Discurso durante a 83ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários aos resultados de estudo da consultoria internacional McKinsey, que enfatiza os elevadíssimos custos da formalidade e da legalidade traduzidos na carga tributária e na burocratização excessivas, bem como nas amplas oportunidades de transgressão abertas pela fiscalização deficiente.

Autor
Jefferson Peres (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDUSTRIAL.:
  • Comentários aos resultados de estudo da consultoria internacional McKinsey, que enfatiza os elevadíssimos custos da formalidade e da legalidade traduzidos na carga tributária e na burocratização excessivas, bem como nas amplas oportunidades de transgressão abertas pela fiscalização deficiente.
Publicação
Publicação no DSF de 17/06/2004 - Página 18639
Assunto
Outros > POLITICA INDUSTRIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, RESULTADO, ESTUDO, ORGANISMO INTERNACIONAL, AVALIAÇÃO, EXCESSO, CARGA, TRIBUTOS, BUROCRACIA, INEFICACIA, FISCALIZAÇÃO, AMPLIAÇÃO, ECONOMIA INFORMAL.
  • COMENTARIO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, BRASIL, AUMENTO, NUMERO, EMPRESA, FALSIFICAÇÃO, CONTRABANDO, COMERCIALIZAÇÃO, COPIA, DIVERSIDADE, PRODUTO, ESPECIFICAÇÃO, VESTUARIO, CALÇADO, DISCO, CIGARRO, MEDICAMENTOS, PREJUIZO, CONSUMIDOR, ASSALARIADO, ECONOMIA NACIONAL, AUSENCIA, ARRECADAÇÃO, IMPOSTOS.
  • DEFESA, NECESSIDADE, EMPENHO, GOVERNO, ADOÇÃO, PROGRAMA NACIONAL, LEGALIDADE, COMBATE, FALSIFICAÇÃO, REPRODUÇÃO, SONEGAÇÃO, ECONOMIA INFORMAL.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PDT - AM. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, os lances espetaculares, dignos de uma narrativa de espionagem, em torno da prisão em flagrante do megacontrabandista Law Kin Chong, na semana passada em São Paulo, arrastaram para o centro do debate nacional uma tragédia ética, econômica e social que o Brasil não pode mais fingir ignorar.

O contrabando, a pirataria, a sonegação, o trabalho informal e outros tipos de ilegalidade permitem a um só Law Chong faturar R$600 milhões por ano em suas 600 lojas e fábricas de produtos piratas em Manaus, no Paraguai e na China, e ainda distribuir 10% dessa soma gigantesca como paga pela cumplicidade de centenas de policiais, fiscais e outras autoridades corruptas.

Agora imaginem quantos Law Chongs, no comando de incontáveis exércitos de ladrões de carga, despachantes, sacoleiros, camelôs, pistoleiros de aluguel com distintivo da polícia e atravessadores com carteirinha da Receita Federal são necessários para movimentar 40% da renda brasileira?

Sim! Essa é a nossa taxa de informalidade na economia, bem acima da média mundial de 32% e significativamente superior aos 13% da China, aos 23% da Argentina, ou aos 30% do México, e pouco maior que os 39% da conflagrada e vizinha Colômbia. Esses e outros números emergem de um amplo e pormenorizado estudo da consultoria internacional McKinsey, encomendado pelo presidente do Instituto Etco, o líder empresarial e ex-deputado Emerson Kapaz. A revista Exame desta quinzena divulga os principais resultados da pesquisa na forma de uma brilhante reportagem assinada pelo jornalista André Lahoz.

De acordo com a pesquisa, o Brasil concentra 10% da pirataria musical do planeta; 70% dos computadores comercializados no País são ilegais; apenas 20% do comércio varejista de alimentos pagam impostos; cerca de 60% da mão-de-obra não tem carteira assinada ou qualquer outro direito trabalhista e previdenciário. Há dois anos, 53% do mercado fonográfico já era dominado por CDs piratas!

Os números do trabalho informal nos principais setores da economia brasileira, sempre segundo o mesmo estudo, são impressionantes: 90% na agropecuária; 79% nos serviços pessoais; 72% nos serviços domésticos; 71% na construção civil; 62% na indústria de vestuário e acessórios; 56% na indústria têxtil; 54% no comércio - e assim por diante.

Sr. Presidente, o roubo de cargas e a indústria de notas fiscais frias são responsáveis por quase um terço das vendas de medicamentos, e a Agência Nacional de Petróleo - ANP - revela que mais de 10% dos combustíveis vendidos são adulterados. Cópias piratas de enorme variedade de produtos - de calçados esportivos a programas de computador - inundam o mercado. No caso dos softwares, a falsificação já abocanha mais da metade do setor.

Em conseqüência, empresas estruturadas, produtivas, pagadoras de tributos, em dia com os direitos de seus trabalhadores, estão investindo em pesquisa e desenvolvimento para aumentar sua produtividade, qualidade dos produtos e valor de suas marcas perdem mercado, vendas e oportunidades diante da concorrência desleal das informais sonegadoras e falsificadoras.

No entanto, os maiores perdedores acabam sendo os consumidores, os assalariados e a economia do Brasil como um todo, pois tamanho desestímulo ao investimento produtivo dentro da lei compromete a retomada do crescimento e do emprego.

Assim, por exemplo, a indústria de alumínio Alcoa simplesmente descontinuou várias linhas de seus produtos ao vê-los anunciados nos catálogos da concorrência e verificar a impossibilidade de competir com empresas cujos preços são artificialmente comprimidos graças à sonegação sistemática - a mesma sonegação, aliás, que campeia em 23% do mercado brasileiro de refrigerantes e em 35% do de cigarros.

