Discurso durante a 174ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem ao samba brasileiro.

Autor
Ideli Salvatti (PT - Partido dos Trabalhadores/SC)
Nome completo: Ideli Salvatti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem ao samba brasileiro.
Aparteantes
Sérgio Cabral.
Publicação
Publicação no DSF de 03/12/2003 - Página 39645
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, MUSICA BRASILEIRA.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, agradeço o registro dessas personalidades do samba que nos brindam, hoje, com suas presenças.

Na semana passada, esta tribuna, estes microfones viveram momentos muito dramáticos, com discursos contundentes e lágrimas. Hoje, quero fazer algo um pouco diferente. Peço perdão se não me sair tão bem, mas quero que entendam que é a minha forma de registrar, desta tribuna, que hoje, dia 02 de dezembro, é o Dia Nacional do Samba.

Eu sou o Samba,

A voz do morro,

Sou eu mesma, sim senhor (Trecho cantado.)

O Dia Nacional do Samba, instituído em 27 de julho de 1964, não é a data de nascimento da Tia Ciata. Também não é quando gravaram “Pelo Telefone”. Muito menos quando Ismael Silva e os bambas do Estácio fundaram a famosa “Deixa Falar”, primeira escola de samba do nosso País. O Dia Nacional do Samba surgiu por iniciativa de um vereador baiano, Luís Monteiro da Costa, para homenagear Ary Barroso. Ary já tinha composto seu sucesso:

Na baixa do sapateiro

Eu encontrei um dia

A morena mais frajola da Bahia (Trecho cantado.)

Mas Ary fez essa beleza sem nunca ter pisado na Bahia. E como foi num dia 02 de dezembro que ele visitou Salvador pela primeira vez, essa data acabou virando o Dia Nacional do Samba.

É por isso que Zé Ketty, nesse samba maravilhoso, propõe:

Quero mostrar ao mundo

que tenho valor

Eu sou o rei do terreiro

Eu sou o samba (Trecho cantado.)

Porque o samba é o som do Brasil.

Olha esta mulata quando samba

É luxo só

Quando todo seu corpo se balança

É luxo só

Porém, seu coração quando se agita

E palpita mais ligeiro

Nunca vi compasso tão brasileiro (Trecho cantado.)

Não é que o Brasil não tenha outros sons e outros ritmos. Tem o frevo, a catira, a toada, o maracatu, o xote, o baião, o choro, o forró... Mas é o samba que sintetiza a sonoridade brasileira. É no compasso do samba que se canta o Brasil.

Brasil,

Meu Brasil brasileiro,

Meu mulato inzoneiro

Vou cantar-te nos meus versos (Trecho cantado.)

Que me perdoem o Duque Estrada e o Francisco Manoel da Silva, mas o nosso hino oficioso é “Aquarela do Brasil”, do centenário Ary Barroso.

O Brasil do meu amor

Terra de Nosso Senhor (Trecho cantado.)

E é assim porque o samba encarna a nossa raiz cultural. O samba é a cara do povo brasileiro. Do famoso jeitinho, da malandragem do brasileiro, desse fio da navalha em que a maioria do nosso povo vive

O chefe da polícia

pelo telefone

mandou me avisar

que na Carioca tem uma roleta

para se jogar (Trecho cantado.)

Pode? Prestem a atenção: pelo telefone, o chefe da polícia, roleta!!! Essa mistura o Dong já registrou num dos primeiros sambas, em 1916!!! E a malandragem evoluiu, e o samba o captou, como bem retratou Chico Buarque

Mas o malandro pra valer

não espalha

abandonou a navalha

tem mulher e filho e tralha e tal

Dizem as más línguas

Que ele até trabalha

Mora lá longe e chacoalha

Num trem da Central (Trecho cantado.)

E o samba, como o brasileiro, em geral é receptivo, democrático.

Abre a roda

que o samba vai começar

quem sabe canta

quem não sabe ajuda

com o laialará,

Abre a roda (Trecho cantado.)

No samba não tem trololó, nem discriminação. O samba é para todos.

Quero ver o ronca-ronca da cuíca

Gente pobre, gente rica,

Deputado, senador (Trecho cantado.)

Não tem bronca, pode chegar, o samba é aberto. O samba, aliás, pode até ser de uma nota só.

