Discurso durante a 116ª Sessão Especial, no Senado Federal

Homenagens ao ex-Presidente Getúlio Vargas, pelo transcurso dos 50 anos de seu falecimento.

Autor
Aloizio Mercadante (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Aloizio Mercadante Oliva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagens ao ex-Presidente Getúlio Vargas, pelo transcurso dos 50 anos de seu falecimento.
Publicação
Publicação no DSF de 25/08/2004 - Página 27460
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, ANIVERSARIO DE MORTE, GETULIO VARGAS, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, ELOGIO, VIDA PUBLICA, REGISTRO, HISTORIA, LIDERANÇA, REVOLUÇÃO, RENOVAÇÃO, REPUBLICA, CRISE, MODELO ECONOMICO, EXPORTAÇÃO, CAFE, SUBSTITUIÇÃO, IMPORTAÇÃO, INICIO, INDUSTRIALIZAÇÃO, AMBITO, POLITICA DE DESENVOLVIMENTO, INSTITUCIONALIZAÇÃO, ESTADO, PROTEÇÃO, DIREITOS E GARANTIAS TRABALHISTAS, DETALHAMENTO, PERIODO, GOVERNO, IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, CHEFE DE ESTADO, SOBERANIA, BRASIL.

            O SR. ALOIZIO MERCADANTE (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, meio século depois da morte de Getúlio Vargas, é mais do que justa esta homenagem prestada pelo Senado da República.

            Em 1954, às 8 horas da manhã, o então Presidente da República Getúlio Vargas saía da vida pública com um gesto dramático e que marcaria definitivamente a história deste País, não apenas pelas condições trágicas, mas, sobretudo, pela grandeza da sua obra, que continuará por muitos e muitos anos sendo debatida e refletida, deixando lições extremamente importantes para o nosso povo e para a nossa Nação.

            O momento mais importante da história política de Getúlio Vargas foi exatamente quando ele liderou o Movimento Tenentista e a Revolução de 1930. Naquela oportunidade, a Nação rompeu com a Primeira República, com o antigo pacto oligárquico chamado de “política do café com leite”, num cenário extremamente difícil, em que a grande depressão deflagrada pelo crash da Bolsa de Nova Iorque, em 1929, atingia de forma duríssima a economia brasileira. Nós éramos, então, uma economia primário-exportadora, que produzia basicamente minérios e produtos agrícolas. Naquela ocasião, o café representava 60% de nossa pauta de exportações e era a principal riqueza nacional. Nos anos 20, o Brasil vinha estocando dois terços da produção de café. Em 1929, tínhamos uma safra estimada de 33 milhões de sacas de café. Era um recorde absoluto de toda a produção histórica.

            Portanto, os estoques estavam abarrotados de café, apenas um terço vinha sendo comercializado. Teríamos uma supersafra quando, num período de apenas três meses, o preço internacional do café caiu mais de 70%. O Brasil ficou inadimplente e, imediatamente, decretou uma moratória. Aquela crise econômico-social foi decisiva para o desmonte de uma estrutura oligárquica, complexos econômicos regionais que não projetavam o País como nação nem permitiam a constituição de um Estado Nacional.

            A resposta à política econômica, naquela crise de deflação, recessão com queda nos preços, foi muito próxima ao que já vinha sendo estabelecido desde o acordo do café em 1906. O Governo brasileiro mandou queimar os estoques de café - fotografias circularam o mundo para tentar sustar a queda do preço pelo excesso de oferta -, mandou comprar a safra e estocá-la. Com isso, o Governo manteve a demanda agregada. Mas o País não tinha mais capacidade para importar, para manter o padrão de consumo e, portanto, a dinâmica do modelo primário-exportador.

            Esse cenário adverso impulsionou um salto de qualidade na história econômica do Brasil, porque, a partir dali, vemos deflagrado um processo de substituição de importações em que a indústria nacional, especialmente a indústria voltada para o mercado de trabalho dos assalariados - indústria têxtil, de alimentos -, cresce e é obrigada a responder à demanda. Em 1934, o Brasil já é um País predominantemente industrial.

Houve a emergência de um projeto nacional-desenvolvimentista. No cenário internacional, o sistema keynesiano foi a resposta nos países ricos. E aqui, em um País tropical, demos a resposta antes mesmo de Keynes haver escrito A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, livro que inspirou e ordenou intelectualmente toda a política de estímulo à demanda agregada e anti-recessiva que impulsionaria o crescimento econômico e, posteriormente, o Estado do bem-estar social.

Essa resposta criativa, numa época de crise, de ruptura do País com a lógica econômica estabelecida, permitiu superarmos o modelo que condenou vários países da América Latina e de outras regiões pobres do Planeta a séculos de precário dinamismo econômico, no cenário de um modelo primário-exportador. Getúlio Vargas, portanto, foi o protagonista dessa grande virada histórica, quando o Brasil deixa de ser um País agrícola para ser um País industrial, resposta política e econômica, ainda feita nos marcos tradicionais, que teve uma eficácia absolutamente espetacular, já que não aprofundamos o ciclo recessivo.

