da soja transgênica. Houve ainda o pito dado pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Ministro da Educação, professor Cristovam Buarque, que pedia mais recursos.

E, em junho, houve mais fatos; em agosto, mais fatos; em setembro, outros fatos.

Imaginamos que, se o Presidente ouvir o nosso alerta, quem sabe as trapalhadas parem e o Governo entre no ritmo normal de acertar ou errar, mas dentro de uma lógica firme e consistente, dentro de uma racionalidade inquebrantável. O Governo não me passa a idéia da consistência nem da lógica inquebrantável.

Idosos param de usar remédios por causa do preço.

Chegar à terceira idade com saúde perfeita e sem precisar tomar remédios é privilégio de poucos. É nessa fase que as doenças crônico-degenerativas costumam levar idosos regularmente à farmácia.

O texto repete, mais ou menos, o que eu já havia lido, o cálculo que já havia sido feito pelo Senador Mão Santa a respeito dos gastos que vão sobrecarregando a vida de um aposentado, sobretudo quando a vida mostra suas cores outonais. É a hora em que o organismo está mais fraco, em que mais vulneráveis às doenças crônico-degenerativas ficam os cidadãos do mundo inteiro. É nessa hora, precisamente, que é preciso um olhar sensível dos governos em qualquer instância, com políticas públicas muito claras, que protejam os que construíram a nossa civilização, deram-nos todas as lições de vida e que, sem dúvida alguma, passaram-no este grande País, que é o Brasil, com seus defeitos e suas insuficiências, mas, sem dúvida, com suas inúmeras qualidades e potencialidades.

Finalmente, mais um trecho de Lígia Formenti, jornalista de O Estado de S. Paulo:

Fila - Não é diferente a situação do aposentado Júlio Brito de Jonas, de 56 anos. Afastado do trabalho há 11 anos por conta da pressão alta e diabetes, Jonas encontrou uma alternativa para não deixar de tomar remédio. ‘Passo até quatro horas na fila da farmácia do Hospital das Clínicas (HC) para conseguir os remédios de graça’, diz.

O problema é quando o hospital não tem a medicação. ‘Aí, quando falta remédio no HC, tenho de emprestar dinheiro de alguém, comprar fiado...’

A hipertensão já fez o aposentado ser socorrido na fila. A pressão subiu demais, quase fiquei internado. Mas é o preço que a gente paga, né?’ A cada consulta, Jonas retira a medicação necessária para três meses.

Mas nem todos encontram remédios nos postos de saúde ou hospitais. ‘Então a alternativa é procurar os genéricos para fugir dos preços e controlar a pressão’, diz a comerciante Jeni Scapin, de 51 anos.

O comerciante Álvaro Braconi dividiu com um irmão as despesas médicas da mãe, Isaltina, de 85 anos, para diminuir o impacto dos preços dos remédios que ela precisa tomar. ‘Fico imaginando como está a situação de quem não tem alternativa, de quem não tem a quem recorrer”.

Na citação acima, Sr. Presidente, houve a colaboração também de Bárbara Souza e Luciana Miranda nessa matéria.

Uso o pouco tempo que me resta, para encerrar este pronunciamento, pedindo, de maneira muito enfática, ao Presidente da República que ultrapasse essa fase da propaganda pela propaganda, até por que não dá para ancorar um governo de quatro anos pura e simplesmente na imagem pessoal, sustentada por meios artificiais do Presidente da República. Não dá. Não há mágica que se possa fazer no jogo sofisticado do marketing. Não há dinheiro que possa ser gasto e que sustente a imagem de governo, que sustente um país inteiro emulado pelas declarações bombásticas do Presidente e pelo seu aspecto simpático, até mais que simpático, “simpaticão”, essa coisa em que ele usa uma linguagem muito próxima do que as pessoas mais simples costumam fazê-lo. Então, o Presidente é uma figura, sem dúvida nenhuma, simpática. Se perguntarem: - Tem simpatia por ele? Tenho. Agora, a minha simpatia por ele não me diz para passar a mão na cabeça de um governo que tem sido flácido na questão ética, haja vista o episódio da Benedita, haja vista essa coisa Duda Mendonça, essa coisa promíscua dessa relação. Aliás, li, outro dia, que o Sr. Duda Mendonça estaria processando o Presidente do meu Partido, que comigo ele já decidiu o que fazer. Estou completamente às ordens. Se acha que deve me processar, por favor. Se acha que há motivos, que estou exorbitando - procuro não ser insultuoso com ninguém, mas se acha que estou exorbitando, por favor, estou completamente às ordens, para receber o processo do Sr. Duda Mendonça ou de quem quer que se sinta desconfortável com as colocações, com as posições que adoto aqui na tribuna da Casa. Mas volto ao Sr. Duda Mendonça: isso tudo reflete uma certa flacidez, um certo padrão flácido em relação à questão ética. E o Governo poderá, amanhã, amargar, com o exemplo que está dando e a partir de certas figuras que o estejam a compor, esse quadro.

Peço ao Presidente que supere a fase da propaganda, que procure mesmo criar uma âncora verdadeira, a única que pode sustentar um governo, que é a eficiência administrativa, é a eficácia no gerir as coisas públicas. É menos jogo de palavras, é menos parábolas, menos coisas leves. O Presidente não tem nada que se meter nessa história de Corínthias. O Dr. Citadini, que não sei quem é - não torço pelo Corínthians, que pode perder à vontade, sou até do Flamengo e com ele é a minha preocupação, mas não misturo futebol com a minha atuação - o Dr. Citadini, que é dirigente do Corínthians, tem o direito de falar, a meu ver, é oportuno que fale sobre o Governo Lula, como qualquer um de nós. Não sei se é a coisa mais oportuna, mais adequada, o Presidente da República se preocupar com o futebol. Parece que o Brasil é a Suécia, parece que os problemas básicos estão todos resolvidos, parece que não tem a fila dos desempregados, parece que não tem as pessoas reclamando do preço dos remédios, parece que não tem, na verdade, as pesquisas da CNI mostrando a queda de confiança do consumidor nos próximos passos da vida brasileira, parece até que assim estamos fazendo o papel do Prefeito francês de cidade pequena.

