Discurso durante a Reunião do Senado Federal, no Senado Federal

Transcurso dos 169 anos da Revolução Farroupilha.

Autor
Sérgio Zambiasi (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RS)
Nome completo: Sérgio Pedro Zambiasi
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Transcurso dos 169 anos da Revolução Farroupilha.
Publicação
Publicação no DSF de 24/09/2004 - Página 30604
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • REGISTRO, HISTORIA, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), HOMENAGEM, ANIVERSARIO, REVOLUÇÃO, BUSCA, DEMOCRACIA, AUTONOMIA, FEDERAÇÃO, PROVINCIA, MUNICIPIO, REALIZAÇÃO, SEMANA, COMEMORAÇÃO.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. SÉRGIO ZAMBIASI (Bloco/PTB - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores,

SEMANA FARROUPILHA

Lá pelos idos de 1815, o Rio Grande do Sul, abandonado e dilapidado pelo Poder Central, já não suportava os altos impostos cobrados sobre o que produzia, para consumo interno e para exportação. O charque, o couro, o sebo, a erva-mate, a graxa, o trigo e outras riquezas eram objetos da cobiça, sempre crescente, do Império português.

Paralelamente, os rio-grandenses viviam de armas em punho defendendo a pátria brasileira dos ataques estrangeiros. Ao primeiro grito de alerta lá estava o gaúcho à frente, como sentinela, dando a primeira carga em defesa dos territórios que mais corriam perigo, tomando para si as responsabilidades das inúmeras guerras de fronteiras no sul do País.

Diz-se que os gaúchos são brasileiros por opção. Realmente, a história nos mostra que eles lutaram para ser brasileiros, já que desde o século XVII o Rio Grande foi palco de disputas sangrentas entre espanhóis e portugueses, travadas em nome da conquista territorial do extremo sul do Brasil.

Os líderes locais acreditavam que ao final dos conflitos o poder central iria incentivar o crescimento econômico do sul, como forma de reconhecimento e pagamento às gerações de famílias que se voltaram para a defesa do país.

Mas não foi isso que ocorreu. Pelo contrário.

A partir de 1821, o governo central passou a impor taxas ainda mais pesadas sobre os produtos rio-grandenses. No início da década de 30, aliou aos tributos, que sangravam a economia regional, incentivos para importações com exceção do sal, justamente o insumo básico para a fabricação do charque, que acabou caro demais.

            Tudo isso causou grande revolta no povo rio-grandense, que se organizou para resistir aos abusos e à injustiça do despótico poder central. Assim, em 20 de setembro de 1835 um grupo de rebeldes tomou a cidade de Porto Alegre. Naquele momento histórico, iniciava-se a maior e mais longa guerra civil travada em solo brasileiro: A REVOLUÇÃO FARROUPILHA, também chamada de Guerra dos Farrapos ou Decênio Heróico, que ceifou inúmeras vidas durante uma década inteira - de 1835 a 1845.

Os farroupilhas lutavam por uma federação como única forma de atender aos anseios sociais, respeitando as diversificações econômicas regionais. Queriam o direito de legislar e administrar seus recursos em benefício das comunidades contribuintes. Pretendiam a federação com autonomia de cada província e de cada município, além do controle do poder do estado pelos representantes do povo.

Ecoavam as divisas "Liberdade, Igualdade e Humanidade", defendendo com bravura e dignidade incomparáveis essas bandeiras por 10 longos anos. Recentemente, a Nação brasileira teve oportunidade de assistir ou de conhecer um pouco melhor os meandros desta página da nossa história, mostrada na televisão de forma magistral pela minissérie "A Casa das Sete Mulheres".

