Discurso durante a 170ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Apelo ao governo federal para conceder merenda escolar para os menores de sete anos de idade. Favorável à universidade federal gratuita.

Autor
Alberto Silva (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PI)
Nome completo: Alberto Tavares Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO. POLITICA SOCIAL. ENSINO SUPERIOR.:
  • Apelo ao governo federal para conceder merenda escolar para os menores de sete anos de idade. Favorável à universidade federal gratuita.
Aparteantes
Ana Júlia Carepa, Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 26/11/2003 - Página 38643
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO. POLITICA SOCIAL. ENSINO SUPERIOR.
Indexação
  • DEFESA, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO PRE-ESCOLAR, AMPLIAÇÃO, FAIXA, IDADE, RECEBIMENTO, MERENDA ESCOLAR, DETALHAMENTO, EXPERIENCIA, ORADOR, EX GOVERNADOR, ESTADO DO PIAUI (PI).
  • NECESSIDADE, REFORMULAÇÃO, EDUCAÇÃO, CURRICULO, LEGISLAÇÃO, DIRETRIZES E BASES, VALORIZAÇÃO, ENSINO SUPERIOR, REMUNERAÇÃO, PROFESSOR.
  • DEFESA, GRATUIDADE, UNIVERSIDADE, SETOR PUBLICO, GARANTIA, ACESSO, ESTUDANTE CARENTE, ENSINO SUPERIOR, JUSTIFICAÇÃO, OPOSIÇÃO, COTA, NEGRO.

           O SR. ALBERTO SILVA (PMDB - PI. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu tinha me inscrito para uma breve comunicação e aproveitei o tempo para falar sobre os 90 anos da escola de Itajubá. Esse fato, no entanto, remete-me a um outro. E, já que o Presidente acaba de me conceder a palavra, gostaria de falar sobre educação.

           Sempre que se fala em educação, no País, diz-se que ela é necessária, o que é verdade, pois este País só crescerá se investirmos em educação, em saúde, em saneamento básico e em segurança.

Se uma criança nasce, ela tem que se alimentar. O que acontece, então, com as crianças das famílias pobres? Quando as crianças nascem, elas são alimentadas pelo leite materno. Assim, enquanto a pobre mãe tiver leite, a criança se alimentará. Depois disso, não se sabe se aquela família pobre terá condições de manter a alimentação da criança, que vai crescer sujeita a tudo o que estamos vendo na televisão. E a falta de meios de sobrevivência leva à violência, que, por sua vez, leva às drogas.

Srªs e Srs. Senadores, há algo estranho: como é que o Brasil elabora o seu sistema educacional se o Ministério da Educação determina que só se tem merenda escolar aos sete anos, quando a criança entra no que chamávamos de primeiro ano primário?

Como já afirmei, a escola de Itajubá completou 90 anos. Portanto, desejo analisar esse assunto, principalmente porque entendo que a educação começa no primário. Em primeiro lugar, já li em algum lugar que toda criança é um gênio desde que não nasça com nenhum defeito congênito. Ou seja, de um ano de idade até os seis anos, ela tem todas as condições de utilizar a genialidade que o Criador lhe deu e se tornar um ser humano facilmente educável, recebendo o impulso da educação que se lhe der, desde que seu cérebro for irrigado com alimentação e, naturalmente, com educação. No Brasil, pelo menos institucionalmente, até onde eu sei, não tem escola para essa faixa etária.

No meu Estado, quando era Governador, fiz uma experiência, que creio ser inédita neste País, justamente com essas crianças de dois a seis anos, porque, se elas não têm merenda escolar e se as famílias são pobres, elas saem às ruas e roubam um pão aqui, outro ali. Ou são levadas para a delegacia, o que é um passo para a criminalidade; ou ainda vão para a rua cheirar cola, formar gangues, e isso gera violência. Fiz algo ao que, creio, poderíamos retomar. Aproveito a oportunidade para sugerir ao Governo do Presidente Lula, que quer investir em educação, saúde e segurança, que comecemos pelos pequenos, de um ano a seis. Temos educação primária organizada neste País? Não temos, senhores. Ou a organizamos ou nunca teremos um País que se desenvolva, partindo da educação.

