Discurso durante a 185ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Balanço das crises políticas do Governo Lula. (como Líder)

Autor
Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Balanço das crises políticas do Governo Lula. (como Líder)
Aparteantes
Antero Paes de Barros, Heráclito Fortes.
Publicação
Publicação no DSF de 14/12/2003 - Página 41220
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), ANALISE, NEGOCIAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, PRIVATIZAÇÃO, EMPRESA BRASILEIRA DE TELECOMUNICAÇÕES S/A (EMBRATEL), CRITICA, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, INCLUSÃO, MEDICO, NACIONALIDADE BRASILEIRA, PASSAGEIRO, CARRO OFICIAL, VISITA OFICIAL, PAIS ESTRANGEIRO, LIBANO.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, aproveito esta sessão inusual de sábado, que visa a darmos cabo de matérias pendentes na pauta, de modo a fecharmos o ano sem que o Senado Federal esteja em débito com o seu dever, para fazer aqui um balanço do que me parece uma clara crise política do Governo Lula, com nuances e rescaldos da crise econômica, com aspectos de crise moral, sim, equívocos de política externa e algo que, a meu ver, não condiz com o tamanho do cargo, uma certa postura do Presidente da República que, não raro, atrai para o Governo dele reações que poderiam muito bem ter sido evitadas. Não vou fazer carga, mas aqui denunciei que não era correta a situação da Ministra Benedita da Silva, e o Presidente Lula passa a mão pela cabeça da Ministra. Hoje seu marido, o ator Pitanga, já se queixa de - entendi nas entrelinhas - que o Governo estaria abandonando a Ministra.

O Presidente não foi enérgico. Num primeiro momento, ele não disse qual era o padrão moral do Governo dele; não disse. E aí está a Ministra submetida a um processo de humilhação. O Presidente dava a entender que antes não havia autoridade no País. Passava a idéia de que agora, sim, ia ter autoridade no País. Não vi o Presidente demitir ninguém. Eu só vi o Presidente aumentar o número de Ministros, aumentar os gastos públicos, e fazer muita pirueta, muita pirotecnia, muitos factóides, em substituição à postura sóbria, tranqüila que deve ser a de um Presidente da República. Aliás, não vejo o Presidente sentar; Sua Excelência só fica em pé. Não sei como alguém governa em pé. Já o vi tocando flauta, com a câmera de um cineasta; já o vi com roupa de gaúcho. Agora, junto com o ditador, Muamar Kadafi, eu precisei olhar bem para ver quem era o Kadafi e quem era o Lula, porque eu cheguei a imaginar que ele poderia estar fantasiado de Kadafi. E queria que ele usasse uma roupa mais simples, paletó e gravata, sentasse e discutisse com os Ministros, cobrasse dos Ministros metas, desempenho, demitisse aqueles que fossem ineficientes, que entrássemos no ano de 2004 com menos Ministérios, em nome da racionalidade administrativa, em nome de economia de gastos públicos. Mas aqui está o caso, insepulto, da Ministra Benedita.

Nada pessoal, não o conheço, conheço-o de obas e olás, não conheço nem para bem nem para mal o Governador de Roraima, Flamarion Portela, mas desta tribuna eu disse: é insustentável a posição do Governador. E o PT dizia: é um modelo de gestão, é alguém em quem os outros governantes devem se mirar. E aqui está o Governador pedindo licença do PT. Ou seja, decisão houve? Não houve decisão. A valentia do PT é toda para expulsar a Heloísa Helena e os dissidentes. Não estou vendo mais nenhuma. Estou vendo o PT numa posição autista diante desse caso de Santo André. Já tomou conta das manchetes, já tomou conta da sociedade, já há uma pergunta que tem que ser respondida para valer.

E a coisa é tão estranha porque dizem: ah, não temos medo de nada. E eu estou dizendo que têm medo? Imagino que não tenham medo mesmo. Agora, não entendo por que um Partido tão afeito em investigar todo mundo não está tomando providências no sentido de se instaurar uma Comissão Parlamentar de Inquérito para vermos o que há e o que não há, e com toda certeza inocentando o PT, que não deve ter culpa no cartório mesmo. Um Partido de pessoas de bem não deve ter culpa no cartório mesmo. Eu queria saber quem é culpado, e quem for culpado tem que ser apontado à Justiça para pagar pelo crime cometido, pelo desvio de dinheiro público; tem assassinato no meio. Tem todo um clima de suspense em torno desse caso.

