Discurso durante a 175ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Situação caótica da saúde pública em Macapá-AP.

Autor
João Capiberibe (PSB - Partido Socialista Brasileiro/AP)
Nome completo: João Alberto Rodrigues Capiberibe
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE. ESTADO DO AMAPA (AP), GOVERNO ESTADUAL.:
  • Situação caótica da saúde pública em Macapá-AP.
Aparteantes
Ney Suassuna.
Publicação
Publicação no DSF de 07/12/2004 - Página 40440
Assunto
Outros > SAUDE. ESTADO DO AMAPA (AP), GOVERNO ESTADUAL.
Indexação
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, DIVULGAÇÃO, INTERNET, JORNAL, FOLHA DO AMAPA, ESTADO DO AMAPA (AP), PRECARIEDADE, SAUDE PUBLICA, FALTA, MEDICAMENTOS, MATERIAL HOSPITALAR, LEITO HOSPITALAR, ALIMENTAÇÃO, RECEM NASCIDO, ACUSAÇÃO, INEFICACIA, SECRETARIA DE SAUDE.
  • REGISTRO, ENCAMINHAMENTO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), DENUNCIA, AUTORIA, ORADOR, SUPERFATURAMENTO, AQUISIÇÃO, MEDICAMENTOS, AUMENTO, INCIDENCIA, DOENÇA GRAVE.
  • REPUDIO, FRAUDE, POLITICA, OBJETIVO, DIFAMAÇÃO, GOVERNO, ORADOR, ESTADO DO AMAPA (AP), ACUSAÇÃO, EXCESSO, GASTOS PUBLICOS, MATERIAL DE CONSUMO, HOSPITAL.
  • ANUNCIO, ENCAMINHAMENTO, DOCUMENTO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), SOLICITAÇÃO, ANALISE, SITUAÇÃO, SAUDE PUBLICA, ESTADO DO AMAPA (AP), MINISTERIO PUBLICO ESTADUAL, POLICIA FEDERAL, INVESTIGAÇÃO, AQUISIÇÃO, MEDICAMENTOS, DESVIO, VERBA.

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador e médico Mão Santa, venho a esta tribuna para falar sobre saúde pública, mais especificamente sobre a saúde pública no meu Estado do Amapá, na margem esquerda do rio Amazonas.

Nesta oportunidade, Senador Mão Santa e Srs. Senadores, quero manifestar minha solidariedade com o povo do Amapá, que vive uma situação caótica em relação ao atendimento de saúde. A assistência à saúde praticamente desapareceu, e as pessoas, no momento em que mais necessitam, não encontram atendimento na rede pública de saúde.

Faço essas observações ancorado em duas informações que, parece-me, merecem credibilidade: a primeira, de um site do jornalista Antonio Corrêa Neto e, a segunda, uma extensa matéria da Folha do Amapá deste final de semana, onde é feito um histórico da situação calamitosa da saúde pública em nosso Estado.

Vou começar lendo o que foi reproduzido no site do jornalista Corrêa Neto

No início da noite de quinta-feira, 2, médicos de plantão no Hospital de Especialidades tinham nas mãos um paciente em estado grave. Jorge de Azevedo Picanço. Ele iria morrer se não tivesse uma cama disponível para internação na UTI. Não tinha. Dos cinco leitos da UTI do HE, apenas um tinha os aparelhos funcionando e estava ocupado por um outro paciente, também em estado grave. Um dos médicos ligou para um promotor contando o fato, enquanto se buscava ajuda de outras maneiras, como por exemplo a internação do paciente na UTI de um outro hospital. A ajuda não chegou e em algumas horas o paciente Jorge de Azevedo Picanço morreu. O fato acirrou os ânimos dos médicos que dias antes haviam se reunido com a secretária especial Marilia Góes, chegando à conclusão de que “ela não tem a menor idéia do que está ocorrendo, e muito menos do que deve ser feito para corrigir os problemas”, como disse um deles.