Baseada no livro homônimo da escritora gaúcha Letícia Wierzchowski, o título, assim como a obra, remete-nos ao papel determinante das mulheres rio-grandenses naquele contexto quando, na ausência dos homens em guerra, assumiram a subsistência e a educação da família, o controle das fazendas e da produção econômica, o trabalho e a organização dos empregados, sem olvidar de abastecer seus homens no fronte com remédios, comida e agasalhos. Aos desafios da vastidão pampeana, a gaúcha responde de forma destemida, presente, aguerrida, plena de afeto e civismo, forjando o perfil das nossas mulheres até os dias de hoje.

Dizem da Revolução Farroupilha que "há controvérsias sobre vencedores e vencidos". Assinou-se um acordo de paz e a guerra acabou. Muitos heróis sucumbiram; se não pelas armas, pelo esquecimento. E ainda que por longo tempo o sentimento fosse de derrota farrapa, o espírito do gaúcho, marcado a ferro e sangue, passaria a ser mais forte e libertário ainda. E da dinâmica que o tempo empresta aos fatos emerge, mais vívida e grandiosa do que nunca, a epopéia Farroupilha para, à luz da modernidade, ocupar na história o lugar que lhe é devido.

Cem anos depois, as comemorações da Semana Farroupilha têm sua origem quando, em 1947, um grupo de jovens estudantes, em Porto Alegre, decidiu resgatar o nosso patrimônio histórico e cultural, então mergulhado no descaso e no esquecimento pelas autoridades e pela própria sociedade.

Nesta época vivíamos sob grande influência da cultura dos Estados Unidos que, exportada para o mundo, ocupava espaços no Brasil e, conseqüentemente, no Rio Grande do Sul. Por isso, aqueles jovens rebelaram-se e resolveram mostrar a história e a tradição do Rio Grande do Sul e de seu povo, uma rica bagagem cultural digna de ser resgatada e preservada.

Decidiram fundar um Departamento de Tradições Gaúchas, ligado ao Grêmio Estudantil da Escola Júlio de Castilhos, onde estudavam. Eram eles: Ciro Dutra Ferreira, Ciro Dias da Costa, Orlando Degrazia, os irmãos Fernando e João Machado Vieira, Antônio de Sá Siqueira e Celso Campos. O líder do grupo, João Carlos Paixão Cortes é, nos dias de hoje, um renomado folclorista e estudioso que se dedica a compilar e registrar nossa memória, ministrando cursos e palestras, inclusive em nível internacional.

Esses "guris" programaram, então, um evento cívico que ficou conhecido como "Ronda Crioula". O termo "Ronda", do linguajar campeiro, veio das vigílias noturnas que os peões faziam quando tropeavam o gado.

Os estudantes receberam das autoridades todo o apoio que precisavam. E à meia noite de 7 de setembro de 1947, num ato solene, antes de extinguir-se o Fogo Simbólico da Semana da Pátria, foi retirada uma centelha para dar vida à "Chama da Ronda Crioula", em exaltação às nossas tradições e à memória farroupilha.

Naquele momento cívico, montados em seus cavalos, aqueles jovens esbarraram frente às autoridades, no palanque oficial e gritaram, em uníssono:

"Viva a Tradição Gaúcha!"

"Viva a Revolução farroupilha!"

"Viva o Brasil!"

Sr. Presidente, é uma satisfação muito grande poder usar da tribuna para registrar estes fatos passados, que nos justificam e nos integram ao presente. Como diz o ditado "povo sem memória é povo sem história; e povo sem história é povo sem futuro".

De lá para cá, entre os dias 7 e 20 de setembro, unindo as datas da Independência do Brasil e do início da Revolução, dá-se anualmente o acender da Chama da Ronda Gaúcha, prenunciando as comemorações da Semana Farroupilha.

Neste período, o Rio Grande do Sul exulta de espírito cívico, de liberdade e de brasilidade. Vivenciamos a maior celebração de amor ao Estado e às suas tradições. Festivais de Canções Nativas, lançamento de livros históricos, solenidades, palestras e encontros vão se desenvolvendo em meio à cidade que exibe bandeirinhas do Rio Grande nas janelas das casas, nas antenas dos carros, e até nos carrinhos de bebês.

