Discurso durante a 121ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Análise da matéria da Revista Carta Capital a respeito da atuação da Organização das Nações Unidas (ONU) no Brasil.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PPS - CIDADANIA/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO PUBLICA. SOBERANIA NACIONAL.:
  • Análise da matéria da Revista Carta Capital a respeito da atuação da Organização das Nações Unidas (ONU) no Brasil.
Aparteantes
Leomar Quintanilha.
Publicação
Publicação no DSF de 01/09/2004 - Página 28590
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO PUBLICA. SOBERANIA NACIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, CARTA CAPITAL, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ANALISE, ATUAÇÃO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), TERRITORIO NACIONAL, DENUNCIA, IRREGULARIDADE, PROJETO, PARCERIA, ORGANISMO INTERNACIONAL, GOVERNO BRASILEIRO, OPOSIÇÃO, INTERESSE PUBLICO, CONTRATAÇÃO, PESSOAL, AUSENCIA, CONCURSO PUBLICO, PREJUIZO, SERVIÇO PUBLICO, SOBERANIA NACIONAL, UTILIZAÇÃO, RECURSOS, TESOURO NACIONAL.
  • ADVERTENCIA, NECESSIDADE, MINISTERIO PUBLICO, JUDICIARIO, MANUTENÇÃO, DEFESA, ORDEM JURIDICA, EFICACIA, FISCALIZAÇÃO, ATUAÇÃO, ORGANISMO INTERNACIONAL, TERRITORIO NACIONAL.
  • DEFESA, NECESSIDADE, CONGRESSO NACIONAL, ANALISE PREVIA, CONTROLE, ACORDO, PARCERIA, IMPEDIMENTO, IRREGULARIDADE, APERFEIÇOAMENTO, QUALIDADE, GASTOS PUBLICOS, RESPEITO, ORDEM CONSTITUCIONAL, MANUTENÇÃO, EFICACIA, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil realmente é um país de contrastes e de fatos até inexplicáveis.

A revista CartaCapital, no último dia 28 de julho, trouxe como matéria de capa percuciente reportagem sobre a atuação da Organização das Nações Unidas em território brasileiro nos últimos anos. Demonstram os fatos ali narrados que, no mais das vezes, os projetos gerenciados pela ONU, por meio de suas agências, em parceria com o Governo brasileiro, contrariam frontalmente o interesse público.

Dezenove agências ligadas à ONU operam atualmente no Brasil, administrando recursos da ordem de US$260 milhões em 318 programas. Ocorre que, dos recursos geridos por essas agências (Unesco, Pnud, OIT, Cepal, entre outras), apenas 8% são levantados por elas próprias, enquanto o Tesouro brasileiro arca com 92% do total, por meio de dotação orçamentária ou de empréstimos públicos.

A reportagem apurou ainda que essas agências, além de pouco contribuírem para realizar o capital necessário aos projetos, apropriam-se de 3% do valor dos projetos, a título de taxa de administração, e que ainda pretendem elevá-la para 5%, mesmo havendo notícias de que parte dessa taxa não é gasta no Brasil, mas enviada à sede na ONU, em Nova York.

A pergunta que imediatamente se apresenta é esta: por que o Brasil celebra tantos convênios com essas instituições que não contribuem financeiramente para os programas e ainda cobram taxas para gerenciá-los? Ou, em termos mais diretos: será que o Governo brasileiro não tem condições de realizar, por si mesmo, projetos equivalentes?

Sr. Presidente, a forma como vem sendo gasto o dinheiro desses programas nos últimos anos pode nos ajudar a responder a tais questionamentos. Segundo a Carta Capital, em pleno esforço governamental de enxugamento da máquina pública, realizado a partir de 1998, iniciou-se um processo de maciça contratação de consultores que, em princípio, deveriam formar o capital humano necessário à implantação dos projetos. O que se observou, contudo, foi o aproveitamento de consultores em funções tradicional e legalmente desempenhadas por servidores públicos.

No auge do processo, em 2002, havia quase dez mil deles lotados nos Ministérios - dez mil desses consultores, não de funcionários -, muitos atuando como telefonistas, motoristas e até digitadores, funções muito distintas das que se espera de um consultor. Diga-se, de passagem, que os salários desses ditos consultores eram bem mais elevados que os dos servidores de carreira.

