Discurso durante a 148ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comemoração do centenário da imigração judaica no Estado do Rio Grande do Sul.

Autor
Sérgio Zambiasi (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RS)
Nome completo: Sérgio Pedro Zambiasi
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração do centenário da imigração judaica no Estado do Rio Grande do Sul.
Aparteantes
Marco Maciel, Ney Suassuna, Romeu Tuma.
Publicação
Publicação no DSF de 27/10/2004 - Página 33168
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, PRESENÇA, AUTORIDADE, REPRESENTANTE, ENTIDADE, GRUPO ETNICO, JUDAISMO, HOMENAGEM, CENTENARIO, ORGANIZAÇÃO, IMIGRAÇÃO, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS).
  • REGISTRO, HISTORIA, BRASIL, IMPORTANCIA, IMIGRAÇÃO, GRUPO ETNICO, VITIMA, PERSEGUIÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, RUSSIA, PROJETO, DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA, ELOGIO, CONTRIBUIÇÃO, ECONOMIA, CULTURA.
  • COMENTARIO, PROGRAMAÇÃO, COMEMORAÇÃO, CENTENARIO, IMIGRAÇÃO, ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), LANÇAMENTO, EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS (ECT), SELO POSTAL COMEMORATIVO.

O SR. SÉRGIO ZAMBIASI (Bloco/PTB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Siqueira Campos; Srªs e Srs. Senadores; Rabino Henry Sobel, Presidente do Rabinato da Congregação Paulista; Srª Tzipora Rimon, Embaixadora do Estado de Israel; Ministro Conselheiro da Embaixada de Israel, Eitan Surkis; Ministro Ary Bagendral, Ministro do Superior Tribunal de Justiça; Dr. Ronaldo Teixeira da Silva, Chefe de Gabinete do Ministro da Educação Tarso Genro; Srª Matilde Groisman Gus, Presidente da Federação Israelita do Rio Grande do Sul; Srª Berel Aizenstein, Presidente da Confederação Israelita do Brasil; Jack Terpins, Presidente do Congresso Judio Latino-Americano; Vice-Presidente da Confederação Israelita do Brasil e Membro do Congresso Judaico Mundial; representantes da Confederação Israelita do Brasil; representantes da Federação Israelita do Rio Grande do Sul; Albert Poziomyck, Diretor Executivo da Federação Israelita do Rio Grande do Sul; Jaques Perlow, Diretor Executivo da Confederação Israelita do Brasil; Dr. Pedro Gus, médico; jornalista Túlio Milman; senhoras e senhores, este mês de outubro celebra dois fatos relevantes na história da comunidade judaica. Neste exato momento, em Nova York, comemora-se 350 anos da saída dos judeus de Pernambuco, evento que, inclusive, conta com o apoio do Ministério do Turismo, da Embratur e da Infraero. E aqui no Brasil, mais especificamente no Rio Grande do Sul, celebramos a passagem do Primeiro Centenário da Imigração Judaica organizada para o Brasil.

Quis o acaso histórico também que, coincidentemente hoje, agora, neste horário em que o Plenário do nosso Senado recebe lideranças da comunidade judaica brasileira, o Knesset, ou Parlamento israelense, está votando o plano proposto pelo primeiro-ministro Ariel Sharon para a retirada dos assentamentos judaicos da Faixa de Gaza e de outros quatro isolados no norte da Cisjordânia.

Apesar da força do Santo Ofício em Portugal e na Espanha e da preponderância da tese de povo deicida, atribuição que conferia legitimidade à perseguição cristã, a presença de judeus (ou de marranos, judeus convertidos) no período áureo da civilização lusitana é muito grande. Conseqüentemente, não é difícil registrar iniciativas colonizadoras ainda no século XVI que atestam empreendimentos de origem judaica, principalmente em Pernambuco e em São Paulo.

Curiosamente, podemos registrar que foram essas duas capitanias que mais prosperaram naquele período, graças sobretudo à lavoura da cana-de-açúcar, introduzida por Martim Afonso de Souza e Duarte Coelho. A primeira comunidade surgiu na primeira metade do século XVII, quando foram incorporados à elite social da colônia holandesa, como força econômica e profissional. Judeus portugueses e holandeses foram atraídos para a Companhia das Índias Ocidentais, dirigida à época por João Maurício de Nassau.

