Discurso durante a 64ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a proposta do governo de instituir o sistema nacional de reserva de vagas para estudantes egressos de escolas públicas.

Autor
Jefferson Peres (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ENSINO SUPERIOR.:
  • Considerações sobre a proposta do governo de instituir o sistema nacional de reserva de vagas para estudantes egressos de escolas públicas.
Publicação
Publicação no DSF de 27/05/2004 - Página 16282
Assunto
Outros > ENSINO SUPERIOR.
Indexação
  • MANIFESTAÇÃO, OPOSIÇÃO, PROJETO DE LEI, GOVERNO, GARANTIA, COTA, VAGA, UNIVERSIDADE FEDERAL, ESTUDANTE, ESCOLA PUBLICA, PROVOCAÇÃO, REDUÇÃO, NIVEL, EXIGENCIA, INGRESSO, UNIVERSIDADE, BAIXA, QUALIDADE, CURSO SUPERIOR, ESPECIFICAÇÃO, DIREITO, MEDICINA.
  • CRITICA, NEGLIGENCIA, GOVERNO, PRIORIDADE, COMBATE, MOTIVO, REFORÇO, ESCOLA PUBLICA.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PDT - AM. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no último dia 20 de maio, começou a tramitar na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 3.627, do Poder Executivo, que “institui sistema nacional de reserva de vagas para estudantes egressos de escolas públicas, em especial negros e indígenas, nas instituições públicas federais de educação superior”.

O PL destina metade de todas as vagas nas universidades federais para estudantes que tenham cursado integralmente o nível médio em escolas públicas e, dentro dessa metade, uma reserva para negros e indígenas em proporção à presença de pretos, pardos e indígenas em cada unidade da Federação, segundo o último curso do IBGE.

Trata-se, na verdade, de um sistema híbrido de cotas raciais e sociais que me traz imediatamente á memória o desabafo irônico de Gilberto Amado, para quem a capacidade de articular causa e efeito seria o dom mais raro na cultura brasileira...

A trilhar o árduo, longo e pouco vistoso caminho dos investimentos financeiros, materiais, tecnológicos e, sobretudo, humanos consistentes e sustentados para a superação das múltiplas e agudas deficiências dos níveis fundamental e médio do ensino público, o governo do PT prefere enveredar pela demagogia do facilitário, rebaixando os níveis de exigência para ingresso na universidade, com base nos critérios de cor de pele e pobreza, mesmo que isso implique destruir os bolsões de excelência acadêmica, científica e tecnológica a duras penas construídos e consolidados nos centros federais de ensino superior do País.

Como resume o economista e emérito pesquisador de políticas educacionais Cláudio de Moura Castro, “obter justiça social na entrada da universidade é como tentar maquiar um Frankenstein: batom, ruge e pó-de-arroz não conseguirão reduzir sua feiúra”. Qualquer solução séria, produtiva e duradoura nessa área pressupõe a coragem de encarar a lógica do funil que desemboca no ensino superior mas é alimentado por um caudal de fracassos anteriores.

Apenas 60% dos alunos que iniciam o nível fundamental logram concluí-lo, e metade daqueles que ingressam no ensino médio interrompe seus estudos. É a baixa qualidade da educação pública fundamental e média que compromete as chances de ascensão da brava minoria de jovens de baixa renda e de todas as cores que obtém o certificado do ensino médio. A essa altura, as pouquíssimas possibilidades de entrada de cidadãos pobres na universidade pública restringem-se ao paliativo de cursinhos pré-vestibulares que cobram baixas mensalidades, geralmente administrados por cooperativas de universitários abnegados e ansiosos por contribuir para a redução de nossas desigualdades socioeducacionais. Conquanto meritórias, tais iniciativas têm alcance muito limitado pois promovem, se muito, a aprovação no vestibular de apenas um em cada cinco estudantes.

Sr. Presidente, algumas simulações antecipam o perigoso efeito que a proposta do governo trará para a qualidade dos cursos superiores públicos, em particular para aquelas carreiras onde a concorrência é mais acirrada. A USP prevê que 30% dos vestibulandos com nota suficiente para passar em direito ou medicina serão excluídos e suas vagas ocupadas por alunos com notas 54% piores.

O desfecho não será diferente na UMFG, onde apenas 10% dos ex-alunos do ensino público obtêm a nota mínima necessária para cursar medicina.

Vale lembrar, Srªs e Srs Senadores, que os egressos da escola pública já ocupam 42% do total das vagas universitárias, percentual não muito distante daquele que o MEC pretende fixar em lei. Ocorre, no entanto, que sua participação é significativamente menor nos cursos mais disputados: 28% no direito e 15% na medicina, por exemplo.

É inconcebível que o Governo Lula negligencie sua responsabilidade prioritária de atacar as causas dessa desigualdade fortalecendo material e institucionalmente os níveis fundamental e médio e abrace uma noção falsa de eqüidade para preencher tais vagas com alunos sem condições de cumprir mínimos requisitos acadêmicos de ingresso e aproveitamento. Nesse caso, quem sofrerá uma gravíssima injustiça é a sociedade brasileira, ameaçada em sua saúde, seu bem-estar e sua vida pela política irresponsável do MEC que, ao implodir o critério meritocrático de desempenho acadêmico, produzirá gigantesca multidão de profissionais incapazes.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os defensores e formatadores das propostas de cotas no Brasil apontam as leis norte-americanas de ação afirmativa como seu paradigma inspirador, mas limitam-se a um transplante mecânico e superficial do modelo. Ignoram ou desconsideram que a legislação de direitos civis aplicada às universidades dos Estados Unidos foi e continua sendo apoiada em critérios de seleção que identificam e incorporam os negros e pobres com maior talento e potencial, capazes, portanto, de tirar o melhor proveito possível das oportunidades propiciadas pelas cotas. Uma fórmula que democratiza o acesso ao ensino superior sem anular os requisitos meritocráticos sem os quais a universidade deixa de cumprir sua função social.

Outra crucial dimensão da experiência americana omitida na proposta do governo petista diz respeito a esquemas de bolsas de estudos que garantam a permanência dos alunos pobres nos bancos universitários. Afinal, de que adiantará abrir-lhes as portas dos cursos superiores, se eles continuarem sem dinheiro para comprar livros ou mesmo pagar passagem de ônibus? Não há no PL nenhuma previsão de recursos com essa finalidade.

Sr, Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Senado da República não poderá reproduzir a preguiça, o despreparo, as omissões e os erros do Executivo quando se vir diante da tarefa de discutir e votar o Projeto nº 3.627/2004.

Em todas as etapas de tramitação que a proposta percorrer nesta Câmara Alta, especialmente na Comissão de Educação, de que faço parte, nós Senadores teremos a obrigação de mobilizar o melhor de nossa energia, nossa inteligência e nosso espírito público, com apoio nos testemunhos da experiência da autoridade de intelectual dos maiores peritos educacionais do País, a fim de transformar radicalmente o projeto, colocá-lo a serviço do progresso nacional e desativar seu potencial devastador para o futuro da universidade brasileira.

Era o que eu tinha a dizer.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/05/2004 - Página 16282