Nesse período, centelhas da Chama Crioula são distribuídas em atos solenes no Palácio do Governo Estadual; na Assembléia Legislativa; na Câmara de Vereadores e na Prefeitura Municipal de Porto Alegre, além de ser levada a vários municípios através de cavalgadas que cortam o Estado em várias direções.

Encerrando as comemorações, temos o grande Desfile Farroupilha em Porto Alegre, evento cívico-militar, temático e tradicional, que conta com a presença de todas as autoridades estaduais e um público de milhares de pessoas .

É o Rio Grande reverenciando a bravura, a lealdade e a coerência dos nossos antepassados, anseios evidenciados a cada passo dado, em prol da pátria brasileira. Anseios esses, que nada se diferenciam dos atuais. 

Esteja onde estiver, rompendo fronteiras, construindo seu futuro, o povo rio-grandense enaltece sua cultura tradicionalista. Basta observarmos que as comunidades gaúchas semearam, por onde ficaram, os Centros de Tradições Gaúchas. Hoje, são mais de 3.500 CTGs espalhados pela região da Amazônia, do sertão nordestino, do planalto central, do sudeste, do pantanal e, naturalmente, do sul do País. E são quase 4.500 CTGs, em todo o mundo, inclusive nas cidades de Los Angeles e Miami, todos eles erguidos e mantidos pela nossa gente que lá se fixou.

Esses Centros são espaços permanentes de vivência das nossas tradições na música, nas danças, na poesia; no vestuário, nos instrumentos de trabalho, festas, jogos, culinária. Hoje, encontramos o nosso prato mais típico em churrascarias nas cidades de Pequim e Tóquio, quando orientais vestidos no rigor gaudério, servem e divulgam o churrasco gaúcho para o mundo.

Aqui, em Brasília, onde a comunidade gaúcha é muito expressiva, foi organizada uma bela agenda para a comemoração dos 169 anos da Revolução Farroupilha. De iniciativa da Representação do Governo do Estado do Rio Grande do Sul em Brasília e da Federação Tradicionalista Gaúcha do Planalto Central, os eventos seguem o espírito que o governador Germano Rigotto tem afirmado através de sua administração, que é o cultivo da força da nossa cultura e das nossas tradições.

Nobres Srªs e Srs. Senadores, o "20 de setembro" representa, para nós, tentos de couro cru, a unir gerações de rio-grandenses. A Semana Farroupilha é o momento em que cada um deve renovar o "compromisso de manter acesa a chama sagrada de amor ao Rio Grande e ao Brasil". Irmanados no tributo a Bento Gonçalves, Anita e Garibaldi, bem como a todos os heróis e heroínas dessa história, buscamos os reais valores morais do ser humano, para que as novas gerações não percam o rumo na construção permanente de uma grande Nação.

            Dois poetas retratam com exatidão o sentimento que habita os nossos corações, na música-tema das Comemorações Farroupilhas, da qual cito alguns trechos e encerro meu discurso, intitulada:

Ideais Farroupilhas:

Luiz Carlos Borges e Vinícius Brum

História farrapa que o tempo nos trouxe,

Das glórias, das lendas, lições de bravura;

Dos sonhos, das lutas de homens de fé,

Forjados em aço, bandeira e planura.

As tropas do império semeavam desmando,

Cobiça e tragédia por todo o lugar.

A sua ganância não tinha limites

E quem contrariasse, mandavam matar.

Levanta-se o brado da dignidade,

Levanta-se um povo de lança na mão

Unindo o suor que gerou a fartura

Ao sangue guerreiro em defesa do chão.

E assim num tropel empunhando bandeiras

Fizeram querência com suas famílias.

Pelearam, morreram, mas sobreviveram

No povo gaúcho: - Ideais farroupilhas!

Um abraço caloroso e cheio de emoção ao povo do meu

Estado.

Muito obrigado!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/09/2004 - Página 30604