Discurso durante a 179ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexões acerca da política cambial e sua influência sobre as exportações.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. COMERCIO EXTERIOR.:
  • Reflexões acerca da política cambial e sua influência sobre as exportações.
Publicação
Publicação no DSF de 11/12/2004 - Página 42169
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. COMERCIO EXTERIOR.
Indexação
  • COMENTARIO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, DADOS, ESTATISTICA, EMPRESA DE CALÇADOS, MUNICIPIO, FRANCA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), COMPROVAÇÃO, DIFICULDADE, SETOR, AUMENTO, CUSTO, MÃO DE OBRA, MATERIAL, TRIBUTAÇÃO, NECESSIDADE, GOVERNO BRASILEIRO, DEFINIÇÃO, DIRETRIZ, POLITICA CAMBIAL, MOTIVO, EFEITO, TAXAS, EXPORTAÇÃO, CALÇADO.
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, DIVERSIDADE, JORNAL, ANALISE, ATUAÇÃO, GOVERNO BRASILEIRO, POLITICA CAMBIAL, POLITICA MONETARIA, INFLUENCIA, MERCADO EXTERNO, MERCADO INTERNO, COMERCIO EXTERIOR.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Exmº Sr. Presidente, Senador Paulo Paim, quero agradecer ao Senador José Jorge a permuta que fez comigo, para que eu pudesse fazer, com o devido tempo, esta reflexão sobre a política cambial brasileira.

O Sr. Carlos Alberto Rosa Brigagão, Diretor-Presidente da Calçados Sândalo S/A, principal sócio-fundador dessa que é uma das principais empresas de calçados do Brasil, com sede em Franca, fundada há cerca de 40 anos, acompanhou, nesse período, todo o esforço de exportação brasileira, mesmo no tempo em que algumas pessoas ainda avaliavam como muito difícil para o Brasil inserir-se no mercado mundial exportando produtos manufaturados. Há pouco conversei com Carlos Alberto Rosa Brigagão, que me relatou como acompanhou, ao tempo em que era Ministro da Fazenda Antonio Delfim Netto e era um dos responsáveis pela Cacex o Sr. Benedito Moreira, o trabalho que esses dois senhores antes haviam realizado para o desenvolvimento das exportações, porque foram tipicamente pessoas que acreditaram muito nessa possibilidade.

O Sr. Carlos Alberto Rosa Brigagão enviou-me esta carta, onde tece considerações sobre a importância do Governo brasileiro ter diretrizes claras na política cambial e da influência dela sobre o setor exportador. Diz o Sr. Carlos Alberto Brigagão que a Sândalo exporta desde 1971 e hoje envia seus produtos para 25 países. Ressalta que a experiência de sua empresa indica a relevância de se ter alguma previsibilidade na política cambial e exemplifica, demonstrando a evolução do preço em dólar de um produto tipicamente exportado pela Sândalo e comparando-a com a evolução da taxa cambial e do preço de venda.

Por exemplo, um sapato cujo nome fantasia é Pickett teve o preço de venda, em dólar, em 10 de abril de 2003 e, mais recentemente, em 16 de novembro de 2004, a US$ 17.95 em ambas as oportunidades. Acontece que, em 10 de abril de 2003, a taxa do dólar estava a R$ 3,20 e, em 16 de novembro, a R$ 2,77.

Ele, então, faz uma apresentação dos preços da matéria-prima e insumos que tipicamente compõem o calçado chamado Pickett: couro cabedal, forro lateral, forro dianteiro, forro traseiro, reforço ilhós, forro enchimento, forro enchimento, unissola látex, palmilha dianteira, contraforte, couraça, calcanheira, apliques, embalagens, materiais secundários. 

Depois, mostra que os custos de mão-de-obra direta e indireta, custos fixos, custos financeiros com câmbio, com CPMF e com despachante representam 2%; impostos e fretes, 1,5%; comissão, 2%.

A partir do dia 10 de abril de 2003, com o dissídio coletivo da categoria que passou a valer a partir de fevereiro de 2004, houve um aumento de 10% no custo da mão-de-obra direta e indireta; repasse de custos PIS e Cofins; alteração na base de cálculo para ICMS nos produtos do Estado de São Paulo e nos custos fixos; aumentos reais nas tarifas de energia, telefonia e combustíveis. Em conseqüência, o produto Pickett, que em10 de abril de 2003 conseguia um total em termos reais líquidos por calçado de R$5,12; em novembro passado, com o mesmo preço de venda de US$17, 45, passou haver um prejuízo por calçado de R$4,79.