Eis aqui este sambinha

feito de uma nota só

Outras notas vão entrar

Mas a base é uma só (Trecho cantado.)

Mas sambar é sempre coletivo. Agrega, é roda, é mesa, é quadra, é avenida, é festa, é comida. Onde tem samba tem alegria.

Quitandeiro, leva cheiro leva cheiro e tomate

na casa do Chocolate

que hoje vai ter macarrão.

Prepare a barriga macacada

Que a bóia tá enfezada

E o pagode fica bom, fica bom, fica bom. (Trecho cantado.)

E o Paulinho da Viola, numa declaração de amor à sua escola, disse no meio de um samba:

Provei do famoso feijão da Vicentina

Só quem é da Portela

Sabe que a coisa é divina. (Trecho cantado.)

Mas o samba também tem o tamanho do coração brasileiro, é social, é solidário:

Fala Mangueira, fala

Mostra a força da sua tradição. (Trecho cantado.)

A força da tradição e o exemplo do trabalho comunitário e social da Estação Primeira, atendendo mais de 60 mil crianças e jovens, ao longo de quinze anos, exemplo que se espalhou por várias escolas de samba em todo o Brasil:

Com licença da Portela, favela, Mangueira

Mora no meu coração. (Trecho cantado.)

Mas hoje peço licença à Mangueira, à Portela, ao Salgueiro, à Viradouro, à Mocidade, à Vila Izabel, à Tradição, a Unidos..., pois quem nos brinda com a presença neste Dia Nacional do Samba são o Sr. Farid Abraão, Presidente da Escola de Samba Beija-Flor de Nilópolis, que também é prefeito, e um dos mais famosos puxadores de samba do Carnaval do Rio, o Neguinho da Beija-Flor, que tem um grito inconfundível, que nem vou me arriscar muito a imitar:

Olha a Beija-Flor aí gente. (Trecho cantado.)

E para os que já têm o pé pesado e cintura dura e gostam de pensar em cifras, estatísticas, percentagens, é bom lembrar que, além do trabalho social e comunitário, podemos chamar de “indústria” do samba, que movimenta a economia, recursos, pessoal, empregos, e olha que isso não é pouco.

Acho até que poderíamos aproveitar o dia para aprovar um requerimento, para que o Ministro Palocci faça este levantamento: quanto o samba movimenta a economia no nosso País?

Mas o samba brasileiro tem sotaques; são muitos e variados.

O sotaque nordestino do samba de um Jackson do Pandeiro, por exemplo, um paraibano arretado, de primeira:

Só boto bi-bop no meu samba

Quando o Tio Sam pegar no tamborim

Quando ele pegar no pandeiro e no zabumba

Quando ele entender que o samba não é rumba

Aí eu vou misturar Miami com Copacabana

Chiclete eu misturo com banana

E o meu samba vai ficar assim. (Trecho cantado.)

Aliás, este samba Chiclete com Banana deve ser o preferido do Ministro Celso Amorim, até meio conhecido como melô da Alca:

Quero ver o Tio Sam de frigideira numa batucada brasileira. (Trecho cantado.)

É por aí.

O sotaque gaúcho do samba vem de um Lupicínio Rodrigues, vem com o Minuano:

Se acaso você chegasse no meu chatô encontrasse

Aquele mulher que você gostou

Será que tinhas coragem de trocar a nossa amizade

Por ela que já te abandonou. (Trecho cantado.)

Senador Romeu Tuma, V. Exª pode imaginar um samba gaúcho pedindo moderação numa reação machista? Só o Lupi, só o Lupi para fazer algo como isso:

Estes moços, pobres moços

Ah! Se soubessem o que sei. (Trecho cantado.)

Isso valeria para o Senador Pedro Simon. Pena que não está aqui, o que eu gostaria muito.

E o sotaque mineiro do samba, então, Senador Hélio Costa? Faz jus à matreirice dessa gente das Gerais. Quem sabe de quem é isto aqui?

É também o canto de uma raça

que não tem medo de fumaça, ai, ai

e não se entrega, não (Trecho cantado.)

Ary Barroso, mineiríssimo! Então, os mineiros, como sempre, disfarçados, aquele jeitinho matreiro...

