Discurso durante a 186ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Ingerências de Organizações não-Governamentais (ONGs) estrangeiras no Espírito Santo.

Autor
João Batista Motta (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: João Baptista da Motta
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • Ingerências de Organizações não-Governamentais (ONGs) estrangeiras no Espírito Santo.
Publicação
Publicação no DSF de 16/12/2003 - Página 41345
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • CONTINUAÇÃO, DENUNCIA, LOBBY, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), PREJUIZO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, ESTADO DO ESPIRITO SANTO (ES), ALEGAÇÕES, PROTEÇÃO, MEIO AMBIENTE, ESPECIFICAÇÃO, AQUICULTURA.
  • ANALISE, CRESCIMENTO, PRODUTIVIDADE, BRASIL, CRIAÇÃO, CAMARÃO, REGISTRO, DADOS, EXPORTAÇÃO, DEFESA, MANUTENÇÃO, ATIVIDADE ECONOMICA, RESPEITO, LEGISLAÇÃO, MEIO AMBIENTE, ATENÇÃO, IMPACTO AMBIENTAL, DETALHAMENTO, EVOLUÇÃO, TECNOLOGIA, PESQUISA, UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE), EMPREGO.

O SR. JOÃO BATISTA MOTTA (PMDB - ES. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há vários dias fiz uso desta tribuna para denunciar as ingerências inoportunas e até mesmo ilegais, bem como a facilidade de trânsito no País, de organizações não-governamentais estrangeiras que pressionam agentes públicos, sob a tutela de uma pretensa e suspeita preocupação ecológica.

Essas ONGs forasteiras parecem não estar preocupadas em discutir o crescimento socioeconômico em harmonia com a preservação dos ecossistemas, ou seja, nos parâmetros da sustentabilidade que baseia a política agrícola brasileira.

No caso específico do Espírito Santo, o radicalismo de ONGs implica insegurança e grande preocupação quanto ao próprio equilíbrio econômico do Estado, quando tentam impedir o funcionamento de empresas do porte da Petrobrás, Aracruz Celulose, Companhia Docas do Espírito Santo, dentre outras.

Desta feita, chamo a atenção dos meus ilustres pares para o sensacionalismo incrementado por organizações sem legitimidade social, visando a frustração do ramo econômico da aqüicultura, notadamente da carcinicultura, que é a criação de crustáceos, sobretudo do camarão, que tem propiciado significativas divisas para o Brasil.

A aqüicultura é reconhecida mundialmente como importante fonte de proteína animal. Em 1999, segundo dados da FAO, o ramo produziu 38 milhões de toneladas, das quais 17,3 milhões eram de peixes de água doce, 781 mil toneladas de peixes marinhos, 9,1 milhões de toneladas de moluscos, 8,5 milhões de toneladas de plantas aquáticas e 1,5 milhão de toneladas de crustáceos.

A criação do camarão marinho, em nosso País, data do início dos anos 80. Porém, somente a partir de meados dos anos 90 é que alcançou posição de destaque. A carcinicultura é hoje a atividade da aqüicultura que mais cresce mundialmente.

Otimizando a exploração, os criadores brasileiros, assim como os dos grandes produtores mundiais, como China, Tailândia, Vietnan, Índia, Indonésia, Equador e México, adotaram a espécie Litopenaeus vannamei, originária do Pacífico Sul, como a de melhor índice zootécnico para a exploração econômica, desde que em associação com as técnicas de manejo adequadas. 

A carcinicultura marinha brasileira tem apresentado elevado desempenho técnico, econômico e social. O Brasil é o campeão em produtividade e o 7º maior produtor mundial. Nossa produtividade média, que era de aproximadamente 1.680 Kg/hectare/ano, em 1998, alcançou a marca de 5.458 Kg/hectare/ano em 2002, muito acima da média dos grandes produtores mundiais.

No ano passado, o Brasil produziu 60 mil toneladas de camarão cultivado, o que proporcionou divisas da ordem de US$ 155 milhões. Segundo o Censo da Carcinicultura Brasileira Ano 2002, levado a termo pela Associação Brasileira de Criadores de Camarão, a estrutura de produção do crustáceo cultivado no País é formada, em sua maioria, por pequenos produtores, que perfazem 513, dos 680 empreendimentos instalados.

Só nos primeiros cinco meses deste ano, as exportações de camarão chegaram a US$ 87 milhões, com projeção de atingir US$ 240 milhões até o final do ano. Os maiores mercados consumidores são os Estados Unidos, o Japão, a Tailândia e a União Européia, principalmente a Dinamarca e a França.

