Discurso durante a 180ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Necessidade de um estudo mais aprofundado no país sobre a possibilidade da implantação da Compensação de Amparo.

Autor
Augusto Botelho (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RR)
Nome completo: Augusto Affonso Botelho Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PREVIDENCIA SOCIAL.:
  • Necessidade de um estudo mais aprofundado no país sobre a possibilidade da implantação da Compensação de Amparo.
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 09/12/2003 - Página 40380
Assunto
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL.
Indexação
  • JUSTIFICAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ORADOR, INSERÇÃO, POSSIBILIDADE, PARTICIPAÇÃO, APOSENTADORIA, CONJUGE, POSTERIORIDADE, SEPARAÇÃO JUDICIAL, DIVORCIO, AUMENTO, JUSTIÇA, SEGURIDADE SOCIAL, COMENTARIO, LEGISLAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, EQUIPARAÇÃO, EMPREGADO DOMESTICO, IGUALDADE, MULHER.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ocupo esta tribuna, no dia de hoje, Dia de Nossa Senhora da Conceição - festejado na minha cidade, Boa Vista, capital do Estado de Roraima, com o nome de Nossa Senhora do Carmo -, para exprimir minha alegria de ter tido a oportunidade de protocolar, junto a esta Casa, proposta de emenda à Constituição que - não resta dúvida - aprimorará nosso ordenamento jurídico e a vida de milhares de pessoas, caso aprovada.

A referida proposta de emenda à Constituição visa, fundamentalmente, a inserir na Carta Magna dispositivo que permita ao cônjuge que não trabalha fora do lar - ou trabalha parcialmente - a possibilidade de vir a participar das expectativas de aposentadoria constituídas pelo cônjuge que trabalha, após o rompimento do vínculo matrimonial, consagrando o que chamaríamos de Justiça Prospectiva no âmbito da família.

Busca-se, em última instância, inserir na Constituição regra que sirva de fundamento de validade a uma justiça que saia dos limites estreitos da visão de compensação do cônjuge não-ativo e divorciado, baseada unicamente na tradicional pensão alimentícia ou na mera divisão de bens, circunstância que põe a coberto várias situações de desigualdade na seara das relações conjugais.

De fato, a efetiva aplicação do princípio da igualdade entre os sexos (art. 5º , inciso I), no interior do casamento ou até mesmo depois de sua dissolução pelo divórcio, tem sido objeto de intensos debates por parte de legisladores e da comunidade jurídica de vários países desenvolvidos. No âmbito desse debate, insere-se, pelo grau de refinamento jurídico que atingiu, o instituto da Compensação de Amparo (CA).

Forjado pela inteligência dos juristas alemães e depois incorporado ao direito positivo da Alemanha, tal instituição representa, não resta dúvida, o último grau da refinada doutrina do princípio da equiparação dos sexos.

Por isso mesmo, a nosso aviso, merece minucioso estudo por parte da comunidade jurídica e pelo legislador pátrio e, guardadas as particularidades sócio-econômicas do País, a ampla acolhida pelo nosso ordenamento jurídico.

Sr. Presidente, Eduardo Siqueira Campos, Senadores Romeu Tuma e Mão Santa, a Compensação de Amparo é fruto de acirradas discussões que se sucederam em torno da reforma da seguridade social alemã, durante a década de 60, que tinha por objetivo aperfeiçoar a segurança social do cônjuge não-ativo no que se refere à cobertura das hipóteses de idade, redução da capacidade profissional ou redução da capacidade aquisitiva.

Apesar dos debates travados à época, a Compensação de Amparo é uma construção que está longe de ser uma construção acabada, estando aberta a permanentes mutações. Além disso, ela não constitui remédio para todas as desigualdades e injustiças ocorridas no âmbito matrimonial.

De fato, as conclusões levantadas pelos estudiosos da seguridade social alemã ainda apontam diversas desigualdades geradas pela própria estrutura do sistema previdenciário. Ademais, a influência da Compensação de Amparo foi sentida em outros ordenamentos jurídicos pela criação de novos institutos - como, por exemplo, as prestações compensatórias na França. No Canadá e na Suíça, adota-se modelo similar. Por força de decisões jurisprudenciais, em alguns Estados norte-americanos se tem reconhecido o direito à partilha das expectativas de aposentadoria. Este fato traz à tona a necessidade de estudos comparativos entre os diversos países, sobretudo para a viabilização da compensação de expectativas de amparo entre entidades de previdência internacionais.

Em geral, os países mais desenvolvidos procuram equiparar o trabalho reprodutivo, desenvolvido no interior das famílias, com a criação e educação dos filhos, essencial à formação das novas gerações, ao trabalho produtivo do ponto de vista econômico, computado no PIB de cada país.

Sr. Presidente, vários esforços têm sido envidados no sentido de conferir ao cônjuge que trabalha fora uma renda, de natureza previdenciária, que lhe confira cobertura contra determinados riscos como idade e invalidez. No entanto, sob rubrica “aposentadoria das donas-de-casa”, propugna-se, em verdade, por uma justiça de caráter paternalista, na qual o Estado assume o ônus da desigualdade entre os cônjuges no bojo do casamento, ao invés de combatê-lo.

Escondem-se profundas desigualdades atrás do manto de uma prestação estatal mínima dos trabalhos domésticos, sem que o cerne do problema seja tocado, qual seja, o tratamento não igualitário entre o cônjuge ativo em aquisições, aquele que trabalha, e aquele que opta por cuidar do lar e da família, e que, por isso, tem sua biografia social descontínua ou constantemente interrompida.