O sotaque maranhense do samba, que é maravilhoso, a Senadora Roseana me apresentou, mas não me ensinou. Portanto, não vou poder cantar. Se S. Exª estivesse aqui, eu lhe cederia um aparte.

Agora, o sotaque paulista do samba se italianou, “meu”, com a irreverência do Adoniran Barbosa, do meu Bexiga, da Treze de Maio, onde nasci, da Vai Vai maravilhosa:

O Ernesto nos convidou

prum samba ele mora no Brás.

Nós fumo não encontremos ninguém. (Trecho cantado.)

Ou então:

Saudosa Maloca, maloca querida

Dindindonde nós passemos o dia feliz de nossas vida. (Trecho cantado.)

O sotaque do samba carioca tem irreverência, malandragem e até uma certa petulância, Senador Sérgio Cabral. O Zé Ketty diz assim:

Eu sou o samba

sou natural aqui do Rio de Janeiro. (Trecho cantado.)

Com certeza, o Rio é o Rio em matéria de samba. Nem se discute, mas a raiz, o samba angolano, o jongo, a umbigada, o coco, o samba de roda, o samba-raiz vem da Bahia. E Dona Ivone Lara, que é carioca, mas rainha negra, primeira compositora de samba-enredo deste Brasil, que sabe das coisas, diz sempre muito claro naquele samba maravilhoso:

Quando eu voltar pra Bahia

Terei muito que contar

Oh padrinho não se zangue

Que eu nasci pro samba, eu não posso parar. (Trecho cantado.)

Ela veio de lá:

Eu vim de lá, eu vim de lá pequenininha. (Trecho cantado.)

E a sentença definitiva sobre o samba vem de um baiano. João Gilberto deu a sentença mortal:

Quem não gosta de samba

Bom sujeito não é

É ruim da cabeça

Ou doente do pé. (Trecho cantado.)

Só sendo ruim da cabeça ou doente do pé para não gostar de samba.

E o samba também tem sotaque catarina, da minha linda e Santa Catarina, cuja comunidade do samba está aqui, na pessoa muito querida do meu grande amigo Tião, nosso compositor, sambista, tradição e guardião do samba. É no Bar do Tião que a comunidade de samba se reúne todas as sextas-feiras e todos os sábados, em Florianópolis, para preservar a nossa cultura.

Vem também da minha Santa Catarina um samba lindo, imortalizado na voz do Carvalhinho, um cantor maravilhoso, um samba do João Carlos que termina assim:

Vai amanhecer

as flores vão crescer

e enfeitar a cidade.

E sem repressão

o povo vai abrir

o coração pra liberdade. (Trecho cantado.)

Estão aqui também os representantes das nossas Escolas de Samba de Floripa. Com muito orgulho, apresento a Porta-Bandeira Nota 10, Telminha, que encanta a avenida e tão bem leva a bandeira da nossa Embaixada Copa Lord:

É a Copa Lord do Morro da Caixa

que vem sambando com animação” (Trecho cantado.)

Pela Unidos da Coloninha, está presente um dos melhores puxadores de samba do nosso carnaval, o Badeca:

É meu amor, é meu amor

é vida minha

Faz o peito pulsar, coração vibrar

É Coloninha. (Trecho cantado.)

Da Consulado do Samba, está presente o Salomão, Presidente da Escola e representante da Velha Guarda:

Alô, alô, Caieira

Mostra o samba que é, que é

Hoje o Consulado

É a magia e o canto de fé” (Trecho cantado.)

Para terminar, a mais antiga das Escolas de Samba de Santa Catarina, a Protegidos da Princesa, que tem 53 anos. Está aqui para representar a Protegidos, o Rafael, Mestre-Sala Nota 10, juventude, sangue novo na passarela. Vou pedir desculpas a Rafael, mas o refrão da Protegidos eu vou falar, porque tenho muito medo de errar. E não quero errar nunca com a Escola que dá toda a sustentação para o Carnaval há 53 anos em nosso Estado:

É a Protegidos na Passarela,

que coisa linda

o visual de Aquarela. (Trecho cantado.)

E neste 2 de dezembro, Dia Nacional do Samba, minha saudação a todos os que fazem Samba, cantam, dançam, tocam, compõem, curtem, gostam e que sabem a importância do Samba para a cultura brasileira. E hoje, vale mais do que nunca,o apelo da Alcione, da Marrom, que é do Maranhão.