Dessa forma, os judeus organizados em Recife iniciaram a construção da primeira sinagoga das Américas, em 1638, obra terminada em 1641 e capitaneada por 23 famílias de judeus originários da Holanda e de Portugal. Mais tarde, quando os portugueses constataram que muitos dos engenhos e boa parte da atividade produtiva da colônia estavam em poder de judeus e de seus descendentes, decidiu expulsá-los. Houve, então, o primeiro programa explícito de perseguição na América.

Os judeus foram expulsos, perderam todos os seus bens e decidiram migrar para uma nova colônia, batizada de Nova Amsterdam, na América do Norte, hoje conhecida como a cidade de Nova York. Mas nem todos os judeus pernambucanos fugiram para a América do Norte. Muitos se infiltraram pelo sertão e outros conseguiram escapar para o Rio de Janeiro e para Minas Gerais.

Mas a imigração de judeus para o Rio Grande do Sul teve uma característica inicial muito marcante e especial: ela se deu no contexto de salvação por meio de um projeto agrícola.

A chegada do povo israelita ao Rio Grande do Sul remonta a antes de 1904. Já em 1824, tem-se registro da presença deles em território gaúcho. Todavia, a data oficial que ora comemoramos traduz o início sistemático e permanente da imigração israelita ao Rio Grande do Sul, com a vinda das 38 primeiras famílias, em 1904.

Foi no dia 18 de outubro daquele ano que chegaram ao nosso Estado. Eram homens, mulheres e crianças que, fugidas das tensões políticas e raciais de sua terra de origem, a grande Rússia Imperial, buscavam, ao menos, uma promessa de vida, pois, no período de governo dos dois últimos czares, a situação dos judeus se deteriorava mais e mais.

O Brasil era governado pelo Presidente Rodrigues Alves, e, no Rio Grande do Sul, Borges de Medeiros iniciava o primeiro de seus vários mandatos à frente do Executivo gaúcho.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, senhores convidados, em uma linha temporal, construída sobre a trajetória da humanidade, o que são 100 anos? Um fragmento do tempo! Porém, na curta história dos 504 anos de nosso Brasil, o centenário da imigração judaica no Rio Grande do Sul desperta-nos à memória raras emoções. Uma memória que nos remete à dor da tortura covarde, da humilhação, das perseguições incompreensíveis, do desterro degradante, das perdas e saudades infinitas. Uma memória que nos remete à superação da vileza humana pela coragem e pela determinação, pela solidariedade e pela fé, escrevendo, a partir dessas virtudes, heróica saga de homens e mulheres que, acima de tudo, tornaram-se seres humanos vitoriosos. E resgataram para nossos corações a dimensão exata do amor fraterno, da tolerância e do respeito às diferenças, sejam elas culturais, religiosas, sociais ou étnicas.

O Sr. Marco Maciel (PFL - PE) - Permite-me V. Exª um aparte?

O SR. SÉRGIO ZAMBIASI (Bloco/PTB - RS) - Pois não. Ouço o aparte de V. Exª, nobre Senador Marco Maciel.

O Sr. Marco Maciel (PFL - PE. Com revisão do orador.) - Nobre Senador Sérgio Zambiasi, antes de mais nada, desejo cumprimentá-lo pela iniciativa de propor que esta Casa celebrasse o centenário da imigração judaica para o Estado do Rio Grande do Sul. V. Exª situou com muita oportunidade e precisão a presença dos holandeses em meu Estado, Pernambuco, no começo do século XVII, ao tempo do Príncipe João Maurício Nassau-Siegen que, como se sabe, acolheu os judeus que aportaram em Pernambuco e gozaram de plena liberdade. Ali ergueram a primeira sinagoga das Américas há 350 anos, algo significativo na História do Brasil e de Pernambuco. V. Exª salientou que 23 judeus com suas respectivas famílias saíram depois do Recife e foram a Nova Amsterdam, hoje cidade de Nova Iorque. Gostaria de observar que tive a oportunidade de tratar desse tema num prefácio que escrevi para o livro do rabino Y. David Weitman, chamado Bandeirantes Espirituais do Brasil. Presentemente está se realizando nos Estados Unidos, precisamente em Nova Iorque, uma grande exposição que de alguma forma recorda os 350 anos da presença judaica no Recife. A presença dos judeus no País ajuda, com toda a certeza, a definir a nossa identidade. O Brasil é uma Nação que recebe cidadãos de todo o mundo num clima de paz e liberdade. Poucos países possuem melting pot tão expressivo quanto o nosso. Não estaria exagerando se dissesse que estamos construindo na parte mais extrema do Ocidente, uma nova civilização, como observou no passado o mestre Gilberto Freire. Quero concluir as minhas considerações elogiando a iniciativa de V. Exª e também o seu excelente discurso, salientando que essas datas merecem ser registradas porque ajudam a compreender a nossa história e, mais do que isso, a definir a nossa identidade, projetando o que pretendemos ser: uma Nação que seja sinônimo de paz, de justiça, de liberdade e que possa congraçar todos os povos num só sentimento.

