Discurso durante a 53ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem a Universidade do Brasil, em Manaus, hoje Universidade Federal do Amazonas, pela passagem de seu nonagésimo quinto aniversário.

Autor
Jefferson Peres (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem a Universidade do Brasil, em Manaus, hoje Universidade Federal do Amazonas, pela passagem de seu nonagésimo quinto aniversário.
Aparteantes
Arthur Virgílio, Heloísa Helena, Luiz Otavio.
Publicação
Publicação no DSF de 12/05/2004 - Página 13795
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, UNIVERSIDADE FEDERAL, ESTADO DO AMAZONAS (AM), REGISTRO, HISTORIA, ELOGIO, CONTRIBUIÇÃO.
  • DEFESA, INVESTIMENTO PUBLICO, EDUCAÇÃO, OBJETIVO, DESENVOLVIMENTO NACIONAL.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PDT - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srª e Srs. Senadores, Reitor Hindemberg Frota, colegas professores, servidores da Universidade do Amazonas, poderia ter escrito um texto opulento em números e dados, poderia ter escrito um discurso com muita retórica, mas preferi não fazê-lo. Falar da Universidade do Amazonas para mim é como falar da minha família, quase como falar de mim mesmo. Foram 25 anos da minha vida na docência, mais cinco como discente, portanto, três décadas que dediquei a essa instituição.

A Universidade Federal do Amazonas, herdeira da primeira universidade brasileira, Escola Universitária Livre de Manaus, vai completar cem anos.

Podem surpreender muita gente estes dois fatos: primeiro, o Amazonas ter sido pioneiro na criação de universidades; e, segundo, essa universidade primeira ter desaparecido com tanta rapidez. Mas não há por que estranhar. Os dois fatos são perfeitamente compreensíveis porque, em 1909, o Amazonas era um dos Estados mais opulentos do Brasil. Estava no apogeu o ciclo da borracha, que dava ao Amazonas, talvez, a maior renda per capita de toda a Federação. Circulava uma quantidade enorme de riqueza; portanto, embora em parte drenada para o exterior, ainda assim, o que lá ficava era suficiente para suportar uma estrutura gigantesca.

Vejam a coincidência: essa universidade surgiu em 1909 e, em 1911, começava a debacle, que explica, por sua vez, por que essa instituição foi tão efêmera. Faltou-lhe base de sustentação. O Amazonas entrou numa funda decadência que logo levou quase ao desaparecimento da universidade. E foi uma pena que ela não tivesse surgido vinte anos antes. Talvez a própria debacle não tivesse ocorrido. Perdemos a batalha para o sudeste asiático, entre outras razões, porque, já em 1910, os ingleses criavam, em Kuala Lumpur, o Instituto de Pesquisa da Borracha. E foi o investimento em ciência e tecnologia que garantiu a sustentabilidade da economia gomífera lá, e sua falta que provocou o desaparecimento aqui.

A universidade, vinte anos depois, se resumia ao curso então chamado de Ciências Jurídicas e Sociais da Faculdade de Direito, que cursei durante cinco anos e na qual se formara meu próprio pai. A Universidade de Direito era a única então. Foi a remanescente da velha escola universitária. A única opção de curso superior para as pessoas pobres do Amazonas era aquela escola. Cursar Engenharia ou Medicina, por exemplo, era impossível para uma pessoa de classe média pobre. Muitos tiveram que fazer Direito por absoluta impossibilidade de fazer outro curso em outros Estados. Ainda está por ser levantado, estudado e demonstrado o papel que desempenhou a Faculdade de Direito, sozinha, durante décadas, como único centro formador de uma elite intelectual no Amazonas. Esse papel ainda não foi ressaltado por ninguém, em estudo nenhum. O que teria sido do Amazonas se a Faculdade de Direito tivesse submergido e desaparecido junto com a Escola Universitária Livre de Manaus?

Anos depois, já formado, graças à iniciativa do Deputado Arthur Virgílio Filho, uma coincidência feliz, pai do nosso Senador, meu grande amigo que foi seu pai, apesar da diferença de idade, homem que eu tinha em altíssima conta, um dos políticos de maiores qualidades que conheci na minha época, e graças a ele foi criada a universidade. E eu, já então professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Amazônia, estadual, incorporada à universidade recém-criada, me vi conduzido ao corpo docente da nova instituição.

Fui aluno na precursora Faculdade de Direito e depois fui docente na universidade já instalada e consolidada. Foram vinte e cinco anos da minha vida como professor, chefe de departamento, coordenador de curso, membro do Conselho Universitário. Aquela era a minha casa. Na maturidade, desempenhei três atividades diferentes: uma de burocrata, por necessidade; outra de político, por sentimento de dever; a única por vocação e prazer foi a de professor. Portanto, repetindo um velho chavão: estou senador, estou político, mas sou mesmo é professor.