Os maiores produtores nacionais são o Ceará e o Rio Grande do Norte. A região Nordeste é responsável por mais de 90% da produção nacional, mas também há criatórios no Pará, Espírito Santo, São Paulo, Paraná e Santa Catarina.

Recentemente o Coordenador do Departamento de Pesca e Aqüicultura do Ministério da Agricultura, Alexandre Spínola, afirmou que o cultivo da espécie de camarão vannamei está salvando a balança comercial de pescados. Tanto é que em setembro último houve um aumento de 70% da exportação de camarão brasileiro, em relação ao mesmo período do ano passado, o que contribuiu sobremodo para o superávit histórico de 2,67 bilhões de dólares verificado em setembro último.

Os investimentos ora destinados à implantação de novas unidades de processamento e na expansão das já existentes proporcionarão ao Brasil a capacidade de processar até 163 mil toneladas/ano. A projeção da produção para este ano é de 90 mil toneladas. Do total, 20% deverá ser destinado ao mercado interno.

De 1988 a 1995, os principais agentes que financiavam a aqüicultura eram os bancos estrangeiros de desenvolvimento. Hoje, no Brasil, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico-BNDES, sabedor da grande importância da atividade socioeconômica, reservou, só para o Estado do Rio Grande do Norte, R$ 15 milhões para fomentar a carcinicultura. 

A política agrícola nacional sustenta-se em três pilares: a viabilidade econômica, a viabilidade social e a viabilidade ecológica. Comungo dessa tríade. E repudio toda e qualquer ação que promova exclusão social e degradação do meio ambiente. Por outro lado, também repudio o exagero de organizações que se insurgem contra as milenares e naturais necessidades do homem de obter recursos naturais, nos moldes do que hoje denominamos desenvolvimento sustentável. O homem faz parte da Natureza e dela deve retirar o necessário para o seu sustento. Aprendemos, ao longo da História, que devemos ter o máximo cuidado com nossas intervenções. E devemos prosseguir cada vez mais cautelosos. O que não é possível é a utopia de ambientalistas que desejam intocados todos os recursos naturais. Ora, toda agricultura e todo processo de industrialização produz resíduos e podem afetar a Natureza de uma forma mais ou menos acentuada. Cabe ao homem eliminar ou minimizar os desajustes, procurando manter o equilíbrio entre economia, justiça social e meio ambiente.

Creio que me preocupo mais com a ecologia do que os próprios integrantes de muitas ONGs que se dizem ecológicas. Digo isso porque preocupo-me com as relações entre os seres vivos e o meio ambiente sem excluir o ser humano que, naturalmente, faz parte dos ecossistemas. E ao preocupar-me com o ser humano, pergunto aos ambientalistas: o que fazer para alimentar milhões de desempregados em todas as partes do mundo? Devemos extinguir, desde agora, a pesca de todas as espécies de peixes, moluscos e crustáceos? De onde o homem retirará o alimento daqui a cinqüenta anos? Da Lua? De Marte? Comeremos algas? Ou nem elas poderemos comer? E o que ocorrerá com atividades como a agricultura extrativa? Por fim, quais são as atividades agrícolas ecologicamente corretas? Nenhuma? Pois em todas há interferência do homem na Natureza, com maior ou menor intensidade!

O que pretendo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é desmistificar o fantasma que ultimamente vem sendo desenhado no panorama agroindustrial brasileiro, com apelos veementes que se reportam a desastres ecológicos ocorridos em Honduras ou no Equador, em decorrência da má administração da criação de crustáceos.

Em primeiro lugar, nossas políticas agrícolas e ambientais são bem diversas das daqueles países. A exigente legislação ambiental brasileira e os órgãos de acompanhamento e fiscalização dos projetos de cultivo, tanto no âmbito do Ministério do Meio Ambiente quanto no da Agricultura, jamais permitiriam o descaso ambiental como os ocorridos naqueles países.

Por outro lado, nos últimos dez anos tivemos muitos avanços tecnológicos que propiciaram a redução drástica de resíduos da produção de camarão. A Engenharia, a Biotecnologia, a Zootecnia e a Informática trouxeram inestimáveis contribuições para a minimização dos impactos causados ao meio ambiente. Esses avanços são observados nas locações das fazendas, no design dos viveiros e na redução dos efeitos ambientais dos efluentes, notadamente em decorrência da aeração artificial, do reaproveitamento da água após filtragem e da retenção de resíduos orgânicos em suspensão.