Sr. Presidente, surpreendi-me porque li no jornal O Estado de S. Paulo de hoje algo inusitado e que me causa espécie. Peço até que conste dos Anais a matéria intitulada “Prisão de Sombra cairá no STF, diz advogado do PT”. Quem está dizendo isso não é o filho, o pai, o avô ou a mulher do Sombra, mas o advogado do PT, Dr. Aristides Junqueira, que alega razões jurídicas. O Dr. Junqueira, homem de bem e que respeitamos, não aprendeu um ditado bom que a minha avó dizia: “Em boca calada não entra mosca.” Ele não tinha nada que falar sobre esse assunto; deveria deixar o Supremo Tribunal Federal julgar a ação. Essa Corte dirá se há ou não razão para soltar o Sr. Sombra. Porém, se isso ocorrer, não há por que não investigarmos esse caso a fundo, pois a sociedade está querendo isso. A situação é de se assustar, Senador Antero Paes de Barros. Quem diz que o Sombra não deve ficar preso é o advogado do PT.

Percebo, ainda, no campo da crise política, a atitude maiúscula do Partido Democrático Trabalhista, seguindo a orientação desse homem que respeito, mas de quem discordo, e que foi meu herói de capa e espada na crise de 1961, da governabilidade, quando ele se levantou para impedir o golpe ao Presidente constitucional que deveria assumir no lugar do renunciante Jânio Quadros, o Presidente João Goulart. Refiro-me ao ex-Governador Leonel Brizola. Não concordo com nada do que Brizola diz a respeito de economia e com muito do que diz a respeito de política, mas tenho profundo respeito por ele. Homem digno que passa pela vida - tem mais de oitenta anos - sem que alguém possa dizer algo que atinja, ainda que de leve, sua conduta ou que coloque dúvidas sobre o seu padrão moral ou ético. Tenho respeito por ele. Ele está decepcionado com o Governo e quer ir para a Oposição, depois de entregar os cargos. É justo. Aplaudo o gesto de Leonel Brizola e afirmo que a Oposição recebe o PDT de braços abertos, com todas as nossas diferenças.

Os Ministros trapalhões fazem o que querem e o Presidente confirmando os atos de um por um, dizendo que todos são mais extraordinários do que os mais extraordinários ministros de qualquer república, em qualquer época, ou do que as monarquias.

A força é para os dissidentes. Lembro-me de que o PSDB, meu Partido, enfrentou dissidências quando reformávamos, no Governo Fernando Henrique, a ordem econômica. O Senador Heráclito Fortes também deve se lembrar muito bem. Almino Afonso, figura que faz parte da História brasileira, Tuga Angerami, Flávio Arns, hoje Senador pelo PT, e tantos outros, à vontade discrepavam do Partido, mas não em tudo. Em um episódio de consciência Almino disse que não poderia votar contra o monopólio do petróleo. E nós compreendemos. Almino Affonso encaminhou a votação, em seguida ao encaminhamento que fiz àquela altura. V. Exªs sabem em que lugar S. Exª encaminhou a votação? Foi por concessão de um orador que lhe deixou um lugar, o brilhante Deputado pelo PT, atual Prefeito de Aracaju, Marcelo Deda. Almino encaminhou contra o governo em que S. Exª era Vice-Líder. Eu falei logo após. Passei metade de meu discurso a elogiá-lo. Vencemos sem que o esmagássemos. Não foi para a Comissão de Ética, tampouco seus companheiros. Comissão de Ética é para quem malversa o dinheiro público, para quem não é capaz de honrar os compromissos do seu mandato. Comissão de Ética não é para quem discorda em razão e por razões de consciência. E eles estão à véspera de expulsarem a Senadora Heloísa Helena. Não gosto dessa estória de clemência, mas conheço bem a Senadora Heloísa Helena, e não conheço bem os demais dissidentes. Pelo que vejo da Senadora é uma figura admirável - eu não a conhecia e passei a conhecê-la, passando a ter muito respeito e um carinho especial. Creio que S. Exª não tem que aceitar essa pecha de ter cometido um delito que mereça suspensão. Não a vejo assim. A sua altivez é a de uma sertaneja dura. De qualquer maneira, essa decisão é do Partido dos Trabalhadores, não um problema meu. Apenas digo que uma das acusações feitas pelo PT aos seus dissidentes, Senador Heráclito Fortes, principalmente à Senadora Heloísa Helena, é que um dos seus crimes é que fez alianças táticas comigo, Líder do PSDB, e com o Senador José Agripino, Líder do PFL. Pergunto: e quando fizemos uma aliança tática com o Governo para a aprovação da reforma tributária - um trabalho de todos nós - será que S. Exª poderia acusar a direção do PT de traição por ter feito um ajuste comigo? Ou será que a Senadora também deveria dizer que o PT devesse recusar os votos daqueles que votaram a favor da reforma da Previdência e que pertencem ao PFL e ao PSDB? Ou seja, dois pesos e duas medidas.