Da mesma forma como os Estados Unidos introduziram o new deal, com Roosevelt, a resposta política e econômica brasileira permitiu a este País crescer de forma extremamente dinâmica desde então e avançar no processo de industrialização. O Estado era sujeito político ativo, não apenas regulava a economia, como intervinha no processo econômico. O planejamento era uma dimensão nova que o debate político permitia introduzir nos países em desenvolvimento.

Com isso, logo a seguir, dando continuidade ao processo de industrialização do País, o Governo Getúlio Vargas começou a ordenar os vários complexos econômicos regionais. O café dividia regiões do País. É criado o Instituto Brasileiro do Café, estabelecendo uma política nacional e constituindo um único complexo econômico. Para o álcool e o açúcar, que dividiam, sobretudo, o Sudeste e o Nordeste, é criado o Instituto do Álcool e do Açúcar e uma política de arbitragem do Estado nacional, unificando e organizando esse complexo, que ainda hoje é um setor extremamente importante da economia brasileira, como também o café o seria por muitas e muitas décadas.

Esse modelo de institucionalização do Estado estende-se à relação capital/trabalho. Getúlio não apenas constitui o Ministério do Trabalho, como cria a CLT, o salário mínimo, em 1942, a jornada de trabalho de oito horas e organiza, portanto, os direitos trabalhistas fundamentais, embora com uma estrutura sindical atrelada e dependente do Estado, inspirada já nos ventos que sopravam do fascismo italiano, da Carta del Lavoro. Mas, da mesma forma que nos demais complexos regionais, essa política constitui um único mercado de trabalho nacional e o Estado nacional, como um grande agente de reconhecimento de direitos e, ao mesmo tempo, de atrelamento e controle do movimento sindical emergente, que vinha já desde os anos 20 ganhando grande importância nas lutas sociais.

Cria o Ministério da Educação e da Saúde, para estabelecer políticas públicas de inclusão social, políticas sociais universais básicas, inspiradas também no Estado do bem-estar social.

Portanto, os elementos centrais da constituição do Estado vão se estender além dessas políticas, numa intervenção direta do processo industrializante. A constituição da Companhia Siderúrgica Nacional, que foi objeto de um movimento pendular da política de Getúlio e de uma política externa nacionalista e pragmática. Getúlio sinalizou a possibilidade de apoiar o Eixo (Alemanha, Japão e Itália) - o nazi-fascismo - , mas ele acaba compondo com os aliados e viabiliza a Companhia Siderúrgica Nacional, que será, durante meio século, a mais importante siderúrgica da América do Sul e da América Latina.

Cria a Fábrica Nacional de Vagões, a Fábrica Nacional de Motores, constitui a Álcalis na química pesada e, com isso, vai desenhando um pólo produtivo estatal em setores nos quais o capital estrangeiro não tinha interesse de entrar e onde o capital nacional não tinha condições de produzir. E essa articulação do tripé capital nacional, capital estrangeiro e Estado vai lastrear o crescimento sustentado da economia brasileira, o processo industrializante, num período em que o PIB vai crescer 7% em média ao ano e a indústria, 9%, alavancando, portanto, um grande padrão de industrialização, que se estenderá da crise 1929, a partir de 1934, durante todos os anos 40 e 50; e depois dá um grande salto de qualidade, com o Plano de Metas.

No entanto, do ponto de vista político, esse Governo tem que ser periodizado: o Governo revolucionário e provisório de 1930 a 1934; o Governo constitucional, produto de uma assembléia nacional constituinte e democrático, de 1934 a 1937 e uma ditadura que se instala com o Estado Novo em 1937.

O Estado Novo perseguiu oposicionistas, a Esquerda, sindicalistas. Páginas que ficaram ocultas no nosso debate democrático emergem hoje com muita força, denunciando a tortura, a censura e episódios que precisam ser discutidos, como o caso de Olga, ou anti-semitismo que era praticado naquele período.

Diria que, ao mesmo tempo em que ele impulsionava a economia e patrocinava uma cultura modernista de vanguarda extremamente importante na construção da identidade nacional, houve de fato práticas autoritárias que em nada contribuem para a construção da sociedade civil brasileira e da história econômica do Brasil. Eu diria, além disso, que Getúlio, exatamente pela sua grande obra econômico-social, volta, posteriormente, em 1950, eleito pelo povo com uma votação consagradora. E, novamente, é um Governo reformador, que vai introduzir novos instrumentos decisivos para a história econômica e para o desenvolvimento do País. A Eletrobrás; o BNDES, um banco público de fomento ao investimento, que, até hoje, é um diferencial entre o Brasil e vários outros países pela capacidade de articular a poupança nacional e alavancar o financiamento, o investimento e a industrialização; a Petrobras, que, em 2005, meio século depois, está caminhando para a nossa mais plena autonomia do ponto de vista energético, o que jamais teria sido possível se não houvesse um estadista que enxergasse além do seu tempo e não se rendesse às pressões, que, naquela época, impediam que o Brasil controlasse o seu subsolo. Também merece destaque a criação da Vale do Rio Doce pois, desde o início da colonização, a mineração sempre foi um dos grandes interesses da cobiça estrangeira em nossa história econômica. Foi assim que vivemos um longo período colonial no modelo primário-exportador, mas retomamos o controle do subsolo com a Vale do Rio Doce, por meio da política de estadista, desenvolvimentista, de longo prazo, que o Governo Getúlio implementou no País.

