Discurso durante a 14ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Necessidade de regulamentação, pelo Executivo, do Estatuto do Desarmamento, sob pena de virar letra morta.

Autor
César Borges (PFL - Partido da Frente Liberal/BA)
Nome completo: César Augusto Rabello Borges
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Necessidade de regulamentação, pelo Executivo, do Estatuto do Desarmamento, sob pena de virar letra morta.
Publicação
Publicação no DSF de 12/03/2004 - Página 6712
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • FRUSTRAÇÃO, RISCOS, VIGENCIA, ESTATUTO, DESARMAMENTO, MOTIVO, ATUAÇÃO, JUIZ, ESTADO DE GOIAS (GO), DESCUMPRIMENTO, LEGISLAÇÃO, DECLARAÇÃO, PREVISÃO, INAPLICAÇÃO, DESRESPEITO, CONGRESSO NACIONAL, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, OPINIÃO, ORADOR, TRIBUNAL DE JUSTIÇA, REITERAÇÃO, DEFESA, CONTROLE EXTERNO, JUDICIARIO.
  • APREENSÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), ALTERAÇÃO, ESTATUTO, DESARMAMENTO, LOBBY, AUMENTO, NUMERO, GUARDA MUNICIPAL, PAIS, DENUNCIA, FAVORECIMENTO, INDUSTRIA, ARMAMENTO.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, DEMORA, REGULAMENTAÇÃO, ARTIGO, ESTATUTO, DESARMAMENTO, INCENTIVO, DESCUMPRIMENTO, AUSENCIA, CAMPANHA, DIVULGAÇÃO, EDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), ALTERAÇÃO, NORMA JURIDICA.
  • COMENTARIO, INICIO, REDUÇÃO, ESTATISTICA, HOMICIDIO, UTILIZAÇÃO, ARMA DE FOGO.

O SR. CÉSAR BORGES (PFL - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, há exatos 93 dias aprovamos nesta Casa, em uma tarde memorável, o Estatuto do Desarmamento, que foi comemorado como uma conquista histórica do povo brasileiro, inclusive com movimento nas ruas, nas principais metrópoles. Diversas organizações não-governamentais se mobilizaram e vieram a esta Casa.

Depois de meses de muitas discussões, e também de muitas pressões, o Congresso atendeu ao anseio de milhões de brasileiros que desejam um País sem armas, um País que viva em paz, onde não se ceifem, a cada ano, 50 mil vidas, por uso de armas de fogo.

Apesar dessa importante vitória, o clima que o País vive hoje é de frustração. O Estatuto do Desarmamento corre grande perigo. O que tenho em minhas mãos são notícias da grande imprensa nacional que mostram que há juízes que não vêm cumprindo o que determina o Estatuto.

Sr. Presidente, vivemos em um Estado democrático de direito e os magistrados sabem, ou pelo menos deveriam saber, que as leis devem ser cumpridas ou não teremos um verdadeiro Estado democrático e muito menos de direito.

Ao Poder Legislativo incumbe a nobre missão de fazer as leis, que acompanham a evolução do mundo e da sociedade. É por isso que temos, no Parlamento, representantes eleitos diretamente pelo povo, que trazem as aspirações e anseios do povo, que quer novas leis que tenham sintonia com a realidade do País.

O Estatuto do Desarmamento é um exemplo da força da democracia. Diante de um novo fato, a insegurança em que vivem milhões de brasileiros, a sociedade decidiu se desarmar, por seus representantes no Congresso Nacional, por seus representantes na Câmara e no Senado.

O Estatuto do Desarmamento passou por esta Casa; depois de discussão, da formação de uma Comissão Mista, foi aprovado; seguiu para a Câmara dos Deputados, onde foi aprovado com modificações, retornou a esta Casa revisora, sofreu novas modificações e obteve uma segunda aprovação; daqui foi à sanção do Presidente da República.

Pois bem, após tudo isso, um juiz resolve que não tem de obedecer a uma lei legitimamente aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República.

Pesquisa realizada por diversos institutos e pelo Ibope concluiu que 82% da população brasileira concorda com um controle mais rigoroso das armas de fogo no nosso País.

Apesar do desejo da sociedade, materializado aqui pela mudança da legislação das armas, vejam Srªs e Srs. Senadores, o que disse o Juiz Ricardo Teixeira Lemos, plantonista em Piracanjuba, no Estado de Goiás: “Graças a Deus o juiz não é obrigado a engolir qualquer lei. Podemos deixar de aplicá-la de acordo com o nosso livre convencimento”.

Isso é um absurdo. Esse mesmo juiz desobedeceu ao Estatuto do Desarmamento e colocou em liberdade réus detidos por porte ilegal de armas.

Ora, Sr. Presidente, essa é uma situação grave. Se uma lei discutida e votada por representantes do povo pode ser completamente ignorada por um juiz, a democracia está em perigo. Esse juiz tinha que ser afastado pelo Tribunal de Justiça, pois não está cumprindo uma lei aprovada pelo Congresso e sancionada pelo Presidente da República, ambos com legitimidade obtida nas urnas.

O magistrado chegou a afirmar que “o Estatuto do Desarmamento tem tudo para cair em desuso”. Ele se colocou na autoridade de quem está acima da lei, acima do Congresso Nacional, acima do Presidente da República. Isso é um desrespeito ao Parlamento, à Constituição e à própria sociedade.