Outrossim, os sistemas previdenciários de diferentes países se assentam no binômio tempo versus contribuição, sem atentarem para as conseqüências perversas que podem daí advir. A vinculação a contribuições exclui as pessoas não ativas ou parcialmente ativas da participação dos sistemas de previdência social. Ademais, muito raramente pessoas total ou parcialmente não-ativas profissionalmente possuem recursos financeiros disponíveis que lhes permitam efetuar pagamentos de contribuições exigidos, ainda mais na condição de segurados voluntários.

Sr. Presidente Siqueira Campos, Senador Camargo, entre os principais grupos mais atingidos pela estrutura funcional dos sistemas previdenciários contam-se as mulheres, que têm, agora como antes, o encargo principal da condução da administração do lar e, na medida em que há filhos, de sua educação. Sempre será compreensível que sejam as mulheres que, depois do nascimento de um filho, renunciem inteira ou parcialmente à sua atividade aquisitiva, ao seu trabalho. Deve-se acentuar que quando trabalham fora de casa as mulheres suportam, freqüentemente, discriminação salarial e oportunidades de promoção profissional piores e, conseqüentemente, pretensão de aposentadoria nitidamente mais baixa que a dos homens.

A Compensação de Amparo é baseada na equiparação do trabalho doméstico, exercido na maioria das vezes pela mulher, ao trabalho profissional, que é exercido preponderantemente pelo marido. Essa é a solução adotada pelos países de elevado índice de desenvolvimento humano.

Concedo um aparte ao Senador Mão Santa, médico e humanista, que, com certeza, apoiar-me-á.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Aproveitando a generosidade e a paciência do grande Presidente Siqueira Campos, eu gostaria de externar que atentamente estou ouvindo, como todo o País, essa luz que surge na política de Roraima, em Boa Vista. Senador Siqueira Campos, todos sabemos que Roraima vive momento difíceis em termos de credibilidade política. No entanto, a História se repete. Atenas, nos primórdios da civilização, também viveu tempos assim. Naquela ocasião, Diógenes, um filósofo, andava pelas ruas com uma lanterna acesa, todos os dias. Quando lhe perguntaram o que procurava, o filósofo respondeu: “Eu procuro um homem de vergonha”. Se Diógenes andasse em Roraima, pelas ruas de Boa Vista, ele encontraria esse “homem de vergonha”, o Senador Augusto Botelho, um homem que faz da Medicina a mais humana das ciências, do médico, um grande benfeitor, e o Piauí ter grande crença na presença dos políticos de Roraima, por meio da sua pessoa.

O SR. AUGUSTO BOTELHO (PDT - RR) - Muito obrigado, Senador Mão Santa, pelas palavras elogiosas de V. Exª.

O referido instituto da Compensação de Amparo, que agora desejo seja incorporado ao direito pátrio, operacionaliza-se partindo da noção de que o cônjuge ativo em aquisições só conseguiu contribuir para a previdência, ou teve facilitados os meios para isso, com a indispensável e salutar ajuda do outro cônjuge, o que não trabalhava fora de casa ou apenas o fazia parcialmente e que optou por administrar o lar, cuidar dos filhos e educá-los. Por essa opção, o cônjuge não ativo, que exerce atividade nobilíssima para o casal e para a sociedade, deve ter direito sobre as expectativas de aposentadoria do cônjuge ativo em aquisições.

Essa é a idéia matriz que permeia o Instituto da Compensação de Amparo.

Com o crescimento do número de divórcios em nosso País, as soluções, que antes eram atendidas no seio familiar em favor do cônjuge economicamente mais fraco, hoje reclamam a nossa intervenção de legisladores para se assegurar uma compensação mais justa por ocasião do divórcio. Assim, com o Instituto da Compensação de Amparo viabiliza-se, no Brasil, não apenas por seus fundamentos, assentados na concretização de um direito social fundamental, expressamente prestigiado pela Constituição, o direito à seguridade na velhice ou na invalidez, mas ainda em razão de seus baixos custos administrativos, já que a partilha das expectativas de aposentadoria se faz por meio de uma compensação recíproca entre os cônjuges que se divorciam. Ademais, já contamos, no Brasil, com estudo comparado, profundo, minucioso, que em muito facilitará o trabalho do legislador: a obra da Professora Drª Miriam de Abreu Machado e Campos: Família no Direito Comparado. Divisão das Expectativas de Aposentadoria entre Cônjuges. Foi baseado nessa obra que eu elaborei essa emenda constitucional.

Sr. Presidente Senador Romeu Tuma, devo reconhecer que fazer com que o instituto da Compensação de Amparo encontre ressonância no ordenamento jurídico pátrio, com as adaptações necessárias, é tarefa difícil. Porém, obtendo-se êxito, vai-se aprimorar em muito o princípio da igualdade, sobretudo a igualdade de gênero, esculpida em nossa Constituição e cuja efetiva aplicação deve ser objetivo de todos.

De toda forma, estou esperançoso que os legisladores não se furtarão a examinar com minúcia e seriedade o futuro preceito que encerra, antes de tudo, um profundo sentimento de justiça. Por confiar na viabilidade jurídica e social do instituto, desde já conta com a colaboração dos meus Pares na Câmara e no Senado Federal.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/12/2003 - Página 40380