Discurso durante a 149ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Projeto de transposição das águas do rio São Francisco.

Autor
Heloísa Helena (PT - Partido dos Trabalhadores/AL)
Nome completo: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Projeto de transposição das águas do rio São Francisco.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 25/10/2003 - Página 33777
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • ANALISE, COMPLEXIDADE, PROJETO, GOVERNO FEDERAL, TRANSPOSIÇÃO, AGUAS FLUVIAIS, RIO SÃO FRANCISCO, MELHORIA, DISTRIBUIÇÃO, ABASTECIMENTO DE AGUA, REGIÃO SEMI ARIDA, REGIÃO NORDESTE, DEMANDA, EXCESSO, RECURSOS, NECESSIDADE, ATENÇÃO, IMPACTO AMBIENTAL.
  • CRITICA, AUSENCIA, CONCLUSÃO, OBRA PUBLICA, IRRIGAÇÃO, REGIÃO NORDESTE, ESCLARECIMENTOS, SITUAÇÃO, IMPACTO AMBIENTAL, RIO SÃO FRANCISCO, MOTIVO, MANUTENÇÃO, USINA HIDROELETRICA, REDUÇÃO, PESCA, FERTILIDADE, SOLO, REGISTRO, GRAVIDADE, POLUIÇÃO, DESMATAMENTO, RISCOS, EXTINÇÃO, NASCENTE.
  • DESAPROVAÇÃO, DISCUSSÃO, PROPOSTA, TRANSPOSIÇÃO, AGUAS FLUVIAIS, DEFESA, PRIORIDADE, CRIAÇÃO, PROJETO, RECUPERAÇÃO, RIO SÃO FRANCISCO, TRATAMENTO, POLUIÇÃO, REALIZAÇÃO, SANEAMENTO AMBIENTAL, IMPLANTAÇÃO, AREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL, RESERVA ECOLOGICA, CONSERVAÇÃO, SOLO, BENEFICIO, POPULAÇÃO, RECURSOS NATURAIS.

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a princípio, quero compartilhar inteiramente com o belo discurso do nosso Senador Geraldo Mesquita. Tive a honra de participar, juntamente com os Senadores Geraldo Mesquita e João Capiberibe, da comissão criada pelo Senado não apenas para visitar os presos políticos, mas também, como S. Exª bem teve a oportunidade de aqui ressaltar, para estudar mecanismos concretos para discutir a reforma agrária nesta Casa.

Sr. Presidente, vou tratar hoje, rapidamente, de um tema que me tem interessado há muito tempo e que esta Casa já teve oportunidade de debater, que é o projeto de revitalização do rio São Francisco. O rio São Francisco sempre apaixonou muitos. Os povos indígenas - sabe o Senador Mão Santa - chamavam o rio São Francisco de opara, rio-mar. Tão grande ele era, que os povos indígenas o chamaram de rio-mar, opara.

Quando a caravela de Américo Vespúcio, justamente no dia de São Francisco, viu pela primeira vez o rio, a ele atribuiu o nome de rio São Francisco, com certeza vinculando o nome à beleza do rio e também, talvez sem querer, a uma personalidade da história do mundo cristão ligada à causa dos pobres, dos oprimidos e dos marginalizados.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, desde essa data, há mais de 500 anos, sempre o rio São Francisco é cantado em verso e prosa. É cantado em verso e prosa mesmo - e aí extremamente respeitável, porque o verso, a prosa, a poesia é sempre bela e respeitável - e sempre faz parte dos discursos oficiais. Talvez nenhum outro rio tenha sido tão incluído, muitas vezes como “o rio da integração nacional”, em discursos. Nos discursos conseqüentes, qualificados, comprometidos, ou nos discursos demagógicos, oficiais ou palanqueiros, sempre o rio São Francisco foi muito falado.

Não era à toa que a Coroa Portuguesa, no Brasil, dizia que destinaria as pedras preciosas de suas jóias àqueles que pudessem garantir a transposição das águas do rio São Francisco para salvar o Nordeste. As águas do rio São Francisco não foram transpostas. E o rio São Francisco, por mais que seja uma bênção de Deus ao povo do Nordeste - e não é à toa que sua magnitude está justamente incrustada no semi-árido, na região mais pobre da região mais árida do Nordeste -, sequer foi usufruído, como bênção de Deus e da natureza, pela população do chamado Vale do São Francisco, e isso se deu pela incompetência e insensibilidade da oligarquia nordestina, da elite política e econômica nordestina, insensível, incompetente, incapaz.

