Discurso durante a 116ª Sessão Especial, no Senado Federal

Homenagens ao ex-Presidente Getúlio Vargas, pelo transcurso dos 50 anos de seu falecimento.

Autor
Fernando Bezerra (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RN)
Nome completo: Fernando Luiz Gonçalves Bezerra
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagens ao ex-Presidente Getúlio Vargas, pelo transcurso dos 50 anos de seu falecimento.
Publicação
Publicação no DSF de 25/08/2004 - Página 27447
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CINQUENTENARIO, ANIVERSARIO DE MORTE, GETULIO VARGAS, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, ELOGIO, VIDA PUBLICA, INDUSTRIALIZAÇÃO, BRASIL, ATENÇÃO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL.
  • REGISTRO, POLITICA EXTERNA, GETULIO VARGAS, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, NEGOCIAÇÃO, COLABORAÇÃO, BRASIL, SEGUNDA GUERRA MUNDIAL, TROCA, FINANCIAMENTO, CAPITAL ESTRANGEIRO, COMPANHIA SIDERURGICA NACIONAL.

O SR. FERNANDO BEZERRA (Bloco/PTB - RN. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Srªs e Srs. convidados, como cidadão brasileiro e representante do Rio Grande do Norte nesta Casa, filiado ao Partido Trabalhista Brasileiro, e também na condição de Líder do Governo no Congresso Nacional, eu não poderia deixar de fazer uso da palavra nesta sessão especial em que se lembram os 50 anos de falecimento de Getúlio Dornelles Vargas. Faço-o na certeza de estar prestando homenagem ao mais singular homem público que o Brasil conheceu e que, como mais ninguém, conquistou o mais elevado posto na História brasileira.

Vargas foi um grande estadista.

Independentemente das suas qualidades pessoais, que não eram poucas, de seus erros ou acertos políticos e administrativos, de sua visão política assentada no centralismo autoritário, que teve no Estado Novo sua expressão máxima, o que faz de Vargas o estadista sem igual é sua formidável capacidade de ler e compreender o contexto histórico em que atua. Mais ainda: sua incomparável capacidade de enxergar por sobre o que os olhos alcançam, perceber a direção da história e antecipar o futuro.

É justamente isso o que de mais essencial fica de Vargas. Ao contrário dos que o precederam no comando do País, teve ele a noção exata da crise estrutural que, a partir da quebra de Bolsa de Valores de Nova Iorque, verdadeiro termômetro da economia mundial, naquele trágico outubro de 1929, tomava conta do mundo e atingia frontalmente uma economia periférica como a brasileira.

O gaúcho da fronteira, que trazia cravada na alma a cultura da pecuária, teve a certeza de que a saída para a crise e a construção de um Brasil pujante pressupunham a industrialização. Assim, com ele, ocorria a mais importante inflexão da História nacional: rompia-se o padrão consagrado nos três séculos de colonização, que, ao cabo, fora preservado com a Independência, mantendo-se ao longo do século XIX e, com pequenas variações, no transcurso da República Velha.

Desse modo, Getúlio inaugurava a modernidade no Brasil, sintonizando o País com o século XX. Consciente da necessidade do aporte de grande volume de capitais para impulsionar a necessária indústria de base, conferiu ao Estado o estratégico papel de indutor do desenvolvimento nacional, à maneira de grande empresário. Dessa visão, surgiram notáveis empreendimentos, a exemplo da Companhia Siderúrgica Nacional, da Fábrica Nacional de Motores e da Companhia Vale do Rio Doce. Difícil, senão impossível, imaginar o Brasil industrializado de nossos dias sem o impulso dessa base original.

Que não se pense ter sido fácil a empreitada bancada por Vargas. Além de vencer barreiras internas, identificada nas forças políticas e econômicas de um passado que se recusava a compreender os novos tempos, foi preciso agir em um contexto internacional tenso e conflituoso. É nesse cenário, cujo pano de fundo era a Segunda Guerra Mundial, que Vargas negocia a participação brasileira no conflito, não sem antes superar as divergências existentes no interior de seu próprio Governo.

Na célebre reunião havida na Capital do meu Estado, Natal, Vargas teve a competência necessária para obter de Franklin Delano Roosevelt, Presidente dos Estados Unidos, a garantia de financiamento da grande obra a ser construída em Volta Redonda, o que de fato aconteceu. Quando de volta ao poder federal, consagrado por expressiva votação popular, próxima da maioria absoluta, vamos encontrar Getúlio Vargas ainda mais comprometido com o modelo nacional-desenvolvimentista que, em larga medida, vicejava na América Latina naquele momento.

Desse período resultaram duas decisões fundamentais de Vargas: a criação da Petrobras, com toda a simbologia do ato, e a proposta de criação da Eletrobrás. Não por acaso ou por mera coincidência, colocava-se em mãos do Estado o controle sobre duas áreas estratégicas para o desenvolvimento do País - petróleo e eletricidade.

Fica também, Sr. Presidente, o grande legado na área social. Superando os velhos conceitos e as práticas arcaicas que uma economia historicamente escravocrata arraigara e não se submetendo ao princípio revolucionário marxista da luta de classes, Getúlio age no sentido de promover o desenvolvimento capitalista do País de forma a conciliar os interesses do capital e do trabalho. Ainda que muitas vezes não compreendida, à direita e à esquerda, sua estratégia mostrou-se vitoriosa. Ao mesmo tempo em que eram dadas as condições para que a economia se modernizasse, o mundo do trabalho era contemplado com uma legislação moderna, inclusiva e democratizante.

Coerentemente, Vargas compreendia a necessidade de se estimular a organização dos trabalhadores em torno de seus sindicatos, ainda que, seguindo uma tendência da época, fortemente atrelados ao Poder Público. Nessa mesma perspectiva, foi o criador do glorioso PTB, o meu Partido, cuja trajetória não encontra paralelo na História brasileira, nas duas décadas que se seguem ao início da redemocratização, em 1945.

Claro está, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que o Brasil de hoje é por demais distinto daquele em que Vargas atuava. Certamente que muito do que foi por ele proposto ou implementado não mais teria sentido na atualidade. Contudo, fica a magnitude de quem soube fazer história, compreendendo o contexto em que vivia e agindo no sentido de promover a transformação estrutural do País.

Disso decorre a grandeza de Getúlio Vargas.

Disso resulta a formidável herança que legou à Nação.

A grandiosidade de Vargas se expressa em sua extrema complexidade, tanto como ser humano quanto como homem público. Analisá-lo pela via do reducionismo é erro fatal a gerar imagens fatalmente distorcidas. Penso que o melhor que podemos fazer é tentar compreendê-lo em sua plena historicidade. Ao fazê-lo, independentemente de nossas posições filosóficas, políticas ou ideológicas, seguramente compreenderemos melhor o Brasil.

Muito obrigado. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/08/2004 - Página 27447