Discurso durante a 12ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas ao descaso do governo federal em relação às enchentes nos Estados. Comentários sobre reportagem publicada no jornal Folha de S.Paulo intitulada "Escândalo do Refis", que faz críticas aos prazos de financiamentos das dívidas das empresas adotados pelo Programa de Recuperação Fiscal.

Autor
Antonio Carlos Magalhães (PFL - Partido da Frente Liberal/BA)
Nome completo: Antonio Carlos Peixoto de Magalhães
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA FISCAL.:
  • Críticas ao descaso do governo federal em relação às enchentes nos Estados. Comentários sobre reportagem publicada no jornal Folha de S.Paulo intitulada "Escândalo do Refis", que faz críticas aos prazos de financiamentos das dívidas das empresas adotados pelo Programa de Recuperação Fiscal.
Aparteantes
José Agripino, Romeu Tuma, Sergio Guerra, Tasso Jereissati.
Publicação
Publicação no DSF de 04/02/2004 - Página 2565
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO. POLITICA FISCAL.
Indexação
  • CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, CRIAÇÃO, CARGO EM COMISSÃO, AUSENCIA, CONCURSO PUBLICO, INEFICACIA, MINISTERIO DA INTEGRAÇÃO NACIONAL, AUXILIO, CALAMIDADE PUBLICA, DISCRIMINAÇÃO, REGIÃO NORDESTE.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DENUNCIA, CORRUPÇÃO, PROGRAMA DE RECUPERAÇÃO FISCAL (REFIS), PARCELAMENTO, DIVIDA, EMPRESARIO, RECEITA FEDERAL, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL (INSS), IRREGULARIDADE, CALCULO, INCIDENCIA, FATURAMENTO, FAVORECIMENTO, EMPRESA, DESRESPEITO, CIDADÃO, TRABALHADOR, CONTRIBUINTE, IMPOSTO DE RENDA, FALTA, FISCALIZAÇÃO, DIVERGENCIA, CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO (CGU), PROCURADORIA GERAL DA FAZENDA NACIONAL.
  • SUGESTÃO, CONVOCAÇÃO, SENADO, SECRETARIO, RECEITA FEDERAL, PROCURADOR-GERAL, FAZENDA NACIONAL, ESCLARECIMENTOS, DADOS, DEBITOS, PROVIDENCIA, FISCALIZAÇÃO, DEFESA, ELABORAÇÃO, PROJETO DE LEI, APERFEIÇOAMENTO, PROGRAMA DE RECUPERAÇÃO FISCAL (REFIS).

O SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES (PFL - BA. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, algumas vezes a Nação é chamada a opinar sobre escândalos, que infelizmente aconteceram ou acontecem com a complacência do Congresso Nacional.

Poderia pedir a palavra hoje para falar sobre os inacreditáveis números de cargos em comissão que serão criados pelo Governo. Ou também - o que é mais grave - pelo descaso nunca visto em relação às enchentes que prejudicaram e prejudicam todos os Estados do Nordeste. Nenhuma providência foi tomada, mas é dever de todas as Bancadas nordestinas e dos governadores dos Estados não só virem ao Congresso Nacional, como exigirem do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva que olhe para essa região, onde Sua Excelência nasceu, e que sofre hoje os horrores das enchentes.

Devo dizer, até contristado, que tenho no Sr. Ciro Gomes um dos melhores homens públicos do País. Entretanto, a sua atuação no caso é digna de crítica, porque não se conhece uma providência tomada por S. Exª, Ministro da Integração Nacional, sobre tão grave problema.

Sr. Presidente, o próprio Presidente Luiz Inácio Lula da Silva diz que está triste com a falta de atuação do Governo no caso das enchentes. Eu não entendo essa maneira de governar. Sua Excelência fala para quem? Para si mesmo? Sua Excelência é o responsável maior, nomeia e demite ministros, é quem toma as providências; e não é possível, por mais longe que estivesse, na Índia, que não fosse informado das enchentes que estavam destruindo vários Estados do Nordeste.

Espero providências políticas e administrativas, forçadas pelo Congresso Nacional em relação a esse problema. O assunto, porém, que me traz à tribuna é outro e de gravidade muito grande.

Com muita propriedade, a Folha de S.Paulo levantou, neste domingo e ontem, o escândalo do Refis. Em matéria do jornalista Josias de Souza, a Folha denuncia que o Governo parcela dívidas pelo prazo absurdo de até - creiam, Srªs e Srs. Senadores - oito mil e novecentos séculos. Não são dias, não são meses, mas séculos. Está aqui para que todos vejam o que se passa: 8.900 séculos. É demais.