O que interessa ao PT é sempre muito bom, é sempre justo, é sempre legítimo. O que não interessa ao PT não é bom. Se o PT está na posição leste é certo, se ele vai para a posição oeste, passa a ser certo também. Se estou momentaneamente em uma posição igual à do PT, eu estou bem, mereço aplausos. Se estou em uma posição que não é a do PT do momento, aí mereço ser culpado de crimes não cometidos.

O Sr. Antero Paes de Barros (PSDB - MT) - Permite V. Exª um aparte?

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Senador Antero Paes de Barros, com muita honra.

O Sr. Antero Paes de Barros (PSDB - MT) - Líder Arthur Virgílio, cumprimento o pronunciamento de V. Exª, que não é, nem de longe, uma tentativa de se imiscuir em assuntos internos do Partido dos Trabalhadores, mas a oportunidade para uma reflexão sobre a reforma política que se pretende debater no Congresso Nacional. O processo que move o Partido dos Trabalhadores, embora seja algo interno do Partido, na verdade, é um assassinato pelas costas da reforma política e da fidelidade partidária. Porque os deputados somente tomaram conhecimento do texto da reforma da Previdência no momento da votação. Como é que se pode votar algo que não se conhece? Como é que se pode fechar questão sobre um texto inacabado, um texto que não existe? No entanto, os deputados tinham que obedecer ao texto e votar o que seria apresentado. É como seguir um deus que não conheço. É essa a proposta de fidelidade partidária que se vai votar? É para conceder esse poder à direção dos partidos? Alguém consegue provar que houve uma convenção nacional do PT e que aquele texto votado...

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Até porque não houve! Não houve a convenção!

O Sr. Antero Paes De Barros (PSDB - MT) - Não houve! ... e que aquele texto fora votado na convenção do PT? Isso é prática, não é democrática, não! Tenho uma teoria comigo: prefiro errar com o partido a acertar sozinho. Tenho a prática de me submeter à vontade do coletivo, que creio ser infinitamente maior do que a minha vontade individual. Mas qual o coletivo? O coletivo que tem o poder de estabelecer o programa, o estatuto, que é uma convenção nacional. O PT, com a expulsão, diminui o comportamento democrático, pratica um ato de puro fascismo, e apequena a reforma política que se vai tentar votar no Congresso Nacional, que seria um avanço, mas não para dar esses instrumentos a stalinismos que julgávamos superados na história política mundial.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - V. Exª faz um admirável aparte, que incorporo ao meu discurso, Senador Antero Paes de Barros.

Só posso mesmo dar como resposta o seguimento ao seu raciocínio. Já disse aqui desta tribuna que todos os partidos de esquerda europeus que fizeram uma revisão a fizeram antes de eleições. Foi assim na França, quando o grupo de Mitterrand, Lionel Jospin, Pierre Beregovoy, Delort, enfrentou a chamada esquerda do partido, de Michel Rocard e Pierre Mauroy, derrotando-a e indo para a eleição.

A Alemanha de Schroeder viu no Partido Social Democrata a vitória de Schroeder sobre a ultra-esquerda. Da mesma maneira, o Old Labor Party, na Inglaterra, foi derrotado pelo chamado New Labor, de Tony Blair, e que foi, portanto, enfrentar Miss Thatcher e John Majors depois de ter derrotado seus dissidentes numa disputa democrática, com congresso, com convenção, com tudo isso.