A questão ambiental da criação de camarões está intimamente ligada à tecnologia de cultivo. As criações podem ser extensivas, semi-intensivas e intensivas. Esta última é a acusada de produzir maior impacto ao meio ambiente. O que difere os tipos de criação é a densidade de crustáceos e a oferta de alimento artificial. O manejo aprimorado é que faz a diferença no equilíbrio entre viabilidade econômica e manutenção dos ecossistemas. Sob esse prisma, o método mais adequado para a criação é o semi-intensivo.

Um dos argumentos dos que querem acabar com a carcinicultura brasileira é o de que ela produz poucos empregos e provoca conflitos com as atividades pesqueiras de populações tradicionais, por ocupar áreas próximas a manguezais, de onde muitos pescadores retiram o caranguejo. Não é isso o que diz estudo realizado por pesquisadores do Departamento de Economia da Universidade Federal de Pernambuco, com o apoio da Associação Brasileira dos Criadores de Camarão: a cadeia produtiva da carcinocultura gera 3,75 empregos por hectare, sendo 1,89 emprego direto e 1,86 indireto, bem mais que os 2,14 empregos/hectare (1 direto e 1,14 indireto) produzidos pela fruticultura, considerada um dos agronegócios que mais gera emprego.

Além dos avanços na exploração do camarão marinho, nossos criadores têm desenvolvido tecnologias de sistema fechado para a criação de camarões em água doce, longe do litoral.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os erros e os acertos dos grandes produtores mundiais nos proporcionaram muitos ensinamentos. É totalmente descabido associar carcinicultura com devastação ambiental. É um grande equívoco relacionar o nosso avançado estágio de produtor responsável com os erros e descuidos ambientais que ocorreram em outros países. A própria afirmativa dos ambientalistas de que os efluentes de camarão são sempre danosos ao meio ambiente é refutada pelo Consultor Enox de Paiva Maia, no estudo realizado para o Ministério da Agricultura, o CNPq e a Associação Brasileira de Criadores de Camarão, intitulado Desenvolvimento Científico e Tecnológico da Carcinicultura Marinha Brasileira:

(...) a questão da renovação da água e a conseqüente descarga de efluentes é encarada com a visão unilateral de que em sendo efluentes, serão necessariamente danosos ao meio ambiente, sem contudo levar em consideração que, especialmente na região Nordeste, dado ao suprimento descontínuo de nutrientes por conta das incertas e curtas estações chuvosas, a descarga regular da massa de água sutilmente eutrofisada (ou seja, rica em nutrientes) proveniente das fazendas camaroneiras, é bastante benéfica para os estuários e outros mananciais, contribuindo decisivamente para o incremento da piscosidade (a quantidade de peixes) dos mesmos, a exemplo do ratificado incremento da atividade pesqueira artesanal nas zonas de intervenção das fazendas de cultivo. A análise das descargas de efluentes, comprovada pelas análises rotineiramente efetuadas por diversos grupos produtivos da região Nordeste, tem contribuído para o redirecionamento do manejo desses empreendimentos e de outros adjacentes, levando-os a adotarem um programa de recirculação parcial de água.

A Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil - CNA instalou, em julho deste ano, a Comissão Nacional da Carcinicultura, cujo objetivo é discutir e estabelecer ações que estimulem a criação de caranguejos, lagostas e camarões. Acredito que os representantes dos produtores, dos ambientalistas e dos órgãos oficiais de fomento da agricultura e de proteção ambiental cheguem a um denominador comum.

Finalmente, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não podemos frustrar o grande avanço da aqüicultura brasileira, que tem proporcionado substanciais ganhos em exportações e acatado nossas leis ambientais rígidas, baseados apenas em tristes episódios socioambientais verificadas em países como Índia, Bangladesh ou Honduras, que descuidaram daquilo que é precioso para nós brasileiros: a Natureza e a Justiça Social. A carcinicultura nacional tem-se aperfeiçoado constantemente. Os projetos brasileiros de fazenda de camarão são concebidos com responsabilidade econômica, social e ecológica, assegurando a preservação ambiental e, conseqüentemente, a sustentabilidade.

Ratificando análise de especialistas, concluo que a carcinicultura brasileira não exclui a conservação ambiental; e que ambas devem, sim, interagir, produzindo uma relação harmoniosa e produtiva, o que atende ao nosso anseio de gerar empregos e riquezas preservando a Natureza. 

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/12/2003 - Página 41345