Encerro, dizendo a V. Exª que o prefeito francês de cidade pequena geralmente é deputado, se não o for, não tem nenhuma importância. Só são importantes os prefeitos de Paris, de Nice e de uma meia dúzia de cidades grandes da França; as demais, as pequenas, têm todos os seus problemas básicos resolvidos. Então, o prefeito só tem que trabalhar às quintas-feiras. Ele chega lá, vai dar o tiro para início da competição de canoagem, vai dar o beijo paternal na Miss Uva, vai provar a uva do momento, vai, enfim, assinar os papéis, mas o sistema parlamentarista francês funciona tão bem e as cidades pequenas estão tão bem administradas que quase não se nota a necessidade da presença do prefeito. Quando ele acumula o cargo de prefeito com a deputação federal, o que lhe dá o direito de influir na escolha de Ministro e até de ser Ministro ou Primeiro Ministro, quem sabe, aí é um homem importante. Parece até que estamos aqui ouvindo o prefeito de uma cidade francesa, dessas pequenas, não o de Paris, o de Nice, que têm problemas graves, mas dessas pequenas em que o prefeito só trabalha às quintas-feiras e que a máquina anda sozinha. Por isso, o prefeito de lá pode se dar ao luxo de discutir se o Paris Saint-Germain está de fato na melhor fase ou se fez bem em soltar o passe do Ronaldinho Gaúcho. Lá cabe, porque, de fato, os problemas básicos estão resolvidos. Aqui, não. Chega a ser alienação discutirmos futebol se temos um povo passando fome, se temos um povo desempregado, se temos, enfim, uma situação que tem sido tormentosa para tantos brasileiros que querem, em sua maioria, renovar as esperanças neste Governo. Mas, aos poucos, eles vão perdendo a esperança, porque percebem que o que vale mesmo, o que tem funcionado mesmo é o esquema de propaganda, que chega a ser avassalador, a ponto de as pessoas - quem sabe - desavisadamente, num primeiro momento, até dizerem: puxa, estão trabalhando muito, para logo se beliscarem e verem que a realidade está apontando o descaminho da inação e não o caminho do trabalho conseqüente.

Peço desculpas a V. Exª por ter avançado na hora, mas foi um pouco a sensibilidade do momento e mais ainda o dever que procuro cumprir de exercer o meu papel de fiscal de um Governo que não ajudei a eleger. Eu não ajudei a eleger, então meu papel é fiscalizar o Governo. Se eu não fiscalizo, se V. Exª não fiscaliza, se outros tantos não fiscalizam, o Governo começa a achar que seus erros são virtudes, começa a achar que não tem nenhuma conta a prestar a ninguém. Até porque áulicos não lhe faltarão. Os governos novos costumam ter muitos áulicos. No final do governo é que cresce certo capim na porta. Isso é da tradição republicana brasileira e é desse regime até cruel e avassalador que é o presidencialismo. Mas no começo não se vanglorie o Presidente das vitórias que vem obtendo no Congresso. Isso ocorre porque monta uma máquina de rolo compressor, mesmo, e atropela a vontade das Oposições.

Não se esqueça, Presidente Lula, de que o Presidente Collor fez mais até: confiscou a poupança sob os aplausos do Congresso. Nos primeiros doze meses de governo, o Presidente pode quase tudo. Seria tão bom se aproveitasse isso para coisas úteis. Depois, vem o fim da lua-de-mel. Depois passa a eleição municipal. Aí nós temos um figurino bem mais claro de que o Governo começa uma certa fase de descenso a partir do início do seu terceiro ano de governo e, no final, ele será forte se tiver chance de se reeleger; será razoavelmente forte se apontar alguém com chance de se eleger; e será muito fraco se as condições envolventes, porventura, não indicarem o caminho da vitória para o partido que esteja no poder. Aí, alianças começam a ser feitas alianças e começa a crescer aquela grama na porta.

Por isso, hoje, de certa forma calejado - com a experiência que acumulei como administrador público, como Parlamentar, como Ministro de Estado -, vejo que não há espaço para o deslumbramento e para a vaidade. O deslumbramento e a vaidade são muito pouco e muito mesquinhos, enquanto sentimentos, diante das necessidades reais que o nosso povo tem a enfrentar. O vaidoso é aquele que, pelo sentimento mesquinho de o ser, depois, cai das nuvens, pois começa a achar que está havendo ingratidão para com ele; no segundo momento, ele não entende que a realidade possa ser - e será - mais dura para com ele.

É bom não se empolgar, não ficar muito ilusoriamente crente na hora das “vacas gordas”, para usar uma expressão do Presidente, que é o início de governo; depois, inevitavelmente, há um certo choque com a realidade, e eu não quero choque para o Presidente Lula. Tenho muito respeito por Sua Excelência, mas, muito menos, desejo choque para o povo brasileiro, que, a meu ver, tem sofrido secularmente.

Não quero colocar nas costas do Presidente os males do País, mas apenas dizer que, nesses seus nove meses de Governo, não contribuiu para resolver nenhum dos problemas que encontrou; ao contrário, tem permitido, infelizmente, o agravamento de tantos outros.

Era o que tinha a dizer.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

 

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DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR ARTHUR VIRGÍLIO EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inseridos nos termos do art. 210 do Regimento Interno.)

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Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/10/2003 - Página 30245