O SR. SÉRGIO ZAMBIASI (Bloco/PTB - RS) - Obrigado, Senador Marco Maciel, por sua contribuição enriquecedora a este nosso pronunciamento que lembra a passagem do Centenário da Migração Judaica Organizada para o Brasil, mais precisamente para o Rio Grande do Sul.

Ouço o Senador Romeu Tuma.

O Sr. Romeu Tuma (PFL - SP) - Senador Sérgio Zambiasi, eu não gostaria de interromper o brilhante discurso de V. Exª, que traz para os Anais do Senado uma passagem importante da nossa história. Como bem mostrou o nosso querido Senador Marco Maciel, ex-vice-Presidente da República, fez-se uma ponte: ele, pernambucano, e V. Exª, sul-rio-grandense. São as duas fases da história que nos levam a realizar esta cerimônia no dia de hoje. Estamos aqui bastante emocionados. Pastor Henry Sobel, tenho 73 anos, nasci na rua 25 de março, e convivi com a colônia judaica desde criança, quando participava das brincadeiras. Cresci no comércio. Essa relação de pureza de alma, de tolerância, de amor ao próximo, eu a vi e a senti de perto e nela cresci. Portanto, tudo que se lê e se vê referente a destruição, a ódio, a desamor, não corresponde à idéia de Deus quando criou o homem. Jamais Ele pensou que o homem pudesse ter ódio no coração. Todos nós, Senador Marco Maciel, nascemos para ser felizes, ter amor às nossas famílias, aos nossos amigos, aos nossos parentes, e ninguém vai destruir esse desígnio de Deus, porque existem pessoas boas como estas que aqui se encontram. Conheci o nosso Pastor - permita-me chamá-lo assim - Henry Sobel junto com D. Evaristo Arns, chefe da Igreja Católica em São Paulo, e Jaime White, pastor de outro segmento religioso. Os três, Senador Sérgio Zambiasi, formaram uma barreira de uma legião que enfrentou todas as agressividades aos direitos humanos. Nunca se calaram diante da verdade - ele está aqui para não me deixar mentir. Isso está em minha alma, em meu coração, pelo respeito e pela amizade que tenho aos três. Conheci Jacques Teperman em momentos difíceis. Pelas mãos deles, fui lançado candidato dentro da Hebraica, o grande clube da comunidade judaica em São Paulo. Então há essa harmonia. E foi fundado pelo então Presidente da Assembléia Legislativa de São Paulo, Deputado Walter Feldmann, de origem judaica, o Conscre - Conselho Estadual de Parlamentares das Comunidades de Raízes e culturas Estrangeiras, um conselho especial que vários Estados estão querendo criar e que reúne as comunidades de todas as etnias, cores, religiões, pouco importando suas origens, só para discutir o meio de encontrar o caminho da paz, da harmonia, da tolerância e da virtude de servir ao próximo. Então, V. Exª traz hoje a esta Casa um fato histórico muito importante nesses momentos difíceis que o mundo atravessa. Que Deus o abençoe nesta hora e que vários ouvintes interpretem o seu pensamento neste brilhante discurso.

O SR. SÉRGIO ZAMBIASI (Bloco/PTB - RS) - Obrigado por suas belíssimas palavras, Senador Romeu Tuma.

Concedo o aparte ao Senador Ney Suassuna.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Senador Sérgio Zambiasi, quero felicitar V. Exª pelo discurso e quero também felicitar os que pediram esta sessão. Devemos muito ao povo judaico, desde a nossa religião até muitas e muitas iniciativas que teve a humanidade, seja no campo do pensamento, seja no campo da ciência. Talvez seja impossível encontrar um campo em que descendentes desse povo não tenham nos deixado um legado. Muitos de nós no Nordeste não podemos nem dizer se somos ou não somos, porque são tantos cristãos novos por lá, que, às vezes, brincamos, dizendo: deve ser nosso sangue de cristão novo. A verdade é que esse é um povo heróico, que tem tido uma missão muito difícil no planeta. Recentemente, eu, o Senador Suplicy e mais vinte e poucos Parlamentares fomos a Israel para tentar ajudar a encontrar um caminho de pacificação. Não é fácil, mas o Brasil tem dado esse exemplo. Aqui, graças a Deus, convivem com muita facilidade tanto os árabes quanto os descendentes do povo judaico. Nosso País deve muito a eles, não só no campo espiritual. É um povo tão admirável, e nem lhes agradecemos. Então, quero registrar aqui nossa admiração, nossa gratidão e parabenizar os que pediram esta sessão. A V. Exª minha solidariedade, porque esta foi uma lembrança justa para um povo que tanto tem contribuído com nosso País.