O Sr. Sérgio Cabral (PMDB - RJ) - Permite-me V. Exª um aparte?

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Já vou lhe dar o aparte, Senador.

E aí vou me desculpar com os maranhenses, porque vou colocar aqui esta Música maravilhosa da Alcione, que é um apelo que não poderíamos deixar de trazer neste Dia Nacional do Samba:

Não deixe o samba morrer

não deixe o samba acabar...” (Trecho cantado.)

E o Paulinho da Viola também coloca uma recomendação muito importante:

Tá legal, eu aceito o argumento,

mas não se altera o samba tanto assim

olha que a rapaziada tá sentindo a falta

de um cavaco, de um pandeiro e de um tamborim.(Trecho cantado.)

Senador Sérgio Cabral, vamos ouvi-lo.

O Sr. Sérgio Cabral (PMDB - RJ) - Senadora Ideli Salvatti, estou vendo meu amigo Neguinho da Beija Flor preocupado, porque acho que o Prefeito de Nilópolis, Presidente da escola, Farid Abrão, já está pensando em V. Exª para defender o samba-enredo da Beija-Flor de Nilópolis em 2004. Não é, Neguinho? Parabéns, primeiramente pela iniciativa, que me faz lembrar - não vou me atrever a cantar - um samba que ficou imortalizado na voz do grande João Nogueira:

Samba és hoje da alta sociedade.

Desce do morro pra cidade e já freqüentas o Municipal. (Trecho cantado.)

Portanto, o samba desceu e foi elevado ao Senado Federal, pela iniciativa de V. Exª. Quero parabenizá-la por trazer e lembrar esta manifestação das mais bonitas que um povo produziu, ao longo da história da humanidade, da cultura popular em todos os países do nosso planeta. O samba é carioca, Senadora, a influência...

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Não tem nenhum Senador Baiano aqui para rebatê-lo, mas vamos lá.

O Sr. Sérgio Cabral (PMDB - RJ) - Mas o samba é carioca. Vou lhe dar depois de presente alguns livros do meu querido pai, que é um jornalista e pesquisador da música brasileira, especificamente do samba, para mostrar a V. Exª a origem das escolas de samba, a origem do samba. De fato, foi o Rio de Janeiro que deu o formato do samba, que hoje é um produto nacional. Fico feliz em ver uma Senadora Catarinense com esse vínculo tão bonito com o samba, trazendo aqui ilustres representantes do samba para fazer esta homenagem. V. Exª foi muito feliz mesmo em convidar estes ilustres sambistas a estarem aqui conosco na tribuna, representando o Rio de Janeiro, Neguinho da Beija-Flor, este grande cantor, grande artista brasileiro. O samba é um dos grandes orgulhos do Brasil, e o que tem de competitivo lá fora foi produzido pela sua gente mais humilde, pelo seu povo, o que nos orgulha, o samba de fato, não só as escolas de samba, não só aqueles dias em que o mundo assiste ao carnaval carioca ou de todo o Brasil, mas o samba como produção musical, como V. Exª assinalou muito bem, o samba como mobilização social. Então, “quem não gosta de samba, bom sujeito não é, é ruim da cabeça ou doente do pé”. Parabéns a V. Exª por trazer para o Senado esta iniciativa, homenageando o grande samba brasileiro.

A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC) - Agradeço, Senador Sérgio Cabral. Acho que não posso mais conceder apartes porque encerrou-se o prazo, Senador Demóstenes. Peço muitas desculpas.

Vou terminar com um trecho do Feitio de Oração, do Noel Rosa, que não vou ousar cantar, porque uma música maravilhosa como esta tem que ser recitada mesmo, como oração:

Batuque é um privilégio

Ninguém aprende samba no colégio

Sambar é chorar de alegria

É sorrir de nostalgia dentro da melodia

O samba na realidade

Não vem do morro

Nem lá da cidade

E quem suportar

Uma paixão

Sentirá que o samba então nasce no coração. (Trecho cantado.)

Muito obrigada, Sr. Presidente, agradeço a todos a quem não pude dar o aparte.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/12/2003 - Página 39645