Já o frigorífico Perdigão resolveu transferir a maior parte de sua produção de frangos para o mercado externo em resposta à prática de muitas empresas do ramo que, driblando a fiscalização sanitária, injetam água no peito dos animais abatidos antes do congelamento para inflar seu peso em até 25%.

Os exemplos focalizados pelo estudo são legião e eu poderia passar a tarde a enumerá-los. Decididamente, a lassidão ética, a impunidade, a roubalheira e a sem-vergonhice que infectam todas as esferas e escalões nos diferentes níveis de Governo transbordaram para as relações de mercado e agora inviabilizam nosso desenvolvimento econômico. Tudo isso desmoraliza a autoridade e os sacrifícios daqueles funcionários e cidadãos que insistem em levar a sério os seus deveres éticos e legais.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no diagnóstico das causas da presente situação de anomia, a pesquisa McKinsey/Instituto Etco, como não poderia deixar de ser, enfatiza os elevadíssimos custos da formalidade e da legalidade traduzidos na pesada carga tributária e na burocratização excessiva, bem como as amplas oportunidades de transgressão abertas pela fiscalização deficiente.

O aumento de dez pontos percentuais da carga, em poucos anos, fê-la absorver 37% do PIB, um nível de tributação digno das democracias do Primeiro Mundo. Porém, ao contrário do que ocorre nos países desenvolvidos, aqui o ônus concentra-se nas empresas. Basta comparar: a tributação sobre empresas atinge 14% do PIB nos Estados Unidos e 23% no Brasil.

Ora, para as micro ou pequenas empresas, com poucos empregados, é muito mais fácil cair na clandestinidade, uma opção inexistente para empresas de grande porte, que tendem a ser as mais eficientes, produtivas e, portanto, com maior capacidade de gerar crescimento e distribuir renda. Não por acaso, o trabalhador norte-americano é cinco vezes mais produtivo que o brasileiro e também cinco vezes mais rico.

Segundo outra pesquisa recente, da Fundação Getúlio Vargas, 85% de um total superior a 50 mil empresas de até cinco funcionários não cumprem suas obrigações tributárias. O baixo faturamento das microempresas e a escassez de recursos humanos e gerenciais do Fisco levam-no a concentrar-se quase exclusivamente nas grandes. Eis aí por que as maiores redes de farmácias de São Paulo detêm um quarto do faturamento, mas pagam metade do ICMS cobrado pelo Estado.

A Diretora da McKinsey, Diana Farrell, resume o dilema em poucas palavras: “A informalidade prende os países numa armadilha na qual as grandes não conseguem crescer e as pequenas não podem crescer”. Ao que me permito acrescentar: na ânsia obsessiva de tributar para preencher as metas de superávit primário, financiar os serviços públicos e arcar com as despesas de custeio de uma máquina burocrática quase sempre inchada pelos abusos de clientelismo, os governantes acabam arrecadando menos do que poderiam e agravando os problemas socioeconômicos das comunidades. Que o diga, por exemplo, o setor de combustíveis, onde a sonegação em 2002 deve ter ultrapassado a marca de R$3,3 bilhões, valor superior dos royalties de petróleo naquele mesmo ano.

Com base nos dados colhidos pela McKinsey, Emerson Kapaz garante que uma redução de 20% da informalidade elevaria a taxa de crescimento do PIB em ao menos 1,5 ponto percentual, permitindo ao Brasil crescer 5% ao ano. Um esforço mais agressivo de redução das barreiras à economia formal empurraria essa taxa para o patamar de 7% ao ano; algo com que nem mesmo os mais criativos marqueteiros de Lula seriam capazes de sonhar...

Sr. Presidente, não serão os remendos tributários ora em tramitação no Congresso, sob o enganoso título de reforma, que resolverão o problema, pela simples razão de que o debate foi praticamente monopolizado pela obstinada recusa da equipe econômica, dos governadores e dos prefeitos de abrir mão de um único centavo de suas receitas, enquanto empresários e trabalhadores, os verdadeiros criadores da riqueza, poucas chances tiveram de se fazer ouvir.

De qualquer forma, o futuro da economia, o bem-estar da sociedade, as perspectivas do emprego e o próprio resgate da ética dependem de uma pronta, esclarecida e corajosa atuação do Executivo e do Parlamento, cada um fazendo sua lição de casa e ambos colaborando entre si para garantir o sucesso de um programa nacional de legalização e de combate à pirataria, à sonegação e à informalidade.

É preciso agir em múltiplas frentes para desenvolver soluções adequadas às peculiaridades de cada setor; atualizar e integrar bancos de dados e sistemas de informações sobre contribuintes; fortalecer e ampliar significativamente o regime simplificado de tributação das micro e pequenas empresas; instrumentar e agilizar órgãos de fiscalização e tribunais para julgamento dos crimes de evasão fiscal com aplicação de sentenças rápidas e severas.

Aí está, em breves traços, um programa de ação que o Governo do Presidente Lula da Silva, ainda tão lento, indeciso e carente de rumos, poderia abraçar como prioridade máxima até o final de seu mandato.

Esse é o único caminho seguro para o espetáculo do crescimento com o qual o primeiro líder operário a ocupar a chefia da nação tanto anseia a fim de cavar seu nicho na galeria dos grandes estadistas de nossa história.

Qualquer tentativa de atalho para contornar essa trilha difícil, exigente, mas absolutamente necessária e urgente, lançará o Governo do PT no descaminho irrecuperável de uma dolorosa irrelevância.

Era o que eu tinha a comunicar, Sr. Presidente.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/06/2004 - Página 18639