Discurso durante a 154ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Importância da elucidação dos episódios que envolveram a Guerrilha do Araguaia.

Autor
Valmir Amaral (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/DF)
Nome completo: Valmir Antônio Amaral
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS.:
  • Importância da elucidação dos episódios que envolveram a Guerrilha do Araguaia.
Publicação
Publicação no DSF de 04/11/2003 - Página 34833
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • DEFESA, IMPORTANCIA, ESCLARECIMENTOS, OPERAÇÃO MILITAR, GUERRILHA, FRONTEIRA, ESTADO DO TOCANTINS (TO), ESTADO DO PARA (PA), ESTADO DO MARANHÃO (MA), LOCALIZAÇÃO, RESTOS MORTAIS, PARTICIPANTE, PARTIDO POLITICO, PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL (PC DO B), LUTA, RESISTENCIA, DITADURA, REGIME MILITAR, PAIS.
  • ELOGIO, DECISÃO JUDICIAL, VARA DA JUSTIÇA FEDERAL, DISTRITO FEDERAL (DF), DETERMINAÇÃO, UNIÃO FEDERAL, FORNECIMENTO, DETALHAMENTO, INFORMAÇÕES, MORTO, DESAPARECIMENTO, CIDADÃO, PERIODO, GUERRILHA.

O SR. VALMIR AMARAL (PMDB - DF. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há trinta anos, a região conhecida como “Bico do Papagaio”, na tríplice fronteira dos Estados de Tocantins, Pará e Maranhão, foi palco dos conflitos que entraram para nossa história como a Guerrilha do Araguaia.

Durante cerca de dois anos, entre abril de 1972 e março de 1974, dez mil soldados foram destacados para combater o núcleo guerrilheiro composto por 69 militantes do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Inspirados nas revoluções chinesa e cubana, os guerrilheiros pretendiam criar um foco de resistência armada à ditadura militar, que recrudescera no País com a decretação, em 1968, do Ato Institucional nº 5.

A participação das Forças Armadas no Araguaia foi marcada pela truculência e pelo desrespeito aos direitos humanos. Foi uma guerra suja, caracterizada, em sua fase final, pela eliminação de todos os guerrilheiros, mesmo aqueles capturados com vida. A exposição dos cadáveres dos militantes em praça pública, vários deles decapitados, era uma forma de desencorajar a população local a prestar auxílio aos revolucionários.

De fato, inúmeros habitantes da região também foram vítimas da violência dos militares. Muitos foram torturados; alguns, executados. Ao final das três campanhas militares, 59 dos 69 militantes do PCdoB no Araguaia haviam sido assassinados. Além deles, cerca de dez camponeses também pereceram durante os conflitos.

A censura impedia que o massacre fosse noticiado, e o restante do País ignorou, por muito tempo, o que se passava no sul do Pará e no norte de Goiás, hoje Tocantins. E ainda hoje, três décadas depois, a Guerrilha do Araguaia continua sendo um dos episódios mais nebulosos de nossa história recente.

O papel do Exército na persistência desses mistérios é fundamental. Assim como não fizeram prisioneiros, os militares tampouco se preocuparam em conceder um tratamento digno aos corpos dos guerrilheiros mortos. Todos foram enterrados, sem identificação, em cemitérios clandestinos, ou cremados na Serra das Andorinhas.

Até hoje, o Exército reluta em esclarecer as dúvidas que persistem acerca de sua participação na Guerrilha do Araguaia. Em seus comunicados oficiais, os militares insistem em dois pontos: primeiro, não há nenhum órgão do Exército encarregado de tratar dos assuntos relacionados a esse episódio; e segundo, o Exército não possui, em seus arquivos, nenhum documento ou fragmento histórico sobre o fato em tela.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o grosso véu que cobre os segredos da Guerrilha do Araguaia começou a ser erguido, enfim, com o término do regime militar e a redemocratização do País. Vários habitantes da região, pouco a pouco, foram perdendo o medo de revelar as atrocidades que testemunharam durante o conflito.

A partir de 1991, os moradores do Araguaia começaram a indicar a localização de alguns dos cemitérios clandestinos nos quais os guerrilheiros foram sepultados. Desde então, mais de dez ossadas que pertenceriam aos guerrilheiros já foram encontradas, a maioria delas na cidade de Xambioá, no norte de Tocantins. É exatamente a cidade onde foi instalado o centro das operações militares na época da repressão à guerrilha. Até o momento, a única ossada identificada positivamente foi a da professora Maria Lúcia Petit, encontrada em Xambioá em 1991, mas com identidade confirmada apenas cinco anos depois.