O SR. SÉRGIO ZAMBIASI (PTB-RS) - Obrigado, Senador Ney Suassuna. A presença de V. Exª, com certeza, engrandece este momento.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na Rússia imperial, perseguições se intensificaram, proibiram atividades agrícolas, a liberdade de instrução foi limitada e as chamadas “Leis de Maio” restringiam cada vez mais as zonas de residências e as garantias jurídicas, que acabaram desaparecendo por completo. Os judeus daquele terra foram arrastados a miséria no século XIX, quando em sua maioria dependiam da caridade alheia.

No entanto, concomitantemente à degradação que sofriam, o espírito de solidariedade - tão bem destacado aqui pelos Senadores Romeu Tuma, Marco Maciel e Ney Suassuna - que norteava as relações entre judeus de todo o mundo fazia surgir organizações filantrópicas e os movimentos migratórios cresciam, principalmente para a América.

Em 1891, o Barão Maurício de Hirsch, judeu alemão, criou a Jewish Colonization Association - ICA, um ambicioso projeto que visava a retirada de judeus da Rússia e da Romênia e seu estabelecimento como lavradores em qualquer do mundo onde se pudessem adquirir terras.

            Assim, em 1902, a ICA comprou 5.766 hectares de terras no município de Santa Maria, região central do Rio Grande do Sul, importante pólo cultural e econômico e maior entroncamento ferroviário estadual. À primeira colônia judaica no Rio Grande do Sul deu-se o nome de Philipson, em homenagem ao vice-presidente da ICA, cujas 47 colônias foram, a partir de então, ocupadas.

Não é difícil imaginar com que ansiedade, expectativas e esperanças vivenciaram a árdua travessia marítima que parecia interminável. Famílias inteiras viajaram sem quaisquer bens materiais para chegar em uma terra estranha, enfrentar um idioma e um ambiente desconhecidos, em busca de respeito e liberdade, em busca de paz.

Pois foi numa terra sem guerras ou rigores climáticos, sem perseguições religiosas ou étnicas, que aportaram para trabalhar no campo. Em poucos hectares, esses judeus começavam a mudar não apenas suas próprias vidas, mas também a realidade do Rio Grande do Sul e do País, de que passavam a fazer parte.

De sol a sol, labutaram e produziram frutos, gratos por terem escapado com vida e com a força de sua fé às perseguições que lhes eram impostas no além-mar. Assim, uma ferida enorme começava a cicatrizar. Assim, iniciava-se um período do qual decorreriam inúmeros episódios e conseqüências históricas marcantes.

            Os primeiros anos foram difíceis. Mas, em 1905, a primeira sinagoga iniciou seu funcionamento e, em 1906, a primeira escola judaica. Existia a saudade e a dureza da vida agrária, com a qual não estavam acostumados, pois em sua terra natal eram em maioria artesãos, já que havia a proibição de trabalharem com a agricultura. Mas a adaptação garantia um bem maior: a preservação de valores e tradições muito caros àqueles judeus, como a liberdade de credo, de educação e de organização comunitária, direitos totalmente proscritos em sua terra natal.

Pouco antes do início da Primeira Guerra Mundial, em 1913, chegavam mais 150 famílias de diversos territórios russos. Em 1926, outras 50. Em 1927, 60 famílias e, em 1928, mais 20 famílias, para trabalharem nas colônias agrícolas, graças ao grande braço social e humanitário que representava a ICA, cujos escritórios de representação no Brasil permaneceram abertos até o ano de 1965.

Várias outras levas de judeus imigrantes continuavam chegando, até que nos anos 20 iniciou-se nova etapa do processo. A busca de escolas para os filhos e a vocação urbana fizeram com que, aos poucos, muitos optassem por radicar-se em cidades maiores, onde podiam encontrar ensino, reunir-se em torno de livros e de sinagogas, estabelecer pequenas lojas e indústrias de caráter artesanal, à época.