Qual foi a nossa experiência? Foi muito simples, e creio que ela pode ser multiplicada principalmente nos bairros pobres de todo o País. Fomos aos bairros e fizemos um levantamento: quantas crianças de dois a seis anos não têm escola porque o número de creche é insuficiente? Chegamos a um número fantástico: em cada unidade escolar que eu havia construído no meu primeiro governo, havia 400 alunos de sete a quatorze anos, em três turnos, e havia também 400 crianças de dois a seis anos que não iam à escola. E, não indo à escola, por conseguinte, não tinham merenda. O que fizemos? Fizemos um acordo com as associações de bairros, com as mães de família. Pedi vinte salas de aula nas casas. Elas me perguntaram se eu iria colocar carteiras dentro dos seus barracos. Eu lhes disse que não iria pôr carteiras, mas sim uma mesinha com seis cadeiras. Então, elaboramos um currículo para crianças de dois a seis anos, senhores. Não existe um currículo definido para essa faixa etária, nem em lei, nem na prática.

E como é que se ensina uma criança de dois a seis anos? Utilizando um método avançado, pois o mundo de hoje, este novo século está sendo modificado pela informática e pelo sistema eletrônico. Não podemos ficar com aqueles currículos antiquados do nosso Ministério da Educação, com a Lei de Diretrizes e Bases, que precisa ser revista por esta Casa, nem levar dez anos para elaborar um novo currículo. Esse precisa ser vigoroso, conciso, atualizado e adaptado ao mundo moderno. Os meninos não aceitam mais essa escola de 40 alunos e uma professora - coitada! - de costas para a turma, com giz na mão, ensinando uma matéria, permitam-me dizer, chata, porque, na televisão, eles vêem coisas muito mais avançadas.

Voltando à minha escolinha com crianças de dois a seis anos, procuramos as professoras que moravam no bairro - aliás, as professoras formadas estavam empregadas no Estado, portanto, procuramos as alunas do Instituto de Educação que cursavam o último ano, e perguntamos se elas tinham meio dia livre. Como elas responderam afirmativamente, oferecemos uma oportunidade de elas ganharem o dinheiro do anel de formatura. Oferecemos o emprego de meio expediente e lhes demos o currículo que elas teriam que aprender para ensinar aos meninos de dois a seis anos. Esse currículo é ímpar neste País, ele foi um apanhado de uma série de orientações dadas por professores, psicólogos, visando a desenvolver as faculdades psicomotoras da criança. Isso é uma revolução, senhores! Eram apenas seis crianças em cada mesinha, em cada casa, ou seja, havia uma professora para seis crianças. Assim, elas aprendiam mesmo. O currículo a que as crianças estavam submetidas desenvolvia as suas faculdades psicomotoras - e elas adoravam aquele tipo de aula - e, com cinco anos, elas estavam lendo e escrevendo. Essa é uma estatística revolucionária neste País. Além disso, eu encurtei o tempo de entrada no ensino básico. Se o Ministério determina que seja com sete anos, no Piauí, no meu Governo, entrava-se com apenas seis anos, porque os meninos já sabiam ler. Nós fizemos isso com 50 mil crianças na capital do Piauí e estendemos isso para algumas cidades.

Como nós não tínhamos merenda escolar, senhores, fizemos uma fábrica de alimentos que era capaz de fornecer o alimento de que aquelas crianças precisavam: carboidratos, proteínas, vitaminas, etc, em refeições compactas. Por exemplo, quando eu vejo hoje esse enorme sanduíche da rede americana McDonald’s, um big que custa R$4, eu me lembro da fábrica automática de pães, que tinha mais ou menos 50m de comprimento. Colocávamos os ingredientes no começo e lá na ponta saíam doze mil pães por hora,senhores! Esse trabalho era acompanhado por técnicos do Ital. Fizemos um acordo com a Universidade de São Paulo para produzir aquela merenda, que realmente alimentava aqueles meninos.

