Discurso durante a 102ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários à coluna do jornalista Jânio de Freitas, publicada no jornal Folha de S.Paulo, de 27 de julho último, sobre decisão da Presidente da República das Filipinas de retirar do território iraquiano o contingente militar filipino. Realização da segunda Conferência Nacional para Educação no Campo.

Autor
Serys Slhessarenko (PT - Partido dos Trabalhadores/MT)
Nome completo: Serys Marly Slhessarenko
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL. EDUCAÇÃO.:
  • Comentários à coluna do jornalista Jânio de Freitas, publicada no jornal Folha de S.Paulo, de 27 de julho último, sobre decisão da Presidente da República das Filipinas de retirar do território iraquiano o contingente militar filipino. Realização da segunda Conferência Nacional para Educação no Campo.
Aparteantes
Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 04/08/2004 - Página 24221
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL. EDUCAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), IMPORTANCIA, DECISÃO, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, FILIPINAS, RETIRADA, FORÇAS ESTRANGEIRAS, AUXILIO, GOVERNO ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), OCUPAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, IRAQUE, SAUDAÇÃO, INDEPENDENCIA, ATUAÇÃO, MULHER, GOVERNO, DEFESA, VIDA, AMEAÇA, TERRORISMO, CONTESTAÇÃO, IMPERIALISMO.
  • SOLICITAÇÃO, REMESSA, DISCURSO, ORADOR, EMBAIXADA, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, FILIPINAS.
  • SAUDAÇÃO, REALIZAÇÃO, MUNICIPIO, LUZIANIA (GO), ESTADO DE GOIAS (GO), CONFERENCIA NACIONAL, EDUCAÇÃO, CAMPO, PARTICIPAÇÃO, CONFEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NA AGRICULTURA (CONTAG), ENTIDADE, PRESENÇA, TARSO GENRO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), REGISTRO, DECLARAÇÃO, JOÃO PEDRO STEDILE, LIDER, SEM-TERRA, SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, DOCUMENTO.

A SRª SERYS SLHESSARENKO (Bloco/PT - MT. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em primeiro lugar, quero falar sobre a coluna do jornalista Jânio de Freitas do dia 27 de julho, na Folha de S.Paulo, onde esse proeminente jornalista chama nossa atenção para um fato da maior importância ao qual quase ninguém deu o devido relevo. Trata-se da decisão da Presidente da República das Filipinas, Gloria Macapagal Arroyo, de retirar do território iraquiano o contingente militar enviado por seu país, contingente que prestava serviços auxiliares às forças de ocupação do Iraque, comandadas pelos Estados Unidos e por seus aliados britânicos.

Dois aspectos, Sr. Presidente, dão a medida da grandeza e da coragem da decisão da Presidente. De um lado, está o motivo imediato de por que o fez, o de salvar a vida de um simples motorista de caminhão, cidadão de seu país, seqüestrado e ameaçado de morte por guerrilheiros da resistência iraquiana à invasão comandada pela potência imperial. Do outro lado, estão todas as razões que supostamente a deveriam compelir a não ceder às exigências dos seqüestradores, entre as quais se destaca a extrema dependência das Filipinas, país muito pobre e conflagrado internamente, da ajuda econômica e militar americana. Ou seja, por um lado, a dependência da ajuda americana; por outro, a disposição de retirar as tropas filipinas do Iraque para não permitir a morte de um caminhoneiro.

Realmente, precisamos dar ênfase a esse tipo de atitude. É uma atitude de grandeza imensa, vinda de uma mulher presidente! A coragem dessa mulher tem que ser salientada, porque sabemos o que Bush está fazendo no Iraque, sabemos o que ele pode fazer contra um país pequeno como as Filipinas, pobre e dependente dos Estados Unidos. E ela teve a coragem de se posicionar dizendo que a vida está em primeiro lugar.

Como frisou o jornalista Jânio de Freitas, jornais e televisões mostraram cenas do motorista retornando ao lar e sendo recebido pelos filhos, nas mesmas páginas em que apareciam as fotos de um búlgaro - como, em dias anteriores, ocorrera com americanos, ingleses e italianos - sendo levado morto, tão somente para que seu país preservasse a tal da “honra”, Senador Eduardo Suplicy, de não negociar com “terroristas”.

