Discurso durante a 67ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Indignação com o desperdício de recursos públicos gastos na compra de um avião de luxo pelo governo brasileiro, tendo em vista as necessidades da população brasileira.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Indignação com o desperdício de recursos públicos gastos na compra de um avião de luxo pelo governo brasileiro, tendo em vista as necessidades da população brasileira.
Aparteantes
José Jorge, Maguito Vilela, Marcos Guerra.
Publicação
Publicação no DSF de 01/06/2004 - Página 16787
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, ABUSO, GASTOS PUBLICOS, AQUISIÇÃO, AERONAVE, PRESIDENTE DA REPUBLICA, COMPARAÇÃO, SITUAÇÃO, INFERIORIDADE, EMPREGO, QUALIDADE DE VIDA, POPULAÇÃO, BRASIL, APRESENTAÇÃO, DADOS, DESEMPREGO, HABITAÇÃO.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, OBSTACULO, INVESTIGAÇÃO, CORRUPÇÃO, FALTA, TRANSPARENCIA ADMINISTRATIVA.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil é, reconhecidamente, um País de contrastes gritantes. Sem dúvida, os contrastes mais revoltantes residem na área social. Há os que ganham muito, os que ganham pouco; há os que são muito ricos, os que são muito pobres. E o atual Governo, surpreendentemente, celebra contradições insuperáveis, destaca contrastes que provocam indignação.

O avião, que hoje já aterrizou nesta tribuna por meio das palavras do Senador José Jorge, é o retrato desse contraste gritante e consagrado pelo Governo do PT, que revolta o País. Quando o País conhece novos números do Atlas da exclusão social, a imprensa continua a destacar, como fez o jornal O Globo, do último domingo, a sofisticação do novo e luxuoso avião do Presidente Lula.

Senador José Jorge, o Primeiro-Ministro da França não tem um avião como esse, nem o Primeiro-Ministro da Inglaterra. Verifique com os italianos que o Berlusconi e outros governantes italianos, ao longo do tempo, jamais se utilizaram de avião suntuoso como esse. Vá à Alemanha e encontrará a mesma resposta. Somente o Presidente Bush, dos Estados Unidos, pode se utilizar de um avião parecido com o que servirá ao Presidente Lula a partir do próximo ano, uma vez que o receberá em dezembro. Mas a Itália, a Alemanha, a Inglaterra, a França, o Japão, Nações poderosas, ricas, não se dão ao luxo de oferecer ao dirigente maior do país um avião tão luxuoso como o que o Brasil vai proporcionar ao Presidente Lula. O avião, repito, custará aos cofres públicos brasileiros US$56,713,976.00, aproximadamente R$180 milhões.

Fiz uma conta singela e cheguei a um número. Se o Presidente Lula utilizasse esses recursos em um programa de geração de empregos no interior do País, haveria 350 mil novos empregos. Por exemplo, no setor de avicultura, no Paraná, com R$5 mil é possível gerar um emprego novo; em Sobral, no interior do Ceará, ou em qualquer Município do interior do Piauí, com R$5 mil é possível gerar um emprego novo. Portanto, com R$180 milhões, poderíamos gerar 350 mil novos empregos no Brasil. E o que ocorre? Na contramão dessa mordomia governamental, há o crescimento do desemprego; recordes sucessivos, nos últimos quatro meses. No último mês, 13,1%. Nas seis principais regiões metropolitanas do País estão desempregados milhões de brasileiros. Apenas na Região Metropolitana de São Paulo, há 2 milhões e 810 mil desempregados. Na Região Metropolitana de Salvador, 16% da população economicamente ativa incluída na força de trabalho estão desempregados.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como explicar tal desperdício? A aplicação de dinheiro público exige o estabelecimento de prioridades. Há necessidade de se estabelecer a relação custo/benefício do investimento feito num País com tantas contradições, com tanta pobreza, com a pressão social que aumenta de forma assustadora diante do crescimento de bolsões de pobreza.

Semana passada, estivemos no interior do Pará e, na semana anterior, no interior de Pernambuco. Visitamos milhares de trabalhadores sem-terra que estão angustiados e pedindo muito pouco para viver em paz. Como admitir que o Governo brasileiro, diante dessa situação de pobreza, se dê ao luxo de viver com mordomia, representada neste caso pelo avião presidencial, de luxuosidade incomum?

O Sr. José Jorge (PFL - PE) - V. Exª concede-me um aparte, Senador Alvaro Dias?

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Concedo um aparte ao Senador José Jorge. Posteriormente, pretendo apresentar mais alguns números do mapa da pobreza do nosso País.