Aqui, não! Aqui, o PT fez uma carta para o mercado, dizendo: “Olha, não sou tão perigoso quanto parece!” O mercado não se convenceu. Houve o overshooting do dólar, que foi lá para cima. O Brasil pagou bilhões e bilhões de dólares de prejuízo naquele episódio de 2002. As dificuldades foram terríveis, com o Governo que assumia criando brutais dificuldades para o Governo que saía. O Presidente Fernando Henrique, então, me disse: “Olha, Arthur, não adianta querermos fugir desta verdade: se eu não disser coisas amenas sobre eles agora, arrebento o meu Governo, porque há evasão de capitais agora!” Mas havia desconfiança, o risco Lula. Isso é uma verdade! Por que o risco era Fernando Henrique? Não era! O risco era Lula. O Presidente Fernando Henrique passou sete anos e meio merecendo a confiança dos mercados e perderia em seis meses? Não. Em seis meses, o Brasil foi perdendo a confiança internacional na medida em que se consolidava o favoritismo da candidatura Lula. Depois, ele teve que fazer uma política econômica ultra-ortodoxa para recuperar a credibilidade do País, mas para impor uma credibilidade para ele próprio.

Vejam que ele ganhou a eleição com o discurso da Senadora Heloísa, com o discurso dos seus dissidentes. Eles falavam em calote da dívida externa, em plebiscito sobre a Alca, em limitar em 10% da renda da receita líquida os gastos com a dívida externa, cujos números não tenho, mas que duvido terem sido menores do que 35, 36 ou 38% neste ano. Eles propunham uma coisa idílica: pagar só 10%, aplicando o restante na geração de empregos. Aquilo que era irreal e que não foi possível fazer, era o discurso que unia o PT do Deputado Genoíno ao PT da Senadora Heloísa Helena. Essa é a verdade.

Agradeço a V. Exª pelo aparte e digo mais: o PT conseguiu fazer uma mudança depois da eleição. Ganhou com um discurso e mudou depois. O nome disso é estelionato. Isso é o 171 político, é estelionato. Não é assim que se procede. Muda-se e se submete à eleição.

Concederei um aparte a V. Exª, Senador Heráclito Fortes, mas quero, antes, dizer que percebo fraqueza. No episódio de Apolônio de Carvalho está havendo essa confusão toda: um Ministro quer, outro não quer. Apolônio de Carvalho é um herói brasileiro. Ele lutou na Espanha contra a nascente ditadura de Franco, lutou ao lado das forças republicanas. É um homem admirável. Tenho distâncias ideológicas dele. Tinha antes, quando eu era um homem de esquerda, que raciocinava pela linha do Partido Comunista Brasileiro, e ele era dissidente, do PCdoB, Partido Comunista do Brasil, e tenho hoje. Mas o respeito histórico por ele é imenso.

Então, este Governo está agindo de maneira frouxa, Srªs e Srs. Senadores. Ele falava tanto do Governo passado... O Governo passado anistiou Lamarca post mortem, teve coragem de fazer isso, e não houve nenhum rebu na área militar. Os militares são democratas, compreenderam que era hora de se botar uma pedra em cima daquele episódio. Anistiou Carlos Marighela, ampliou os limites da anistia. E o que estamos vendo hoje é o Governo não destinar recursos para resgatar essa dívida com os anistiados. Começa a fazer parte do esforço de ajuste fiscal do Governo também não gastar dinheiro com anistiados, com ex-cassados. Agora, estão aí os dois, e o Presidente, a se bater na falta de coragem, não vai promover Apolônio a General da Reserva, sabendo que há tantos precedentes?

O Brigadeiro Sérgio Macaco salvou a vida de meu pai, que era um dos assassinados em potencial da lista daquele tarado do Brigadeiro Burnier. Meu pai estava na lista, assim como Mário Covas, Carlos Lacerda e tantos outros. O Brigadeiro Sérgio Macaco denunciou aquele crime do Parasar, que estavam perpetrando. Iriam jogar os dissidentes na Baía da Guanabara.

Então, foi no Governo passado que se anistiou post mortem e se deram os galões de Brigadeiro ao então Capitão Sérgio Macaco, um herói brasileiro também.

