Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas ao poder excessivo do Ministro da Casa Civil, Sr. José Dirceu, no governo Lula.

Autor
Antero Paes de Barros (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/MT)
Nome completo: Antero Paes de Barros Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. SISTEMA DE GOVERNO. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • Críticas ao poder excessivo do Ministro da Casa Civil, Sr. José Dirceu, no governo Lula.
Publicação
Publicação no DSF de 30/01/2004 - Página 1845
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. SISTEMA DE GOVERNO. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • COMENTARIO, DEMISSÃO, CRISTOVAM BUARQUE, EX MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), SAUDAÇÃO, RETORNO, POLITICO, SENADO.
  • QUESTIONAMENTO, FALTA, ETICA, GOVERNO FEDERAL, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), CONDUTA, JOSE DIRCEU, MINISTRO DE ESTADO, CHEFE, CASA CIVIL, DESEMPENHO FUNCIONAL, SIMILARIDADE, PRIMEIRO-MINISTRO, IMPEDIMENTO, ATUAÇÃO, JOSE ALENCAR, VICE-PRESIDENTE DA REPUBLICA, OPORTUNIDADE, VIAGEM, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • ANUNCIO, APRESENTAÇÃO, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ORADOR, IMPLANTAÇÃO, PARLAMENTARISMO, BRASIL.
  • DENUNCIA, INFLUENCIA, BANQUEIRO, AMBITO INTERNACIONAL, BANCO CENTRAL DO BRASIL (BACEN), POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, GOVERNO FEDERAL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. ANTERO PAES DE BARROS (PSDB - MT. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, inicialmente, quero aproveitar a oportunidade para saudar a volta ao Senado da República do respeitado intelectual Cristovam Buarque, ex-Reitor da Universidade de Brasília e ex-Ministro da Educação. Tenho a convicção de que o retorno do Senador Cristovam Buarque contribuirá para os debates do Senado. Intelectual respeitado, político íntegro, não tenho nenhuma dúvida de que S. Exª, com suas idéias inovadoras, enriquecerá os grandes temas nacionais que devem ser debatidos nesta Casa.

E é exatamente isso que estamos propondo na sessão de hoje, Sr. Presidente, que possamos fazer um debate sobre os recentes acontecimentos ocorridos em nosso País. O Brasil vive perigosamente um momento em que, sem termos adotado o sistema parlamentarista, tem visto seu Vice-Presidente da República, o ex-Senador José Alencar - que merece, também, uma solidariedade pessoal -, de uns tempos a esta data, sendo seguidamente motivo de ataques, de investigação, de procedimentos. Tudo isso por ter seu chefe de gabinete encaminhado um bilhete no qual não existe ordem nenhuma para executar nenhuma decisão, mas, sim, um pedido para avaliar com carinho a situação de um médico que é neto de um senhor de mais de 90 anos de idade, amigo de Sua Excelência, que pediu isso ao Vice-Presidente da República.

O que está em nossa Constituição? Quais são os poderes do Presidente e do Vice-Presidente da República? Entre os poderes do Vice-Presidente da República está o de substituir o Presidente. O que é que ocorre no sistema presidencialista, que é o que vivemos? O Presidente viajou, está na Índia. Assume o governo o Vice-Presidente da República. É isso que tem acontecido em nosso País? Com quem têm despachado os Ministros? Com o Vice-Presidente da República? Não. Está praticamente extinta a função do Vice-Presidente da República, o ex-Senador José Alencar.

Quero aqui dizer que, na reabertura dos nossos trabalhos, no início de fevereiro - e tomei essa decisão não no dia em que José Dirceu assumiu o comando do Governo, a chefia do Governo brasileiro, mas no dia do falecimento do Senador José Richa -, pretendo apresentar uma emenda, à qual inclusive darei o nome de Emenda José Richa, para que possamos discutir neste Parlamento a possibilidade da volta do parlamentarismo, a possibilidade de fazermos uma reforma constitucional. Apresentaremos uma emenda para que, a partir de 2010 - para que haja tempo suficiente para o debate -, possamos aqui debater o sistema parlamentarista.

No presidencialismo, não cabe isso a que estamos assistindo. Estão subtraídas todas, rigorosamente todas, as funções do Vice-Presidente da República, José Alencar. Não creio que isso seja confortável para o Governo brasileiro.