O Sr. José Jorge (PFL - PE) - Senador Alvaro Dias, solidarizo-me com V. Exª no seu pronunciamento. Todos nós sabemos que governar é definir prioridades. Na verdade, os recursos, principalmente num país como o Brasil, que não é do Primeiro Mundo, são sempre escassos. Verificamos se um Governo é bom ou ruim de acordo com a prioridade que dá aos poucos recursos que tem. Este Governo deu prioridade à compra de um avião de luxo para o Presidente da República, em vez de consertar estradas, em vez de aumentar o salário mínimo, de investir em saneamento básico e investir nas universidades. No último domingo vimos, pela Rede Globo, que a Universidade Federal do Rio de Janeiro está complemente sucateada. Para isso não há dinheiro. Mas há recurso para comprar avião de luxo, com banheira, televisão de 42 polegadas. Como V. Exª mesmo falou, nem os dirigentes dos principais países da Europa têm avião desse nível. Na realidade, as companhias aéreas brasileiras podem muito bem transportar o Presidente Lula com o conforto necessário a uma pessoa normal; não é um rei, é apenas um Presidente eleito pelo País. Essa decisão nos faz voltar ao tempo da Revolução Francesa, quando tudo era dado aos monarcas e nada era dado ao povo. Parece que não estamos mais numa democracia, numa república. Voltamos a um tempo muito antigo: tudo aos monarcas e nada ao povo. Muito obrigado.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - V. Exª tem razão, Senador José Jorge, porque a suíte do Presidente da República nesse avião se equipara à suíte de um xeique árabe; não há diferença. Esse avião está sendo adquirido sem concorrência pública, sob alegação de interesse da segurança nacional. São R$180 milhões aplicados pelo Governo brasileiro sem concorrência pública. Enquanto isso, temos 25 milhões de brasileiros sem dentes, ou seja, 14,4% da população brasileira está desdentada. E o Governo aplica R$180 milhões no avião do Presidente da República! Dos 5.507 Municípios brasileiros, apenas 200 possuem padrão de vida adequado segundo o Atlas da Exclusão Social, divulgado agora pela Universidade de Campinas. Portanto, 25% dos brasileiros vivem em condições precárias: baixa renda, desemprego, baixo acesso à educação, violência avassaladora, desigualdade. Enfim, este é o mapa da pobreza no País, contrastando com o desperdício governamental: 42% dos Municípios brasileiros são excluídos socialmente; boa parte dos demais está em condições intermediárias. A maioria, em condições de exclusão social, desses 42%.

A Fundação Getúlio Vargas revela que 50 milhões de brasileiros são miseráveis: recebem menos de R$80,00 por mês. Portanto, 29,3% da população brasileira recebem menos de R$80,00, vivem na condição de indigência. São, verdadeiramente, indigentes. Essa é, lamentavelmente, a realidade do País. Reconhecendo essa realidade, não há como admitir esse desperdício que se dá ao luxo de praticar o Presidente da República ao adquirir um avião de R$180 milhões para o seu conforto. Há um trabalho recente da ONU que demonstra que no Brasil não há política habitacional. E o déficit habitacional cresce assustadoramente. Só em São Paulo 2 milhões de brasileiros vivem em favelas; 600 mil em cortiços e 3 milhões em moradias precárias... Somente em São Paulo. Essa é a realidade habitacional de nosso País. Onde não há, Senador Marcos Guerra, uma política habitacional que permita ao trabalhador de baixa renda adquirir a casa própria, que é o seu sonho maior - a casa própria - ao lado do emprego.

Concedo o aparte ao nobre Senador Marcos Guerra.

O Sr. Marcos Guerra (PSDB - ES) - Senador Alvaro Dias, congratulo-me com V. Exª pelos dados que está apresentando dessa tribuna. A minha maior preocupação, Senador, é que o Governo está comemorando o crescimento do PIB. Hoje, temos no País duas economias. A economia que está crescendo devido ao aumento das exportações e que está bem - mas não emprega, ou emprega muito pouco. De outro lado, temos as médias, micros e pequenas empresas travando uma luta pela sobrevivência; mas essas são as que realmente empregam no País, e o nosso Governo não está olhando por elas. Gostaria muito de parabenizar mais uma vez V. Exª pela forma com que está colocando esses números que realmente são preocupantes para nós que empregamos e que não temos a certeza de, nos próximos meses, continuar com o mesmo índice de empregos ofertados.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Muito obrigado, Senador Marcos Guerra.

Por justiça, é bom destacar que não estamos responsabilizando o atual Governo por este quadro de pobreza e pelo cenário de miséria no País. Pelos contrastes gritantes que lamentavelmente nos envergonham. Estamos responsabilizando o atual Governo pela forma com que aplica o dinheiro público; estamos responsabilizando o atual Governo em razão da sua insensibilidade social, da sua incapacidade de estabelecer prioridades! Esse avião é um acinte à pobreza do País! Esse avião que foi, mais uma vez, matéria de página inteira em mais um órgão da imprensa nacional, dessa feita no jornal O Globo, é o retrato do contraste gritante entre aqueles que usufruem do progresso econômico do País e aqueles que trabalham, que produzem e lamentavelmente sofrem as conseqüências de um modelo injusto que semeia a insegurança, a insatisfação e a indignação no nosso País.

Concedo um aparte ao Senador Maguito Vilela, com muita satisfação.

