Discurso durante a 160ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Crescimento do interesse pela produção do combustível biodiesel em todo o País, defendendo a provisão de recursos à Embrapa, que possui condições técnicas de produzir a mamona.

Autor
Alberto Silva (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PI)
Nome completo: Alberto Tavares Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ENERGETICA. POLITICA AGRICOLA.:
  • Crescimento do interesse pela produção do combustível biodiesel em todo o País, defendendo a provisão de recursos à Embrapa, que possui condições técnicas de produzir a mamona.
Publicação
Publicação no DSF de 12/11/2003 - Página 36113
Assunto
Outros > POLITICA ENERGETICA. POLITICA AGRICOLA.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, DESENVOLVIMENTO, BRASIL, TECNOLOGIA, PRODUÇÃO, Biodiesel, QUEROSENE, ORIGEM, PRODUTO VEGETAL, ESCLARECIMENTOS, PROCESSO, ALTERNATIVA, COMBUSTIVEL, HISTORIA, INICIO, PESQUISA CIENTIFICA E TECNOLOGICA, UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARA (UFC), APOIO, EMPRESA BRASILEIRA DE TRANSPORTES URBANOS (EBTU), PRESIDENCIA, ORADOR.
  • DEFESA, CULTIVO, MAMONA, FEIJÃO, OBJETIVO, PRODUÇÃO, OLEO COMBUSTIVEL, POLITICA DE EMPREGO, TRABALHADOR RURAL, REGIÃO NORDESTE, REGISTRO, DADOS, EXPERIENCIA, ESTADO DO PIAUI (PI), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA).
  • DETALHAMENTO, SUGESTÃO, UTILIZAÇÃO, Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), ASSOCIAÇÃO RURAL, TRABALHADOR RURAL, GESTÃO, RECURSOS, CULTIVO, FEIJÃO, MAMONA, AQUISIÇÃO, EQUIPAMENTOS, PRODUÇÃO, OLEO VEGETAL, PREVISÃO, RENDA.

O SR. ALBERTO SILVA (PMDB - PI. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ao falar hoje desta tribuna, acredito que vou desviar um pouco dos acontecimentos sobre os quais, a toda hora, somos obrigados a opinar - como aquela triste cena dos velhinhos de mais de 90 anos, que tiveram de comparecer aos postos do INSS para provar que estavam vivos, o que foi doloroso, e outras tantas, como as relacionadas à reforma da previdência.

Sr. Presidente, está se alastrando no País a idéia do biodiesel. Outro dia, na Câmara, realizou-se uma imensa demonstração de uma pequena unidade de produção de biodiesel a partir de qualquer óleo vegetal. Mas a população não sabe bem o que é biodiesel e qual o seu resultado prático para o País. Gostaria de fazer um resumo no pequeno espaço de tempo que tenho.

Há 25 anos, fui nomeado Presidente da Empresa Brasileira de Transportes Urbanos, que tinha como um de seus objetivos a regularização do transporte urbano. Naquele tempo, conseguimos estabelecer certa ordenação no transporte urbano, que agora voltou a se desmantelar, e vemos congestionamentos na hora do rush. Dizem que o número de carros aumentou muito, mas falta - como fizemos naquele tempo - projeto de engenharia de trânsito e tráfico. Esse era o objetivo da Empresa Brasileira de Transportes Urbanos, da qual tive a honra de ser Presidente.

Entre outras obrigações que tínhamos para com a sociedade brasileira, surgiu a necessidade de se criar uma alternativa para o óleo mineral, porque a Petrobras não tinha condições, dentro das suas refinarias, de produzir o volume necessário de óleo diesel para o crescente número de carretas e caminhões.

O programa do álcool foi um sucesso, subsidiado durante anos e anos, mas ao afinal se estabeleceu e, hoje, o Brasil exporta álcool combustível. Naturalmente, em matéria de diesel ainda não somos auto-suficientes.

Voltando àquela época, procuramos um combustível substituto para o diesel. Buscamos apoio no IPT, no Coopi e em vários outros institutos de pesquisa do Brasil. No Ceará, havia um grupo de químicos que se dedicava à pesquisa de óleos essenciais, isto é, de essências das diferentes plantas do Nordeste. Entre elas, estava o marmeleiro, nativo do Nordeste.