Coisa interessante! Já observaram os senhores que a criança que vai à escola pela manhã tem a merenda, mas, na parte da tarde, ela não a tem. Essa máquina perfeita que Deus criou precisa se alimentar mais de uma vez por dia. A merenda precisa ser de manhã e à tarde. As pessoas pobres têm a merenda? Não. Nossa fábrica dava a merenda para o pré-escolar e no fim de semana nós dávamos uma cesta, mas não uma cesta qualquer. Nós pagávamos o aluguel daquele barraco que estava servindo de escola e fornecíamos uma refeição para a família inteira, para a semana inteira. Isto é, os meninos de sete anos que comeram a merenda de manhã, mas de tarde não tinham o que comer, recebiam um jantar, e os outros meninos também. Assim, a família toda se alimentava.

Creio, senhores, que o Brasil precisa fazer isso a um custo mínimo. Os ingredientes de nossa fábrica de alimentos eram locais: milho, soja, beterraba, sucos das frutas locais.

Deixemos a escola e vamos para a universidade. A universidade do Piauí diz que está morrendo, que não tem verbas, os professores ganham uma miséria. Como é que nós queremos que este País, este gigante, como cantamos no nosso hino, se desenvolva com essa educação, com as nossas universidades em estado precário, sem verbas, com os professores ganhando mal? Como vamos falar em educação assim?

Srª e Srs. Senadores, vamos formar uma cruzada nesta Casa. Vamos trabalhar aqui além das nossas obrigações, além de tudo isso que vamos votar. Estamos votando algumas matérias que são discutíveis, mas queremos dar sustentabilidade e governabilidade a este Governo. Meu Partido está fazendo isso. Estamos às vésperas de uma votação que, penso eu, coloca-nos em situação difícil. Estamos apoiando o Governo não para conseguir cargos, mas porque este diz que deseja o bem do Brasil. Se depender de nós, não haverá ingovernabilidade.

Queremos, sim, que haja mudanças neste País, principalmente no campo da educação. Queremos que as nossas universidades paguem bem aos professores e que o ensino básico seja modificado. Ninguém agüenta mais ver quarenta alunos presos numa sala, durante cinqüenta minutos, ouvindo explicações de matérias das quais não gostam. Sei disso por informações dos meus netos, que se dizem estressados. Levam uma pilha de livros, que nunca abrem, carregam dez quilos de material em suas mochilas, nas costas, empenando a espinha, a troco de quê? Que livros são esses? Por que não elaboramos uma apostila brasileira, a fim de ensinar os meninos deste País o necessário para viverem no mundo de hoje, que é muito diferente daquele da época da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que ainda está em vigor? Façamos, sim, nesta Casa, uma revolução em favor do Brasil, educando nossos meninos desde os dois anos de idade.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Alberto Silva, concede-me V. Exª um aparte?

O SR. ALBERTO SILVA (PMDB - PI) - Pois não, caro Senador.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Alberto Silva, sinto-me orgulhoso da presença de V. Exª neste Parlamento. É um orgulho que tenho desde menino, nos anos de 1948, quando trocava chapa - porque naquele tempo havia chapinha - no bolso dos homens que iam trajados de terno branco sufragar o nome de Alberto Silva, o maior prefeito da história de Parnaíba.

O SR. ALBERTO SILVA (PMDB - PI) - Depois de V. Exª.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Não, fico com a medalha de prata. Depois, V. Exª Governador do Estado. Eu queria sintetizar - para não tomar o tempo de V. Exª, porque o Brasil quer ouvi-lo - e citar Shakespeare que, com inteligência, disse que a sabedoria é a somação da competência e da experiência. V. Exª traduz isso. Sobretudo, eu queria sintetizar essas idéias pelo amor ao Piauí. Está aí a bandeira do Brasil. As cores são as mesmas, mas a nossa só tem uma estrela, e essa estrela é o Senador Alberto Silva.

O SR. ALBERTO SILVA (PMDB - PI) - V. Exª me deixa quase sem poder falar. Muito obrigado, Senador Mão Santa, pelas palavras. Sei que elas vêm do coração.

Queria apenas, antes de concluir, dizer o seguinte: estão afirmando que as universidades públicas devem ser pagas. Pelo amor de Deus, esta Casa tem que se levantar! Que o Senado Federal se levante contra essa norma! Temos força, somos um Poder. Podemos ir até o Presidente da República e impedir que isso aconteça. Se a universidade pública federal for paga, o que acontecerá com os pobres, que não podem pagar?