O Sr. Carlos Alberto ressalta que, dessa maneira, estaria sua empresa até sendo irresponsável em manter a venda do produto descrito acima sempre na esperança - até quando? - de uma política cambial coerente. Ressalta ainda o Sr. Brigagão:

Devo registrar que no passado - de triste lembrança - por políticas cambiais desastrosas nos períodos de Zélia Cardoso de Mello e Gustavo Franco, perdemos pedidos e clientes na tentativa de correção de preços. Aprendemos que países com economia estável não aceitam alterações de preços - pelo menos para calçados masculinos. Como há oferta mundial, transferem os negócios para outros países.

Não estou sozinho nesta preocupação - no mínimo o setor calçadista está junto comigo, e tenho o aval de diversos articulistas e analistas dos jornais brasileiros. Transcrevo trechos de artigos de jornais:

            Folha de S.Paulo - 18 de novembro - Página B-10:

A atual tendência de baixa do dólar pode representar uma ameaça às exportações do País. A Funcex (Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior) avalia que, se o dólar permanecer abaixo dos R$3,00 até o início do próximo ano, as exportações brasileiras serão prejudicadas.

Se a valorização for permanente, vai prejudicar as exportações, e os efeitos serão sentidos a partir do segundo semestre de 2005.

Já o Presidente da AEB, Associação dos Exportadores Brasileiros, Benedito Moreira, ressalta que o empresariado não conta com uma redução de custos internos de produção para compensar a alta do real. “O Brasil tem um custo interno crescente. Tem um custo tributário, um pesado custo de investimento, um custo de logística incrivelmente ruim, tem uma burocracia insana no País. O dólar, lamentavelmente, compensava uma parte disso”.

Em O Economista, de novembro passado, nº 184, diz o economista Belluzzo:

...E também porque se deixarem a caixa de câmbio se valorizar, como está acontecendo aqui no Brasil, vão perder competitividade e negócios, que é o que o Synésio dizia que vai acontecer com os próprios contratos de exportações do Brasil: no mercado de calçados de Franca já está acontecendo e vai acontecer com outros mercados importantes.’ Por que os chineses mantém o Iuan em 8,27 desde 1994? Porque estão dando sinal para os seus produtores de que aquela é a taxa que o governo está disposto a garantir para que eles possam remunerar seus investimentos.

            Então, conclui o Sr. Carlos Alberto Rosa Brigagão:

Tenho duas questões sem respostas. Primeira, como cidadão: se nossa política cambial está correta, por que a participação brasileira no mercado internacional não cresce como a do México ou a do Chile, mesmo contando com o trabalho exemplar da Apex? Segunda, de ordem pessoal: será que está tudo certo e eu, empresário, é que não encontrei meu caminho? Muito obrigado. Atenciosamente, Carlos Alberto Rosa Brigagão.

            Quero anexar neste pronunciamento as duas tabelas que ele encaminhou, que eu avalio serem um testemunho importante do Sr. Presidente da Sândalo para a reflexão. Aliás, quero informar que enviei ao Ministro Luiz Fernando Furlan e ao Presidente do Banco Central Henrique Meirelles cópia dessas cartas para que possam refletir.

A propósito, Sr. Presidente, quero aqui assinalar alguns pontos do artigo do professor Paulo Nogueira Batista Júnior, na Folha de S. Paulo de ontem, que há tempos vem indicando às autoridades responsáveis pela política monetária e do Banco Central a importância de caminhar na direção consistente com as observações do Sr. Brigagão. E o professor Paulo Nogueira Batista Júnior desta vez resolveu dizer que finalmente - e há tempo que vinha aguardando - pôde elogiar os passos dados pelo Banco Central e pelas autoridades monetárias, uma vez que o Banco Central tomou algumas medidas para atuar no mercado de câmbio, comprando moeda estrangeira. Ele aponta duas razões importantes para que isto tenha se realizado: primeiro, para deter a valorização do real e, segundo, para reforçar as reservas internacionais do País. Menciona que, “de fato, o Governo e o Banco Central permitiram a apreciação exagerada do câmbio nos meses recentes e vinham perdendo diversas oportunidades de recuperar o estoque de ativos da liquidez internacional”. Mas, finalmente, moveram-se na direção correta e seria recomendável que continuem aumentando as reservas e induzindo uma depreciação moderada da moeda brasileira.

O professor Paulo Nogueira Batista Júnior menciona que reconhece que:

            ...é bem verdade que há muito tempo o Brasil não registrava resultados tão positivos no balanço de pagamentos. O superávit da balança comercial está em nível recorde. Apesar da elevada carga de juros e de outras rendas remetidas ao exterior, estamos alcançando superávit até em transações correntes. Também é verdade que a taxa de câmbio efetiva (isto é, a relação do real com o conjunto de moedas relevantes para o comércio exterior brasileiro) não acusa apreciação tão intensa quanto a taxa bilateral com o dólar, uma vez que este último vem sofrendo grande perda de valor nos mercados internacionais de câmbio.