E aí, mais uma vez, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, introduz-se o debate no discurso oficial do atual Governo sobre a transposição do rio São Francisco. E, mais uma vez, divide-se o debate entre aqueles egoístas dos Estados que têm o rio São Francisco e que não querem possibilitar a transposição das águas para salvar os nossos outros irmãozinhos do Nordeste que estão em áreas não beneficiadas pelo rio São Francisco. O debate efetivamente não se dá nesse nível. Sei que muitos, por ignorância ou por interesses escusos, repetem-no. Não é à toa que, durante todo esse tempo, quem mais ganhou, encheu o bolso e a pança, foram as consultorias vinculadas a grandes empreiteiras e a grandes construtoras. Nada parece que sensibiliza mais a volúpia governista do que uma grande obra, um projeto faraônico, um mega-projeto, que, muitas vezes, é iniciado e acaba por ser incluído no rol das obras inacabadas.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, mobilidade de águas, transposição de águas, o Brasil e o mundo já viram; é de alta complexidade, mas não é impossível fazê-lo. O esforço e o apelo que fazemos é para que, em vez de iniciar uma outra obra faraônica, um novo projeto que pode dar conta da megalomania de alguns, mas que não resolve o problema, se alguém quer fazer um grande projeto, atente para o fato de que há um grande projeto a ser feito.

Há 503 Municípios no Vale do São Francisco, 97 dos quais estão na beira do São Francisco. Desses 503 Municípios, incluindo os 97 ribeirinhos, mais de 90% deles jogam seus esgotos in natura dentro do rio São Francisco. Portanto, já é um grande projeto promover o saneamento básico dos 503 Municípios do Vale do São Francisco, o que será bom para o rio São Francisco, será bom para a população pobre, que não tem saneamento básico, e será vital para a dinamização da economia, porque gerará emprego e renda.

Não é um debate qualquer - e isso nós já tivemos oportunidade de aqui ver. Agora, o nosso Presidente diz que fará a transposição nem que seja com uma lata d’água na cabeça. Espero que Sua Excelência vá até a beira do São Francisco, no meu Estado de Alagoas e, certamente, em outros Estados, Senador Pedro Simon. O povo pobre e miserável do sertão de Alagoas vê o rio e precisa descer um grande barranco para, com uma lata d’água, pegar a água do rio que ele vê. Não há um projeto de irrigação e nem água para saciar a sede de seus filhos e de seus animais.

Por que não concluir os projetos de irrigação que já foram projetados e pensados e que, infelizmente, não foram concluídos? Por que não viabilizar a questão fundamental da recomposição das matas ciliares? Recompor mata ciliar não é um processo qualquer, mas é um processo de alta complexidade.

O rio tem 2,7 mil quilômetros de extensão, e a área da bacia é de 639 mil quilômetros quadrados. No Vale do São Francisco, há 503 Municípios, 97 dos quais são ribeirinhos, e uma população de 14 milhões de pessoas.

A manutenção das hidrelétricas como única forma de geração de energia, todos sabemos, criou problemas, pois privou a região do processo de fertilização natural, inviabilizou o método de agricultura tradicional e gerou gravíssimas implicações sociais devido à ausência de atividades econômicas alternativas.

O nosso rio São Francisco é praticamente estéril. V. Exªs já imaginaram o que significa a esterilidade de um rio? Não sei se existe outro rio, no Brasil ou no mundo, que tenha sofrido impacto ambiental maior do que esse. Hoje, pescam-se no rio São Francisco apenas 10%, em toneladas de peixe, do que se pescava há oito anos, Senador Mão Santa. Repito: não existe impacto ambiental maior do que esse.

É necessária a criação de um novo processo de regularização com vazão constante, porque o problema do Nordeste e do rio São Francisco não é a estiagem. A criação das barragens provocou o desaparecimento das lagoas marginais e a ausência do processo de fertilização das áreas ribeirinhas. Assim, a promoção de enchentes ou cheias artificiais é de fundamental importância.

Hoje, existe uma cunha de salinidade no rio São Francisco, que não vai mais “bater no meio do mar”, como diz a velha música de Luiz Gonzaga, que, se aqui estivesse, precisaria refazê-la. Esse processo decorre da construção das barragens, do assoreamento e do desmatamento das matas ciliares. Parte do litoral de Sergipe, inclusive, está sendo consumido pela força do mar, que é maior do que a do rio.

Dos 36 afluentes do rio São Francisco, apenas 19 são perenes. Muitos deles, inclusive, estão completamente poluídos, como o principal abastecedor do São Francisco, que é o rio de Belo Horizonte, que está contaminado com coliformes fecais, ferro, manganês, óleos, arsênico, mercúrio e subprodutos da extração de ouro e outros minerais.

As siderúrgicas mineiras consomem, anualmente, mais de seis milhões de toneladas de carvão vegetal, 40% das quais provenientes da derrubada de matas ciliares. O desmatamento indiscriminado tem provocado a extinção de inúmeras nascentes da bacia, além de uma gigantesca erosão do solo e mais assoreamento para o rio.