Observa-se, Sr. Presidente, que tais parcerias, da forma como vêm sendo realizadas, apresentam benefícios duvidosos e prejuízos certos. Como visto, não se pode afirmar que a Administração Pública necessite, efetivamente, de tão dispendioso auxílio estrangeiro. O investimento na profissionalização das carreiras de Estado da Administração Pública, que até já vem sendo feito, reconheça-se, traria um retorno substancialmente mais visível, com vantagens no médio e longo prazos. O auxílio internacional continuaria sendo bem-vindo, mas de forma subsidiária e complementar, diferentemente do que vem acontecendo.

Nos moldes atuais, sem dúvida, os prejuízos superam quaisquer proveitos. Já se demonstrou que tais convênios vêm servindo para a contratação de pessoal sem concurso público, em evidente menoscabo da ordem constitucional vigente.

Diga-se, a propósito, que o Poder Judiciário, na tentativa de restabelecer a impessoalidade e a moralidade na Administração Pública, já fixou prazo para a substituição de todos os consultores que estiverem desempenhando funções próprias de servidores públicos.

No entanto, Sr. Presidente, a ordem jurídico-constitucional não é a única prejudicada nesse caso. Também há dano à própria soberania brasileira, na medida em que se admite a atuação de organismos internacionais em território nacional, com recursos do Tesouro Nacional, sem que se demonstre ser essa atuação absolutamente necessária ou, pelos menos, sensivelmente útil.

Por outro lado, Sr. Presidente, ao mesmo tempo em que são ofertados recursos públicos para tais programas - lembremos que estes somam quase R$800 milhões -, são contingenciados os investimentos previstos no Orçamento anual aprovado pelo Congresso Nacional, muitos deles de vital importância para o Estado brasileiro.

Conclui-se, de todo o exposto, que os programas realizados pela ONU, em parceria com o Governo brasileiro, possuem grande potencial danoso ao interesse público. Portanto, deve haver constante fiscalização e um uso criterioso de tais convênios.

Em primeiro lugar, deve haver um comprometimento do Poder Executivo Federal, Estadual e Municipal com a ética pública e a moralidade administrativa, a fim de que não se cometam os mesmos erros de governos anteriores.

O Sr. Leomar Quintanilha (PMDB - TO) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR) - Concedo-lhe um aparte com muito prazer, Senador Leomar Quintanilha.

O Sr. Leomar Quintanilha (PMDB - TO) - Ouço com atenção as colocações que V. Exª traz à consideração desta Casa nesta tarde, que fazem menção a projetos equivocados patrocinados ou realizados com a participação da ONU. Gostaria de comentar, rapidamente, sem atrasar ou atrapalhar o brilho do registro que V. Exª faz nesta Casa, um dos feitos que considero do maior relevo e da maior importância patrocinado pela ONU. Recentemente, estive no Haiti para verificar a natureza das ações das Forças Armadas brasileiras, que compõem um grupamento armado remetido àquele país pela ONU. Estivemos - eu, o eminente Senador Hélio Costa, o eminente Senador Eduardo Suplicy e o ilustre Senador Maguito Vilela - nessa missão de averiguar a natureza da operação das Forças Armadas brasileiras, que integravam o grupo maior das forças de paz - não forças de ocupação, mas forças de paz - que foram realizar essa missão. Quero falar para V. Exª da importância que teve a presença da ONU num país onde a conflagração civil havia tomado conta da população, que não tinha o direito ao exercício pleno da cidadania. Até a liberdade individual de ir e vir estava comprometida, em razão de ações isoladas de gangues que saqueavam as famílias, de bandidos isolados e até narcotraficantes que procuravam tirar proveito da situação de caos em que o país vivia. Então, esse é um projeto interessante e em muito boa hora o Brasil resolveu também dar a sua contribuição, não só com a presença das Forças Armadas, mas procurando também discutir com a administração temporária do Haiti as ações prioritárias que deveriam ser adotadas para que pudesse ser devolvida ao povo haitiano a sua dignidade. Diga-se de passagem, é um povo de boa índole, mas está vivendo, na sua grande maioria, abaixo da linha de pobreza, numa situação abjeta e que afronta a dignidade humana, sem água tratada, sem iluminação e serviços públicos desmantelados. Enfim, em muito boa hora a ONU marca a sua presença. Esse é um ponto extremamente positivo que entendo nesse programa da ONU, Senador Mozarildo Cavalcanti, que temos que aplaudir e quem sabe ajudar.

