Discurso durante a 64ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com a liberação de médicos formados em outros países, em descumprimento das exigências legais.

Autor
Papaléo Paes (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: João Bosco Papaléo Paes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EXERCICIO PROFISSIONAL. SAUDE.:
  • Preocupação com a liberação de médicos formados em outros países, em descumprimento das exigências legais.
Aparteantes
Leonel Pavan, Luiz Otavio.
Publicação
Publicação no DSF de 27/05/2004 - Página 16200
Assunto
Outros > EXERCICIO PROFISSIONAL. SAUDE.
Indexação
  • NECESSIDADE, CONTROLE, FISCALIZAÇÃO, EXERCICIO PROFISSIONAL, ESPECIFICAÇÃO, AREA, SAUDE, PREVENÇÃO, RISCOS, POPULAÇÃO.
  • APREENSÃO, AUMENTO, NUMERO, DECISÃO JUDICIAL, REVALIDAÇÃO, BRASIL, DIPLOMA, MEDICO, PAIS ESTRANGEIRO, CUBA, AUSENCIA, MANIFESTAÇÃO, UNIVERSIDADE FEDERAL, SUSPEIÇÃO, RISCOS, POPULAÇÃO.
  • REGISTRO, OPOSIÇÃO, CONFEDERAÇÃO, ASSOCIAÇÃO DE CLASSE, CONSELHO FEDERAL, MEDICINA, PROPOSTA, COMISSÃO INTERMINISTERIAL, DISPENSA, REVALIDAÇÃO, BRASIL, DIPLOMA, PAIS ESTRANGEIRO, CUBA, SUGESTÃO, EXAME, AVALIAÇÃO, OBRIGATORIEDADE, EXERCICIO PROFISSIONAL, MUNICIPIO, INTERIOR, FAVORECIMENTO, DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
  • SOLIDARIEDADE, OPINIÃO, PRESIDENTE, CONSELHO REGIONAL, MEDICINA, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), NECESSIDADE, RESPEITO, LEGISLAÇÃO, DIRETRIZES E BASES, EDUCAÇÃO, OBRIGATORIEDADE, EXAME MEDICO, FORMAÇÃO, EXTERIOR, PRE REQUISITO, EXERCICIO PROFISSIONAL.

O SR. PAPALÉO PAES (PMDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o exercício profissional em determinados setores, especialmente na área da saúde, requer imenso cuidado. Não é sem motivo que algumas profissões devem ter uma regulamentação apropriada e uma fiscalização rigorosa, para que a sociedade não corra o risco de sofrer conseqüências funestas devido ao despreparo profissional.

Por isso, quero manifestar a minha preocupação com um fato que se vem tornando corriqueiro quanto ao exercício de uma atividade que pode envolver altos riscos à vida dos que estão sob os cuidados dos profissionais.

Tomei conhecimento, por meio do informativo Cremers, publicação do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul, de que a “Justiça segue liberando médicos formados em Cuba”. Esse é o título da matéria, que, creio, não tem o espírito alarmista ou sensacionalista que poderia caracterizar outros tipos de publicação. Trata-se, isso sim, de uma advertência que deve ser levada em consideração pelo Poder Público. E, quando fazemos essa afirmação, não significa que estejamos colocando em dúvida a qualificação das pessoas que vão em busca do diploma de médico nesse país.

Refiro-me sim, Sr. Presidente, ao cumprimento de uma formalidade legal, prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a Lei nº 9.394, de 1996, que, no § 2º do art. 48, estabelece o que segue:

Os diplomas de graduação expedidos por universidades estrangeiras serão revalidados por universidades públicas que tenham curso do mesmo nível e área equivalente, respeitando-se os acordos internacionais de reciprocidade ou equiparação.