Foi precisamente essa noção antiquada e machista de “honra” que Glória Macapagal Arroyo, Presidente da República das Filipinas, derrubou com seu gesto. A vida de uma pessoa, qualquer pessoa - isso é o que a Presidente filipina demonstrou -, vale mais que quaisquer razões de Estado alegadas para justificar a invasão de um país. E isso, Sr. Presidente, sem ser necessário considerar a veracidade ou falsidade de tais alegações.

Lembremo-nos também do repúdio, por parte de cidadãos espanhóis, portugueses e italianos, ao apoio dos governos dos seus países à decisão americana de atacar o Iraque, repúdio manifestado em demonstrações populares de protesto que tomaram as ruas das principais cidades européias e que lamentavelmente foram ignoradas pelos chefes de governo.

O episódio encerra, de fato, lições políticas para o mundo. Demonstra, antes de tudo, a diferença que uma mulher pode fazer na direção de um governo.

Não podemos deixar passar despercebido esse fato, que aponta para os benefícios de uma verdadeira democratização do poder por intermédio da participação da mulher. Para além da recolocação dos valores em sua devida ordem, com a vida humana situada acima dos interesses comerciais e econômicos, Glória Macapagal Arroyo nos ensinou também a apreciar a verdade.

É significativo, Srªs e Srs. Senadores, que tenha sido preciso uma mulher no governo de um país periférico para mostrar o caminho do humanismo, da democracia e da verdade.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - V. Exª me concede um aparte?

A SRª SERYS SLHESSARENKO (Bloco/PT - MT) - Pois não, Senador Eduardo Suplicy.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Em um de seus livros, Leonardo Boff nos diz como é importante que nós, homens, sejamos conscientes e compreendamos que é muito positivo para o conjunto da sociedade que ora o homem, ora a mulher, esteja no comando das instituições. Falo das empresas, das organizações, das prefeituras, dos governos dos Estados, da Presidência da República. Por que razão? A mulher tem certas qualidades, uma certa sensibilidade, um certo olhar para perceber determinadas coisas que nem sempre nós, homens, somos capazes de ter. Nós, homens, temos, naturalmente, outras qualidades. Mas o que V. Exª está dizendo, Senadora Serys Slhessarenko, é que houve, no caso da Presidenta Glória Macapagal Arroyo, justamente essa sensibilidade, esse olhar para, com muita coragem, dizer, inclusive diante da pressão do Governo dos Estados Unidos da América, que era, sim, importante, conforme ressaltou de uma maneira tão brilhante Jânio de Freitas, considerar a vida daquele motorista seqüestrado. Ela se sensibilizou diante do apelo, que inclusive leva a outras questões importantes, como a própria avaliação crítica do papel que as Filipinas tiveram no Iraque ao enviar tropas para aquele país. O que mais se verificou, desde que a missão da ONU afirmou reiteradamente aos Estados Unidos que não havia encontrado as tais armas de destruição em massa, foi o que ocorreu na Espanha, onde o povo saiu às ruas e acabou elegendo o Primeiro-Ministro Zapatero no lugar daquele que havia levado a Espanha a apoiar a ação de guerra dos Estados Unidos; foi o que levou o Partido Trabalhista inglês a sofrer uma derrota parcial nas eleições locais deste ano - exatamente em decorrência da diminuição da credibilidade do Primeiro-Ministro Tony Blair - e é o que agora está levando o Senador John Kerry, do Partido Democrata, a superar o Presidente George Walker Bush com razoável vantagem em função da diminuição de sua credibilidade. É muito importante que observemos essa evolução. Senadora Serys Slhessarenko, eu havia feito aqui um apelo muito forte ao Governo dos Estados Unidos, antes de irem para a guerra contra o Iraque, no sentido de que procurassem se lembrar mais das lições de grandes líderes norte-americanos, a começar por Martin Luther King Junior, que dizia sempre que era necessário confrontar a força física com a força da alma.

A SRª SERYS SLHESSARENKO (Bloco/PT - MT) - Com certeza.

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Infelizmente, essa lição não foi levada em devida consideração. Esperemos que as lições da história sirvam para que os Estados Unidos tomem outro caminho e que atitudes como a da Presidente Gloria Arroyo, das Filipinas, possam contribuir para que haja uma transformação em direção à democracia no Iraque.

