Discurso durante a 181ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Análise dos valores republicanos da democracia, no transcurso do aniversário da Proclamação da República do Brasil.

Autor
Jefferson Peres (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AM)
Nome completo: José Jefferson Carpinteiro Peres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DEMOCRATICO.:
  • Análise dos valores republicanos da democracia, no transcurso do aniversário da Proclamação da República do Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 15/12/2004 - Página 43426
Assunto
Outros > ESTADO DEMOCRATICO.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, PROCLAMAÇÃO, REPUBLICA, BRASIL, OPORTUNIDADE, ANALISE, NECESSIDADE, RESPEITO, DIREITOS, CIDADÃO, VALORIZAÇÃO, ETICA, CIDADANIA, DEMOCRACIA.
  • IMPORTANCIA, RESULTADO, ELEIÇÃO MUNICIPAL, DEMONSTRAÇÃO, CONSCIENTIZAÇÃO, ELEITOR, ESCOLHA, CANDIDATO, PRIORIDADE, ATENDIMENTO, INTERESSE PUBLICO, FORMA, GARANTIA, PADRÃO, ETICA, REPUBLICA.

O SR. JEFFERSON PÉRES (PDT - AM. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a proclamação de República, cujo aniversário celebramos há pouco, suscita a discussão sempre atual do papel dos valores republicanos entre nós.

A data enseja a oportunidade de questionar até que ponto governados e governantes nos dispomos a dar nossa adesão madura e consciente aos valores republicanos da democracia: a igualdade perante a lei; a legitimação pelo consentimento popular; o respeito à vontade da maioria e aos direitos da minoria; a transparência na tomada das decisões governamentais; a responsabilização dos agentes públicos pelo destino dado a cada centavo do contribuinte (um contribuinte hoje literalmente esmagado por uma carga tributária que engole cerca de 40% de tudo o que o País produz!).

Outro requisito que merece destaque nesta nossa breve resenha da aplicação prática dos valores republicanos é aquela regra que garante uma oportunidade real de a oposição chegar ao poder, desde que suas propostas conquistem o coração e a mente do eleitorado. Afinal, a república se distingue da monarquia absolutista justamente pela possibilidade de alternância de partidos e nomes no governo, graças ao voto do povo, sem herdeiros indicados pelo rei ou vetos aos adversários da corte.

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, em sua obra Direito e Estado no pensamento de Immanuel Kant, o saudoso Norberto Bobbio nos adverte para o fato de que o filósofo de Koenigsberg distinguia com nitidez a natureza essencial dos regimes políticos das formas exteriores de suas instituições governamentais. Segundo Kant, quanto à forma, os governos poderiam ser monárquicos, aristocráticos ou democráticos, reproduzindo, aliás, a clássica tipologia ensinada por Platão, Aristóteles e Políbio. Já quanto à natureza, os regimes dividir-se-iam em despóticos e republicanos.

Kant, a um tempo, classificou e condensou a distinção aristotélica acerca das formas sadias (voltadas para a realização do bem comum) e das variantes patológicas de governo (estas, comprometidas tão-somente com a satisfação dos apetites e caprichos dos soberanos), ao caracterizar o regime de natureza republicana como aquele que condiciona o poder do governante ao consentimento dos governados, com base na representação de interesses sociais legítimos e também na separação dos poderes.

Não haveria, portanto, na visão kantiana nenhuma contradição fundamental entre, por exemplo, forma monárquica e essência republicana, conforme o testemunho atual das prósperas e cultas democracias coroadas da Grã-Bretanha, Suécia, Noruega, Dinamarca e Holanda...

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é lamentável que aqui, no nosso Brasil aqueles valores essenciais do republicanismo ainda encontrem tantas resistências políticas e socioculturais para deitar fundas raízes, florescer e frutificar. E isso a despeito dos ensinamentos e exemplos de homens os mais ilustres. Há quase 200 anos, por exemplo, José Bonifácio de Andrada e Silva já defendia a abolição da escravatura e proteção às populações indígenas desafiando a cupidez sanguinária dos donos do poder de então.

Um pouco mais tarde, já no segundo reinado, a voz corajosa do deputado liberal alagoano Aureliano Cândido Tavares Bastos levantava-se para verberar a hipertrofia do poder central e reivindicar mais autonomia e mais responsabilidade para as províncias, ciente de que, caso contrário, as relações entre governantes e governados seguiriam envenenadas pelo imobilismo, pela subserviência e pela corrupção.

