Discurso durante a 166ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Palestra feita por S.Exa. nas Filipinas a respeito da política de renda mínima.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ATUAÇÃO PARLAMENTAR.:
  • Palestra feita por S.Exa. nas Filipinas a respeito da política de renda mínima.
Publicação
Publicação no DSF de 20/11/2003 - Página 38063
Assunto
Outros > ATUAÇÃO PARLAMENTAR.
Indexação
  • TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, DISCURSO, AUTORIA, ORADOR, ANALISE, POLITICA, RENDA MINIMA, PARTICIPAÇÃO, SIMPOSIO, PAIS ESTRANGEIRO, FILIPINAS, ORGANIZAÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), DEFESA, DIREITOS HUMANOS, ALIMENTAÇÃO.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pela ordem. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, em virtude de eu ter realizado uma viagem, a convite da Fian For the Human Right to Feet Oneself, pelo direito de se alimentar, uma organização não-governamental que realizou um simpósio na sexta-feira, sábado e domingo, em Manilha, nas Filipinas, gostaria de apresentar aqui um relatório sobre o tema. Não podendo fazê-lo por ter esgotado o tempo da sessão, requeiro seja considerado como lido o pronunciamento sobre a palestra que lá fiz. Trata-se de uma carta aberta à Srª Gloria Macapagal Arroyo, Presidente das Filipinas, a respeito da renda básica de cidadania.

Portanto, peço seja considerado como lido, na íntegra, este pronunciamento, Sr. Presidente.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR EDUARDO SUPLICY EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210 do Regimento Interno.)

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     CARTA ABERTA1

     Manilha, 15 de novembro de 2003

     Sra. Gloria Macapagal-Arroyo

     Exma. Sra. Presidente das Filipinas

     Manilha

     Excelentíssima Sra. Presidente:

           Pela primeira vez na minha vida estou visitando o seu maravilhoso país. Estou feliz por ter sido convidado pela FIAN - For the Right to Feed Oneself (Pelo Direito de se Alimentar), uma organização internacional de direitos humanos, para participar da Conferência sobre Alimentação e Liberdade: Liberdade a partir da Necessidade - Renda Básica para Assegurar Dignidade2. Sou um senador brasileiro, membro do Partido dos Trabalhadores, do qual faz parte o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e também sou Professor da Escola de Economia de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas.

           É muito importante saber que nas Filipinas, e em muitos países da Ásia, a idéia que defendo para o Brasil também está sendo discutida aqui. Estou plenamente convencido de que uma renda básica incondicional é uma proposta sensata para a erradicação da pobreza, a construção de uma sociedade mais eqüitativa; proporcionando uma liberdade real para todos da mesma forma que uma pessoa para sair de casa deve passar pela porta. Como Confúcio explicou, 520 anos antes de Cristo, no Livro de Explicações e Respostas: Poderia alguém sair de sua casa sem ser pela porta? Esta iniciativa já foi aprovada unanimemente pelo Senado brasileiro, em Dezembro de 2002, e está para ser ratificada também pela Câmara dos Deputados, provavelmente em Dezembro deste ano.

           Apesar de tão distante do meu país, as Filipinas apresentam muitas coisas em comum com o Brasil. Ambos têm uma grande população, cerca de 85 milhões e 175 milhões de habitantes, respectivamente. Os nossos países têm um nível intermediário de renda per capita, de aproximadamente US$ 4.200 e US$ 3.500 por ano respectivamente, conforme o Relatório do Banco Mundial de 2003. Nossas economias são caracterizadas pela alta desigualdade de renda e de riqueza. O Brasil, infelizmente, está colocado em sexto lugar entre os países com alto coeficiente Gini de desigualdade. Por sua vez, as Filipinas apresentam uma proporção mais alta de pessoas vivendo em condições de pobreza absoluta. Após longos períodos de ditadura, as nossas nações estão tentando resolver os principais problemas sociais e econômicos sob regimes democráticos.