Agora não. Estão com medo, medo não sei de quê. Têm medo de tudo, só não têm medo de fazer papel ridículo, de se fantasiar, de usar roupas esquisitas, de se portar com absoluta incoerência, inconsistência. Presidente da República tem que aprender: roupa de Presidente da República é paletó. Presidente da República senta. Presidente da República ouve Ministro. Presidente da República pergunta coisas. Presidente da República estuda. Presidente da República, quando vai ouvir o Ministro, tem que saber o que o Ministro vai dizer para ele, senão o Ministro vai fazer a cabeça dele, e ele também não pode ter alguém ao seu lado fazendo sua cabeça o tempo inteiro. Ele tem que estudar, se dedicar, entender que esse cargo não é uma festa. Liza Minelli dizia que a vida é um cabaré. Pois a Presidência, Sr. Presidente Lula, não é uma festa, não. A Presidência é trabalho duro, é trabalho árduo.

Falarei um pouco sobre política externa, mas antes concedo um aparte ao Senador Heráclito Fortes.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Nobre Senador Arthur Virgílio, o meu aparte tem uma colocação muito específica. V. Exª disse, há pouco minutos, uma coisa que me deixa ainda mais confuso sobre o que é e o que não é Esquerda. V. Exª disse que foi da Esquerda. Na minha cabeça, V. Exª continua sendo de Esquerda, mas da Esquerda que mudou. Aliás, nunca, desde o começo da minha vida pública, entendi bem essa história. Sempre tive a convicção de que, no Brasil, ideologia é caneta, e isso está provado. Está provado que, no Brasil, ideologia é caneta. Veja só, Senador Antero Paes de Barros, o episódio da Senadora Heloísa Helena. Aliás, neste Plenário, composto de 81 cabeças, uma pensando diferentemente da outra, como é natural, há uns que não gostam, uns não simpatizam, mas não há ninguém que não respeite a Senadora Heloísa Helena, pelo seu comportamento e pela sua coerência.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Sem dúvida.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - S. Exª será julgada amanhã, no novo Nüremberg, por não ter mudado de opinião. É uma coisa interessante. Com relação à reforma, V. Exª mudou, eu mudei; S. Exª não mudou. Eu queria ter a oportunidade de assistir a esse julgamento, Senador João Capiberibe, para saber do que vão acusá-la, que crime S. Exª cometeu, a não ser o de ter sido coerente. Aliás, Senador Arthur Virgílio, passei esses últimos três dias, desesperadamente, procurando uma imagem que não encontrei, mas de que V. Exª, que participou dela comigo, há de se lembrar. Jamais esquecerei, porque foi depois de ter sido eleito 1º Vice-Presidente da Câmara e do Congresso, a primeira vez em que, numa crise, assumi a Presidência, pois o Presidente Michel Temer teve que sair para negociar com as lideranças, e eu comandei a votação, contrariamente ao que desejava, até o fim. V. Exª já pensou se conseguíssemos reproduzir - e tenho certeza de que há jornalistas aqui com arquivos poderosos que podem nos ajudar - aquela cena do apitaço, que foi exatamente contra essa reforma? Veríamos alguns Ministros, inclusive do atual Governo, todos comandando aquele apitaço, com seus apitos coloridos.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Foi uma forma mal-educada e primária de fazer Oposição.

O Sr. Heráclito Fortes (PFL - PI) - Foram mal-educados e desrespeitosos com o Parlamento brasileiro. E são esses que vão condenar, agora, a Senador Heloísa Helena. Estou com a data anotada. Parece-me que foi dia 28 de maio. Procurei nos arquivos do Congresso, no entanto, naquela época, a TV Senado e a TV Câmara ainda funcionavam de maneira experimental. Sendo assim, essa fita não existe. Tenho certeza de que a televisão brasileira haverá de resgatar esse fato. Aí veremos, Senador Arthur Virgílio, os poderosos, o Ministério todo nas primeiras filas apitando e distribuindo apitos. É esse o apito que, amanhã, irá condenar a Senadora Heloísa Helena. Pergunto a V. Exª: condenar por coerência? É um fato inédito na história do Brasil. Muito obrigado.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Muito obrigado, Senador Heráclito Fortes, pelo seu aparte.