A matéria mencionada expõe a preocupação do Presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul, Dr. Marco Antonio Becker, com o crescente número de médicos formados no exterior que conseguem, pela via judicial, revalidar seus diplomas no Brasil. Assim se expressa o Dr. Becker:

Fala-se muito, hoje, em direito individual adquirido, mas se esquece do direito coletivo, ou seja, o direito de a sociedade saber se aquele médico que presta atendimento à população está capacitado e qual a sua procedência profissional. Então, como se não bastasse a proliferação indiscriminada de faculdades de Medicina no País, muitas vezes com finalidade meramente lucrativa, constatamos agora um volume grande de médicos vindos de outros países, amparados por decisões judiciais, conseguindo o registro profissional.

Por outro lado, sabemos que foi criada uma Comissão Interministerial, por decreto do Presidente da República, de outubro do ano de 2003, para estudar a possibilidade de abrir aos profissionais de saúde de Cuba o precedente de não precisar revalidar o diploma para trabalhar no Brasil. Porém, essa proposta enfrenta dura reação da Confederação Médica Brasileira e outras entidades (Fenam, Associação Médica Brasileira, Simesp, Cremesp e APM), que já se manifestaram contrárias à abertura desse precedente, levando-se em conta tanto a diferença curricular como o foco que os cursos de Medicina dão aos problemas epidemiológicos em seus países de atuação.

Nesse sentido, é muito enfática e significativa a nota disponível no site do Simesc, constante da Comunicação Interna nº 47, de 2004, correspondente à primeira quinzena de março, na qual se pode ler a seguinte afirmação: “Colocar no atendimento à saúde do Brasil médicos que não se submeteram à revalidação de diploma e que podem não estar adequados às reais necessidades de assistência é um risco para a saúde pública. Abrir um precedente para Cuba também pode gerar uma avalanche de pedidos de tratamento igual por parte de países da América Latina e de outros de língua portuguesa, o que reduziria ainda mais o mercado de trabalho e aviltaria os honorários praticados hoje”.

Em recente encontro com o Ministro da Saúde, Humberto Costa, os presidentes das entidades representativas da profissão - CMB, Fenam, Conselho Federal de Medicina e Associação Médica Brasileira - demonstraram sua preocupação com o assunto da revalidação. Não é para menos, já que, somente em Cuba, há seiscentos brasileiros cursando Medicina.

A proposta do Conselho Federal de Medicina é abolir as provas regionalizadas e criar um exame nacional único para os médicos formados no exterior poderem exercer a Medicina em território brasileiro. O Senador Tião Viana, que também participou do encontro, propôs a criação de um mecanismo de interiorização dos médicos brasileiros formados no exterior, o que seria muito importante para os mais de um mil Municípios brasileiros que dispõem de assistência médica extremamente precária.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero deixar bem claro que não estou manifestando uma atitude discriminatória, mas apenas expondo um problema que pode agravar-se se não encontrarmos uma solução urgente para essa situação.

Creio que devemos dar razão ao Presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul, quando defende o cumprimento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que vem sendo desconsiderada por alguns juízes que concedem antecipação de tutela mandando o Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul e outros conselhos regionais concederem o registro a profissionais que, pela lei, não estariam qualificados para exercerem a profissão no País. Dessa forma, está sendo sobreposto o direito individual ao direito da coletividade.

Diz o Dr. Marco Antônio Becker, Presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul: “Não somos contra a vinda desses médicos, desde que eles satisfaçam os requisitos legais, porque acima de tudo precisamos pensar nos interesses da sociedade”.

De fato, ninguém em sã consciência impediria a entrada de brasileiros formados no exterior e que demonstrem competência. Não se trata, aqui, de reserva de mercado de trabalho. Trata-se, isto sim, de resguardar o direito da população a uma assistência à saúde com um mínimo de qualidade.

Srªs e Srs. Senadores, se a graduação no exterior se faz acompanhar da desejável competência, por que os médicos assim formados não se submetem à avaliação prevista na LDB? E, se fizeram um curso que atenda às características brasileiras, certamente serão aprovados, vindo a reforçar as fileiras desses profissionais tão necessários ao cumprimento de uma das mais importantes funções do Estado na consecução do seu objetivo de proporcionar bem-estar ao cidadão, ou seja, a prestação de serviços de saúde de boa qualidade.