           É o nosso objetivo comum construir uma sociedade justa e civilizada. Temos observado que para atingir esse ideal precisamos levar em conta os valores que consideram o interesse coletivo e não apenas o interesse próprio, tirando vantagens pessoais em todas as coisas, em detrimento dos nossos semelhantes. Precisamos atender principalmente a ética, a verdade, a solidariedade, a fraternidade, a liberdade e a democracia. De fato esses são os valores que estão presentes na história de todos os povos. Eles constituem os fundamentos de todas as religiões, tais como o Budismo, Judaísmo, Cristianismo, Islamismo, e assim por diante.

           Em vista disso, precisamos aplicar aquelas políticas econômicas que sejam consistentes com esses valores. No Brasil, por exemplo, para atingir os objetivos de erradicação da fome e da pobreza absoluta, estimular o crescimento econômico acompanhado de criação de oportunidades de emprego e melhoria na nossa distribuição de renda. O Presidente Lula está dando bastante ênfase em vários programas: reforma agrária, expansão de microcrédito, fortalecimento das cooperativas, incentivo à agricultura familiar, aumento das oportunidades de educação pública e dos serviços de saúde e a expansão dos programas de transferência de renda relacionados ao objetivo do Fome Zero.

           Durante os anos noventa, desenvolvemos vários tipos de programas de transferência de renda, principalmente, com o objetivo de erradicar a pobreza, o trabalho infantil e estimular famílias pobres a terem seus filhos freqüentando a escola. No mês de outubro passado o Presidente Lula decidiu anunciar a unificação, racionalização e melhor coordenação de quatro dos programas existentes no chamado Programa Bolsa Família. De acordo com esse programa, todas as famílias com renda per capita abaixo de R$ 50,00 por mês, terão o direito de receber um complemento de renda que será igual a R$ 50,00 mais R$ 15,00, R$ 30,00 ou R$ 45,00 respectivamente, se a família tiver um, dois, três ou mais filhos. As famílias deverão provar que suas crianças entre 0 a 6 anos estão efetivamente tomando as vacinas recomendadas pelo Ministério da Saúde; que estão tendo um acompanhamento nutricional. Bem como, comprovar que as crianças de 7 a 15 anos estão freqüentando a escola e os adultos fazendo cursos de alfabetização ou de qualificação profissional.

           Os quatro programas que foram unificados eram os seguintes: o Programa de Renda Mínima associado à Educação ou Programa Bolsa Escola; o Programa de Renda Mínima associado à Saúde ou Bolsa Alimentação; o Auxílio Gás ou Programa de Auxílio Gás, todos instituídos no governo Fernando Henrique Cardoso, e o Cartão Alimentação ou Programa de Cartão Alimentação, associado ao Programa Fome Zero, implementado pelo o Presidente Lula, neste ano de 2003. Os dois primeiros programas ofereciam um benefício de R$ 15,00, R$ 30,00 ou R$ 45,00 às famílias com renda per capita até meio salário mínimo e com crianças de 7 a 15 e de 0 a 6, respectivamente, nos Programas de Bolsa Escola e Bolsa Alimentação. O Programa de Auxílio Gás fornecia um benefício mensal de R$ 7,50 por mês para as famílias comprarem gás de cozinha. O Programa de Cartão Alimentação estava distribuindo um montante de R$ 50,00 para famílias com renda per capita abaixo de meio salário mínimo, com a limitação de esse dinheiro só poderia ser gasto com alimentação. Após oito meses de experiência, o governo decidiu que seria melhor que os beneficiários tivessem a liberdade de gastar os recursos do Bolsa Família como desejassem, sem nenhuma restrição.

           Acredito que a Bolsa Família é um passo na direção correta. No ano de 2004, estima-se que 3,6 milhões de famílias serão beneficiárias por esse Programa, que inicialmente está sendo aplicado nas regiões mais pobres do país, tais como a região Nordeste. No ano de 2006, estima-se que 11,6 milhões de famílias estarão cadastradas no programa, correspondendo a aproximadamente 44 milhões de habitantes brasileiros.

           A minha sugestão ao Presidente Lula é de que o seu governo avalie continuamente os resultados da Bolsa Família, verificando em que extensão este desenho está evitando o chamado fenômeno da armadilha do desemprego e da pobreza, freqüentemente analisados na literatura sobre políticas de garantia de renda mínima a todos. Podemos ver a unificação deste programa de transferência de renda como um passo em direção à instituição de uma renda básica de cidadania. Este último passo é definido como sendo uma renda modesta, mas suficiente para a subsistência de cada um, a ser paga pela nação a todos os cidadãos, independentemente da origem, idade, sexo, raça, estado civil e condição econômica.