Peço alguns minutos de tolerância, Sr. Presidente. Vou concluir falando a respeito de três tópicos rapidamente. Passarei sobre eles fazendo um vôo de pássaro.

Senador Heráclito Fortes, realmente há uma punição à coerência da Senadora Heloísa Helena. O PT muda de opinião quando quer e está certo quem está com ele. É um traço totalitário.

Lembro-me que aquela reforma contra a qual eles apitavam era muito mais amena: ela garantia o direito adquirido, a expectativa de direitos, previa, portanto, regra de transição e paridade. Eu teria votado com o Governo nessa questão da reforma tributária se tivessem repetido o espírito da anterior. A intransigência foi tanta que fui obrigado a votar contra.

Em pleno século XXI, ainda estamos discutindo a intolerância neste País, que temos tanto orgulho da democracia que ajudamos a construir.

Vou falar a respeito de alguns tópicos, Sr. Presidente.

Na crise econômica, houve um crescimento zero. Poderíamos ter um crescimento positivo de 2%. O crescimento foi zero porque o Governo não governa, não executa o Orçamento, não faz o mínimo. A competente equipe do Ministro Palocci não foi capaz de baixar os juros na hora certa e nem na intensidade possível. Logo, o leite está derramado. O Ministro Palocci, a quem admiro, hoje “pisa feio na bola” nos jornais ao dizer: “Um crescimento de 3,5% é pouco”. O Ministro sabe que, no ano que vem, vamos crescer mais do que 3,5%. É uma reposição cíclica. Nada tem a ver com 2005, com 2006 ou com 2010. Quando fala em crescer 3,5% finge ignorar uma verdade que ele não pode ignorar. Com o nível de investimento atual, o Brasil pode crescer 3% sem recrudescer a inflação. Se crescer mais do que 3% com um nível medíocre de investimento atual (17%, 18% do PIB), a inflação não será segurada.

O documento da Ministra Dilma é pífio, estatizante e será analisado semana que vem. Por meio dele, afastam-se os investidores - e V. Exª é um especialista nessa questão. Não sei como o Itamaraty agüenta essa política externa desastrada do Presidente Lula. Que política externa desastrada! Duzentas e cinqüenta pessoas viajaram ao Oriente Médio para vender nada para ninguém. Dessas 250 pessoas, apenas 45 ou 50 eram empresários. O resto era circunstante: uma coisa entre Ministros, “aspone” de Ministros, o que for, circunstantes, uma verdadeira caravana holiday! Isso significa gasto de dinheiro público. E fiz um requerimento de informações para saber que história é essa. Como se leva tanta gente para uma viagem de tão poucos frutos econômicos potenciais?

O Presidente Lula está aproveitando para fazer um certo gesto estudantil na sua política externa. Sua Excelência pensa que é uma espécie de Nehru, Sua Excelência pensa que é uma reencarnação de Gamal Abdel Nasser. Sua Excelência pensa que tem um terceiro mundismo a ser reestruturado. Sua Excelência pensa que vai ser líder de um movimento de não-aliados. Sua Excelência está completamente equivocado. Estou prevendo que terá problemas muito graves numa relação que teria que ser independente, sim, submissa, jamais, mas que não deve ser estudantil com este país sofisticado, complicado e forte como são os Estados Unidos. Eu diria que o erro na microeconomia e o documento da Ministra já estão a me intranqüilizar. Ademais, a política externa festiva e estudantil do Presidente Lula poderá segurar a perspectiva de investimentos novos e poderá impedir que o Presidente cresça de acordo com o potencial de uma economia que tem tudo para crescer em taxas altas, se o quadro internacional se mantiver em estabilidade ou em situação de liquidez.