A origem disso tem um nome: Refis, o Programa de Recuperação Fiscal, instituído em abril de 2000 no Governo do então Presidente Fernando Henrique Cardoso e reeditado no ano passado para beneficiar empresários e contribuintes inadimplentes com a Receita Federal e com o INSS.

Um dos casos absurdos, segundo relata a Folha, é o da Fama Ferragens S.A., indústria de ferragens e fechaduras, que aderiu ao Refis I, em 2000, por débitos tributários de R$128 milhões para pagar - vejam V. Exªs - uma média de R$12 por mês - quase tiro agora uma nota de R$10 para mostrar que era isso que pagava por mês, com um débito de mais de R$100 milhões.

Ora, Excelências, é grande a lista dos casos simplesmente inacreditáveis. Calculem, V. Exªs, o que ainda não se conhece!

Cento e setenta e um mil e duzentos e trinta e sete anos é o tempo que levará a Comercial Gentil Moreira S.A., empresa do ramo de alimentos, para quitar seus débitos. Deve R$314 milhões ao Fisco e paga apenas R$153 por mês.

A rede de eletrodomésticos Arapuã, que anuncia tanto, dizendo que tem o mesmo faturamento desde 1995, de acordo com o presidente, Sr. Renato Jacob, paga R$1.000 por mês e, se não atrasar as prestações, estará livre do Refis em 348 anos. Se ainda existir, daqui a pelo menos seis ou sete gerações, Srªs e Srs. Senadores.

Até a CESP, Companhia Energética de São Paulo, está na relação de devedores. E com um débito expressivo: um trilhão duzentos e quarenta e oito bilhões cento e setenta mil reais para pagar no prazo de 61 anos.

A Editora Três, que publica a revista Isto É, entrou no Refis com uma dívida de R$222,406 milhões, que paga em parcelas que podem se estender por 344 anos, a depender do faturamento declarado pela empresa.

Eu, que só tenho razões para criticar a Editora Três, tenho que louvar a franqueza do seu proprietário, o Dr. Domingos Alzugaray. Ele declara simplesmente que, como está, a dívida não vai ser paga, mesmo em 344 anos.

O Dr. Domingos Alzugaray, dono da IstoÉ, diz: “não tem fundamento a alegação de fraude. Pagamos religiosamente pelo faturamento. O que acontece é que esse faturamento não é suficiente. O País está parado” - e ele é quem diz. “O prazo de 344 anos é até otimista. Ou começamos a faturar novamente como há cinco, seis anos, ou não vamos pagar nunca. Vamos afundar em dívidas”.

Ele próprio diz que não vai pagar nunca. Temos que louvar a afirmação do Dr. Domingos Alzugaray, que, pelo menos, tem a franqueza de dizer que, mesmo em 344 anos, não vai pagar o que deve ao Fisco.

Pela afirmação, vê-se que a quantia não será mesmo paga. Aparentemente, falou por si, mas, na realidade, expressa o que pensam muitos outros empresários.

Não só a Editora Três, mas qualquer outra editora, não têm autoridade para fazer críticas, às vezes até injustas, à sociedade, a empresários, a congressistas, a profissionais liberais, se não cumprem eles próprios seus deveres com a receita pública!

Há ainda os milhares de casos de empresas que cobram a contribuição dos seus empregados para pagamento da sua parcela do INSS e, entretanto, não só não pagam sua parte como empresários, e não acontece nada, como retêm a dos próprios empregados.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na medida em que se lêem as reportagens, verifica-se que, enquanto se beneficiam os poderosos tanto no Refis I quanto no Refis II, de outro lado, vemos, a cada momento, o pobre contribuinte do Imposto de Renda ser crucificado quando não cumpre suas obrigações exatamente por falta de recursos, bem como os pequenos e médios empresários.

São os funcionários públicos em geral que pagam de qualquer maneira, porque têm o desconto em folha, ou então os profissionais mais pobres, que nem sequer têm oportunidade de comparecer ao Imposto de Renda para cumprir com seus deveres para com o País, que vêem, assustados, a publicação de reportagens como essa, feita com tanta propriedade e competência pela Folha de S.Paulo. Só podem rir por tristeza da maneira com que este País fica a proteger apenas os ricos e deixando os pobres cada vez mais miseráveis.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é preciso dar um basta a esta verdadeira farra com o dinheiro público, essa falta de respeito com o cidadão que trabalha e recolhe impostos.

