Discurso durante a 60ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

A importância da descentralização dos investimentos públicos. (como Líder)

Autor
João Capiberibe (PSB - Partido Socialista Brasileiro/AP)
Nome completo: João Alberto Rodrigues Capiberibe
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.:
  • A importância da descentralização dos investimentos públicos. (como Líder)
Aparteantes
Mão Santa.
Publicação
Publicação no DSF de 21/05/2004 - Página 15531
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
Indexação
  • CRITICA, CENTRALIZAÇÃO, RECURSOS, ADMINISTRAÇÃO FEDERAL, FALTA, ACESSO, USUARIO, ESPECIFICAÇÃO, INTERIOR, REGIÃO NORTE, REGISTRO, EXPERIENCIA, GOVERNO ESTADUAL, ORADOR, EX GOVERNADOR, ESTADO DO AMAPA (AP), PROMOÇÃO, DESCENTRALIZAÇÃO, VERBA, ESCOLA PUBLICA, DEFINIÇÃO, CONTROLE, REPASSE, COMUNIDADE, MELHORIA, ATENDIMENTO.
  • REPUDIO, CAMPANHA, CENTRALIZAÇÃO, LICITAÇÃO, SETOR PUBLICO, ADMINISTRAÇÃO FEDERAL, ALEGAÇÕES, OCORRENCIA, DESVIO, DEFESA, AUMENTO, CONTROLE, TRANSPARENCIA ADMINISTRATIVA, DIVULGAÇÃO, TOTAL, DADOS, INTERNET, COMENTARIO, DESCOBERTA, CORRUPÇÃO, MINISTERIO DA SAUDE (MS).

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tenho observado neste plenário algumas manifestações de desconforto em relação a parcerias realizadas entre o Governo e a sociedade civil organizada, entre o Governo e as organizações não-governamentais. E, por isso, desejo dar um testemunho da nossa experiência descentralizadora e dos efeitos produzidos por essa parceria e pela descentralização de recursos públicos nas mãos de organizações sociais, nas mãos de organizações da sociedade civil.

Passo a contar aqui uma história, vivida nas minhas andanças de 1994, na pré-campanha eleitoral. Percorri o rio Oiapoque, o rio que separa, já no Hemisfério Norte, o Brasil do Departamento Francês da Guiana. Já muito próximo do Oceano Atlântico, na margem direita do rio Oiapoque, encontrei uma escola que tinha um abnegado professor e 8 alunos. Conversando com esse professor, perguntei a ele como fazia para se abastecer de material didático, merenda para as crianças, enfim, os materiais mínimos para poder exercer essa tarefa difícil de educar em lugar tão remoto, tão isolado e tão distante. Ele me informou que o giz e o apagador da sala de aula eram comprados com o seu dinheiro - ele tirava do bolso para poder comprar o mínimo, que era o giz e o apagador. Isso se reproduzia em todo o Estado. Ou seja, havia recurso, o dinheiro existia não apenas para a compra de material didático, como para a compra de merenda escolar e para a manutenção da escola, porém, não chegava à escola. O dinheiro se perdia na intermediação que vai da cobrança do imposto até a aplicação na escola. Tal intermediação passa por meandros burocráticos intermináveis, fato que gera a diminuição dos recursos, fazendo com que a escola não receba o necessário para a construção do conhecimento fundamental às nossas crianças.

Digo isso porque durante dez anos tive a oportunidade de trabalhar na fronteira com o Peru. Após ter vivido na África, em regiões isoladas de Moçambique, passei um ano no Acre do Senador Tião Viana, em Cruzeiro do Sul, às margens do rio Juruá. Cruzeiro do Sul, à época, era um Município de 75 mil habitantes, sendo que 50 mil agricultores produziam essencialmente farinha e 25 mil viviam na cidade. Eu era responsável pelo setor agrícola da região, e procurei a Fundação de Assistência ao Educando, para tentar comercializar a farinha dos pequenos produtores. E a minha surpresa foi que, quando cheguei na FAE, o encarregado abriu os armazéns e me mostrou um estoque de farinha adquirido no Maranhão que, na época, para chegar a Cruzeiro do Sul levava no mínimo 60 dias em barcaças. Isso em função da centralização da gestão do dinheiro público no País.