Observei, no laboratório de Química, o óleo produzido pelo marmeleiro, considerado sem valor comercial. Perguntei aos químicos: “Que óleo é este?” Eles disseram: “Isso é um hidrocarboneto.” Eu disse: “Se é um hidrocarboneto, é petróleo.” Disseram: “É petróleo.” E fizemos uma experiência fantástica naquela época: extraímos óleo do marmeleiro, cujo volume, infelizmente, é muito pequeno - apenas 1,5% -, e o usamos em motores a diesel. Daí para passarmos ao biodiesel foi um passo. Com estímulo e recursos da EBTU, criaram-se os meios necessários para que os pesquisadores pudessem encontrar um sucedâneo para o diesel. Assim, naquele tempo, há quase 30 anos, descobriu-se a fórmula de produzir óleo diesel a partir de um óleo vegetal qualquer.

O grupo de Química tinha como principal representante o Professor Expedito Parente, da Universidade Federal do Ceará, e ele, com o estímulo dado pela EBTU, realizou a transesterificação, uma reação química que ocorre entre um óleo vegetal, um álcool (no caso, álcool metílico) e um catalisador (hidróxido de sódio ou soda cáustica), quando aquecidos a uma determinada temperatura e produzindo diesel e glicerina. Assistimos a isso.

Depois, acionei o Ministério da Aeronáutica: “Querem colocar dinheiro para produzir combustível para a Aeronáutica?” Disseram-me: “Querosene. Vocês podem fazer querosene?”

Juntei novamente o grupo de Química: “Como é, rapaziada, vamos para o querosene?” Eles disseram: “Vamos.”

Depois de um mês, chegaram ao querosene de aviação, Srªs e Srs. Senadores, e vi os jatos da Força Aérea Brasileira voando com querosene oriundo do óleo de babaçu, o único que pode produzir querosene, segundo o professor Expedito Parente.

Depois, por questão de segurança nacional, encerrou-se a experiência. Vinte e cinco anos são passados desde que desenvolvemos o biodiesel.

Há cinco anos, eu disse: “Bem, a tecnologia está dominada, o mundo inteiro já sabe. Se tem patente, caducou.” Agora, quero saber se podemos tirar esse biodiesel de uma planta que dê condições ao homem do campo de ganhar dinheiro. Porque esse é o grande problema do nosso País, entre muitos outros que, a todo instante, nossos companheiros apontam.

Somos simpáticos à nossa Patrícia do Nordeste, que defende as causas do povo pobre. S. Exª bate com vontade e ardor em defesa do pobre.

E aqueles nossos pobres lavradores do campo, que vivem de roça?

Minha cara Senadora Heloísa Helena, preste atenção ao que vou falar agora: o que poderíamos fazer com a roça dos milhares e milhares de lavradores que vivem disso há cem anos? Só no meu Estado há 200 mil lavradores que vivem de roça. E como é essa roça? Mais ou menos assim: o proprietário cede um pedaço de terra e o lavrador planta, pagando-lhe uma renda. Se chover, ele tem uma produção pequena, porque num hectare ele não produz mais do que 300 ou 400kg de feijão. Ele planta milho, que necessita de água, e, quando não chove bastante, ele não tem milho; também planta mandioca, que vai ser produzida só em 15 meses. Ao final, o coitado não tirou coisa nenhuma do chão. Trata-se de um pária, que arranja um pouco de feijão, guarda-o para comer e, depois, passa o resto do tempo, da vida, procurando serviço aqui e ali. É assim que vivem os lavradores nordestinos.

Aí vem o problema da reforma agrária, os conflitos de terra. Para evitar isso, há cerca de três anos fizemos uma experiência que deve servir de exemplo para o Governo do Presidente Lula: resolvemos cultivar mamona, uma planta a partir da qual se produz o biodiesel. Por que mamona? Porque ela nasce em todo lugar e é resistente à seca. Pedimos apoio à Embrapa para produzir bastante mamona num hectare. A Embrapa informou: “É uma questão de semente boa e de adubo”, que o pobre lavrador não sabe nem o que é. Adubo?! O lavrador de roça sabe lá o que é adubo? Ele pega uma semente qualquer na quitanda, porque não tem nem dinheiro.

Fizemos um programa com 1.200 lavradores, Srªs e Srs. Senadores, uma revolução, cujos números fornecerei para que façamos disso uma cruzada. Por que não? Queremos gerar emprego? É no campo que se começa.

No meu Estado, há os desempregados da cidade, mas os do campo são os piores, e são milhões no Nordeste, migrando para as cidades porque não têm nada no campo. Vamos levar os homens de volta para o campo e, se eles tiverem um bom resultado, quem sabe ficam? Aí plantamos mamona e feijão, a respeito do qual quero dar uma informação.

Os brasileiros têm que acordar porque a Embrapa precisa de dinheiro. É o instituto de pesquisa mais importante que temos no que se refere a problemas agrícolas e a outros. Na pecuária, são mestres. A Embrapa está com pouco dinheiro. Precisamos destinar mais dinheiro para a Embrapa no Orçamento.