Outro modelo luminoso de autêntico republicanismo nos foi legado pelo jurista baiano Rui Barbosa, deputado provincial e geral no segundo reinado, quando se destacou no debate sobre as eleições diretas, introduzidas pela Lei Saraiva, de 1881, e também graças aos seus pareceres sobre a reforma do ensino e a emancipação dos escravos, nos três anos seguintes. Ministro da Fazenda do governo provisório republicano de 1889 a 1891, foi o relator do projeto de Constituição e abrilhantou este Senado de 1891 até o ano de sua morte, em 1923. Nesse intervalo, Rui pagou com o exílio em Buenos Aires, Lisboa e Londres, a ousadia de opor-se ao governo atrabiliário do marechal Floriano Peixoto e, em 1910, protagonizou a campanha civilista à Presidência da República contra a candidatura oficial do marechal Hermes da Fonseca. Derrotado nas urnas, Rui Barbosa não viveria para testemunhar a consagração de seus ideais de eleições limpas e livres, modernização política e incorporação do proletariado à cidadania pela Revolução de 1930.

A propósito, o líder maior daquele movimento, Getúlio Vargas, seria formado na austera tradição de uma filosofia peculiar da república: o positivismo gaúcho de Júlio Castilhos, que governou o Rio Grande do Sul de 1891 a 1898. Ele e seu sucessor, Borges de Medeiros, a despeito do cientificismo autoritário e intervencionista inspirado na doutrina tecnocrática de Augusto Comte, honraram, como poucos estadistas na história brasileira, o dogma republicano de escrupulosa honestidade na gestão do Erário e do patrimônio público. A austeridade de Borges era tamanha que o governador não tinha veículo oficial, caminhando diariamente para o trabalho no Palácio Piratini. Para transportar dignitários em visita a Porto Alegre, o governo do estado era obrigado a alugar um coche! Esse exemplo de vida é extremamente parcimoniosa foi reproduzido por Vargas, que sucedeu a Borges de Medeiros no governo gaúcho, antes de empolgar a Presidência da República em 1930. O parco mobiliário e a decoração quase ascética do quarto de Getúlio no Museu da República, antigo Palácio do Catete, estão aí para prová-lo!

Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no pleito municipal deste ano, não obstante todos os percalços de nossa experiência republicana, os cidadãos de todo o Brasil deram uma prova soberba de maturidade cívica e política, recusando pratos-feitos e jogos de cartas marcadas de oligarquias que se julgavam com direito divino a um domínio eterno sobre as prefeituras de pequenas ou grandes cidades deste País.

O voto manifestou o anseio de milhões de compatriotas de norte a sul por verem seus legítimos interesses refletidos em prefeituras e câmaras de vereadores sintonizadas com a vontade geral de participação, ética, profissionalismo na gestão administrativa e atenção às questões prioritárias do transporte coletivo, da habitação popular, do saneamento básico, do ensino público e, principalmente, da saúde (apontada como prioridade comum às cidades dos mais variados portes e regiões).

Agora, para se colocarem à altura desse desafio, os novos prefeitos e vereadores precisarão, antes de mais nada, atestar por suas ações, e não apenas por palavras, que reconhecem no voto a fonte de legitimidade dos seus mandatos e no povo, seu verdadeiro e único patrão.

Em outros termos, o cidadão não aceita ser tratado como súdito, nem admite que seus representantes se acomodem à condição de prepostos dos interesses particulares de grupos ou clãs, prisioneiros de consensos forjados, reféns de acordos ocultos.

Cabe à cidadania, por sua vez, aprimorar-se no exercício daquilo que Tocqueville chamou de a arte da associação voluntária, participando no acompanhamento dos programas e projetos que dizem respeito ao seu bairro, à sua praça, ao seu posto de saúde, à sua escola.

É no compromisso demonstrado por todos nós na luta pela afirmação dos valores republicanos e dos princípios éticos do verdadeiro civismo que afirmamos nosso inconformismo perante àqueles que ainda insistem em nos tratar como súditos, quando não aceitamos, nada mais, nada menos, que o tratamento de cidadãos: contribuintes, consumidores, eleitores, participantes na obra de grandeza nacional.

Hoje, mais do que nunca, é hora de gritar com o coração e a plenos pulmões: Viva a República!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/12/2004 - Página 43426