Creio que o PT, com as suas decisões, com as decisões do que eles denominam lá de “núcleo duro”, chega a colocar em debate uma questão fundamental para a democracia brasileira, que é o quê? Que democracia teremos? No instante em que se propõe a necessidade da reforma política, há, na prática, um movimento do Poder Executivo no sentido de cooptar e extinguir alguns partidos políticos.

O Garotinho, quando pertencia ao Partido Socialista Brasileiro, representava um estorvo enorme para o Governo. O Garotinho saiu do PSB, que, em seguida, viu divulgada pela imprensa a possibilidade de transferência de dois de seus Governadores para o Partido do Governo. E há um visível enfraquecimento dessa legenda na medida em que se pretende que todos os partidos se agrupem no Partido dos Trabalhadores. É o Governo, é o Executivo, é a máquina agindo para tentar convencer o Governador Paulo Hartung, para tentar convencer o Governador Ronaldo Lessa. Quem disse isso? A imprensa brasileira. E isso ficou muito claro, inclusive, quando o Governador de Alagoas retirou a sua candidatura no debate interno do Congresso do Partido Socialista Brasileiro.

Os partidos da esquerda democrática brasileira continuam sendo diariamente assediados para que se transformem exclusivamente no Partido do Governo. E está faltando um debate sobre isso aqui no Senado.

Como vamos votar, como vamos debater a reforma política se não houve nenhuma convenção extraordinária - o que o PT trata, no seu estatuto, de encontro nacional - para que fosse fechada questão sobre a reforma da previdência na Câmara dos Deputados? O que houve foi uma reunião da Direção Nacional obrigando os Deputados a votarem favoravelmente ao relatório, que ninguém conhecia e que seria apresentado na reforma da previdência.

É essa a fidelidade? A fidelidade tem que ser ao estatuto, ao programa, àquilo que é deliberado pela maioria do partido e não a fidelidade ao politburo, ao comitê central, a algo que controla com centralismo democrático aquilo que os Parlamentares devem fazer.

José Dirceu assume o Governo no momento em que o desemprego bate novo recorde. No Governo Dirceu, segundo o Dieese, a taxa de desemprego, que era de 19% em 2002, fechou em 19,9% em 2003, e a renda do trabalhador também caiu, fechou dezembro de 2003 6,4% menor do que em 2002.

O Senado precisa aprofundar a discussão sobre o desempenho do Governo do PT. O Chefe da Casa Civil, eu já disse aqui, virou o comandante do Governo. E eu tenho uma convicção: na eleição de 2002, o povo votou em Luiz Inácio Lula da Silva, não em José Dirceu, para a Presidência da República, para ser o Chefe do Governo brasileiro. O Chefe do Governo eleito pelo povo brasileiro foi Luiz Inácio Lula da Silva. Isso é contrariar, inclusive, a vontade democrática da população.

E o Presidente Lula demonstra enorme desconforto com o exercício do poder aqui no Brasil, e deseja realmente, pelas suas posições, se transformar - o que, aliás, acho que faz bem - num garoto-propaganda deste Governo do PT, ao viajar para o exterior e mostrar as novas articulações políticas e internacionais do Governo brasileiro.

Mas quem administra a máquina está lá. É obrigação exclusiva do Presidente da República organizar a administração do Brasil com o auxílio dos Ministros. É o Presidente quem tem feito isso ou é o Zé Dirceu? A população votou em quem? No Lula ou no Super Zé?

Sobre o Vice-Presidente, José Alencar, tenho a dizer que a sua situação só é comparável à do também mineiro Pedro Aleixo, com pequenas diferenças. Pedro Aleixo, Vice-Presidente, foi impedido de assumir a Presidência quando o Marechal Costa e Silva adoeceu, às vésperas da decretação do Ato Institucional nº 5. Em lugar de Aleixo, em 1968, assumiu o poder uma junta militar quando ocorreu o falecimento de Costa e Silva.