A Embrapa Meio-Norte, sediada no meu Estado, há uns cinco anos, com a tecnologia que possui, estuda o feijão-caupi, feijão esse que tem todos os nutrientes de que a máquina humana precisa. Segundo a Embrapa, quem come feijão-caupi não precisa de mais nada. Isso é uma revolução, já que o homem do campo gosta mesmo e só pode comer feijão. Com feijão-caupi e um pouquinho de proteína animal, ele está alimentado. Quem se alimenta não adoece, é importante saber disso, pois às portas dos hospitais brasileiros há muitas pessoas com fome crônica. Como não comem o suficiente, o organismo não tem as defesas necessárias. As pessoas adoecem e vão aos hospitais, onde lhes receitam remédios caríssimos, importados. Elas não tomam o remédio porque não podem comprá-lo e não conseguem sobreviver porque não têm comida.

O caupi, junto com a mamona, dá um salário para o homem do campo. Vou tentar resumir: plantam-se três filas de feijão entre duas filas de mamona. Pois bem, usando-se adubo e sementes selecionadas, mesmo no semi-árido, com 300 milímetros de chuva, obtivemos resultados mínimos, é claro - com pouca água. Mas usando-se terra adequada... Esse é outro fator para o qual o Brasil precisa acordar: em vez de plantar em qualquer terra, deve-se plantar na terra que segura a água. E alguém pergunta se existe isso. É claro! Se a terra for de areia, a água da chuva bate e vai embora. Se a terra for de argila, a água fica na superfície e o sol leva. A terra que segura a água é a mistura de sílica e argila. A água penetra 50 centímetros e fica lá. Se se plantar nessa terra, mesmo com 200 milímetros de chuva, haverá produção. Foi o que fizemos. Obtivemos, como resultado, uma tonelada de feijão por hectare, no mínimo, e uma tonelada e meia de mamona.

O que representa uma tonelada de feijão? A R$1,50 o quilo, são R$1,5 mil. Com três meses, há feijão. E onde se consegue o dinheiro para plantar? Não há o Pronaf? O Banco do Nordeste entrega o dinheiro do Pronaf ao lavrador, que pergunta: “É para plantar”? “É, mas R$200 são seus. O Governo dá”. Portanto, vejam bem, o Pronaf é constituído de duas parcelas: R$200 são do lavrador e R$300 são para ele plantar. Mas ele chega em casa, coitado, e pergunta à mulher: “O que está faltando?” Ela responde: “Tudo! Não há roupa para os meninos, não há calçados”. Ele, então, gasta os R$500 e planta da maneira que está acostumado. Quando chega o fim do ano, ele não tem os R$300 para pagar o banco. E eu perguntei: “E o que o banco faz?” Resposta: “Bom, ele não planta mais! No próximo ano ele não terá mais a ajuda do Pronaf.” Como são milhares de necessitados, nunca faltam pretendentes para plantar com recursos do Pronaf.

Propomos então que o lavrador pegue o recurso do Pronaf e o use, mas reunido em associação com outros lavradores - se nós os deixarmos sozinhos, coitados, sem apoio técnico, sem nada, eles não vão a nenhum lugar! Assim, criamos um módulo: são cinco mil lavradores numa associação. E qual é o capital desses lavradores? Duzentos reais é o dinheiro que eles têm. Então, eles compram uma quota. Como são cinco mil, o dinheiro ou o capital dessa associação é R$1 milhão. E o que se faz com esse recurso? Deposita-se no banco. Depositam-se também os R$300 do Pronaf e contrata-se uma gerência para essa associação. Por que uma gerência? Porque vamos lidar com dinheiro. E bastante. O lavrador precisa ter alguém para orientá-lo. Ele agora é sócio cotista e tem dinheiro no banco. Em vez de sacar aquele dinheiro de uma vez e gastá-lo de qualquer maneira, combinamos que o que fará será uma retirada. Não é salário. Ele retira, por exemplo, R$100.

Nos três primeiros meses, ele tem feijão. Vendendo o feijão, ele já tem R$1,5 mil na conta. Já pagou o Pronaf, porque são R$300. Ele fica com R$1,2 mil. Começa a colher mamona. Vai colhendo e vai entregando-a na sede da associação. O que faz essa associação, Srªs e Srs. Senadores? Ela pega um milhão, que é o capital da associação, e compra equipamento para espremer mamona, que custa R$260 mil para quinze toneladas/dia. E, agora, vem uma novidade que garanto e aposto que a maioria dos brasileiros não conhece. Mas como gosto de entrar fundo na pesquisa, aprendi com a Embrapa: o que se faz com o pé da mamona? O pé da mamona o que é? Madeira, celulose. Há dez toneladas de madeira num hectare, se eu cortar o pé de mamona depois de retirados todos os cachos da mamona. Durante oito meses, cato mamona; no último mês, corto o pé e, segundo a Embrapa, ele brota melhor do que se fosse plantado. Apanho essa celulose, 10 toneladas por hectare - há o equipamento. Aqui, no Brasil, já existe. É uma tecnologia patenteada, que utiliza bactéria.

