Discurso durante a 178ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Abertura dos arquivos das Forças Armadas a respeito da guerrilha do Araguaia.

Autor
Ana Júlia Carepa (PT - Partido dos Trabalhadores/PA)
Nome completo: Ana Júlia de Vasconcelos Carepa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
FORÇAS ARMADAS.:
  • Abertura dos arquivos das Forças Armadas a respeito da guerrilha do Araguaia.
Publicação
Publicação no DSF de 10/12/2004 - Página 41867
Assunto
Outros > FORÇAS ARMADAS.
Indexação
  • COMENTARIO, ABERTURA, ARQUIVO, FORÇAS ARMADAS, GUERRILHA, MUNICIPIO, CONCEIÇÃO DO ARAGUAIA (PA), ESTADO DO PARA (PA), BENEFICIO, ACESSO, POPULAÇÃO, HISTORIA, COMBATE, DITADURA, REGIME MILITAR, VALORIZAÇÃO, MEMORIA NACIONAL, DEMOCRACIA.

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, refiro-me hoje a um assunto que para nós particularmente é importante: a abertura dos arquivos sobre a guerrilha do Araguaia.

A 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região tomou uma decisão histórica ao mandar abrir os arquivos das Forças Armadas a respeito da guerrilha do Araguaia.

Como diz o jornalista Elio Gaspari, o segredo daquela operação militar determinou a clandestinidade da ação do Estado. O Araguaia não produziu inquéritos policial-militares, denúncias formais ou sentenças judiciais. Produziu uma nódoa em nossa história e muito sofrimento entre muitas famílias daqueles 69 brasileiros que optaram pela luta armada para combater o regime de opressão que se abateu sobre todos nós durante 20 anos.

Ressalte-se que o Presidente Lula já dera um passo importante para o esclarecimento desses fatos ao revogar o decreto editado pelo ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, em 2002, que preservava o sigilo, por tempo indeterminado, dos documentos ultra-secretos. Com isso, volta a regra anterior, que estabeleceu o prazo máximo de 30 anos, prorrogáveis por mais 30.

Com a decisão judicial de mandar abrir esses arquivos, resgatando um direito do povo brasileiro de saber o que é de fato um episódio tão importante na nossa história, não há mais necessidade da indesejada renovação por mais três décadas. Reforça essa crença a elogiável e muito elogiável decisão do Presidente Lula de não recorrer da sentença e dar o curso à vitória que a sociedade espera, afinal, após trinta anos, a reconstrução de que dispomos sobre o Araguaia “é um exercício de exposição de versões prejudicadas pelo tempo, pelas lendas e até mesmo pelas conveniências das narrativas. Delas, a mais embusteira é a dos comandantes militares”. Isso foi o que disse o jornalista Elio Gaspari.

Interessa-me, particularmente, que venham à tona esses fatos, pois, sendo do Pará vi de perto o que significou para a população de Conceição do Araguaia e de tantos Municípios, não só de Conceição do Araguaia, mas da região sul-sudeste do Pará, o episódio e as conseqüências sentidas até hoje, seja na economia, seja na memória daqueles que ainda têm presente o tormento de enfrentar a repressão sem saber o motivo.

A chamada terceira fase da ação do Exército brasileiro, na repressão ao movimento, recorreu a um aparato bélico considerável, indo desde aeronaves até armamento pesado e farto, a fim de que não se repetissem os fracassos verificados nas duas investidas anteriores. Embora houvesse número menor de pessoas envolvidas, esse armamento era garantia do otimismo no sucesso da operação.

Porém, o mais importante foi a disposição de intimidar, não aos guerrilheiros que estavam preparados psicologicamente para o embate, mas a gente humilde que, de alguma forma, já convivia há algum tempo com os “paulistas” (como eram chamados os guerrilheiros), embora não soubessem exatamente o que eles faziam. Essa intimidação descambou para uma ação violenta continuada, praticamente impondo às pessoas que colaborassem com a repressão, sob pena de serem acusados de colaborar com o “outro lado”, e eles diziam que o outro lado era um mal para o País.