Há outro ponto com o qual não concordo: o sistema de cotas. Para mim, estabelecer cotas para pessoas de cor é discriminação. V. Ex.ªs não acham que isso é uma espécie de apartheid? O vestibular para as universidades públicas deve ser livre ao povo brasileiro. Nada de cotas para as pessoas de cor. Pobres, ricos, pretos, brancos, gays, seja quem for, sendo brasileiro, tem direito à educação e no concurso não deve haver nenhuma restrição.

A Srª Ana Júlia Carepa (Bloco/PT - PA) - Senador Alberto Silva, V. Ex.ª concede-me um aparte?

O SR. ALBERTO SILVA (PMDB - PI) - Pois não.

A Srª Ana Júlia Carepa (Bloco/PT - PA) - Quero, em primeiro lugar, dizer que concordo em parte com V. Ex.ª. No meu entendimento, as universidades públicas devem manter-se públicas. Dizem que será cobrado somente de quem puder pagar, mas como estabelecer isso? No mínimo, haverá polêmica. Eu defendo que nossas universidades públicas se mantenham como tal. Quanto às quotas, entendo que essa matéria deve ser mais debatida. Em 1996, quando eu era Deputada federal, a Câmara dos Deputados estabeleceu cotas para as mulheres disputarem as eleições proporcionais. Muitas vezes, ações afirmativas são necessárias a que minorias - as mulheres são maioria, mas são discriminadas - possam exercer o seu direito de forma plena. No caso dos negros, isso fica bastante evidente em nosso País, uma vez que todas as estatísticas mostram que são as mulheres negras as mais excluídas entre todas. Portanto, Senador, creio que precisamos analisar com mais cuidado essa matéria. Antes de nos colocarmos contrários a isso, é necessário aprofundarmos o debate para ver até que ponto, ao estabelecer uma política afirmativa, estaremos favorecendo aqueles que, pelo preconceito racial ainda existente em nosso País, têm, sim, menos oportunidades em todos os aspectos e também no acesso à educação. Em nossas universidades públicas, acaba tendo mais oportunidade quem estuda numa boa escola privada, e não quem estuda numa escola pública. Essa é a realidade deste País, que pretendemos alterar melhorando a qualidade do ensino público. Muito obrigada, Senador.

O SR. ALBERTO SILVA (PMDB - PI) - Muito obrigado pelo seu aparte. Vou pegar uma carona nesse final!

Acabamos de falar em cotas para pessoas de cor, e entendo que não pode haver cotas. Como essas pessoas não podem concorrer pelas razões que a Senadora Ana Júlia Carepa acabou de expor, porque não têm dinheiro para pagar os cursinhos, bem que podíamos adotar duas normas. Uma delas seria criar os recursos necessários para que os professores das universidades recebam salários compatíveis com a realidade do País. Na minha universidade lá de Itajubá, os professores alcançam mérito nacional e internacional. Ela é o que é, uma referência nacional e internacional, exatamente porque oferece um ensino de acordo com as necessidades do País, assim como a de São Paulo.

Portanto, Srªs e Srs. Senadores, vamos criar recursos para a educação desde os dois anos até a universidade. Mas vamos dar oportunidade aos que não têm dinheiro para pagar cursinhos. Pode até ser esquisito o que vou dizer, mas por que não criar o cursinho público, pago com dinheiro do Governo, a fim de que os pobres tenham as mesmas oportunidades daqueles que freqüentam os cursinhos privados? Não me refiro à escola, mas ao cursinho. Pois o fato de serem negros ou de outra raça não significa que são menos inteligentes. Se chegarem ao cursinho, também serão primeiros alunos nos cursos das universidades.

Encerro meu pronunciamento fazendo um apelo a esta Casa: não vamos permitir que a universidade pública seja paga. Vamos oferecer uma remuneração melhor aos professores do País, quer do primário, quer do curso superior. Vamos dar oportunidade a todos e não apenas garantir cotas aos negros ou aos menos favorecidos da sorte.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/11/2003 - Página 38643