Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reformulação do modelo de Estado para fortalecer o Congresso. (como Líder)

Autor
Almeida Lima (PDT - Partido Democrático Trabalhista/SE)
Nome completo: José Almeida Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DEMOCRATICO.:
  • Reformulação do modelo de Estado para fortalecer o Congresso. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 17/12/2003 - Página 41711
Assunto
Outros > ESTADO DEMOCRATICO.
Indexação
  • ANALISE, NECESSIDADE, REFORMULAÇÃO, REORGANIZAÇÃO, ESTADO, REFORÇO, LEGISLATIVO, GARANTIA, CUMPRIMENTO, FUNÇÃO, REPRESENTAÇÃO, VONTADE, POPULAÇÃO.

O SR. ALMEIDA LIMA (PDT - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nesse final de sessão legislativa anual, depois de um ano de trabalho intenso, trago às Srªs e aos Srs. Senadores uma reflexão histórica e vejo nela um imperativo de mudanças.

Os desafios e obstáculos que se opuseram ao homem, desde o primitivo que viveu em pleno “estado de natureza” e a luta pela sobrevivência, inclusive decorrente do “estado e guerra”, sempre presente em sua vida, fizeram-lhe laborioso, observador e inventivo, resultando a ampliação e o acúmulo permanente do conhecimento a cerca do mundo circundante. O impulso natural para a convivência com seres da mesma espécie e até a necessidade de defesa, de ajuda mútua levou o homem a se agrupar, passando a ter vida coletiva. Dessa evolução surgiu a polis (a cidade) e, com ela, a organização política com o ordenamento das relações entre os homens e o advento de normas e governo, o que vem a ser o Estado. Assim, naturalmente, surgiu o Estado: um instrumento necessário de organização da sociedade, indispensável aglutinador da vontade coletiva, sinônimo de defesa, segurança, liberdade, prosperidade, bem-estar, enfim desejo de felicidade.

A ciência e a filosofia políticas, ao discorrerem a cerca do Estado como realidade efetiva ou mesmo como utopia, quase sempre formularam as suas concepções a partir da própria História da Humanidade. Assim, dos gregos ao contemporâneos, embora divergentes, todos contribuíram com o seu pensamento, ao longo dos séculos, para a construção do Estado democrático e de direito: forma de organização política da sociedade até hoje não superada, não obstante o seu enfraquecimento por outros poderes (a exemplo do poder econômico...), bem assim, as fundadas críticas à sua existência, sobretudo as motivadas pelas distorções que o tem afastado daquele desiderato, o que se constitui nas razões que fundamentam a discordante concepção marxista, segundo a qual o Estado existe para garantir iniqüidades e ampliar os privilégios da burguesia.

No processo evolutivo para esse Estado democrático de direito, Montesquieu e John Locke contribuíram decisivamente ao conceberem as suas funções legislativas, executivas e judiciárias divididas em três Poderes, ampliando a contraposição ao Estado absolutista e tirânico. Essa teoria consolidou-se com o advento da federação americana a partir da sua base teórica - Os Artigos Federalistas -, surgindo uma nova forma de Estado com nítida separação de Poderes e salvaguardas constitucionais: os chamados pesos e contrapesos necessários a que um dos Poderes não se sobreponha aos outros, mantendo o caráter democrático do Estado. Estabeleceu-se o equilíbrio com a descentralização do exercício das funções do Estado. Com as eleições periódicas e a ampliação do direito ao sufrágio, garantiu-se a democracia representativa, já que a direta, como praticada originariamente nas pequenas cidades gregas (polis), tornou-se inviável.

Nessa nova concepção, a função legislativa passou a ser o coração do Estado, no dizer de Rousseau, pois ela é quem lhe dá vida. O legislativo é o poder da representação popular, depositário da soberania e sustentáculo do Estado democrático de direito. Suas leis são a vontade geral, a vontade do soberano que é o povo. Este é o ideal do legislativo e o legislativo ideal: o poder popular que instrumentaliza o Estado a promover a felicidade do povo. E quando o Legislativo não cumpre esse papel, torna-se um poder autofágico, um fim em si mesmo, e se coloca a serviço de uma minoria para ampliar seus privilégios, distanciando-se do povo que o legitima e sustenta.

Corromper uma instituição desviando-a dos seus padrões e objetivos é o modo mais fácil de destruí-la, transformando-a em ruínas. Assim ocorre também com o Poder Legislativo. Sempre que este, ao longo da história, permitiu-se distanciar do povo, não lhe sendo útil, deliberando contrariamente aos seus interesses, o que é pior, ou mesmo quando cresceu desmesuradamente para satisfazer interesses não coletivos, consumindo vultosas somas, em descompasso com as carências do povo, caiu em desgraça, levando a massa ignara a se aliar aos primeiros demagogos oportunistas de plantão, sempre ciosos em conduzir o Estado à tirania. A história universal é pródiga em exemplos tais. O federalista Alexander Hamilton adverte: “A história nos ensina que (...), dentre os homens que derrubaram as liberdades das repúblicas, a maior parte começou sua carreira bajulando o povo; começaram demagogos e acabaram tiranos”.