Hoje, quando o Presidente viaja, a única diferença é que não assume o Vice, mas o Chefe da Casa Civil, José Dirceu. A história se repete em cima de um mineiro, um homem que é admirado e respeitado inclusive pela oposição, e as pessoas não podem deixar de reconhecer que a presença de José Alencar como candidato a Vice-Presidente na chapa de Lula somou durante a campanha eleitoral, dadas as desconfianças, principalmente do setor empresarial, em relação ao que poderia vir a ser um governo do PT.

Não há mais nenhuma dúvida sobre quem manda. Fico até assustado com algumas teses, como: o Ministro José Dirceu perdeu metade dos seus poderes. Ora, só quem não sabe ler acredita. O Ministro José Dirceu deixou de fazer a articulação política, mas essa articulação deverá prestar contas ao Ministro José Dirceu. Acredito que o Governo foi feliz ao escolher o Deputado Aldo Rebelo para a Secretaria de Articulação Política, pois é um homem de diálogo, que viveu no embate democrático. Mas não tenho nenhuma dúvida de que não foram diminuídos os poderes de José Dirceu. Ao contrário, S. Exª virou o grande operador do Governo para o ano das eleições municipais de 2004. Não há dúvida, portanto, de que quem manda é o Super Zé.

O Ministro José Dirceu manda no Governo e comanda o Partido do Governo. Aliás, este é um outro debate: o que é partido e o que é Partido do Governo? E foi assim com o PSDB também. Os partidos que elegem um Presidente da República tendem a obedecer às ordens emanadas do Palácio do Planalto. Seria importante que o PT, pela sua história democrática, tivesse contribuído com a autonomia partidária, com o Partido ajudando o Governo a estabelecer, realmente, determinadas diferenças entre o que pensa o Partido e o que pensa o Governo. É até normal existirem diferenças de comportamento entre o PT e o Governo, porque este não está sendo exercido exclusivamente em nome do PT. Então, é absolutamente normal que isso ocorra.

Mas isso não ocorre. José Genoíno é mais um executor das ordens do Ministro José Dirceu, que consegue não só assumir o Governo, como também o comando do Partido. Tenho certeza, pelo que conheço do Genoíno - fui seu colega na Câmara dos Deputados -, de que ele não se sente bem fazendo muito das coisas que fez durante o ano de 2003.

Por enquanto, o Ministro José Dirceu ainda não está mandando totalmente na área econômica. Lá, quem manda ainda é o Ministro Palocci, com a assessoria de uma banca internacional que tomou conta do Banco Central.

O Banco Central não é nada mais do que um pool de banqueiros internacionais. E esta é a primeira vez que o Governo brasileiro tem a coragem de lotear o Banco Central entre o BankBoston, o Citibank, o Bradesco, o Unibanco e outros. Eles formulam a política econômica e o Governo a executa. O FMI aplaude. A banca internacional vibra. Essa é a situação da política econômica.

O desemprego bate recorde, mas o Banco Central mantém os juros altos e freia o crescimento econômico. O País não cresce, mas a área econômica aumenta a carga tributária, amplia o arrocho fiscal, para garantir o superávit primário e o pagamento dos juros aos banqueiros estrangeiros.

O desemprego bate recorde. As empresas não têm dinheiro para contratar, e o trabalhador fica sem emprego e sem salário. Mas os banqueiros recebem religiosamente em dia. Indignação do Senador Ramez Tebet: “Não é possível que no sistema capitalista brasileiro só os bancos não podem correr risco nenhum. Tem que haver realmente uma proteção ao sistema financeiro, e somente os bancos não correm risco nenhum neste País. E o Governo ainda pretende discutir a questão do Banco Central!”

Quando do debate sobre a indicação do Dr. Henrique Meirelles, que teve sua origem no meu Partido, levantei um questionamento que desde aquela época ainda não passou na Mesa do Senado da República. Com ele, eu pretendia ter em mãos as informações que um Senador brasileiro tem o direito de ter, como o contrato de aposentadoria do Sr. Henrique Meirelles no BankBoston. Assim, seriam dissipadas as dúvidas que foram levantadas pela imprensa brasileira de que esse contrato reza que S. Sª só poderia exercer alguma função com a autorização desse Banco.

Se S. Sª precisa de autorização para exercer a Presidência do Banco Central, que tem como uma de suas funções fiscalizar o Sistema Financeiro, creio que ao Senado da República deveria ser permitido - o que até agora não ocorreu - conhecer detalhadamente essa situação. Tomara que assim não seja.