Diante disso e acreditando que hoje têm uma forte proteção no Conselho Regional de Medicina, os médicos estão dispostos a fechar a UTI do Hospital de Especialidades até que surja uma solução definitiva. Os médicos dizem que não adianta mais acionar o Ministério Público, que move ações e pede liminares que a Justiça não concede, nem esperar pela Secretaria de Saúde, que toda vez resolve alguma coisa por três ou quatro dias e depois tudo volta a ser como antes.

Tenho aqui uma longa matéria, também sobre a calamidade da saúde pública no Amapá, escrita pela jornalista Juliana Coutinho:

O Programa Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e AIDS é considerado uma referência, premiado e elogiado em diversos países. Mas em Macapá as coisas vão de mal a pior. O dia 1º de dezembro deste ano, Dia Mundial de Combate à Aids - iniciativa da Organização Mundial de Saúde (OMS) -, que é marcado por uma série de atividades, como programação cultural, na capital amapaense foi diferente.

Funcionários, servidores, dentistas, médicos, psicólogos, além de portadores do vírus HIV e organizações não-governamentais fizeram uma manifestação na frente ao Palácio do Governo e da Assembléia Legislativa em repúdio à atual situação da saúde pública no Estado, que afeta as pessoas que vivem com HIV/Aids. A manifestação foi principalmente em relação ao Governo do Estado e à Secretaria de Saúde, acusados de não aplicarem devidamente o dinheiro enviado pelo Ministério da Saúde para o Plano Anual de Metas (PAM) - verba específica repassada anualmente, destinada a dar assistência, diagnosticar e prevenir a doença.

“Nós estamos sem medicamentos para infecções oportunistas, sem leite para os bebês recém-nascidos, sem material para diagnosticar as doenças infecto-oportunistas e estamos sem atendimento dentário porque o consultório está fechado por falta de medicamento” - lamenta Enedina Modesto, assistente social do Serviço de Assistência Especializada em HIV/Aids.

Os funcionários denunciam que dos R$600 mil que o Governo Federal já enviou desde o começo do ano, quase R$400 mil serão devolvidos porque não foram utilizados no Serviço de Assistência, ou seja, o recurso chegou todos os meses, na ordem de aproximadamente R$34 mil na conta da Secretaria de Saúde, calculado de acordo com o Plano Anual de Metas, que envia para todos os Estados brasileiros.

“E o próprio secretário disse que o governo não vai ter condições de honrar. Ele disse que foi realmente por erro de gestão da secretaria” - o de não adquirir medicamentos para atender pacientes de HIV-Aids, acrescenta o psicólogo José Sandoval.

A Coordenação do programa DST/Aids faz o PAM para trabalhar principalmente com a prevenção.

E não é só isso: denunciam também que nas administrações passadas - as de Sebastião Rocha e de Cláudio Leão - foram comprados remédios muito caros através do caixa saúde e que em conversa com o atual secretário de Saúde, Uilton Tavares, ele teria dito que até o final do ano será somente para apagar incêndio, que essa situação não será modificada.

A situação é considerada lastimável. Sete crianças soropositivas de 0 a 1 ano estão sem leite e o Ministério da Saúde diz que é obrigação que essas crianças sejam alimentadas. Essas crianças não podem mamar no peito da mãe porque correm o risco de infecção, que é de 7% a 32% em cada mamada, mas mesmo assim a mãe amamenta, uma vez que não quer ver o filho morrer de fome e outros bebês estão se alimentando de mingau de mandioca, sem leite.

Toda essa situação vem se arrastando há dois anos, mas agora está insuportável.”

Sr. Presidente, prossegue a matéria, que registra a visita de quatro deputados estaduais que voltaram assustados pelo que viram nos hospitais públicos. Faltam medicamentos...

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Nobre Senador, onde se passa isso? Eu cheguei atrasado e não ouvi o início de seu pronunciamento.

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP) - No meu Estado, Sr. Senador, no Amapá.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - No Estado do Amapá.

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP) - Na capital: Macapá.

O Sr. Ney Suassuna (PMDB - PB) - Macapá. Obrigado.