De 1984 a 2004, muita coisa mudou. E esse aprendizado que tive a oportunidade de adquirir nas minhas andanças traduzi em políticas públicas no meu Estado. Políticas essas que resolveram problemas fundamentais das escolas públicas deste País. Em 1995, nos meus primeiros dias de Governo no Amapá, passei a visitar as escolas e os mais graves problemas que me foram transmitidos, tanto pelos diretores como pelos encarregados de limpeza, era que a escola não tinha pano de chão, vassoura e a escola fedia. No entanto, analisando o Orçamento de 1994, havia recursos suficientes para uma manutenção adequada nas escolas públicas. As escolas eram completamente abandonadas, tinham aspecto de prédios abandonados.

Iniciamos, então, um processo de descentralização do recurso público, de colocar o dinheiro onde é necessário, porque as grandes licitações ocorriam, mas os produtos adquiridos não chegavam às escolas. Em geral, os valores cobrados eram superfaturados. E chegamos à conclusão de que teríamos de descentralizar o recurso, e foi criada uma estrutura nas escolas, que denominamos de caixa escolar para poder receber os recursos para contratação de pessoal de apoio, do servente, do jardineiro, da merendeira, para compra de material didático, do papel, do giz, para aquisição da merenda no entorno da escola.

Assim decidimos descentralizar e fizemos. Então, cada escola passou a contar com um orçamento. Aquela escola que visitei no rio Taparabu, em 1994, alguns anos depois, passou a contar com recursos para a sua manutenção. E as escolas indígenas, as mais distantes, situadas no hemisfério Norte, como é o caso da escola dos índios Palikur, temos o seguinte. Fiz um levantamento pela Internet -porque não basta descentralizar, é preciso que se estabeleça o controle - sobre o repasse de recursos para essa escola. Encontrei recursos repassados na ordem de 9.586 mil, para a escola dos índios Palikur, destinados à compra da merenda e também ao pagamento de pessoal de apoio, para 4 meses. Isso tudo podemos localizar na Internet. E, quando se remete o recurso a essas comunidades, todas as escolas passam, então, a receber esse dinheiro. E hoje, as nossas escolas, com um pouco mais de dificuldade, porque a freqüência do repasse desses recursos, que era automático há um ano e meio, hoje já são mais raros, está se espaçando a remessa às escolas. E os orçamentos atribuídos a cada escola não estão sendo cumpridos.

As nossas escolas passaram a ter os seus jardins cuidados, flores, canteiros; o banheiro, qualquer cidadão ou cidadã, qualquer criança ou professor, passou a usar o banheiro de todos. Encontrávamos o papel higiênico - estou falando de coisas do nosso cotidiano, da vida real, que influenciam na qualidade de vida de uma criança que freqüenta uma escola pública.

Portanto, a partir da descentralização do dinheiro passamos a ter uma escola muito bem mantida, uma escola adequada aos nossos filhos. O dinheiro da educação nos permitiu, além de fazer mudanças curriculares profundas, estabelecer uma nova relação entre homem e meio ambiente, uma visão de que o homem é um elo a mais na cadeia da vida. Mudamos o currículo escolar para poder construir cidadãos com caráter, com ética. O dinheiro da educação começou a ser suficiente, também, para uma melhoria de todos os espaços físicos. Foi um trabalho de descentralização e de controle social. A comunidade escolar passou a controlar a aplicação do dinheiro.

Se me perguntarem se houve casos de desvio, vou responder que é óbvio. É impossível serem estabelecidos mecanismos, trabalhando-se com seres humanos 100% eficientes. Tínhamos um caso em cem. A partir de um caso em cem, o Governo atual pretende centralizar novamente o dinheiro.