Voltemos a abordar a reforma agrária. Fala, fala, e fala muito e aplica apenas 22% do pouco que estava reservado para a reforma agrária. Dizia o seguinte Presidente Lula: “Eu só quero que a gente faça um compromisso: parar de mentir, não é bom mentir. Mentira não é a companheira de ninguém. Recebi o orçamento do Fernando Henrique” - era a tal herança maldita. Foi a expressão mais cretina que já se inventou nos últimos tempos. Então, disse: “Recebi o orçamento do Fernando Henrique”. Mas por que, do orçamento do Fernando Henrique, só aplicou em reforma agrária 22%? Por que não aplicou, pelo menos, 100% do orçamento supostamente medíocre, de herança maldita que recebeu? Foi por que não tem compromisso com a reforma agrária? Foi por que não há gente competente para, de fato, trabalhar a aplicação dos recursos públicos? É porque, de fato, não tem um ministério operacional que não consegue resolver a equação administrativa e, sem isso, não vai impulsionar crescimento econômico nenhum de maneira duradoura, que cresça no próximo ano? Vou dizer-lhes algo que é uma verdade da economia: foi feito um ajuste fiscal. Quanto menos o Brasil cresça este ano, mais crescerá no próximo ano. Parece paradoxo. Mas é verdade. A base será menor, mais medíocre, mais deteriorada. Então, tende a crescer o percentual a mais sobre essa base. Depois é que mais complicado crescer em cima de uma base já recomposta.

Sr. Presidente, encerro meu pronunciamento, dizendo que o Presidente Lula não perde o vezo, nem o mal da incontinência verbal. Acabamos de compor, mais do que com Sua Excelência, para Sua Excelência uma reforma tributária em que pontificou a inteligência do Senador Rodolpho Tourinho e o talento do Senador Tasso Jereissati. Demos o corpo de uma reforma tributária que poderá, a partir de 2007, sobretudo, servir muito ao País. Hoje, Sua Excelência diz que vai golear os adversários. Não sei a que adversários está-se referindo. Não sei se está querendo dar uma goleada no Bush. Eu não levo goleada desse time fuleiro. Mas não a levo mesmo em nenhuma hipótese, nem na eleição no meu Estado, onde tive muito mais voto que o Lula, que o Governador, que todo o mundo. Lá não levo goleada, mas Sua Excelência leva goleada minha. Pergunto se esse é o tratamento correto? Se, ao acabar de aprovar uma reforma tributária, deve afirmar: “Agora vou dar uma goleada”. E Sua Excelência usa sempre a linguagem de futebol, linguagem chula, fraca, que não engrandece; enfim, linguagem que não compõe com a imagem e com a majestade do cargo. Sua Excelência só usa a majestade do cargo para oprimir os adversários.

Quero encerrar, Sr. Presidente, dizendo duas coisas mais. Uma que o Ministro Ricardo Berzoini, por exemplo, é a prova da flacidez e da fragilidade do Governo Lula. Ele já não é mais Ministro. Tínhamos de ter a compaixão cristã de dizer: “Ministro, o senhor não é mais Ministro. O senhor ainda está sentado na cadeira, mas Ministro não é mais. O senhor não pode estar em uma fila de um cinema, dar um encontrão em uma pessoa idosa sem querer, pois todos vão pensar que fez de propósito. O senhor já não é mais o Ministro da Previdência”. Se há um cargo bom para o Ministro Ricardo Berzoini, que é duro, inflexível e que demonstra ter coração duro, é a Secretaria Nacional Antidrogas, para ele dar o tratamento que dá aos idosos aos traficantes. Concordo com isso.

Mas S. Exª não é mais Ministro. Apenas a falta de pulso do Presidente o mantém em uma cadeira que não pertence mais legitimamente a ele. A falta de pulso que o Presidente tem, graças a Deus, não é acompanhada pela D. Marisa, que recebeu as tais jóias - e legalmente teria direito à elas. Contudo, não seria legítimo a esposa do Presidente ficar aceitando presentes de ninguém -, e rapidamente tomou a decisão de doá-las, e está encontrando a forma de fazê-lo. Peço ao Presidente que siga o exemplo de sua esposa, porque aí Sua Excelência defenderá a postura ética do seu Governo.