O Sr. Maguito Vilela (PMDB - GO) - Senador Alvaro Dias, acompanho atentamente o seu pronunciamento. Tenho por V. Exª muita admiração por ser um Senador extremamente preparado, um ex-Governador que deixou marca extremamente positiva no Estado do Paraná. Mas sou obrigado a discordar de muita coisa que V. Exª descreve na tarde de hoje e em outras oportunidades. Ainda bem que V. Exª - e eu estava com isto na ponta da língua - salvaguardou o Presidente Lula, que tem apenas um ano e poucos meses de governo e não pode ser responsabilizado pelos números escabrosos que V. Exª citou de pobreza, de fome, de miséria, de crianças abandonadas, de prostituição infantil, de violência, de desemprego, nada disso. Os maiores responsáveis são os Governos anteriores, que não investiram o que deviam em educação, saúde, segurança pública, infra-estrutura, construção e manutenção de rodovias e ferrovias, criação de hidrovias. Os culpados pelo Brasil de hoje são os Governos de ontem, principalmente o Governo do PSDB, do seu Partido, que nos últimos oito anos teve a oportunidade magnífica de recolocar o País nos trilhos e não o fez. Os índices sociais alarmantes continuaram a aumentar. Governei o Estado de Goiás de 1994 a 1998. Nessa época, o quadro era o mesmo de hoje com relação à fome e à miséria. Fui o primeiro Governador a criar programas sociais de leite, de pão, de cestas de alimentos. Isentei os pobres que recebiam até um salário mínimo do pagamento de luz e de água. Isso em 1994. Ou seja, a situação do País vem realmente degringolando, deteriorando-se ao longo de muitos e muitos anos. E não podemos, principalmente nós Senadores, culpar, criticar árdua e assiduamente o Presidente Lula. Penso que o Presidente Lula merece o voto de confiança, especialmente Sua Excelência que vem das camadas sofridas, que não quer o sofrimento dos seus irmãos brasileiros, que quer mudar esta Pátria e quer encontrar caminhos. O Presidente Lula é um líder mundial, hoje criticado por uma compra de uma aeronave que lhe dará segurança, e também ao Brasil, aos brasileiros. V. Exª falou em custo/benefício. Quantos homens ilustres o mundo já perdeu em função de andar em aeronaves ruins, inseguras? De forma que não podemos discutir o Brasil pela compra de um avião...

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Senador Maguito.

O Sr. Maguito Vilela (PMDB - GO) - ... devemos apresentar idéias...

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Senador Maguito, agradeço o aparte de V. Exª, mas o meu tempo está esgotando-se e preciso concluir o meu pronunciamento.

O Sr. Maguito Vilela (PMDB - GO) - ... e V. Exª é um homem talentoso, inteligente, que tem idéias boas para expor a este País. Muito obrigado.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Agradeço o aparte de V. Exª, Senador Maguito Vilela. É evidente que, tendo horror à injustiça, tive o cuidado de dizer que o Presidente Lula não pode ser responsabilizado pelos números históricos da pobreza do nosso País, mas deve sim, e tem que ser, é e será responsabilizado pelos números de seu governo. O que estamos apresentando aqui são números do atual governo, e sempre procuramos fazer referência à evolução desses números. O Presidente Lula está batendo, com seu governo, recordes históricos de desemprego no País; o Presidente Lula está promovendo uma queda de renda do trabalhador brasileiro durante o seu governo. Estamos mostrando o aprofundamento da crise social no atual governo. Não estamos fazendo referência aos governos anteriores porque eles passaram, já foram julgados pela população. Não quero, não devo, não tenho tempo sequer para fazer referência aos avanços sociais alcançados durante o Governo Fernando Henrique Cardoso, inclusive a estabilização da nossa economia, que foi fundamental, já que não saberíamos avaliar o que seria do nosso País hoje se estivéssemos mantendo aqueles índices de inflação que suportamos antes do Plano Real: 80% de inflação ao mês.

Não estamos, de forma alguma, responsabilizando o Presidente Lula pelo que não cabe a Sua Excelência ser responsabilizado. Mas vamos responsabilizá-lo, sim, todos os dias, pela omissão, pela conivência, pela falta de imaginação, pela falta de criatividade, pela incompetência administrativa, pela incapacidade de gerenciamento, pela postura antiética. Vamos responsabilizar o Presidente Lula pela corrupção que grassa no seu governo. Vamos responsabilizá-lo pela conivência com a corrupção, ao impedir que o Congresso Nacional investigue não apenas Waldomiro Diniz, mas Santo André, os vampiros da saúde, enfim, todos os escândalos já denunciados pela Imprensa brasileira. É responsabilidade de um Governo que chegou ao poder, carregando as esperanças do povo, abrir as portas da Administração Pública para a investigação. É sua responsabilidade, sim, apurar denúncias publicadas pela imprensa; é responsabilidade do Governo a transparência. Essa conivência com a corrupção tem que ser denunciada.

Se há um requerimento novo propondo uma CPI da corrupção, Senador José Agripino, quero imediatamente assiná-lo. Espero que todos os Senadores, inclusive o Senador Maguito Vilela, possam subscrevê-lo, para que o País possa saber o que ocorre no governo que elegeu.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/06/2004 - Página 16787