Por tudo isso, por essa obra, por essa grandeza e pela capacidade de incorporar grandes massas populares, a elite nunca o engoliu, nunca o aceitou. Sempre fez uma oposição absolutamente denuncista, superficial, irresponsável, o que foi demonstrado em muitas das suas atitudes, como as inspiradas em um golpismo que era próprio das nossas tradições políticas. Tanto é assim que, em 1954, em meio a uma crise econômico-social, num ascenso do movimento oposicionista e golpista, que buscava de novo uma quartelada contra o seu Governo, o seu suicídio foi mais uma demonstração de um gesto extremo, dramático, mas também um grande gesto político, porque suas últimas palavras na carta-testamento “Deixo a vida para entrar na história” refletem exatamente a dimensão do que ocorreu naquele episódio. Ele dissolve aquela contra-reforma, que estava em andamento no País, desarticula os oposicionistas, e inspira o movimento queremista, que foi um dos maiores movimentos sociais da nossa história. A multidão chorava ao lado do caixão de Getúlio. Com isso, as bases do trabalhismo renascem, e o seu projeto volta a ter importância histórica. E, no Governo de Juscelino Kubistchek, o nacional-desenvolvimentismo vai ter um novo grande salto de qualidade, em novas bases. Esse é um outro capítulo a história.

Por tudo isso, fiz questão de vir a esta tribuna. Abandonei o discurso que havia preparado e falei de forma espontânea, porque dediquei parte da minha vida a estudar Getúlio Vargas com profundidade. Creio que é impossível entender o Brasil de hoje sem entender a grande figura do referido estadista.

Lamento aqueles que são incapazes de reconhecer a sua grande obra histórica.

Lembro-me, num passado muito recente, de um ex-Presidente do Banco Central...

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. ALOIZIO MERCADANTE (Bloco/PT - SP) - Vou concluir, Sr. Presidente, ... do Governo anterior, dizendo que o período Getúlio Vargas foram 40 anos de burrice - essa foi uma entrevista publicada nas páginas amarelas da Revista Veja, numa época em que supervalorizávamos o real, em que estávamos “desindustrializando” o País, aumentando a nossa vulnerabilidade e dependência externa e endividando o Estado brasileiro como poucas vezes ocorreu na história da Nação.

Portanto, a lição fundamental que se deve apreender do Governo Getúlio é que o Estado é um agente fundamental do desenvolvimento, ainda que numa sociedade contemporânea, no século XXI, evidentemente as ações estratégicas do Estado tenham um novo lugar, mas continuam fundamentais para coordenar, para regular e para fomentar o desenvolvimento.

A segunda lição fundamental é que a dinâmica econômica que importa é a dinâmica da produção, é a dinâmica do emprego, é a dinâmica da indústria, da agricultura, das exportações. É essa a dinâmica que gera qualidade de vida, que gera riqueza, que gera projeção de nação e de poder nacional.

Uma outra dimensão que agora está sendo recuperada é a nossa política externa. Esta é uma Nação que não pode ter uma atitude submissa e passiva. É preciso um projeto de nação e uma inserção soberana nos grandes fóruns internacionais. É preciso enfrentar, quando for preciso, os poderosos interesses, que jamais vão nos querer permitir ser uma grande Nação.

Precisamos dialogar, negociar, buscar por meio da diplomacia a solução dos nossos conflitos, mas não abdicar de um projeto de nação e de um compromisso com o nacional-desenvolvimentismo, que deixou lições absolutamente fundamentais, para quem quiser pensar com grandeza a história e ser capaz de projetar, hoje, essa grande obra de um grande estadista, que, inegavelmente, marcou, de forma definitiva, a história do Brasil.

Portanto, faço questão de vir aqui falar de forma espontânea, direta e com muita sinceridade, porque considero Getúlio Vargas um dos grandes estadistas que esta Nação teve ao longo do século XX. Parte da sua obra continua a inspirar, a exigir uma reflexão profunda. Ele contribuiu, de forma decisiva, para que este País fosse uma Nação, tivesse um Estado Nacional, voltasse a ter auto-estima e a acreditar em si mesmo como povo, como Nação e como Estado.

Há cinqüenta anos, vivíamos uma grande tragédia nacional e, hoje, nesta manhã, o Senado Federal se reúne para prestar esta homenagem absolutamente justa e indispensável a este grande brasileiro Getúlio Vargas.

Muito obrigado. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/08/2004 - Página 27460