E ainda hoje, por maiores que sejam as gratificações da vida pública, nunca me abandonou uma enorme nostalgia da sala de aula. Era lá a minha praia, Senadora Heloisa Helena; era lá que eu me sentia peixe no aquário. Aqui, às vezes, sim; outras vezes, não. Lá, sempre.

Nunca entendi os professores faltosos. Mas, pensando bem, para mim era muito fácil, era muito simples não ser faltoso, porque eu sentia prazer na sala de aula, e eles, não, por falta de vocação. Eu nem poderia condená-los. Para muitos talvez seja até um sacrifício dar aula, por falta de vocação. Não era o meu caso. Eu contava o tempo para entrar na sala de aula.

Eu gostaria que 25 anos tivessem sido 50. Mas, 25 anos depois, eleito para um mandato, tive de me afastar, embora não houvesse incompatibilidade de horário e me fosse permitido legalmente acumular o exercício do mandato de Vereador em Manaus com o exercício da docência na universidade. Preferi me afastar porque senti que não podia dedicar-me como gostaria e deveria à atividade docente.

De forma que falar o quê? Exaltar a universidade? Exaltar a educação? Dissertar sobre o óbvio? Ressaltar a importância da educação no Brasil?

Costumo dizer que a grande tragédia ou o grande enigma da sociedade brasileira é por que um país como o Brasil, tão bem dotado pela natureza - sem ufanismo bobo, porque o Brasil, em qualquer avaliação, estaria entre os cinco países mais bem dotados do mundo em recursos naturais, quase que condenado ao desenvolvimento -, não rompeu a barreira do desenvolvimento e apresenta esta quantidade de mazelas sociais, incompatíveis com a sua riqueza natural.

Não teria dúvida em dizer que, embora haja sempre uma conjugação de fatores a explicar os fenômenos históricos, eu colocaria como fator número um o descaso tradicional e histórico deste País com a educação, ora gastando pouco, ora gastando brutalmente mal nessa área, como dizia o falecido Mário Henrique Simonsen.

A educação não é condição suficiente de desenvolvimento, outros fatores contribuem, mas, sem dúvida, está historicamente comprovado que é condição necessária.

Há países no mundo que investiram bem em educação e não se desenvolveram, mas não há exemplo algum de país que se tenha desenvolvido sem ter investido muito em educação. O Brasil se descurou disso até hoje e não adianta chorar sobre o leite derramado. Agora devemos olhar para a frente e tentar recuperar dramaticamente o tempo perdido. Mas este registro eu tinha que fazer.

A Srª Heloísa Helena (S/Partido - Al) - V. Exª me concede um aparte, Senador, quando possível?

O SR. JEFFERSON PÉRES (PDT - AM) - Com muito prazer ouço V. Exª, que é também do ramo, da mesma praia.

A Srª Heloísa Helena (Sem Partido - AL) - Senador Jefferson Péres, estava eu aqui emocionada, conversando com o Senador Arthur Virgílio, também emocionado pelas lembranças do pai, quando V. Exª dizia que é lá que nos sentimos em casa, nas nossas praias. Como sertaneja, então, vou dizer que, embora a simples visão das belas praias de Maceió suavizem a minha angústia, sinto o mesmo por meu sertão, onde conheço cada cheiro, cada flor, cada detalhe. No meu aparte, além de saudar a todos os presentes, a todas as lideranças e aos trabalhadores do setor público, da Universidade da Amazônia, quero, como V. Exª e o Senador Arthur Virgílio, fazer um apelo ao Governo Federal neste momento tão dramático por que passam as universidades públicas. Eu sei que há verborragia neoliberal com os contingenciamentos, os cortes orçamentários, os superávits. Infelizmente o atual Governo imita o Governo anterior nisso. Mas é inadmissível a situação por que passam as universidades públicas atualmente - sabe V. Exª, Senador Jefferson Péres, sei eu -, e não apenas devido às condições salariais dos trabalhadores do setor público, dos funcionários, dos docentes. A situação por que passam hoje as universidades é uma verdadeira autonomia para a administração das migalhas. Em um mês a universidade paga a luz, no outro, paga a água, e no outro, qualquer outra coisa. Então, a defesa da universidade pública, gratuita, laica e de qualidade transforma-se, em muitos momentos, quase que em um discurso gasto e vazio para muitos que vivenciam o cotidiano da universidade. É de fundamental importância que o Governo Federal, pelo menos agora, emergencialmente, libere determinadas verbas para as universidades. Eu tenho andado em várias universidades do País. V. Exª e outros Senadores conhecem essa realidade. Ontem eu estava na Universidade do Maranhão, onde o teto da biblioteca está caindo, assim como o do Centro de Ciências e Tecnologia, e a luz foi cortada. Portanto, ali não se pode fazer pesquisa nem ensino. A Extensão depende de carros e de combustíveis que não há. Senti-me na obrigação, então, ao saudar o pronunciamento de V. Exª - porque sei do compromisso que tem de defesa da universidade pública, gratuita, laica e de qualidade -, de aproveitar para fazer um apelo, num momento tão difícil por que passam hoje as universidades brasileiras. Em vez da velha cantilena enfadonha do pensamento único, devemos liberar, emergencialmente, o recurso que se encontra contingenciado, para que ao menos as universidades não passem por essa situação de calamidade que estão vivenciando, especialmente nestes últimos meses. Felicito e saúdo V. Exª, o Senador Arthur Virgilio, e todos aqui presentes para homenagear a nossa querida Amazônia.