Está surgindo uma campanha com repercussão neste plenário, inclusive, para acabar com a descentralização dos recursos, para podermos centralizá-los novamente, para que voltem as grandes licitações. Tenho convicção que se isso acontecer aquelas escolinhas isoladas, distantes, deixarão de receber o mínimo para a sua manutenção, bem como as grandes escolas do centro, escolas com 2,5 mil, 3 mil alunos, deixarão de ter recursos e voltarão a ser o que encontrei em 1995: escolas mal mantidas das quais os alunos queriam distância.

Portanto, a descentralização seguida de controle social me parece um instrumento decisivo, para que possamos melhorar o uso do recurso do contribuinte. E estamos diante de uma denúncia grave, com várias prisões por corrupção em um Ministério decisivo e fundamental para a vida do cidadão. Desse Ministério foi desviada uma fortuna avaliada em mais de R$ 2 bilhões. Um desvio primário, um procedimento elementar era praticado por uma quadrilha organizada dentro do Ministério e com alguns setores empresariais de fora do Ministério. Mas essa prática criminosa é quase uma instituição nacional. Apropriar-se de recursos públicos no País até parece um direito divino. É assim que setores importantes da política nacional consideram.

Para tornar a utilização de recursos transparente, como insistimos aqui desde o primeiro dia do nosso mandato - e a idéia caminha no Senado a passos largos -, basta fazer exatamente isto aqui: colocar na Internet o empenho dos gastos das compras públicas, o beneficiário, o valor da compra, especificando, discriminando o que está sendo comprado. Se os recursos estivessem descentralizados e a utilização transparente, não estaríamos lamentando o rombo de mais de R$ 2 bilhões em um setor fundamental da vida: os hemocentros. Desviar dinheiro de bolsas de coleta de sangue ou de kits de teste de Aids ou de doença de Chagas!?

Afinal, os hemocentros são fundamentais no controle de doenças contagiosas e estavam sendo roubados em um procedimento simples: um superfaturamento, durante 12 anos, de US$ 0.42 por unidade adquirida. Como é possível que o Poder Público, durante 12 anos, não descubra que está sendo lesado? Os kits, numa segunda licitação feita em março do ano passado, caiu para 24 centavos e agora caiu para 16 centavos. E isso levou 12 anos para ser descoberto, porque é institucionalizada a corrupção, porque a maioria dos corruptos no Brasil não vão para a cadeia. E quando um gestor público investiga e tenta punir, sofre represálias e conseqüências pelo resto da vida.

E durante 12 anos se desviou essa fortuna.

No momento em que falo, está havendo desvios nas prefeituras, nos governos de Estado, nas secretarias, nos hospitais, porque não há controle social. Os instrumentos de controle que temos, Senador Mão Santa, Senador Eduardo Azeredo - que foram governador e sabem bem -, são influenciáveis politicamente. As Assembléias Legislativas, que devem fiscalizar as ações do Executivo; os Tribunais de Contas, braços técnicos das Assembléias Legislativas, até agora, têm se mostrado ineficientes.

O PLS nº 130 não cria novas estruturas nem pretende criá-las, porque bastam as que estão aí. O que queremos é que cada cidadão tenha acesso às informações sobre receitas e despesas feitas com recursos do contribuinte. E esse é um procedimento de grande simplicidade. Basta utilizarmos a telemática a serviço do cidadão.

O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - V. Exª me permite um aparte, Senador?

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP) - Em seguida, nobre Senador.

Basta que o Governo queira e não precisaria nem de um projeto de lei. No nosso Governo não houve projeto de lei.

Ouvirei o Senador Mão Santa, porque depois quero dar uma demonstração clara da agilidade que temos nas mãos se utilizarmos os meios eletrônicos e os de informática.

Pois não, Senador Mão Santa.