           Mas como? Estaremos pagando esta renda básica de cidadania mesmo para as pessoas mais ricas, que não estão passando necessidades? Sim, mas é claro que elas vão contribuir mais, pois assim proporcionarão recursos para o programa. Quais são as vantagens deste sistema? Primeiro, elimina-se a burocracia envolvida para verificar a renda de cada pessoa. Segundo, suprime-se o estigma ou o sentimento de vergonha que alguém possa ter ao declarar que sua renda é muito pequena e por essa razão ela mereça receber um complemento de renda. Terceiro, e ainda mais importante, do ponto de vista da pessoa fará enorme diferença, ela saber que todos têm o direito de receber uma importância em dinheiro, ao longo dos meses e anos, como um direito à cidadania.

           O projeto de lei que apresentei e, que já foi aprovado pelo Senado brasileiro e está na Câmara dos Deputados, prevê que a Renda de Cidadania será instituída gradualmente, a partir do ano de 2005, começando por aqueles que mais necessitam. O Executivo determinará a quantia a ser paga e a velocidade da implementação até atingir a população inteira. A aplicação do programa levará sempre em consideração o progresso econômico da Nação e a disponibilidade dos recursos.

           Uma das coisas boas desta proposta é que ela tem sido defendida pelos economistas, cientistas sociais e filósofos do mais amplo espectro do pensamento, desde James Tobin a Milton Friedman, de Joan Robinson a John Kenneth Galbraith, de James Edward Meade a Jan Tinbergen e de Martin Luther King a Philippe Van Parijs e Guy Standing.

     Existe algum lugar no mundo onde ela foi aplicada? Sim, e com um grande sucesso, no Estado de Alasca, nos Estados Unidos.

           Vamos lembrar como surgiu a idéia. Durante os primeiros anos da década de sessenta, o prefeito de uma pequena vila de pescadores, Bristol Bay, no Alasca, observou que de lá saía uma grande riqueza, apesar de muitas pessoas ainda continuarem pobres. Propôs, então, a criação de um imposto de 3% sobre o valor da pesca, destinado a um fundo que pertenceria a todos. Ele enfrentou muitos problemas para persuadir a população a aceitar a idéia. Levou cinco anos. Foi tão bem-sucedido que dez anos depois tornou-se governador do Estado do Alasca.

           Em 1976, o governador Jay Hammond disse aos 300.000 habitantes do Alasca: devemos pensar não apenas na nossa geração, mas também nas futuras gerações. Considerando que o petróleo e outros recursos naturais são riquezas não renováveis, vamos separar 50% dos royalties provenientes da exploração desses recursos naturais para a constituição de um fundo que será cumulativo e que pertencerá a toda população. A proposta foi aprovada pela Assembléia Estadual e também pelo referendo popular, 76.000 eleitores votaram a favor e 38.000 votaram contra.

           Hoje é considerado um suicídio político para qualquer liderança se colocar contra o sistema de dividendos do Fundo Permanente do Alasca. Ele é um grande sucesso. Os recursos provenientes dos royalties são aplicados em títulos de renda fixa dos Estados Unidos, ações de empresas do Alasca, dos Estados Unidos e de empresas internacionais, assim como em investimentos imobiliários. Desde 1980, o patrimônio líquido do Fundo aumentou de US$ 1 bilhão para US$ 25 bilhões. Cada pessoa residente no Alasca, há um ano ou mais, tem o direito de receber um dividendo anual que variou de US$ 300,00, nos anos oitenta, para US$ 1.107,00, em 2003.

     O Estado do Alasca tem hoje a melhor distribuição de renda dos Estados Unidos graças ao seu Fundo Permanente. Durante o período de 1989-1999, o Alasca distribuiu 6% do seu PIB igualmente a todos seus cidadãos, hoje em torno de 660.000 habitantes. Como resultado, durante a última década, enquanto a renda média das famílias 20% mais pobres dos Estados Unidos cresceu 12% e das famílias 20% mais ricas cresceu 26%, no Alasca, a renda média das famílias 20% mais pobres cresceu 28% enquanto que das famílias 20% mais ricas cresceu 7%.