A partir de 1933, quando Hitler assume o poder na Alemanha, chegam ao Brasil e ao Rio Grande do Sul os judeus alemães, entre eles, muitos intelectuais e profissionais liberais. Expulsos do serviço público, proibidos de publicar obras literárias e científicas, de seus filhos freqüentarem a escola; de ocuparem cargos executivos, vetados de pertencerem a associações profissionais, com muitos de seus bens confiscados pelo Estado, enfim, perseguidos pelo nazismo que culminou com a política de extermínio, tiveram também que abandonar seu país.

Entre 1945 e 1950, alguns judeus sobreviventes do holocausto alemão chegavam ao Brasil e ao Rio Grande, ainda que seis milhões deles tivessem sucumbido nos campos de concentração de Sobibor, Chelmo, Auschwitz, Maidanek, Belsec e Treblinka.

Dos sobreviventes, muitos possuíam elevado nível educacional e cultural. Médicos, advogados, artistas e industriais, que ao chegarem enfrentaram dificuldades legais como a revalidação dos seus diplomas para poderem trabalhar em suas profissões. Assim, grande parte passou a realizar empreendimentos relacionados ao setor terciário, premidos pela necessidade e pelos desafios da nova terra.

Sr. Presidente, senhoras e senhores, registra-se ainda a chegada de judeus da Turquia, da Síria, do Marrocos, da Grécia e do Egito. As cidades gaúchas de Santa Maria, Erechim e Passo Fundo, e posteriormente o bairro Bom Fim, em Porto Alegre, transformaram-se em redutos da comunidade judaica no Estado, uma gente que se inseriu pacífica e ativamente na nova terra e que, passados 100 anos, integra a família rio-grandense e brasileira.

Esses bravos imigrantes e seus descendentes conquistaram, com a solidez de um marco de pedra, lugar de respeito e reconhecimento na terra que os acolheu.

Passados 100 anos - apenas 100 anos, não mais do que um lapso de tempo frente à história - é inegável que as contribuições de nossos irmãos israelitas foram as mais variadas e os frutos se estendem por todas as áreas do conhecimento e da atividade humana. Seja na ciência, na política ou na economia; seja nas artes, nas letras ou na educação, o aporte da cultura judaica é grande e valorizado.

A nossa terra, receptiva e generosa, acolheu, no curso de sua história, diversas levas de imigrantes que, entre nós, encontraram oportunidade de uma vida com harmonia e paz. Imigrantes oriundos de vários países e que, ao longo dos séculos, se radicaram entre nós, formando comunidades que contribuíram decisivamente para o engrandecimento da Nação, recebendo em troca o reconhecimento e o respeito a sua dignidade, com cidadania, paz e liberdade.

Eu mesmo venho de uma família de imigrantes italianos que conheceu todos os rigores de, dia-a-dia, com chuva ou com sol, trabalhar a terra para dela retirar o alimento e, mais que o alimento, a dignidade indispensável a homens e mulheres livres, a homens e mulheres que se tornaram brasileiros por opção e que hoje, em conjunto, fazem a riqueza e a pujança deste nosso País.

A comunidade judaica no Rio Grande do Sul conta, hoje, com cerca de 13 mil integrantes organizados e representados pela Federação Israelita do Rio Grande do Sul, fundada em 1961.

A Federação, que congrega 36 entidades judaicas no Estado, hoje sob a responsabilidade de sua presidente, Srª Matilde Groisman Gus, preparou o projeto Centenário da 1ª Imigração Judaica Organizada para o Brasil para brindar a sociedade gaúcha com uma belíssima programação de eventos, os quais vêm sendo realizados com pleno êxito no decorrer deste ano, estendendo-se até o ano que vem. 

Presidente de Honra do Conselho Consultivo do Centenário, o Governador Germano Rigotto instituiu o Decreto n° 42.715, de novembro de 2003, para efetivar as comemorações.

Exposições de objetos e fotografias; palestras; mesas redondas; concerto musical; lançamento de livro e documentário; projetos pró-memória e atividades ecológicas infantis, entre outras, fazem parte do calendário festivo, além de atos solenes na Assembléia Legislativa, na Câmara Municipal de Porto Alegre e no Palácio do Governo, tudo isso com ampla cobertura da mídia, inclusive com a publicação de encartes especiais nos nossos jornais, sobre a história da imigração. Destacamos também a iniciativa do Ministério Público do Rio Grande do Sul, representado hoje, no almoço na Embaixada de Israel, pelo seu Procurador-Geral, Roberto Bandeira Pereira, que promoveu o Painel Reflexões sobre a Imigração Judaica para o Estado e a exposição Uma Terra para Todos - 100 Anos da Imigração Judaica no Rio Grande do Sul.