Sr. Presidente, a elucidação definitiva dos mistérios que envolvem a Guerrilha do Araguaia é de crucial importância, e em mais de um sentido. Em primeiro lugar, trata-se de resgatar um dos episódios mais dramáticos da história do Brasil. As características do conflito, as aspirações dos revoltosos e a forma violenta com que o movimento foi abafado inserem a Guerrilha do Araguaia na tradição de outros notórios capítulos da resistência popular no Brasil, como a Inconfidência Mineira, o Quilombo dos Palmares e Canudos.

Um segundo aspecto a se considerar, não menos importante, é o drama vivido pelas famílias dos desaparecidos, que, há décadas, aguardam que o Poder Público lhes devolva os corpos de seus entes queridos, os quais, mesmo não estando mais entre nós, conservam o direito natural a um sepultamento digno e condizente com os ritos de suas religiões.

A bem da verdade, estou sendo injusto ao dizer que as famílias aguardam uma atitude do Poder Público. Há mais de vinte anos, tramita na Justiça brasileira um processo cujos autores são 22 familiares de guerrilheiros desaparecidos, que tiveram como advogados os nobres Deputados Federais Luiz Eduardo Greenhalgh e Sigmaringa Seixas. Ao invés de esperar passivamente pela boa vontade das autoridades governamentais, essas pessoas lutam com tenacidade para reaver os restos mortais de seus pais, filhos, maridos e esposas. Para isso, solicitaram, no processo, que a União lhes informasse o local de sepultamento de seus parentes assassinados.

Finalmente, em julho deste ano, corajosa decisão da juíza Solange Salgado, titular da 1ª Vara Federal do Distrito Federal, determinou à União o fornecimento de informações detalhadas sobre os mortos e desaparecidos durante a Guerrilha do Araguaia. A juíza estabeleceu o prazo de 120 dias para que a União informasse a localização dos restos mortais dos familiares dos autores do processo.

O ponto mais polêmico da decisão foi o trecho em que a magistrada determina que, se necessário para o cumprimento da sentença, a União deve proceder a uma rigorosa investigação no âmbito das Forças Armadas, intimando para depor todos os agentes militares vivos que tenham participado das operações, independentemente dos cargos ocupados à época.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, todos sabemos que algumas das pessoas que compartilhavam dos ideais dos guerrilheiros fazem parte, hoje, do Governo. O próprio presidente do Partido dos Trabalhadores, José Genoino, foi um dos militantes do PCdoB destacados para a operação no Araguaia.

Ora, seria de se esperar, portanto, que o Governo acatasse a decisão da juíza Solange Salgado e iniciasse prontamente as ações necessárias para seu cumprimento. Correu, inclusive, o rumor de que a Advocacia-Geral da União (AGU) não recorreria da sentença.

Muitos se surpreenderam, portanto, quando, em 27 de agosto, a AGU recorreu parcialmente da decisão, questionando a quebra de sigilo e o fornecimento de dados sobre operações militares relacionadas à guerrilha. Alegou a AGU que a juíza federal concedeu mais do que foi requerido, uma vez que os autores da ação só haviam solicitado o paradeiro dos corpos.

As repercussões do recurso foram tão negativas que o Governo se viu na obrigação de tomar uma atitude imediatamente. Em 3 de outubro, foi criada uma comissão interministerial que terá 180 dias para levantar informações sobre a localização dos restos mortais dos militantes do PCdoB que participaram da Guerrilha do Araguaia. A comissão, composta pelos Ministros da Justiça, da Defesa, da Casa Civil, pelo Secretário Especial de Direitos Humanos e pelo Advogado-Geral da União, será supervisionada diretamente pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Sr. Presidente, todo o Brasil nutre fortes esperanças de que, desta vez, os fatos obscuros acerca da Guerrilha do Araguaia serão finalmente esclarecidos. Como bem expressou o nobre Deputado Greenhalgh, o revanchismo e a acusação não são os objetivos dessas investigações. A intenção primordial é permitir que os familiares dos guerrilheiros exerçam o direito de enterrar com dignidade seus mortos.

Ademais, o povo brasileiro tem o direito de conhecer todos os detalhes sobre seu passado. O presente Governo tem a oportunidade, portanto, de preencher uma das principais lacunas desse rico patrimônio que é a História do Brasil. Que não nos decepcionemos mais uma vez.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/11/2003 - Página 34833