É preciso encontrar um caminho jurídico ou legal, nas duas Casas do Congresso e até mesmo nos tribunais, para corrigir essa grande injustiça com a classe trabalhadora brasileira.

A legislação que instituiu o Refis I cometeu o profundo equívoco de permitir que as parcelas mensais, a serem pagas pelos empresários ou contribuintes que aderem ao programa, sejam calculadas como um percentual do faturamento.

Sabem todos que essas empresas nem sempre declaram o faturamento real, podendo, muitas vezes, sonegar informações nas suas contabilidades e apresentar números muito abaixo dos dados reais. Isso leva às prestações irrisórias.

De outro lado, como normalmente as dívidas são muito grandes e a lei é omissa quanto ao prazo, o parcelamento mensal se estende por números absurdos de anos.

Causa indignação saber que o Programa de Combate à Fome - e isso é afirmado no Brasil e no estrangeiro - não passou até agora de apenas um slogan. Enquanto isso, nós vemos com tristeza - que tristeza, mas nós vemos!!! - que empresas, que certamente se beneficiaram de créditos polpudos dos órgãos do País têm séculos para saldar os débitos, que são bem menores do que os anunciados.

Isso porque há o objetivo, certamente, de se apontar faturamentos menores do que os reais e, conseqüentemente, as multas são sempre abaixo do que deveriam. Ninguém declara superfaturamento para a Receita Federal, só subfaturamento! Infelizmente é isso o que acontece, e o Governo fecha os olhos, há muito tempo, para a situação.

Pergunta-se - e eu não estou culpando só este Governo, pois sei que a responsabilidade vem, também, de outros governos: por que não existe uma fiscalização eficiente?

Agora, é ainda mais oportuna não só diante da gravidade da situação, mas pelas divergências notórias entre a Controladoria da República - vejam bem Excelências - e a Procuradoria da Fazenda Nacional.

A Folha revela claramente essas dificuldades que colocam claramente governo versus governo. Isso, geralmente, é muito ruim porque resulta em prejuízo para a administração. Há quatro meses, a Presidência da República recebeu da Controladoria relatório confidencial afirmando que “há indícios de malversação dos recursos da dívida ativa que foram objeto do Refis, entre outras críticas. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, porém, defende-se, alegando falta de pessoal e admite falha legal.

Não pagar imposto já é condenável; receber a oportunidade de pagar uma dívida em atraso, em condições especiais, e não honrar esse compromisso, infelizmente, não tem sido educativo; ao contrário, tem sido um estímulo para que não se pague nada neste País.

Senador Sérgio Guerra, V. Exª tem o aparte.

O Sr. Sérgio Guerra (PSDB - PE) - É muito importante que venha exatamente de V. Exª, Senador Antonio Carlos Magalhães, essa primeira palavra incisiva sobre a situação do Nordeste, que neste instante enfrenta nova crise, resultante de chuvas fortes que ocorrem, em prazo curto, em várias regiões. Há comprovação, pela sua palavra, da absoluta e total insensibilidade - mais do que insensibilidade, irresponsabilidade das autoridades - diante de um fato dramático e importante. Reclamamos aqui, vários Senadores e eu próprio, da ausência completa do Governo Federal neste episódio. A situação não será remediada pela liberação de modestíssimos recursos, cuja eficiência na sua aplicação é amplamente discutível, porque o instrumento para dar um mínimo de lógica ao enfrentamento de um problema como este é a Sudene, que foi desmontada. É a mesma Sudene que o Presidente Lula anunciou, para todo o Nordeste, na campanha política, abraçando simbolicamente o prédio onde funcionava a instituição; é a mesma Sudene que o Presidente recriou, numa reunião com mais de setenta Parlamentares, com todos os Governadores do Nordeste e com quase todos os seus Ministros, na presença do Dr. Celso Furtado. Seria a recriação da Sudene na forma adequada para os tempos atuais. Todos sabemos que seu enfraquecimento não começou neste Governo - ao contrário, começou há muito tempo - e que era preciso reformá-la profundamente. Extingui-la foi um grave erro. Mas o não cumprimento da promessa da sua recriação foi um erro ainda maior. Portanto a palavra de V. Exª, neste instante, sobre este assunto é um marco para quem quer olhar para o Nordeste de outra maneira. Sobre o Refis, vemos a indignação daqueles que são obrigados a cumprir as suas obrigações e, muitas vezes, as cumprem em dia, apesar das conjunturas e das elevadíssimas taxas de juros, que continuam alucinantes. Enfim, o pronunciamento que V. Exª faz hoje seguramente deve ser ouvido por quem tem responsabilidade no Brasil.

O SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES (PFL - BA) - Agradeço-lhe o aparte, nobre Senador Sérgio Guerra. V. Exª, que conhece a situação do Nordeste como poucos, mostra o paradoxo de não se dar qualquer recurso para o Nordeste nesta hora tão difícil que a região atravessa, ao mesmo tempo em que se facilitam, para empresas ricas, falcatruas ao ponto de deixá-las pagar em oito séculos os seus débitos, pagando apenas R$12,00 por mês. Isso é uma vergonha e V. Exª tem toda razão de exigir, como eu e como todo nordestino que tiver amor a sua região deve exigir, que o Governo Federal volte as suas vistas para essa região. E não venha o Presidente dizer, como fez hoje, que está absolutamente triste porque não se tomaram providências verdadeiras contra as enchentes. Na realidade, quem tinha de tomar providências era ele próprio com os seus Ministros. Se não tomou, ele é o responsável.

Com muito prazer, ouço o Senador Tasso Jereissati.

O Sr. Tasso Jereissati (PSDB - CE) - Senador Antonio Carlos Magalhães, realmente é muito importante este pronunciamento em que registra a indignação não só de V. Exª, mas de todos nós, nordestinos; não apenas dos Senadores, mas de todo o povo nordestino diante da situação que estamos vivendo. O Governo parece acometido de uma megalomania quando olha para fora do País com um interesse muito grande e age com desinteresse chocante quando olha para dentro do País, principalmente para as regiões mais pobres. A calamidade pública que aflige hoje o Nordeste inteiro, praticamente todos os Estados, o desinteresse, a falta de compaixão, o acompanhamento, a atitude e a reação do Governo é realmente chocante. Considerando os dados que V. Exª nos traz, da Folha de S.Paulo, sobre o Refis, e considerando as notícias que temos sobre compra de aviões, seguramente essa situação não ocorre por falta de recursos, mas por falta total de vocação, de interesse e de aptidão para a assistência à população mais pobre deste País. Congratulo-me com V. Exª, mais uma vez, por esse importante e oportuno pronunciamento.

O SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES (PFL - BA) - Meu caro Senador Tasso Jereissati, V. Exª sabe o quanto o admiro pelo seu valor, sobretudo pela sua atuação como Governador do Ceará. Tenho certeza de que, se V. Exª estivesse no Governo, como Presidente da República ou como Ministro, essa situação não se daria, de modo algum. Como diz V. Exª, o mínimo que se pode ter é solidariedade humana com aqueles que estão desabrigados, com aqueles que estão morrendo, com as famílias desamparadas. Pensam que apenas mandar um pouco de alimento, em um avião Hércules, resolverá o problema calamitoso de toda uma região. V. Exª tem toda razão, e incorporo, com muito prazer e honra, o seu aparte ao meu discurso.

Senador José Agripino. 