O SR. MÃO SANTA (PMDB - PI) - V. Exª, um homem muito experimentado, é cidadão do mundo, e já exerceu, com muita competência, o cargo de Prefeito e Governador do seu Estado. E sabemos que o que estraga Governo - e queria ensinar ao PT - é corrupção, desperdício e incompetência. A corrupção está aí e tem que ser punida! É preciso pelo menos ler o Livro de Deus, nos mandamentos: “não roubarás”. Isso não pode e não tem perdão. E o desperdício? Vamos dar um exemplo, porque um quadro vale por dez mil palavras. A compra do avião foi um desperdício. Com esse dinheiro, o nosso Presidente da República pagaria todas as dívidas dos hospitais ligados ao Governo: os universitários, os hospitais filantrópicos e as Santas Casas. O hospital de Brasília deve sete milhões aos fornecedores. E a incompetência. Ilustre Senador, isto todo mundo sabe: o primeiro Mestre de Administração Henry Fayol disse que é necessário ter unidade de comando e unidade de noção. Com unidade de comando, passa a administração a planejar, designar, coordenar e controlar. É o que compete ao administrador fazer.

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP) - Muito obrigado, Senador Mão Santa, mas nós temos um problema grave neste País, onde todos contribuem, todos pagam impostos, todos, até os mais pobres entre os pobres. Como nós, responsáveis, agentes públicos, eleitos pelo voto do cidadão, vamos estabelecer mecanismos de controle para garantir minimamente que o dinheiro destinado a um cidadão que precise de transfusão de sangue não seja roubado, que esse dinheiro não seja desviado? Como é possível?

Olhe, estou preocupado com o os princípios republicanos. Fui militante de esquerda e passei o Séc. XX envolvido nesta luta entre capital e trabalho. Eu queria socializar o capital e acho que esqueci questões fundamentais, Sr. Presidente Reginaldo Duarte, como a de republicanizar o nosso País, republicanizar o Orçamento, que é resultado da contribuição de todos, inclusive dos mais pobres entre os pobres. Todos pagam impostos. Todos! Não há exceção.

Sentado à frente do meu computador, retirei um exemplo claro. Trago um exemplo do Governo do Amapá, mas eu poderia trazer aqui um exemplo do Ministério da Ciência e da Tecnologia, que também adotou a exposição dos empenhos. E falta o Sr. Ministro -- que é meu companheiro de Partido e tem um compromisso comigo -- expor na Internet, também, a ordem de pagamento, para que possamos completar o ciclo da despesa e da liquidação da despesa. Nós precisamos ter esse ciclo, o cidadão contribuinte exige. Não pode ser monopólio. O Orçamento público e a contribuição do cidadão não podem ser monopólio de uns poucos como vêm sendo até hoje. É preciso que abramos o processo, para que cada cidadão e cidadã possam acompanhá-lo.

Eu mostro aqui um exemplo de como a exposição pública por meios eletrônicos, pela Internet, pode facilitar a vida do contribuinte. No dia 26 de maio, foi adquirido soro fisiológico pelo Governo do Amapá por R$1,84. Em dezembro, o mesmo soro fisiológico foi adquirido por R$0,95. Observem só a eficiência. Não foi preciso levar doze anos para descobrir um superfaturamento, como aconteceu no Ministério da Saúde.

Quero alertar o Ministério da Saúde. S. Exª é bem-intencionado e pode desbaratar outro sistema de apropriação de dinheiro público do Ministério, que é a compra de equipamentos.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP) - Já estou encerrando, Sr. Presidente.

O Sr. Ministro deve mandar fazer uma auditoria da compra de equipamentos hospitalares nos últimos 15 anos, onde descobriremos escândalos muito maiores do que os que vieram à tona neste momento.

Peço ao Ministro da Saúde que exponha os empenhos na Internet, como fez o Ministro da Ciência e da Tecnologia, nosso companheiro Eduardo Campos, que, em breve, deverá colocar também a liquidação da despesa. O Ministério da Saúde é decisivo. Se colocar na Internet, haverá controle social, o que reduzirá bastante a corrupção e o roubo neste País.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/05/2004 - Página 15531