Senador Leonel Pavan, V. Exª, que já foi prefeito de uma grande cidade de Santa Catarina, que hoje é Senador da República e que já teve oportunidade de lidar diretamente com a questão da saúde pública na contratação de profissionais para a execução desses serviços, sabe muito bem que nós, ordenadores de despesas, quando no Executivo, temos algumas dificuldades de remunerar adequadamente os nossos profissionais. Temos vontade de pagá-los bem, mas não temos condições de fazê-lo.

Conforme relatei no meu discurso, no Estado do Amapá, passamos por uma situação na qual um executivo, um Governador, levou para aquele Estado, sem respeitar nenhuma pré-condição das nossas leis, trinta médicos cubanos. O número de médicos no Estado do Amapá é pequeno. Eu, como médico, participei ativamente desse movimento do Conselho Regional de Medicina, que não queria, de forma alguma, impedir a população de ter um atendimento médico, proporcionado pelo aumento do número de médicos naquele Estado. Porém, ficamos preocupados com a qualificação desses médicos, que não sabiam falar português, que não tinham condições de se comunicar com os pacientes, com os nossos conterrâneos, com a nossa sociedade.

Contudo, essa insistência persistia. Era uma questão puramente política, ou seja, de querer agradar a Cuba. Digo que fiquei até constrangido de saber que o Governo cubano, quando manda esses profissionais para cá, age da mesma forma que um jogador de futebol nas mãos dos seus responsáveis ou dos seus empresários. Ou seja, o médico vem para o País e manda dinheiro para o Governo cubano, e remunera-se o médico aqui da maneira que bem entender, visto que o salário médio do médico em Cuba está em torno de US$50.00. Então, um homem ou uma mulher que lá ganha US$50.00, se vem exercer a sua profissão aqui, ficará contente com qualquer coisa que lhe for dada. Com isso, vem tirar espaço do nosso médico que está se formando, pois o Governo não dá as mínimas condições para interiorizar a atividade desse médico.

Então, o que foi feito? Fomos atrás da legalidade, e esses trinta profissionais prestaram uma prova na Universidade do Estado do Amapá. Dos trinta, só três foram aprovados, pois preencheram os requisitos da área profissional. Mas imagine V. Exª se dermos a abertura que se quer?

O Sr. Leonel Pavan (PSDB - SC) - Nobre Senador Papaléo Paes, esses trinta médicos eram cubanos ou eram brasileiros que se formaram em Cuba?

O SR. PAPALÉO PAES (PMDB - AP) - Eram médicos de nacionalidade cubana.

O Sr. Leonel Pavan (PSDB - SC) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. PAPALÉO PAES (PMDB - AP) - Pois não. Ouço o aparte de V. Exª.

O Sr. Leonel Pavan (PSDB - SC) - Nobre Senador Papaléo Paes, nós, que temos o prazer de conviver com V. Exª nesta Casa, nesse período de um ano e cinco meses, sabemos da sua preocupação com a saúde do nosso País. V. Exª, como médico, é um grande profissional nessa área. Sabemos da sua preocupação com a saúde do nosso País, principalmente quando há maus profissionais, que não estejam bem-preparados nem conheçam bem a realidade nacional. Fui Prefeito de Balneário Camboriú, e sabemos que, para se habilitar a um concurso público, há que ser brasileiro. Muitas vezes, aparecem, inclusive, médicos que se formaram em outros países, que adquiriram diploma em outros países e que querem exercer a profissão no Brasil. Deve haver uma falha na lei para se permitir ou não que essas pessoas possam fazer concurso. Devemos avaliar se é possível a alguém de nacionalidade estrangeira poder fazer concurso no Brasil. A verdade é que investimos muito justamente nas universidades de Medicina do País, e há uma disputa muito grande para conseguir uma vaga. Talvez seja o curso mais disputado do País. Quando se consegue, depois de muita luta, de muito trabalho, de muito dinheiro - porque é cara a mensalidade nas universidades de Medicina -, vêm os médicos estrangeiros, que não sabemos como se formaram, se passaram por uma fiscalização rigorosa, por uma exigência rigorosa, que acabam se deslocando para o nosso País e tomando espaços daqueles que se dedicaram anos e anos, conhecendo a realidade do Brasil, e que, de repente, não encontram a mesma oportunidade de trabalho nos hospitais que os médicos de origem estrangeira. Cumprimento V. Exª pela preocupação e pelo excelente trabalho que realiza nessa área. Com certeza, se o Governo Federal ouvir os seus conselhos, teremos uma saúde mais qualificada e profissionais mais qualificados em nosso País.