Devo dizer ainda que a atual política econômica não é a que o Presidente Lula prometeu na campanha eleitoral. O Presidente prometeu emprego, crescimento econômico, juros baixos, apoio às empresas nacionais - a quem agora este pedindo para não chorarem -, respeito ao aposentado, aumento da renda do trabalhador. É de se indagar: é a isso que estamos assistindo durante o Governo Lula/José Dirceu? Lula prometeu verbas para a educação e para o social.

Não vou aqui questionar a ética, a forma da demissão do Ministro Cristovam Buarque. No sistema presidencialista, todo ministro é demissível ad nutum, e a qualquer momento, pelo Presidente da República. O Senador Cristovam Buarque, ex-Ministro, é um homem digno, honrado e merecia um tratamento ético mais respeitoso, merecia ser comunicado.

Não falarei absolutamente nada contra o novo Ministro. Tenho por S. Exª um respeito extraordinário. Fui seu colega na Câmara dos Deputados e sei que é intelectual brilhante. Também sei que é direito do Presidente da República tirar um Ministro, mas a forma causa estranheza até aos que fazem oposição e aos que têm no Senador Cristovam Buarque um respeitável adversário, inclusive, a partir de então, nas tribunas do Senado da República. 

Na verdade, o Ministro Cristovam foi demitido porque cobrou verbas para educação, porque mandou os jovens pintarem a cara, porque disse que a universidade tinha que se organizar e cobrar, porque disse que os estudantes tinham que cobrar ensino de qualidade. Todo Ministro que entra diz: “Olha, não vou cobrar mais verbas. Vou, internamente, formular políticas para ver se conseguimos mais verbas”. Mas não pode ser assim. Ou o Brasil investe na educação ou ficaremos décadas atrasados. Ou o Brasil tem uma política para a ciência e para a tecnologia ou continuará atrasado. 

Não foi, repito, justa e correta a forma da demissão. Assim como também não está correto o silêncio quanto às reivindicações das áreas sociais. A educação é uma das principais áreas do Governo. Para a saúde, só não houve o retrocesso de R$4 bilhões porque o Congresso brasileiro se movimentou para impedir um assalto às verbas da saúde.

O Presidente brasileiro vai à Índia - diz que está trocando experiências - oferecer aos indianos aquilo que não tem: a experiência do Fome Zero. Tanto não tem que demitiu o Ministro do Fome Zero. A experiência do Fome Zero é zero! Que experiência é essa a ser transmitida aos indianos? O Fome Zero, repito, é a melhor idéia do Governo, porque precisamos realmente de uma atuação na emergência social, mas também é o pior programa. 

Torço para que o mineiro Patrus Ananias consiga gerenciar com responsabilidade, de forma a atender essa emergência social no Brasil.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não podemos assistir a tudo isso de maneira impassível. As coisas não estão belas, nem cor-de-rosa, como afirmam todos os dias os áulicos e aqueles que têm sido brindados com cargos no Governo. Temos de discutir, temos de contestar, criticar, cobrar explicações, pedir informações. O Senado não pode se furtar aos grandes debates nacionais.

Durante e após a campanha eleitoral, dizia-se que a esperança venceu o medo, mas a postura autoritária e auto-suficiente do Governo está minando as esperanças da maioria dos brasileiros que depositaram seu voto no Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, repito, e não em José Dirceu. Isso pode resultar em grande frustração de toda a Nação, e estamos propondo fazer um debate no Senado da República sobre esses grandes temas.

Pessoalmente, não tenho absolutamente nada contra o parlamentarismo; ao contrário, fui Deputado Constituinte e votei favoravelmente ao sistema parlamentarista. Na reabertura dos trabalhos, apresentarei a emenda parlamentarista a partir de 2010. Considero um desrespeito o fato de que, o Presidente, quando viaje, subtraia todas as obrigações e deveres do Vice-Presidente da República, que hoje é uma figura absolutamente decorativa no Palácio do Planalto - a quem presto as minhas homenagens desejando que a história de José Alencar e aquilo que está na Constituição possam ser respeitados neste País.

Era o que tinha a dizer Sr. Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/01/2004 - Página 1845