São atitudes como essa que nos levam a refletir sobre a necessidade de instituir o controle externo do Poder Judiciário, atendendo a mais um desejo da sociedade brasileira. Como pode um juiz dizer que julga da forma que quiser, ao seu talante, independentemente do que diz a lei, e ficar tudo por isso mesmo? É claro que os juizes têm que ter independência para julgar, mas é essencial que o façam dentro dos limites das leis que os representantes do povo estabeleceram. Essa é a essência da democracia.

Srªs e Srs. Senadores, não bastasse o descumprimento da lei por alguns magistrados, também, infelizmente, o Poder Executivo vem trabalhando contra o Estatuto do Desarmamento. Temos ouvido notícias de que as negociações envolvendo a MP nº 157, editada recentemente pelo Governo Federal e que atualmente está tramitando na Câmara dos Deputados, podem criar verdadeiras milícias armadas em cidades com menos de 250 mil habitantes.

Lobby estaria atuando no Congresso Nacional para, por intermédio do Conselho Nacional das Guardas Municipais, triplicar o contingente de guardas municipais em todo o País.

Aprovamos aqui o Estatuto do Desarmamento - e a Medida Provisória nº 157 foi editada logo em seguida, modificando-o -, que limitava o porte de armas a cidades com mais de 500 mil habitantes e permitia que cidades com 250 a 500 mil habitantes pudessem ter porte de armas apenas em serviço; as cidades com população abaixo de 250 mil não poderiam, para preservar a tranqüilidade em cidades de pequeno porte e para que os prefeitos municipais não usassem essas guardas como guardas pretorianas.

Pois a Medida Provisória nº 157 está reduzindo esse limite mínimo para 50 mil habitantes. E existe lobby para que seja permitido que qualquer prefeitura crie a sua guarda municipal e se armem milhares de guardas municipais por todo o País, mais uma vez permitindo a circulação de armas de fogo no meio da nossa sociedade, sob o falso argumento de que isso vai trazer mais tranqüilidade e mais segurança. 

Será que os 82% dos brasileiros que aprovaram o controle mais rigoroso das armas de fogo concordam com essa medida provisória? A quem realmente interessa a aprovação dessa MP? À população, ao Governo ou à indústria de armamentos?

Sr. Presidente, não bastasse ter editado a Medida Provisória do Armamento, o Poder Executivo não tem cumprido seu papel na consolidação do Estatuto do Desarmamento, deixando assim que ele não passe de letra morta.

Desde a pomposa cerimônia de sanção da Lei nº 10.826, de 2003, que atraiu os olhos da opinião pública, o Estatuto foi deixado de lado pelo Governo.

Vejam, Srªs e Srs. Senadores, que temos uma medida provisória de caráter urgente e relevante para armar guardas municipais, mas, até agora, não há regulamentação de muitos pontos do Estatuto do Desarmamento, inclusive da entrega voluntária das armas ilegais pela população.

Será que armar guardas municipais é mais importante do que retirar a arma ilegal que circula no meio da pacífica população brasileira? Ou será que o lobby da população não é tão poderoso quanto o lobby das armas?

A falta de regulamentação serve inclusive como motivo para descumprimento do Estatuto. Uma liminar da Justiça Federal dispensou uma Escola e Clube de Tiro em Porto Alegre de cumprir os requisitos não regulamentados do Estatuto do Desarmamento, mantendo as exigências da legislação anterior (Decreto nº 2.222/97).

Por quê? Porque não foi regulamentado o Estatuto do Desarmamento, algo que é obrigação do Poder Executivo, e esta Casa não pode, de forma nenhuma, infelizmente, de acordo com a legislação, fazer essa regulamentação.

O juiz substituto da 12ª Vara Federal de Porto Alegre, Marcel Citro de Azevedo, aceitou a tese de que a falta de regulamentação está restringindo o exercício das atividades da empresa.

Também a divulgação do Estatuto, infelizmente, não feita pelo Poder Executivo. Ora, trata-se de um assunto importante e urgente que afeta a vida de milhões e milhões de brasileiros e exige mais do que uma mobilização urgente, inclusive da opinião pública. E quem tem que comandar isso é o Poder Executivo, que recebeu a legislação para colocá-la em prática.

É preciso realizar essa campanha de conscientização imediatamente para alertar a população de que há uma nova legislação sobre armas, que foi dada ao País para lhe trazer tranqüilidade e salvar milhões de vidas.

Apesar da insensibilidade de determinados juízes e da falta de apoio do Executivo, tenho certeza de que resultados positivos do Estatuto do Desarmamento já apareceram e vão continuar aparecendo. Temos notícia de que já começa a mudar o perfil da criminalidade no País. As ocorrências com armas de fogo nos homicídios estão dando lugar hoje a delitos com utilização de arma branca ou mesmo violência física - que, muitas vezes, tiram a vida humana; mas, outras vezes, não. E a arma de fogo quase fatalmente leva a vida humana.

Essa mudança no perfil dos delitos certamente vai impedir a morte de milhares e milhares de brasileiros, que deixarão de ser alvejados pelas armas de fogo e terão chances maiores de vida, principalmente os jovens de 16 a 24 anos, que são em sua grande maioria atingidos pelos homicídios com arma de fogo.

Finalmente, Sr. Presidente, espero que o Estatuto do Desarmamento receba todo o apoio que merece do Poder Público para transformar-se em um verdadeiro instrumento de combate à violência, como quis o povo brasileiro, cuja vontade foi expressa aqui por seus legítimos representantes. Houve a escolha de uma sociedade mais pacífica, em que todos pudessem estar de fato mais seguros.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.

Muito obrigado por esta oportunidade.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/03/2004 - Página 6712