Para homenagear o Centenário da primeira imigração judaica organizada para o Brasil, o Governo Federal associou-se às comemorações através dos Correios, que lançaram um carimbo comemorativo. Com este lançamento, os Correios divulgam este acontecimento para o Brasil e para o mundo, pois toda a correspondência postada na Agência Bomfim, em Porto Alegre, até o dia 06 de novembro, terão sua aposição. Após o seu prazo de utilização, esse carimbo ficará guardado no Museu Postal dos Correios, aqui em Brasília. Lá, será marca perene, tornando evidente o reconhecimento da sociedade brasileira aos relevantes serviços prestados pela imigração judaica ao País e, em especial, ao Rio Grande do Sul.

Sr. Presidente, queremos manifestar, o nosso reconhecimento à importância da Federação Israelita do Rio Grande do Sul, que permanece unindo, reunindo e divulgando a cultura, os valores e as tradições de Israel. No Rio Grande, são 11 sinagogas em funcionamento, preservando as tradições e transmitindo às novas gerações este sentimento tão caro de reconhecimento, respeito e amor às suas raízes e origens.

O nosso reconhecimento, também, aos representantes diplomáticos do Estado de Israel no Brasil, especialmente à Embaixadora Tzipora Rimon, aqui presente, cujo trabalho diplomático, juntamente com o Ministério das Relações Exteriores, seguramente, a partir da sua presença aqui, dando seqüência ao trabalho do representante anterior, estreitará permanentemente os laços de amizade entre nossas duas Nações.

A propósito, lembramos a atuação do político e estadista gaúcho Oswaldo Aranha, que em 1948 presidiu a sessão da recém-criada Organização das Nações Unidas, que oficializou a criação e o reconhecimento do Estado de Israel e, em nome do mundo, assinou o histórico documento.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, falar da colonização judaica no Rio Grande do Sul é fácil: é fazer uma ode à vitória: do progresso sobre o comodismo e sobre as dificuldades; da justiça e da liberdade sobre a intolerância e o desrespeito.

O Rio Grande do sul valoriza profundamente a sua história, aqueles que a construíram e dela foram protagonistas. Ao comemorarmos os 100 anos de imigração judaica, estreitamos com alegria e satisfação, os laços de amizade, respeito e solidariedade que fazem de nós uma única família gaúcha.

Somos italianos, alemães, israelitas, árabes, libaneses! Somos portugueses, espanhóis, africanos! Somos cristãos, muçulmanos, judeus. Mas somos um povo irmanado pelos laços da solidariedade, do respeito e da fraternidade. E foram estes laços que, no longínquo 18 de outubro de 1904, fizeram desembarcar em Porto Alegre os primeiros Nicolaiewsky, Soibelman, Teitelroit, Chaiut e Saute, Stifelman, Schneider, Akselrud, Burd, Schwetsky, Sibenberg, Seligman, Wladimirsky, Steinbruch, Nudelman, Goldman, Waisman, Satkovitch, Wolf, Slipak, Brechman, Druck, Lifchitz, Zelmanovitz, Groisman, Averbuck, Roisenberg, Kopstein, Treiguer, Kwitko, Rossovsky e Aronis.

A esses sobrenomes somaram-se tantos outros cujos descendentes hoje compõem não apenas a comunidade judaica no Rio Grande e no Brasil, mas a comunidade gaúcha e brasileira em pleno sentido. Ou, como disse o nosso imortal Moacyr Scliar na crônica “A Condição Judaica”, o povo judeu tem uma ancestral sensação de terra estranha da catástrofe iminente, o que o leva à “eterna busca de um lugar abrigado, seja este lugar o colo da mãe, a casa paterna ou o Estado protetor”.

Que bom que, em nosso Brasil, tenham encontrado um Estado protetor, e quem sabe um dia, que esperamos não tão distante assim, possamos, com esses ensinamentos, com esses sentimentos, unir toda a comunidade humana numa verdadeira aldeia global, protetora e solidária, sem distinções ou discriminações de qualquer espécie.

Muito obrigado. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/10/2004 - Página 33168