O SR. JEFFERSON PERES (PDT - AM) - Obrigado, Senadora Heloisa Helena.

Intencionalmente evitei falar sobre a notória precariedade da universidade brasileira, e não o fiz para não me indignar.

Ouço o Senador Arthur Virgilio.

O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - Senador Jefferson Péres, falo sobre a escassez e a precariedade. Quando governei Manaus e fiz convênios, por exemplo, com a Faculdade de Educação para a construção de laboratórios, eu sabia que estava investindo em pesquisa. Quando fiz convênio, passando a Prefeitura a assumir a responsabilidade pela luz de toda a universidade, não imaginava que estivesse pagando a luz. Eu sabia que estava forjando algum dinheiro para a pesquisa, não me imaginava pagando a luz, ou seja, o dinheiro da pesquisa terminava indo para a luz. Imaginava que algum iria para a pesquisa em razão de a Prefeitura estar se responsabilizando pela luz. Quando fiz convênio para custear a alimentação no campus universitário, eu também não pensava que o fazia com os recursos da Prefeitura; pensava que estava investindo em pesquisa, porque senão o dinheiro da pesquisa iria para a alimentação, levando em conta que muitos deixariam de estudar se não tivessem a possibilidade de se alimentar na própria sede da universidade. De fato puxei uma lembrança muito boa para mim. Quando a Senadora Heloisa Helena levantou a questão da escassez, procurei estabelecer na minha cabeça uma relação muito nítida entre o objetivo fundamental, a pesquisa, e alguns óbices de meio de caminho sem os quais não se chega à pesquisa. Ou seja, meu esforço não foi feito para pagar a luz ou a alimentação. Meu esforço foi feito para obter dinheiro para a pesquisa. Infelizmente, não se faz luz sem pesquisa e não se faz luz sem comida no campus universitário. Obrigado, Senador Jefferson Péres. Parabéns pelo seu brilhante e emocionante discurso do ponto de vista do meu coração, sobretudo!

O SR. JEFFERSON PÉRES (PDT - AM) - Obrigado, Senador Arthur Virgílio.

Eu era vereador, na época em que V. Exª era prefeito, e pude acompanhar de perto a alegria com que V. Exª acolhia todos os pleitos da Universidade. Aliás, não se poderia esperar atitude diferente de V. Exª, não apenas por ser filho do criador da nova Universidade, mas também pela sua sensibilidade, pelo seu nível intelectual, que muito honra hoje este Senado.

Ouço o Senador Luiz Otávio.

O Sr. Luiz Otávio (PMDB - PA) - Professor e Senador Jefferson Péres, eu não poderia deixar de me manifestar nesta tarde, quando todos nós e o Senado Federal participamos desta festa de comemoração dos 95 anos da Universidade Federal do Amazonas, estando V. Exª, nesta oportunidade, na tribuna. Senador Jefferson Péres, somos irmãos brasileiros e vizinhos - sou paraense, com muito orgulho - e participamos da votação, nesta Casa, pela transformação das Faculdades de Agronomia do Estado do Pará em Universidade Rural da Amazônia, bem como pela criação da Universidade Federal do Estado do Tocantins. Com certeza, essas são também grandes datas, grandes lembranças. Mesmo com todas as dificuldades que as universidades brasileiras enfrentam, sabemos que criar uma universidade ou transformar uma faculdade em uma universidade de uma região inteira, de um país todo, é também um grande mérito. Esse é o reconhecimento de que continuaremos sempre unidos, tentando superar todas as dificuldades, principalmente sabendo que, na representação dos Estados da Federação no Senado Federal, há pessoas como V. Exª, Senador Jefferson Péres, e como os Senadores Arthur Virgílio e Gilberto Mestrinho, que orgulham muito não apenas o povo amazonense, mas todos nós brasileiros.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PDT - AM) - Muito obrigado, Senador Luiz Otávio.

Encerro, não sem reiterar a minha enorme alegria e os meus cumprimentos à Direção do Senado por haver dedicado esta tarde à Universidade Federal do Amazonas, dizendo aos meus colegas professores que não se iludam com a minha tranqüilidade. Naturalmente, sou um homem contido. Alguns, como a Senadora Heloísa Helena, expressam essa emoção em lágrimas, para fora; as minhas são derramadas para dentro.

Um abraço grande em todos.

Muito obrigado.

(Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/05/2004 - Página 13795