Finalmente, Sr. Presidente, hoje há um quadro que é lancinante. O Presidente fala de uma maneira tão eufórica sobre um País que está parado, dando a impressão virtual de que está tudo às mil maravilhas, e um dos jornais hoje noticia - e ainda há pouco eu comentava a respeito com o Senador Antero Paes de Barros - que um desempregado desesperado ateou fogo na mulher e foi impedido de suicidar-se pela filha. Ela dizia a ele: “Pai, o senhor tentou matar a mamãe e eu vou ficar sem você e a mamãe?” Tratava-se de um desempregado desesperado. Ou seja, enquanto nós temos a visão dos áulicos - e o áulico é impressionantemente forte como formador de opinião dos poderosos neste País -, pela qual está tudo bem. O áulico fala: está uma maravilha; não há problemas. E também diz: vamos dar de goleada. Não sei em quem o Presidente vai dar de goleada; não sei se é na Oposição. O Governo dele está levando de goleada no campo da eficiência administrativa, está levando de goleada na fiscalização ética, está levando de goleada na composição de uma política externa sensata. Sua Excelência fala que vai dar de goleada em alguém, logo após a aprovação da reforma tributária, a qual fizemos, redigimos para Sua Excelência, pensando no País. E, no dia seguinte, são publicadas as palavras de um desempregado desesperado: “Não está tudo bem, não. Estou tão enlouquecido pelo desemprego, que coloco fogo na minha esposa; não me mato, porque minha filha não deixa. A minha família está desfeita.” Alguém pode perguntar: já houve esses dramas no passado? Sem dúvida, o desemprego é terrível - e atualmente há o fato do desemprego tecnológico.

No ano que vem, o Presidente Lula não estará dizendo isso. No ano que vem, o País crescerá 4% ou 4,6% - está tão ruim este ano, que vai crescer, sim. Em 2005 ou 2006, não sei. No entanto, o Presidente Lula não está dizendo isso; não sei se o Ministro Antônio Palocci falou isso para Sua Excelência. É bom, Ministro Antônio Palocci, dizer para Sua Excelência que é possível crescer 4,6% no ano que vem, sem aumentar um só emprego neste País, por causa do fator tecnológico. Para que a economia prossiga competitiva, para que se reduzam custos, para que se garanta continuidade de expansão das exportações, o Brasil poderá crescer 4% ou 4,6% no ano que vem, sem agregar um só emprego, porque se vai trabalhar uma economia intensiva de tecnologia, intensiva de capital - capital intensive , e não intensiva de mão-de-obra - labor intensive.

Portanto, Sr. Presidente, faço um balanço, dizendo que a Oposição está com muita autoridade moral para fazer cobranças ao Presidente, agora que Sua Excelência tem todos os instrumentos que pediu. Pediu a reforma da Previdência? Aí está, contra o meu voto. Pediu a reforma tributária? Com o meu voto, aí está. Com o voto unânime do meu Partido, aí está. Está precisando agir com mais competência no Orçamento. Não quero negar o Orçamento ao Presidente, desde que Sua Excelência não esmague a Oposição e não faça dele um instrumento de perseguição política a Governadores da Oposição. Quero ajudar.

Agora, quero dizer ao Presidente o seguinte: Presidente Lula, o senhor tem compromisso a aprofundar; o senhor está parecendo aquele homem que deve a agiota; o senhor prometeu dez milhões de empregos e, para gerá-los, o senhor tinha que fazer o País crescer 5,5% ao ano e 22% em quatro anos.

O SR. PRESIDENTE (Delcídio Amaral) - Senador Arthur Virgílio, ainda há quatro oradores inscritos.

O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM) - Encerrarei em um minuto, Sr. Presidente. Peço desculpas a V. Exª.

Não tendo crescido no primeiro ano, teria que crescer 7,3% em cada um dos três anos restantes. Como foram gerados mais de um milhão de desempregados, o País teria que crescer 7,7% nos três anos restantes; crescimento da China, da Malásia, dos Tigres Asiáticos. E estamos vendo uma distância cada vez maior da possibilidade de cumprimento real.

Ou seja, vire-se essa página das reformas, quero, desta tribuna, perguntar cotidianamente: Sr. Presidente, ponha a mão na consciência; o que o senhor está fazendo para cumprir, de fato, as promessas de campanha? Pare de “zanzar”, Presidente. Governe. Sente e governe. O Brasil merece essa demonstração de respeito por parte de Vossa Excelência. O que o Brasil não tolerará, e a Oposição estará vigilante para não deixar que isso aconteça é a reiterada manifestação de desrespeito, porque o Brasil virtual de V. Exª se choca com o Brasil real desse desesperado que colocou fogo na mulher e tentou se matar.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/12/2003 - Página 41220