O Sr. José Agripino (PFL - RN) - Senador Antonio Carlos Magalhães, quero inicialmente cumprimentar V. Exª pela firmeza do seu depoimento, do seu protesto e de sua “nordestinidade”, que é ponto definitivo no caráter e na personalidade de V. Exª. Senador Antonio Carlos, tenho ouvido de representantes desse Governo fatos que me estarrecem. Ouvi, por exemplo, um Ministro dizer que não é preciso ir aos lugares e tirar fotografia para parecer que estava atuando. Deixe-me prestar um depoimento a V. Exª. Nasci em Mossoró, onde estive há dois dias. Fui Governador do meu Estado e, em 1985, tive uma das maiores aflições que pude viver naquele cargo: uma enchente que levou um pedaço da cidade e deixou uma parcela expressiva de sua população entregue à própria sorte. E tomou conta dessa sorte o Governador de então, que era eu, filho da terra. Vivi, em 1985, momentos de extrema dificuldade, como Governador, para tomar conta da minha cidade e acudi-la. De 1985 para cá, foram feitas várias obras de contenção de enchente, dentre elas, a Barragem de Santa Cruz, com 700 milhões de metros cúbicos de água armazenada, e a dicotomia do rio Mossoró. Por isso, eu supunha que Mossoró nunca mais viesse a sofrer conseqüências de enchentes. No Nordeste chove forte há bastante tempo, e em Mossoró também. No domingo, fui àquela região para comprovar que aquilo que vi em 1985 estava voltando a ocorrer, apesar de tudo o que foi feito ao longo de quase dez anos - a barragem, a dicotomia do rio. Foi preciso que eu fosse lá para constatar algo que jamais imaginei que voltaria a ver: pedaços de Mossoró inundados, parcelas de sua população desalojada e gente aflita na rua. E o Governo diz que não precisa ir a lugar algum, porque parece gesto de demagogia para ser mostrado em fotografia. Estamos vendo o Governo se mexer agora, hoje. Senador Antonio Carlos, assim como V. Exª, tenho o direito de levantar uma suspeita: será que a ação que o Governo inicia se deve às imagens da cidade de São Paulo? Digo isso porque só agora São Paulo está sofrendo uma hecatombe visível e explícita. E, por coincidência, no dia seguinte às imagens, o Governo se move para o Nordeste. Há nisso uma coincidência ou há desprezo ou descaso com a região que representamos e que V. Exª, com muita propriedade, defende e resguarda?

O SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES (PFL - BA) - Agradeço o aparte do querido Líder José Agripino, que conhece a situação do Nordeste, em especial a do Estado que por duas vezes governou com tanta proficiência. Senador José Agripino, devemos fazer uma frente nesta Casa, independentemente de Partidos, e convocar os Governadores da região para uma atitude mais séria em relação aos problemas do Nordeste e, em particular, à insensibilidade do Governo em resolvê-los - principalmente no que se refere às enchentes.

V. Exª tem razão. Quando acontece algo no Sudeste, as pessoas se deslocam para o local, não acham que é demagogia, e vão sempre atender, de uma forma ou de outra. Quando algo acontece no Nordeste, apenas procuram mandar alimentos, geralmente insuficientes e que duram muito pouco.

Não podemos aceitar isso. No entanto, nós, da Câmara e do Senado, somos culpados, porque tínhamos que ter uma atitude mais firme em relação a esse assunto. Conseqüentemente, convoco os meus colegas desta Casa, os Governadores dos Estados e todos os brasileiros de boa vontade para nos ajudarem a salvar o Nordeste dessa situação em que se encontra.

O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) - O Senador José Agripino fez referência a São Paulo. Nos últimos dias, tenho sentido uma profunda angústia com o que está acontecendo no Nordeste, até porque os Senadores que vêm a esta Casa têm levantado sua voz contra a agonia do povo do Nordeste, por falta de assistência dos governantes. E vejo que, com eficácia e convicção, com todo o vigor da sua força oratória, o Senador Antonio Carlos Magalhães traz o problema. Lembro que, quando o Senador Ney Suassuna era Ministro, S. Exª ia a todos os locais, sujava a bota de barro, tentando, pelo menos, dar solidariedade, se não pudesse resolver o problema por falta de verba. São Paulo sofreu muito ontem. Acompanhei a situação e fui aos locais que caíram em desgraça. No entanto, acredito que São Paulo tem muito mais meios para se defender do que o Nordeste. E manifestamos a nossa solidariedade com o Nordeste, porque a própria população sofrida conseguiu juntar alimentos, do pouco que tinha, para atender aqueles que perderam tudo. Então, é o que se fala da alma do nordestino. Hoje tentei, Senador Antonio Carlos Magalhães, Senador José Agripino, falar com a Prefeita Marta Suplicy. Não consegui e acreditei que estava com dificuldade na parte telefônica. Porém, quando pego o jornal, vejo que ela está em Londres, com o prefeito daquela cidade. Dizia a matéria que havia várias coincidências entre os dois: primeiro, eles têm a mesma idade; segundo, foram eleitos com 56% de votos. E ela ia fazer uma palestra sobre Aids. Enquanto isso, vários paulistas estavam soterrados em razão dos desmoronamentos ocorridos pela força da água. Há uma estrutura de defesa civil que está funcionando, está trabalhando, mas a desgraça caiu sobre São Paulo. E os administradores, nessa hora, têm que largar tudo o que estão fazendo para ir aos locais atingidos e decidir o que fazer. Nessa hora, é muito difícil um Ministro tomar iniciativa. Senador Antonio Carlos Magalhães, a solidariedade dos paulistas com discurso de V. Exª em defesa do Nordeste.