A SRª SERYS SLHESSARENKO (Bloco/PT - MT) - Obrigada, Senador Eduardo Suplicy.

Peço, Sr. Presidente, um pouco mais de tempo para completar essa idéia. Realmente, eu precisava registrar...

O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Permita sugerir a V. Exª que o seu pronunciamento seja encaminhado pelo Presidente do Senado à Embaixada das Filipinas e, inclusive, à Presidente Glória Arroyo, que merece saber do conteúdo de pronunciamento de V. Exª.

A SRª SERYS SLHESSARENKO (Bloco/PT - MT) - Obrigada pela sugestão, Senador Eduardo Suplicy. Faço já a solicitação ao Sr. Presidente para que o meu pronunciamento seja enviado à Embaixada das Filipinas e à Presidente das Filipinas.

O SR. PRESIDENTE (Marcos Guerra. PSDB - ES) - V. Exª será atendida na forma do Regimento da Casa.

A SRª SERYS SLHESSARENKO (Bloco/PT - MT) - Muito obrigada, Sr. Presidente.

Agradeço muito a V. Exª pelo aparte, Senador Suplicy, aparte cuja grandeza enriquece o nosso o nosso pronunciamento. Realmente precisávamos registrar a grandeza e a coragem desse gesto. Aparentemente, pode não parecer tão grande e corajoso, mas ir para o enfrentamento com o tirano do planeta...

O SR. PRESIDENTE (Marcos Guerra. PSDB - ES) - Peço a V. Exª que conclua o seu pronunciamento.

A SRª SERYS SLHESSARENKO (Bloco/PT - MT) - Eu pedi alguns minutos para concluir...

O SR. PRESIDENTE (Marcos Guerra. PSDB - ES) - É que a sessão, de acordo com o Regimento Interno, já deveria ter sido encerrada.

Prorrogo a sessão e concedo a V. Exª mais cinco minutos.

A SRª SERYS SLHESSARENKO (Bloco/PT - MT) - Muito obrigada, Sr. Presidente.

É que precisamos mostrar, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Senador Eduardo Suplicy, que nos aparteou, que aparentemente são gestos pequenos, mas se muitos no planeta tiverem essa coragem acabaremos com os tiranos e os Bush da vida não terão mais espaço no planeta.

Registro ainda que ontem teve início uma conferência estratégica para a agenda da mudança. Trata-se da II Conferência Nacional por uma Educação do Campo, que conta com aproximadamente mil participantes, que estão reunidos em Luziânia, município goiano que compõe a região do entorno do Distrito Federal. Lá estão inúmeras entidades.

Na oportunidade, ficou bastante transparente a diferença de governo, pois o nosso Ministro da Educação, Tarso Genro, esteve presente à II Conferência ontem - à primeira conferência o Sr. Paulo Renato não teve a coragem de comparecer.

Cito rapidamente algumas palavras proferidas pelo companheiro João Pedro Stédile, da Coordenação Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, durante a cerimônia de abertura. Na opinião dele, a questão da educação para o campo e no campo ganha mais relevância porque vem num momento-chave, momento em que o Brasil vive uma crise de projeto.

O Sr. Stédile lembrou em seu discurso aquilo que o presidente de Cuba, Fidel Castro, sempre diz, ou seja, que as mudanças hoje não devem mais ser feitas com fuzis mas sim com lápis e caneta.

Saúdo os companheiros e companheiras da Contag e as inúmeras entidades que, como eu, compareceram à II Conferência Nacional por uma Educação do Campo.

Quero pedir que se registre aqui também, Sr. Presidente, que não há democracia sem escola pública forte. Somente com uma escola pública de qualidade é possível construir um verdadeiro Estado republicano - foi o que defendeu o professor francês Bernard Charlot durante debate no III Fórum Mundial de Educação que está acontecendo em Porto Alegre.

Eu vou deixar o documento aqui para que seja transcrito nos Anais, tanto o da II Conferência Nacional por uma Educação do Campo quanto o documento do III Fórum Mundial de Educação.

Muito obrigada.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DA SRª SENADORA SERYS SLHESSARENKO.