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR) - Agradeço o aparte. V. Exª verá, ao final do meu pronunciamento, que vou realmente dizer que a ONU é muito importante. Aliás, nessas denúncias que estou fazendo aqui, repercutindo o que saiu na CartaCapital, o importante é frisar o seguinte: usa-se a grife da ONU, mas, na verdade, oneram-se os países que se utilizam, vamos dizer, desse chapéu, dessa grife. Vamos saber depois, Senador, quanto custou para o Brasil mandar as tropas para lá. Vamos ver com quanto a ONU contribuiu para as nossas tropas estarem lá. Não há dúvida nenhuma de que a missão é nobre, os objetivos são enaltecedores. Até se fizesse sozinho, sem o auxílio da ONU, ou sem a grife da ONU, o Brasil estaria fazendo um grande papel para um país irmão.

No entanto, essa denúncia que está aqui, Senador, é muito grave, merece a nossa reflexão. É a admissão de “consultores” de programas gerenciados pela ONU, entrando no serviço público brasileiro. Diz a revista que até telefonistas e outros funcionários inferiores estão sendo pagos como consultores.

Assim, é preciso que o Senado faça uma averiguação dessa realidade. Não se trata de uma ação fora do Brasil, mas uma ação dentro da máquina estatal do País, dentro do coração, do âmago da administração pública brasileira. O próprio Poder Judiciário já tomou uma decisão sobre isso.

Precisamos distinguir uma coisa da outra. Precisamos, obviamente, homenagear a atuação da ONU com relação a vários episódios. Mas também temos que criticá-la, por exemplo, com relação ao episódio do Iraque. É preciso fazer uma reflexão sobre o papel da ONU neste mundo e promover uma mudança profunda.

Sr. Presidente, o princípio que deve nortear os governos municipais, estaduais e federal é o de que as parcerias com as agências internacionais são instrumentos necessários à implantação de políticas públicas, mas têm natureza complementar e subsidiária. Não podem servir como subterfúgio para a violação da ordem constitucional e da autonomia política ou como escudo para a completa desestruturação do corpo administrativo estatal.

Esse o âmago do meu pronunciamento. Quer dizer, programas da ONU que, no fundo, estão servindo para dar emprego a pessoas escolhidas fora dos ditames jurídico-constitucionais, sem concurso público, sem seleção, apenas para funcionarem dessa maneira, através de recursos e, o que é pior, pagos pelo Tesouro Nacional.

Ao Ministério Público e ao Poder Judiciário cabe prosseguir na defesa da ordem jurídica, fiscalizando, com independência e coragem, a atuação dessas agências no território brasileiro.

A vitória alcançada na já mencionada ação judicial que determinou a substituição de consultores por servidores públicos constitui exemplo de que essas instituições têm importante papel no Estado Democrático de Direito.

Por fim, Sr. Presidente, o Congresso Nacional deve assumir, como função institucional sua, a realização do controle prévio de todos esses acordos de parceria. Essa é, talvez, a forma mais abrangente e eficaz de fiscalização.

Nós, Parlamentares, temos o dever de manter cuidadoso olhar sobre os atos do Poder Executivo. Assim, ao aprovar os recursos para a celebração de tais parcerias, devemos ser extremamente criteriosos na sua análise, pois dessa forma poderemos, já no nascedouro, evitar danos ao País e, assim, aprimorarmos a qualidade do gasto público.

É, portanto, importante chamarmos a atenção do Poder Executivo para uma varredura nesses convênios e contratos já existentes para que possamos, efetivamente, limpar as irregularidades existentes e colocar a Administração Pública nos seus reais trilhos.

Para encerrar, Sr. Presidente, cremos ser necessário repisar que não somos avessos à presença da ONU no Brasil. Ao contrário, somos receptivos a toda colaboração em proveito do nosso povo sofrido. Contudo, da forma como vem se dando essa colaboração, não há dúvida de que o preço tem sido alto demais. Portanto, cabe-nos ficar vigilantes, porque não existem entidades sacrossantas, que não tenham defeito, que estejam ajudando por ajudar. Temos que fiscalizar também as entidades que, em nome de uma ajuda ou algum tipo de auxílio, estejam, na verdade, por trás a nos surrupiar, a nos levar o que de mais importante temos: a dignidade como Nação e como País.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/09/2004 - Página 28590