O SR. ANTONIO CARLOS MAGALHÃES (PFL - BA) - Agradeço, querido amigo Romeu Tuma, suas palavras. A solidariedade de São Paulo é importante, pois tantos nordestinos moram naquela terra e também sofrem os problemas da enchente.

A Prefeita Marta Suplicy não pode dizer que não sabia dos temporais que estavam previstos para São Paulo até o dia de ontem, pelo menos. Conseqüentemente, a Prefeita foi a Londres porque julgou mais importante sua ida àquele país do que socorrer os seus concidadãos, os seus companheiros de São Paulo.

Mas quero voltar a tratar da questão do Refis, para encerrar, Sr. Presidente.

Não pagar imposto já é condenável. Receber uma oportunidade de pagar dívidas em atraso, em condições especiais, e não honrar esse compromisso, infelizmente, não tem sido educativo. O resultado tem sido o incentivo ao CALOTE, Por que o Refis I, em 2000, e a nova chance do Refis II, no ano passado? Até quando haverá novas e outras chances? Certamente, vejo que essas firmas são quase todas de São Paulo, do Rio e de lugares mais importantes.

O Cadastro de Informações da Dívida Ativa da União - Cida, possui hoje QUATRO E MEIO MILHÕES de nomes, entre pessoas físicas e jurídicas, que devem ao Governo CENTO E NOVENTA E OITO BILHÕES DE REAIS, dos quais CENTO E CINQÜENTA E QUATRO BILHÕES DE REAIS são passíveis de cobrança, pelas normas legais. Só no Estado de São Paulo, estima-se estar concentrada metade da dívida - cerca de CEM BILHÕES DE REAIS.

Impõe-se a fiscalização, mas há também problemas de ordem administrativa extremamente preocupantes. A Folha de S.Paulo revela que a rede de computadores da Procuradoria da Fazenda tornou-se um portal aberto à fraude.

Segundo o jornal, o maior escritório em São Paulo coleciona indícios de violações e fraudes ao sistema de registro da Dívida Ativa da União. Diz que o Frigorífico Margem Ltda. figurava no cadastro com dois débitos de valores diferentes.

Além disso, a Procuradoria da Fazenda registrava o pagamento dos débitos em 3 de abril de 2001, enquanto, nos computadores da Receita Federal, não constava qualquer pagamento ao Tesouro.

Quando se exige austeridade nos gastos - o que é normal - é também necessário enfrentar esse problema que não pode continuar. Senão, essa austeridade é apenas de palavras e não uma austeridade real.

Para haver gastos, é preciso haver receita. Para haver receita, é preciso fiscalização. Só assim vamos encontrar os meios para moralizar o sistema.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, temos responsabilidade e devemos agir. Urge a reformulação da legislação, aperfeiçoar os mecanismos de controle e a fiscalização e, assim, acabar com essas distorções, fraudes e sonegação que ofendem o cidadão brasileiro.

Quero registrar aqui algumas providências que podemos tomar sem demora. Entre elas:

I - Convocar imediatamente o Secretário da Receita Federal para apresentar à Comissão de Assuntos Econômicos dados concretos sobre o real montante dos débitos e informar o que está sendo feito para intensificar a fiscalização sobre o faturamento das empresas inscritas no Programa Refis I e Refis II, suas deficiências e sua utilidade;

            II - Convocar o Procurador-Geral da Fazenda Nacional para prestar informações sobre as providências adotadas para exigir o cumprimento dos parcelamentos realizados e das medidas para reduzir os prazos, executar pendências e alterar condições de parcelamento do programa Refis;

III - elaborar projeto de lei visando a eliminar as graves distorções do sistema e propiciar ao Poder Público condições de obter o efetivo pagamento dos débitos tributários.

Sr. Presidente, agradeço a V. Exª pela generosidade.

Não podemos mais permitir esse escândalo.

Em nome da moralidade e da responsabilidade que temos com os recursos públicos, vamos lutar cada vez com mais intensidade para que esses assuntos não voltem a esta Casa, pois eles entristecem o Congresso Nacional e, mais do que isso, exigem de nós providências urgentes para acabar com o favorecimento, cada vez maior, dos Governos aos ricos em detrimento da pobreza abandonada.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/02/2004 - Página 2565