     Este é um bom exemplo para todas as nações do mundo e é especialmente válido para países como Brasil, Filipinas, África do Sul, Colômbia e Iraque que têm grande necessidade de erradicar a pobreza e melhorar a sua distribuição de renda em direção a uma melhor justiça social. Os economistas e os cientistas sociais da Rede Européia de Renda Básica (Basic Income European Network, BIEN), fundada em 1986, e organizações congêneres em outros continentes têm demonstrado mais e mais a sua racionalidade.

     De fato, apesar de Jay Hammond não ter mencionado Thomas Paine (um dos principais ideólogos da América e da Revolução Francesa) em sua autobiografia - onde relata como desenvolveu a idéia do Fundo - a iniciativa do Alasca é semelhante à proposição que Paine idealizou em 1796 no livro Justiça Agrária, apresentado à Assembléia Nacional Francesa. Thomas Paine argumentou que a pobreza é relacionada com a propriedade privada e a civilização. Entre os índios na América, uma vez que a propriedade era comum, ele não viu tanta destituição como nas vilas e cidades da Europa 200 anos atrás. Mas ele disse que seria sensato que alguém que cultive a terra e faça beneficiamentos nela tenha o direito de ter alguma renda proveniente do seu trabalho e de sua propriedade. Entretanto, era o seu plano que todos que cultivassem a terra deveriam separar uma parte de sua renda para um fundo que pertenceria a todos daquela nação. A partir desse fundo, uma vez acumulado, seria paga uma renda básica igualmente a todos daquela nação. Isto deveria ser considerado, não como um presente, mas sim como um direito como forma de compensar o que foi retirado de todos, quando a propriedade privada foi instituída naquela sociedade. Thomas Paine enfatizou que esta era uma proposição que deveria ser aplicada em todas as nações.

     No dia 26 de maio de 2003, quando o brasileiro Sérgio Vieira de Mello foi nomeado para o coordenador das ações das Nações Unidas no Iraque, lhe enviei uma carta descrevendo o ocorrido do Alasca e sugerindo que propusesse aos iraquianos para seguir o exemplo desse estado americano, visando assim que toda a população do Iraque pudesse participar de sua riqueza. No dia 30 de maio, ele me respondeu, dizendo que recebeu de bom grado a proposição e que falaria sobre a mesma aos responsáveis pela administração do país. No dia 23 de junho, na Jordânia, no Encontro de Reconciliação Mundial, o Embaixador Paul Bremer III, Administrador Chefe do Iraque, no seu discurso, Iraque, Quais são os Próximos Passos? disse o seguinte:

Uma forma de compartilhar as bênçãos do Iraque entre a sua população seria com um programa financiado pelas receitas provenientes do petróleo. Uma parte do lucro auferido pelas vendas do petróleo poderia ser distribuída entre os cidadãos do Iraque como “dividendos”, seguindo as linhas do sistema usado pelo Estado do Alasca. Alternativamente, as receitas provenientes do petróleo poderiam ser depositadas em um “fundo fiduciário” destinado a financiar aposentadorias públicas ou outros instrumentos de seguridade social necessários a atenuar a transição da economia dominada pelo Estado para uma economia de mercado.

Em qualquer caso, cada iraquiano compreenderá melhor a sua participação no sucesso econômico de seu país. Acredito que este tipo de proposta poderá ser debatida de forma proveitosa quando uma autoridade interina do Iraque for estabelecida dentro dos próximos meses.

           No dia primeiro de agosto, conversei por telefone com Sérgio Vieira de Mello. Ele me disse que a proposta foi bem aceita entre a população e que a missão do Banco Mundial no Iraque considerou-a viável. Infelizmente, Sérgio foi assassinado no dia 19 de agosto por alguém que não entendeu que ele estava lá só para o bem da população.