Vejam bem: tenho um milhão. Comprei o equipamento de espremer mamona a R$260 mil e comprei o equipamento de fazer adubo orgânico, que não existe no Brasil. Nosso País gasta 100% de NPK importado. Não há adubo orgânico para melhorar a terra. Se eu pegar o pé de mamona e tratá-lo com bactéria, tenho húmus, adubo orgânico. Madeira transformada em adubo orgânico é uma revolução. E quanto custa isso? Vai para a conta do lavrador.

Vejam bem: dez toneladas no hectare. O adubo orgânico vale R$400 a tonelada. E vamos dizer que lá, no Nordeste, ele venda o produto para os paulistas ou para outros que o queiram comprar a R$300; dez toneladas são R$3 mil, que vão para a conta dele. Com R$1,5 mil do feijão, R$4,5 mil. E o óleo da mamona? Transformo-o em biodiesel? Por enquanto, não. O óleo da mamona tem um valor inestimável. É um óleo nobre. Se ele tiver uma máquina de fazer óleo de mamona naquele galpão... Porque com R$1 milhão dá; R$260 mil é para a máquina de mamona, R$500 mil é para a máquina de fazer adubo. Portanto, sobra dinheiro para fazer um galpão, uma usina, um escritório com computador, e para ter uma gerência para gerenciar uma associação com cinco mil lavradores.

Vamos somar? São R$1,5 mil e R$3 mil de adubo, R$4,5 mil; R$1,5 mil de feijão. O óleo, a torta da mamona é um adubo de primeira qualidade e vale R$400 a tonelada. Tenho 700 quilos, e já tenho aí R$300 da torta. E tenho o óleo. Setecentos litros de óleo de mamona a R$3 o litro são R$2,1 mil. Já está em R$6 mil a renda do lavrador de um hectare.

Por que dezenas de hectares para um lavrador? Basta um para que a família dele possa trabalhar facilmente. Com um hectare, ele tem R$6 mil de renda ou R$500 por mês; 2 hectares darão R$1 mil por mês. Quem já ouviu dizer que com 2 hectares, no semi-árido nordestino, pode-se fazer um salário de R$1 mil para um lavrador, dono de uma pequena usina, dono do seu nariz, dono de uma conta bancária?

E o que podemos fazer mais, ajudando a educá-lo, ajudando-o a gastar o dinheiro? Um plano de saúde. Vinte e cinco reais por mês e ele pode se filiar a qualquer Golden Cross. O lavrador não vai mais para as filas do SUS. Ele terá um cartão de plano de saúde. E com mais R$25, um seguro de vida. Quem ganha R$500, em 1 hectare, e R$1 mil, em 2 hectares, pode ter tudo isso, Srªs e Srs Senadores.

Assim, o biodiesel pode ser - e será futuramente - a grande solução para o País. Esse é um combustível alternativo, porque temos sol, temos solo, temos tudo para produzir diesel renovável a partir de planta como a mamona. É só montar, desenvolver, visando sobretudo ao emprego, porque a desgraça nº 1 deste País é o desemprego. O pai de família que amanhece e não sabe como sustentar sua família está sujeito a tudo. Ele não tem mais nada a perder.

Poderíamos começar no campo, no semi-árido nordestino. No meu Estado, são 200 mil. Nos outros Estados, milhões, produzindo mamona e produzindo óleo. Quando o preço desse óleo nivelar, nós o transformaremos em óleo diesel, biodiesel, e o exportaremos para a Europa, onde estão brigando pela despoluição do ar, e o biodiesel para eles vale 2,00, 2,50 o litro. O Brasil pode vender e ganhar dinheiro, gerando emprego no campo e futuramente nas cidades.

Voltaremos outras vezes a este tema, pois ele é fascinante.

Obrigado.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

O SR. PRESIDENTE (Eduardo Siqueira Campos) - Senador Alberto Silva, o pronunciamento lúcido e denso de conhecimentos de V. Exª - tenho certeza - é um estímulo para os demais Senadores desta Casa.

O SR. ALBERTO SILVA (PMDB - PI) - Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/11/2003 - Página 36113