O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP) - Continuo:

“Falta de medicamentos, aparelhos quebrados, leitos desativados, cirurgias eletivas suspensas, bebês recém-nascidos prematuros que estão morrendo, cirurgias no Hospital da Criança suspensas há seis meses, tratamento dentário também suspenso por falta de material e filas intermináveis para marcação de consultas. Essa é uma parte da realidade da saúde pública de Macapá.

Na última segunda-feira, quatro parlamentares - Roseli Matos (PcdoB), Joel Banha (PT), Randolfe Rodrigues (PT) e Ruy Smith (PSB) -, advogados da Comissão dos Direitos Humanos da OAB, o médico João Henrique Souza Dias, da diretoria do Conselho Regional de Medicina (Cremap) e diretores do Sindicato de Enfermagem realizaram visita ao Hospital de Clínicas Alberto Lima (Hospital Geral) e Hospital da Criança e do Adolescente com o objetivo de investigar o funcionamento precário do atendimento que está colocando em risco a vida de seres humanos. Eles constataram as denúncias feitas pela Imprensa e por familiares de pacientes.

Para os médicos, essa situação é gravíssima. Os equipamentos sucatados ou em péssima condição de uso provocam infecção hospitalar.

A Comissão constatou no Hospital Geral que:

·     existem dois elevadores que não funcionam;

·     no Centro Cirúrgico, das quatro salas, apenas uma funciona; um banheiro funciona em péssimas condições de uso, os demais estão interditados e o da área que tem pacientes está entupido, exalando mau cheiro, até as pias, piso e iluminação estão em condições precárias; existe apenas uma lâmpada em todo o centro cirúrgico e a maioria dos equipamentos foram adquiridos há mais de uma década e estão enferrujados;

·     na sala de esterilização, não há material para esterilizar utensílios cirúrgicos; os equipamentos estão sucatados ou precisando de manutenção, além do mais, o ar-condicionado só exala poeira. E, o pior, nem gaze, que é material básico, existe.

Ou seja, não existe absolutamente nada. Quando falta gaze em um centro cirúrgico, é porque este está submetido ao mais completo abandono.

Enfim, o povo do Amapá vive uma situação dramática, e a eles presto a minha inteira solidariedade e faço um relato de todas as ações que aqui desenvolvemos junto ao Ministério da Saúde: desde o ano passado, temos encaminhado ao Ministro da Saúde exposição de motivos sobre a situação da saúde pública. Primeiro, denunciamos o surto de dengue, que, neste ano, foi controlado em todo o País. O único Estado da Federação brasileira onde segue crescendo a incidência da dengue é o Amapá, precisamente a capital, Macapá, o que demonstra claramente uma situação de responsabilidade dos gestores locais.

No dia 28 de agosto do ano passado, enviei ofício comunicando a situação da dengue; neste ano, reiterei o assunto em vários outros ofícios, um de 21 de janeiro de 2004 e, o último, no dia 26 de janeiro. Por último, fizemos um documento completo sobre a compra de medicamentos e o superfaturamento de medicamentos pela Secretaria Estadual de Saúde do Amapá.

Não dá para entender por que razão as providências que estamos aguardando ainda não foram tomadas. É necessário que o Ministério da Saúde intervenha diretamente para não deixar a população exposta à absoluta falta de assistência à saúde que estamos presenciando. Vejam: esses são dois órgãos de imprensa e esta denúncia está em toda a imprensa do Amapá, mesmo em alguns órgãos de imprensa mais simpáticos ao atual Governo do Amapá.

Mas o que é difícil de entender, Sr. Presidente - e V. Exª é médico -, é a evolução dos gastos com medicamentos no Amapá. Como o Amapá é o único Estado ainda - e espero que os outros sigam o seu exemplo - que publica em tempo real, na hora do gasto, a prestação pública de contas, ou seja, todos os gastos são colocados na Internet desde 2001 até hoje, tive o cuidado de recorrer à Internet e fiz um levantamento para verificar os gastos com material de consumo da Secretaria Estadual de Saúde do Amapá.