           Sei que as Filipinas enfrentam dificuldades com o financiamento de sua dívida pública, a qual é maior que seu PIB. Sei também que o número de filipinos recebendo menos que US$276,00 por ano (considerado como o mínimo necessário para atender as necessidades básicas nas Filipinas) aumentou de 27 milhões em 1997 para 31 milhões de pessoas em 2000 (39,4% da população). Apesar de a proporção da população no Brasil em pobreza absoluta em condições similares ser ligeiramente menor, também estamos enfrentando dificuldades. Apenas para ilustrar, o montante de juros que o setor público do Brasil, incluindo os Municípios, os Estados e a União, vai pagar este ano é estimado em R$ 153 bilhões, enquanto o PIB projetado é de R$1,5 trilhão. Portanto, estaremos pagando cerca de 10% do nosso PIB sob a forma de juros para os portadores dos títulos da dívida pública brasileira, interna e externa. No próximo ano esse montante, graças aos esforços do governo Lula, será reduzido para R$ 121 bilhões. Trata-se ainda de um enorme peso se compararmos que para o programa de Bolsa Família será de aproximadamente R$5,3 bilhões.

           Se o Alasca que tem uma renda per capita de aproximadamente US$35.000,00 por ano, dez vezes mais que a brasileira, pagou a seus habitantes US$1.107,00 em 2003, o que representa 6% de seu PIB, tomando seu exemplo para o Brasil poderemos pensar na introdução de uma renda básica modesta, começando com cerca de R$480,00 por ano, ou seja, R$40,00 por mês per capita. Esse valor representa R$240,00, por mês, para uma família com seis membros. E o programa equivale a um dispêndio anual de R$83 bilhões para atender os 175 milhões de brasileiros, equivalendo a aproximadamente 5% de nosso PIB. Este é um montante que não pode ser disponibilizado a curto prazo, mas pode ser atingido gradualmente, quando a renda básica beneficiar toda a sociedade.

           Existem pessoas que têm alguma dificuldade em aceitar a idéia de uma renda garantida, tanto sob a forma de imposto de renda negativo como a de uma renda básica. Isso é devido aos possíveis efeitos sobre as atitudes dos beneficiários em relação ao trabalho. O risco é de se estimular à preguiça. Como exemplo, podemos citar a garantia em nossas Constituições do princípio de respeito à propriedade privada que assevera que aqueles que possuem um capital podem receber renda sob a forma de juros, aluguéis e lucros, mesmo sem nenhuma obrigação de trabalhar. Entretanto, eles freqüentam escolas, trabalham, etc. Isso acontece por quê? Porque é natural para o ser humano querer progredir. Logo, se admitirmos que o rico pode receber uma renda sem obrigação de trabalhar e, mesmo assim eles trabalham, por que não estender o direito de receber uma renda modesta, suficiente para a sobrevivência, tanto para os ricos como para os pobres, fazendo com que todos tornem-se parceiros da riqueza da nação e do planeta Terra?

           A renda básica de cidadania terá um impacto imenso sobre a liberdade de todos como Philippe Van Parijs argumentou de forma brilhante em Liberdade Real para Todos. O que é (se há algo) que pode justificar o capitalismo? (1995). Ela também é um instrumento compatível com o objetivo declarado por Amartya Sen em seu Desenvolvimento como Liberdade (2000), quando ele sustentou só existir um desenvolvimento real quando isso significar a ampliação das possibilidades de escolhas por todos na sociedade. Uma renda básica permitirá às pessoas não serem submetidas à humilhação de ter que vender o seu corpo ou participar de quadrilhas de narcotráfico ou aceitar condições de trabalho similares à escravidão, uma vez que elas terão uma alternativa para sobreviver com dignidade.

           Vamos reunir esforços para implementar a renda de cidadania nas Filipinas e em todas as nações do mundo.

     Saudações,

     Senador Eduardo Matarazzo Suplicy


1 Por ocasião da Biennial International Conference (BIC) da For the Right to Feed Oneself (FIAN). Na qual proferi a palestra: Renda Básica - Salário Mínimo. Liberdade a partir da Necessidade - Renda Básica para Assegurar Dignidade.


2 Uma bibliografia completa sobre o tema pode ser encontrada em meu livro: Renda de Cidadania. A Saída é pela porta.Fundação Perseu Abramo Editora e Cortez Editora. 2002. Segunda Edição.



Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/11/2003 - Página 38063