No passado recente, o ritmo de crescimento das importações vem superando o das exportações. Isso resulta, por um lado, da expansão da economia do país, especialmente da indústria. Mas já deve estar refletindo, por outro, a valorização do real e a conseqüente diminuição do preço das importações para o comprador doméstico.

Cabe ressaltar que os últimos dados indicam que houve uma diminuição no ritmo de crescimento da indústria, o que mostra no último mês que a elevação das taxas de juros nestes últimos dois meses fez com que diminuísse o ritmo de crescimento da economia.

Ressalta ainda o professor Paulo:

            Não se deve perder de vista, além disso, que a apreciação persistente do câmbio é um sinal ruim para as empresas, com possibilidade de investir em setores produtores de bens e serviços comercializáveis internacionalmente.

O Sr. Carlos Alberto Brigagão me informou que recentemente algumas das principais empresas compradoras de calçados no mercado internacional acabaram deixando de comprar calçados de empresas de Franca, como da própria Sândalo, em virtude do problema apresentado. Se tivesse a taxa de câmbio se apresentado um pouco mais favorável, teria o Brasil conseguido aumentar significativamente ainda mais suas exportações.

Diz Paulo Nogueira:

            As firmas exportadoras ou que competem com importações no mercado interno são, com freqüência, aquelas que estão mais próximas de uma utilização plena de sua capacidade instalada. À medida que o Governo e o Banco Central permitem a valorização acentuada do real, reduzindo as perspectivas de rentabilidade nesses setores, os investimentos novos tendem a ser postergados ou até abandonados, afetando a capacidade de sustentar resultados comerciais expressivos no futuro.

Saliento que isso combina com outro aspecto da política econômica e monetária. Na medida em que as empresas estão se aproximando da utilização completa de sua capacidade instalada, na medida em que estejam próximos de tomar a decisão os empresários, de realizar investimentos que possam aumentar sua capacidade produtiva, o que vai resultar no aumento da oferta de bens e serviços tanto para o mercado interno quanto para o mercado internacional, se houver uma diminuição, moderada que seja, das taxas de juros, maior será o estímulo para a realização dos investimentos, para aumentar a capacidade produtiva e, assim, aumentando a oferta de bens e serviços, estar-se-á contribuindo para o objetivo expresso pelas autoridades monetárias de estarem preocupadas com a estabilidade de preços; ou seja, é importante que seja considerado esse outro aspecto.

O Professor Paulo Nogueira lembra também que:

            Os nossos excelentes resultados de balanço de pagamentos se devem, em grande parte, a um quadro mundial bastante favorável em 2003 e 2004. A demanda externa esteve aquecida, os preços de uma série de produtos exportados pelo Brasil aumentaram, as taxas de juros mantiveram-se em nível muito baixo no exterior [não aqui dentro], e a disponibilidade do capital foi em geral bastante abundante para os países ‘emergentes’.

Mas será que isso vai durar? O professor Paulo chama a atenção para o fato de que as circunstâncias da economia norte-americana e da política econômica seguida pelo Presidente George Walker Bush são no sentido de fazer com que todos tenhamos que tomar mais cuidado. E ele conclui o seu artigo dizendo que:

            Nesse ambiente, cada um precisa cuidar de si - e com certa urgência. O Brasil deve, como um mínimo, manter uma taxa de câmbio competitiva e, enquanto for possível, aumentar o seu estoque de reservas - primeira linha de defesa em momentos de turbulência [que pode vir a ocorrer no mercado internacional].

Considero essa reflexão importante. Espero que, na próxima reunião do Copom, depoimentos como este de um exportador importante do setor de calçados, que poderia ser de Franca ou de São Leopoldo, no Rio Grande do Sul... Disse-me o Sr. Brigagão que ontem houve uma reunião com dezenas de pessoas preocupadas com o setor exportador, em Franca. Houve um encontro nacional de exportadores, ocasião em que muito dialogaram sobre a importância de se dar continuidade a uma política cambial mais adequada, que venha a recompor o volume de reservas brasileiras, para que o País esteja preparado para enfrentar qualquer circunstância de crise na economia, seja nos Estados Unidos, seja internacional. Muito obrigado.

 

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            DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR EDUARDO SUPLICY EM SEU DISCURSO.

            (Inseridos nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno)

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Matérias referidas:

“Taxa de câmbio e reservas internacionais.”


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/12/2004 - Página 42169