Essa rotina resultou em muitos crimes de tortura, queima de lavouras, fugas proporcionadas pela ação do Exército, e é possível que isso esteja registrado nesses arquivos. Como, também, podem estar nesses arquivos algumas ações governamentais, que aparentemente nada tinham a ver com o combate à guerrilha, mas que resultaram na ocupação daquele espaço através da grilagem patrocinada com verba oficial. A ação dos Getats da vida, de fato, fixou à terra inúmeros fazendeiros à custa da expulsão de várias famílias que ali nasceram e ajudaram a construir a vida do Município.

O Sr. Demóstenes Torres (PFL - GO) - V. Exª me permite um aparte?

A SRª ANA JÚLIA CAREPA (Bloco/PT - PA) - Infelizmente não posso conceder aparte nas comunicações inadiáveis, senão eu concederia com todo o prazer. E V. Exª, Senador Demóstenes, sabe disso.

Com essa “nova ordem”, imposta a partir da estratégia de extermínio da guerrilha, e com a necessidade de substituição da população, incentiva-se um frenético processo migratório modificando-se radicalmente a política da região. São exatamente os fundamentos desse quadro que interessam diretamente à toda sociedade brasileira ter acesso.

Agora, talvez algumas daquelas famílias poderão saber o paradeiro dos restos mortais do seus entes queridos e dar-lhes um enterro digno.

Porém, infelizmente, nem todos terão esse direito, pois, segundo relato do coronel Pedro Correa Cabral, em 1993, ao Jornal Correio do Tocantins - Marabá - PA, muitos corpos foram levados para o Sul da Serra das Andorinhas, onde foram incinerados com pneus velhos e gasolina, fazendo uma fumaça tão escura e espessa que podia ser avistada a quilômetros.

Ao que parece, com grande dose de razão, o referido jornalista Elio Gaspari faz tal afirmação, a julgar pelo que afirmou o coronel Sebastião Rodrigues de Moura, o malsinado major Curió, prefeito do Município de Curionópolis, de que não houve tortura nem execução na história do Exército Brasileiro “Por que iria fazer isso no Araguaia?”

Diante de tanta controvérsia, só resta fazer o que a Justiça determinou e o Governo demonstra vontade de cumprir. Por mais abjetos que sejam determinados fatos, é direito da população saber o porquê de terem ocorrido. Pode-se até entender que uma instituição como o Exército Brasileiro tenha seus segredos militares. Porém, quando usurpou prerrogativas do poder civil para, em nome da Nação brasileira, cometer atos atentatórios à democracia e às leis internacionais das quais o Brasil é signatário, então deve ele também prestar contas de seus atos, mesmo que seja só para que o povo tome conhecimento, mesmo que disso não resulte punição. Só o fato de não se colocar nenhuma instituição acima da lei já é um passo singular na consolidação do nosso regime democrático.

Para algumas pessoas, pode parecer uma polêmica “revanchista da esquerda brasileira” o fato de esta querer a abertura dos arquivos da guerrilha do Araguaia. Quero dizer que tal postura é, antes de tudo, democrática, de defesa do Estado de Direito em nosso País. Quando uma nação se dispõe a debater seu passado, a repensar suas instituições, incluído o Exército Brasileiro, ela demonstra maturidade para enfrentar seus erros e vontade política de não mais os cometer.

A abertura dos arquivos do Araguaia permitirá um conhecimento mais profundo de um período histórico de nosso País, possibilitará que as novas gerações tenham conhecimento de ações do Estado repressivo e, com certeza, fortalecerá nesses jovens os valores democráticos e a necessidade de defesa da liberdade de opinião e da democracia em nosso País.

Dom Paulo Evaristo Arns já dizia: “A ditadura deixa marcas por mais de cinqüenta anos depois de seu final”.

Uma nação se faz pela memória que seu povo tem de seu passado, de suas instituições e de sua cultura, Faz-se pelo orgulho de seu passado histórico.

A ditadura militar não foi derrotada pelas armas, nem por um grande conflito social. Foi derrotada pelo povo brasileiro, que soube se organizar e exigir a volta do Estado de direito, pelos movimentos sociais de denúncias contra a tortura, pelo povo que derrotou os governos militares nas eleições de 1974, 1978 e 1982 e, nessas lutas, construiu uma memória de repulsa às formas ditatoriais de governo.

Abrir os arquivos do Araguaia é reforçar essa memória, é defender cada vez mais a democracia, é defender a liberdade.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/12/2004 - Página 41867