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A SRª SERYS SLHESSARENKO (Bloco/PT - MT. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a capacidade dos meios de comunicação atuais de transmitir instantaneamente imagens e sons dos acontecimentos, de um lado para outro do globo, pode induzir pessoas menos conscientes dos condicionamentos ideológicos das agências de notícias à impressão de que o mundo passa diária e neutramente diante dos nossos olhos, restando a cada um a interpretação dos fatos. É evidente, porém, que as coisas não se passam bem assim. Tivemos, aliás, recentemente, um exemplo muito ilustrativo do viés com que nos são apresentados os eventos, especialmente no âmbito internacional.

Em sua coluna do dia 27 de julho na Folha de S.Paulo, Jânio de Freitas chama nossa atenção para um fato da maior importância ao qual quase ninguém deu o devido relevo. Trata-se da decisão da Presidente da República das Filipinas, Glória Macapagal Arroyo, de retirar do território iraquiano o contingente militar enviado por seu país, contingente que prestava serviços auxiliares às forças de ocupação do Iraque, comandadas pelos Estados Unidos e por seus aliados britânicos.

Dois aspectos dão a medida da grandeza e da coragem da decisão da Presidente. De um lado, está o motivo imediato de por que o fez, o de salvar a vida de um simples motorista de caminhão, cidadão de seu país, seqüestrado e ameaçado de morte por guerrilheiros da resistência iraquiana à invasão comandada pela potência imperial. Do outro lado, estão todas as razões que, supostamente, a deveriam compelir a não ceder às exigências dos seqüestradores, entre as quais se destaca a extrema dependência das Filipinas, país muito pobre e conflagrado internamente, da ajuda econômica e militar americana.

Como frisou o jornalista Jânio de Freitas, jornais e televisões mostraram cenas do motorista retornando ao lar e sendo recebido pelos filhos, nas mesmas páginas em que apareciam as fotos de um búlgaro - como, em dias anteriores, ocorrera com americanos, ingleses e italianos - sendo levado morto, tão somente para que seu país preservasse a tal da “honra” de não negociar com “terroristas”.

Foi precisamente essa noção antiquada e machista de “honra” que Glória Macapagal Arroyo derrubou com seu gesto. A vida de uma pessoa, qualquer pessoa - isso é o que a Presidente filipina demonstrou -, vale mais que quaisquer razões de Estado alegadas para justificar a invasão de um país. E isso sem ser necessário considerar a veracidade ou falsidade de tais alegações.

Lembremo-nos também do repúdio, por parte de cidadãos espanhóis, portugueses e italianos, ao apoio dos governos de seus países à decisão americana de atacar o Iraque, repúdio manifestado em demonstrações populares de protesto que tomaram as ruas das principais cidades européias e que lamentavelmente foram ignorados pelos chefes de governo.

O episódio encerra, de fato, lições políticas para o mundo. Demonstra, antes de tudo, a diferença que uma mulher pode fazer na direção de um governo. A sensibilidade política que salvou a vida do motorista Angelo de La Cruz faltou, por exemplo, ao então Primeiro-Ministro espanhol José María Aznar, quando este tentou faturar eleitoralmente o atentado aos trens suburbanos de Madri, ao insistir em atribuí-lo aos nacionalistas bascos, apesar de todas as evidências que apontavam para uma represália árabe à participação espanhola na invasão do Iraque.

Não podemos deixar passar despercebido esse fato que aponta para os benefícios de uma verdadeira democratização do poder, por intermédio da participação da mulher. Para além da recolocação dos valores em sua devida ordem, com a vida humana situada acima dos interesses comerciais e econômicos, Glória Macapagal Arroyo nos ensinou também a apreciar a verdade, ao contrário da desfaçatez de tantos dirigentes nacionais que parecem não se cansar de impingir a seus povos e ao mundo as mais deslavadas mentiras.

É significativo, Srªs e Srs. Senadores, que tenha sido preciso uma mulher no governo de um país periférico para mostrar o caminho do humanismo, da democracia e da verdade.

Muito obrigada.

 

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DOCUMENTOS A QUE SE REFERE A SRª SENADORA SERYS SLHESSARENKO EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno)

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            Matérias referidas:

            “Não há democracia sem escola pública forte”;

            “Começa conferência estratégica para agenda da “mudança”.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/08/2004 - Página 24221