Muitos projetos já foram elaborados, como a montagem de um sistema gerencial de informações de monitoramento; o estabelecimento e a aplicação de critérios metodológicos uniformes para análise, avaliação e controle das águas; o enquadramento dos cursos de água do rio principal e dos rios afluentes para permitir o tratamento adequado; o subseqüente e compatível licenciamento do controle das atividades; a operação de rigoroso sistema de outorga; a elaboração de diagnóstico da situação; o estabelecimento de outro critério para a recuperação das matas ciliares; a identificação e implantação de parques, reservas e áreas de proteção ambiental; o zoneamento ambiental; obras de contenção de cheias e regularização de fluxo e obras de saneamento. Projetos e mais projetos foram montados pelos órgãos públicos e estão à disposição do Governo, para despoluição, conservação de solos, convivência com a seca, reflorestamento e recomposição de matas ciliares, gestão e monitoramento ambiental e dos recursos hídricos e gestão integrada dos resíduos sólidos. Existe coisa mais importante do que isso?

O Vale do São Francisco está tomado pelo lixo! Então, se se quer fazer uma obra gigantesca e maravilhosa, deve-se proceder à gestão integrada dos resíduos sólidos, para que se possa monitorar, controlar, fazer a coleta seletiva, a instalação de aterro sanitário e de usinas de reciclagem e compostagem, educação ambiental e unidades de conservação.

Portanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, mais uma vez, faço este apelo: em vez de iniciarmos uma obra cujo impacto ambiental sequer conhecemos e para a qual não há recursos disponíveis no Orçamento, façamos uma moratória do debate da transposição, uma grande obra para o Vale do São Francisco, com saneamento básico para os seus 503 Municípios, que jogam seus esgotos in natura dentro do rio e o tornam estéril.

Devemos investir em outros componentes de matriz energética, para que o rio São Francisco possa cumprir o seu destino, garantindo o abastecimento de água e projetos de irrigação para o seu próprio vale. Também precisamos viabilizar projetos importantes, já elaborados, discutidos e apresentados, que tratem dos resíduos sólidos e do lixo que está poluindo o Vale do São Francisco.

Essa será uma grande obra, uma declaração de amor para o rio São Francisco e para o semi-árido do Nordeste. Depois que isso for feito e que tivermos cumprido o que já foi elaborado para o Vale do Rio São Francisco, poderemos, enfim, pensar em outro projeto de mobilidade de águas.

Concedo o aparte a V. Exª, Senador Mão Santa.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senadora Heloísa Helena, como sempre, eu e o Brasil aprendemos com V. Exª. É por isso que alguns disseram que aqui se estuda o Brasil. Aprendi, agora, que, nas cercanias do grande rio São Francisco, 10% das cidades brasileiras estão nessas condições. Quando Governador do meu Estado, a convite do hoje Senador Fernando Bezerra, então Ministro, assisti, em Denver, à transposição do rio Colorado. Esse foi um projeto de cem anos, Senador Pedro Simon. Mas primeiro as coisas primeiras: conheço açudes que são um verdadeiro Mar Morto. Os açudes, Senador Pedro Simon, em geral, são distantes das populações, mas, para se mobilizarem recursos que atendam as empreiteiras, eles são feitos. Os grandes ganham, pois cada açude é negócio de quarenta milhões, dinheiro suficiente para fazer todo o saneamento mencionado pela Senadora. Mas eles formam um verdadeiro Mar Morto, já que são distantes dos grupos populacionais. Eles não chegam nem a obedecer ao livro cristão que diz: “Dai de beber a quem tem sede.” O Governo deve ter mais humildade e olhar para as pequenas obras essenciais. Penso que não há pequena ou grande obra, mas obra útil. Darei um exemplo: é muito mais emergente para o Presidente da República saber que, hoje, em Caetés, a sua cidade natal, morre-se de sede. A palavra “governar” vem do grego e significa navegar, e, como diz a sabedoria do poeta, “navegar é preciso, viver não é preciso”. É necessário competência e rapidez para se enfrentarem as turbulências. V. Exª, mais uma vez, ensina-nos e a todo o Brasil as necessidades mais essenciais das cidades das cercanias do rio São Francisco.

A SRª HELOÍSA HELENA (Bloco/PT - AL) - Agradeço a V. Exª, Senador Mão Santa, pelo aparte.

Mais uma vez, fica o nosso apelo: em vez de iniciar uma grande obra, que, muitas vezes, distribui riqueza para grandes empreiteiras e construtoras e, efetivamente, não distribui riqueza, renda, poder e alternativas concretas para as populações locais, possamos enfrentar o gigantesco desafio da revitalização do nosso rio São Francisco.

Agradeço, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/10/2003 - Página 33777