O SR. PAPALÉO PAES (PMDB - AP) - Agradeço a V. Exª e incorporo as suas palavras ao meu pronunciamento. V. Exª resumiu a nossa preocupação. Os médicos de nacionalidade estrangeira ainda vêm ocupar o lugar daqueles médicos brasileiros que vão estudar no exterior. Ainda existe essa competição. Temos essa preocupação principalmente pelo fato de termos cerca de 600 brasileiros estudantes de Medicina em Cuba. Essas pessoas, naturalmente, deverão retornar ao País. Os estrangeiros não poderão jamais concorrer com os nossos brasileiros. A nossa preocupação refere-se à liberação pelo Governo brasileiro da entrada de médicos cubanos no País sem nenhum dos pré-requisitos que a lei hoje obriga a ter. Os nossos médicos deverão retornar, fazer uma prova de revalidação e, logicamente, exercer a sua profissão no Brasil.

Agora, precisamos mostrar ao Governo Federal que é possível, sim, interiorizar a atuação do médico, do enfermeiro, do bioquímico, desde que se dêem plenas condições profissionais àqueles que vão servir à saúde no nosso interior.

Concedo o aparte ao Senador Luiz Otávio.

O Sr. Luiz Otávio (PMDB - PA) - Senador Papaléo Paes, V. Exª, como sempre, é brilhante e traz, nesta tarde, assunto da maior importância para o Brasil, principalmente por tratar-se de uma autoridade no assunto. V. Exª, além de médico conceituado no seu Estado, no Estado do Amapá, foi Prefeito de Macapá e elegeu-se Senador. Já falei com V. Exª que comumente viajo com amapaenses e que é muito comum as pessoas fazerem referência ao seu nome pela sua profissão de médico, pela sua dedicação, pelo seu conhecimento e pelo tratamento que V. Exª dá à população daquele Estado. Com certeza, diante dos seus Pares, V. Exª tem o respeito e a admiração não só como homem público, mas como profissional, como grande médico. Já tivemos discussões neste plenário referentes a outras categorias da área de saúde, como ao famoso caso dos odontólogos em Portugal. V. Exª aborda nesta tarde a questão dos médicos vindos de Cuba para trabalhar na nossa região, principalmente no seu Estado. Com certeza a sua preocupação refere-se não só à habilitação e ao conhecimento científico dessas pessoas, porque vão tratar de vidas humanas, mas traz à reflexão o assunto. A observação que V. Exª faz, certamente, será levada a sério pelo Governo Federal, pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O Sr. Luiz Otávio (PMDB - PA) - Com certeza, o Ministro Humberto Costa, da Saúde, vai tomar conhecimento do seu pronunciamento e vai tomar providências em relação a esses fatos.

O SR. PAPALÉO PAES (PMDB - AP) - Agradeço a V. Exª o aparte, Senador Luiz Otávio. É exatamente isso. A nossa intenção é chamar a atenção do Governo Federal para esse assunto, que é muito sério e que poderá ser gravíssimo se realmente houver essa deliberação geral relativa à vinda desses médicos cubanos para o nosso País, sem preencherem os pré-requisitos mínimos da lei atual.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/05/2004 - Página 16200