Nessas ocasiões, a tomada de consciência - sobretudo quando a partir de si próprio, a partir do próprio Poder Legislativo - e a correção de rumos são indispensáveis à manutenção de sua condição de sustentáculo do Estado Democrático: garantia de respeito às liberdades públicas. Do contrário, a anulação dos Legislativos leva os Executivos a se transformarem em poderes ditatoriais e tirânicos, alguns até com príncipes messiânicos que se julgam capazes de conduzir, solitariamente, a nação à prosperidade.

Sr. Presidente, Srªs Senadores e Srs. Senadores, o Legislativo brasileiro, composto pelas Câmaras de Vereadores, Assembléias Legislativas e pelo Congresso Nacional, tem-se caracterizado como um Poder a serviço das elites e dos Executivos, a quem cede espaço para legislar através de medidas provisórias, ao tempo em que se distancia do povo por não atender aos seus interesses. O nosso Legislativo vive em crise até por não corresponder de forma célere e eficiente ao processo legislativo. Apresenta-se inútil à sociedade, que passa a incorporar nele todo o descrédito que há nas instituições públicas, tornando-se aos olhos da Nação responsável por todos os males sociais.

Portanto, estamos no momento propício aos obscurantistas conduzirem a massa ignara a anular cada vez mais o Poder Legislativo em prejuízo do Estado Democrático de Direito por subjugar as liberdades democráticas. Tem sido comum na imprensa brasileira a defesa e divulgação de “teses” que apontam a necessidade de acabar as Câmaras de Vereadores em municípios pequenos, não remunerar o trabalho dos vereadores, acabar o Senado Federal, fechar o Congresso Nacional, além de “teses” de que o Legislativo não serve para nada, e tantas outras do gênero.

Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, cabe a todos nós, Parlamentares comprometidos com as instituições democráticas, a tarefa de retomar as funções e os objetivos do Poder Legislativo brasileiro, a partir da eliminação de suas mazelas e se colocando a serviço do povo como verdadeiro Poder representante da vontade popular. Reconstruir o Legislativo é uma decisão imperativa, transformando-o em um instrumento capaz de cumprir os seus objetivos, tornando-o depositário das esperanças do povo.

Cabe-nos, ainda, passar às gerações futuras o grande legado que a humanidade nos outorgou: o Estado Democrático de Direito, aperfeiçoando-o cada vez mais para que possa cumprir o seu desiderato. Ao Legislativo se impõe esta tarefa. E é com este ânimo, motivado por essa consciência, que apresentei três propostas de emenda à Constituição que visam à reorganização do Estado brasileiro para a criação dos instrumentos necessários à transformação da nossa triste realidade: a de um povo pobre miserável e excluído, vivendo em um país rico, onde repousam enormes desigualdades sociais e regionais.

Cabe-nos, sim, propor a construção de um Brasil diferente.

Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, estamos no final da Sessão Legislativa anual. Nós, Parlamentares do Senado Federal, durante todo este ano, de forma contínua, permanente e incessante, discutimos Propostas de Emendas à Constituição, a exemplo da previdenciária e da tributária, uma concluída e outra por concluir esta semana, salvo a Proposta de Emenda à Constituição paralela.

Portanto, entendo que, neste instante, é oportuno que o Congresso Nacional, a partir desta reflexão histórica, que, no meu entender, impõe mudanças necessárias ao País, e a partir de reflexões que nós Parlamentares poderemos fazer neste final de Sessão Legislativa e durante o período de recesso parlamentar, tenha condições de, no início do próximo ano legislativo, estabelecer uma pauta que analise a reforma do Estado brasileiro, para podermos discutir neste Parlamento, no Congresso Nacional, as condições efetivas que possam mudar a fisionomia deste País.

Srªs e Srs. Senadores, ao final desta Sessão Legislativa, não posso dizer a V. Exªs que retorno para o meu Estado repleto de felicidades. Sei que trabalhamos muito, mas tenho certeza de que poderíamos trabalhar muito mais, não em volume ou quantidade, mas em conteúdo, diante da capacidade de todos os Srs. Parlamentares de aprofundarem a discussão que leve às verdadeiras mudanças de que este País precisa.

Retorno ao meu Estado sentindo que não posso dizer, como gostaria, que me senti realizado durante este primeiro ano de mandato por ter contribuído, ao lado de todas as Srªs e Srs. Senadores, para a mudança para melhor da vida do povo brasileiro. Essa é a sensação que tenho, essa é a convicção que possuo, essa é a visão que, com certeza, levarei para o meu Estado e para o meu povo.

Neste instante de confraternização pela aproximação da Natividade e de um novo ano, quero dizer que as esperanças precisam ser renovadas. Aqui estamos com pensamento positivo, imbuídos dos melhores propósitos para, se não fizermos este ano, a partir dessa reflexão que proponho, possamos todos nós, juntos, ao lado da sociedade brasileira, discutir as melhores formas, os melhores caminhos, os melhores instrumentos para que o Estado brasileiro possa cumprir efetivamente o seu papel, o papel de todo o Estado, que é assegurar a felicidade ao povo.

Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/12/2003 - Página 41711