Em 2001, foram gastos R$12,028 milhões com material de consumo -medicamentos, alimentos para os hospitais - e não havia essa situação de calamidade pública, por falta de medicamentos, ou seja, com R$12 milhões era possível abastecer toda a rede hospitalar de medicamentos e também de alimentos. Em 2002, Sr. Presidente, os gastos com os mesmos itens - alimentos e medicamentos - cresceram em quase 100%: foram gastos R$21,030 milhões. Em 2003, R$29,291 milhões; e, em 2004, até o último empenho, datado do dia 30 de novembro, o Governo do Estado já havia gasto, em aquisição de medicamentos e alimentos para as unidades hospitalares, R$32,326 milhões. No entanto, não há gaze no centro cirúrgico do único hospital de especialidade que o Estado tem.

Portanto, como dizem os médicos, já não adianta clamar ao Ministério Público, porque as decisões que são tomadas não são cumpridas. Mas aqui é um caso a ser investigado, porque, auditando os gastos com medicamentos pela Internet - e estou falando de pesquisas que fiz há poucos minutos -, verifiquei que foram compradas grandes quantidades de medicamentos, em 2003, que deram origem a uma farsa política, uma denúncia do ex-secretário de saúde de que, em janeiro de 2003, quando assumiu a Secretaria, teria encontrado cinco milhões de toneladas de medicamentos vencidos, o que deu origem a uma Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembléia Legislativa para apurar responsabilidades.

Em outubro do ano passado foi concluída a CPI e duas carretas com medicamentos circularam pela cidade, atribuindo a responsabilidade pelo vencimento do prazo dos medicamentos às administrações passadas, incluindo a minha administração como Governador do Amapá. Finalmente, depois do relatório apresentado pela polícia técnica, que periciou o material que estava dentro das duas carretas de medicamentos, descobriu-se que 90% dos medicamentos haviam vencido em 2003 e mais de 50% só iria vencer a partir de 2005 e 2006. Montou-se uma farsa política e se deixou a população à míngua, sem qualquer tipo de medicamento na rede pública. De lá para cá, não se regularizou mais a situação de medicamentos.

Agora, de novo, vejo, pela Internet, que, neste ano, até o dia 30 de novembro, houve um gasto de R$32 milhões em medicamentos. Mas não há um só medicamento para atender os portadores de HIV.

Ora, é necessário que se apure isso. Vou encaminhar mais um documento - já são vários os documentos encaminhados - ao Ministério da Saúde, para que intervenha e faça uma análise da situação da saúde pública no Estado do Amapá. Que o Ministério Público Estadual tome providências e investigue a situação, porque existe dinheiro. E, se existem os recursos, como esses medicamentos não aparecem? Se os medicamentos estão sendo comprados, como eles não chegam para atender os pacientes? É necessário que o Ministério Público Federal também tome providências; que a Polícia Federal, que vem desenvolvendo operações em todos os Estados brasileiros, também intervenha e investigue esse caso de compras de medicamentos no Amapá. Isso é um crime! O jornal relata que já há mais de cinqüenta mortos por falta de atendimento na rede pública. As pessoas estão morrendo nas portas dos hospitais por falta desse atendimento.

Lamento profundamente que isso esteja acontecendo no meu Estado, Senador Mão Santa. Em geral, gosto de trazer boas notícias. A minha agenda é propositiva, é positiva, não há nela espaço para questões negativas, mas temos que trazer as negativas a público, até para que possamos positivá-las a partir das denúncias.

Escrevi ao Sr. Governador Waldez Góes e mandei documentos ao Prefeito de Macapá apresentando, analisando, refletindo sobre a situação, mas não me deram nem resposta. Tampouco o Ministro da Saúde me respondeu a contento as demandas que lhe fiz. Vou insistir. Vamos encaminhar novos pleitos ao Ministro da Saúde para que intervenha e acompanhe de perto a situação no Amapá, como fez com os investimentos com dinheiro federal na área de saúde no Distrito Federal.

Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/12/2004 - Página 40440