Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações referentes à metolologia de cálculo do índice de percepção da corrupção no Brasil.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO PUBLICA. SOBERANIA NACIONAL.:
  • Considerações referentes à metolologia de cálculo do índice de percepção da corrupção no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 22/02/2005 - Página 1770
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO PUBLICA. SOBERANIA NACIONAL.
Indexação
  • AVALIAÇÃO, ESTABILIDADE, SUPERIORIDADE, CORRUPÇÃO, PAIS, ANALISE, METODOLOGIA, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), AMBITO INTERNACIONAL, DEFINIÇÃO, INDICE, OPINIÃO PUBLICA, EMPRESARIO, ESTRANGEIRO, NEGOCIAÇÃO, EXPORTAÇÃO, BRASIL, DETALHAMENTO, RESTRIÇÃO, PESQUISA.
  • REGISTRO, PROVIDENCIA, GOVERNO FEDERAL, CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO (CGU), POLICIA FEDERAL, COMBATE, CORRUPÇÃO, EFEITO, LONGO PRAZO, PESQUISA, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG).

O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PPS - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quanto há de corrupção no Brasil? Quanto dinheiro, público ou privado, esvai-se em negociações travadas em corredores sombrios ou em outros locais escusos, com participantes e objetivos igualmente escusos?

Recentemente, vimos todos os grandes veículos de comunicação do país noticiarem em letras garrafais que a corrupção no Brasil mantém-se estável há já sete anos. Essa estabilidade, no entanto, caros colegas de Parlamento, situar-se-ia num vergonhoso patamar de corrupção, numa amarga posição que coloca o Brasil entre os países que mais sangram recursos para bolsos indevidos.

Invariavelmente, as notícias amparavam-se no estudo que é conduzido anualmente pela ONG Transparência Internacional. Tal estudo apresenta um índice, conhecido como Índice de Percepção da Corrupção, com base no qual é apresentado o ranking dos países mais -ou menos - corruptos no mundo.

Por amor à imagem brasileira, no exterior e mesmo dentro de nossas fronteiras, faz-se necessário trazer a lume algumas verdades sobre a metodologia de cálculo do Índice de Percepção da Corrupção.

Certamente, o principal elemento a ser considerado é que o índice, ao contrário do que se pode imaginar, não é calculado com base em elementos objetivos, ou seja, apontando eventualmente o percentual do PIB desperdiçado com corrupção ou a fatia dos contratos públicos superfaturados com relação ao preço de mercado.

Não, Srªs e Srs. Senadores, o Índice de Percepção da Corrupção é uma pesquisa subjetiva, de opinião. Numa distinção simplista, como se costuma ver na mídia, está mais para “Ibope” que para “IBGE”... E isso está claro em seu nome, que deixa evidente a palavra percepção, indicando que sua pretensão não é medir a corrupção efetivamente existente, mas o nível em que ela é percebida.

Esse fato encontra uma série de justificativas de ordem pragmática. Não se pode fazer uma pesquisa perguntando diretamente aos funcionários públicos, por exemplo, se são ou não corruptos, pois tal conduta, além de legalmente tipificada, é moralmente condenável. Tampouco existem dados confiáveis sobre o número de contratos ou de processos oriundos de práticas corruptas, o que limita muito as possibilidades de se realizar um estudo com dados absolutamente objetivos. Por fim, até mesmo a noção de o que é corrupção muda de país para país, havendo vários que não possuem o tipo penal específico e outros que toleram determinadas práticas de pequena corrupção, especialmente aquela feita para acelerar trâmites burocráticos que sejam intrinsecamente legais.

Vamos, pois, aos dados. A Transparência Internacional leva a cabo, diretamente ou por meio de terceiros, pesquisas de opinião em que são ouvidos empresários estrangeiros que negociam com determinado país. Em tais pesquisas, pergunta-se, basicamente, a freqüência com que as autoridades ou funcionários públicos ou privados daquele país solicitam propina para facilitar a celebração de algum negócio ou com que probabilidade o pagamento de propina irá efetivamente favorecer tal celebração, seja com o Poder Público, seja com uma empresa privada importadora.

Ou seja, os empresários que, basicamente, exportam para o Brasil, são instados a oferecer sua opinião sobre como agem os intermediários brasileiros na condução de negócios que passam de alguma forma por suas mãos. Avalia-se, portanto, a conduta de membros de comissões de licitação, de gestores de compras de empresas privadas, de altas autoridades que negociam contratos celebrados por dispensa ou inexigibilidade de procedimentos licitatórios, entre outros.

Evidentemente, essa metodologia apresentará diversas peculiaridades, que adiante iremos elencar. E tais peculiaridades certamente poderão gerar problemas se não forem corretamente compreendidas.

Antes, porém, de enumerar os eventuais problemas - gerados, repetimos, não pela metodologia em si, mas pela leitura que se faz de seus resultados -, quero, aqui, destacar que o trabalho da Transparência Internacional merece ser louvado, especialmente por ser a primeira e, ainda hoje, principal iniciativa com vistas a criar uma metodologia para medir a corrupção nos diferentes países, embora, pelas razões já apontadas, enfrente ainda dificuldades.

A metodologia e as restrições que devem ser aplicadas à leitura do estudo constam do documento elaborado anualmente e divulgado, em língua inglesa, junto com a pesquisa, na página da internet da Transparência Internacional. (www.transparencia.org.br)

Uma vez já clarificado que se trata de um índice fundado em conceitos subjetivos, salientemos outras características suas. Um interessante detalhe, por exemplo, é que as bases de dados utilizadas para a pesquisa de cada ano não são completamente renovadas a cada nova edição da pesquisa. Utilizam-se dados de até três anos passados, buscando dar estabilidade ao índice. No caso do Índice de Percepção da Corrupção conferido ao Brasil no ano de 2004, apenas 45% da base amostral eram efetivamente novos; o restante, ou seja, a maioria dos dados, eram relativos às pesquisas dos dois anos anteriores (2003 e 2002).

Isso deixa claro que as manchetes publicadas com o teor: “Pelo sétimo ano, a corrupção no Brasil permanece no mesmo nível devem ser interpretadas com muita cautela. É a própria Transparência Internacional que diz que o resultado de suas pesquisas não pode ser utilizado para fazer uma comparação ao longo do tempo, pois elas buscam apenas expressar um instante da opinião estrangeira sobre corrupção naquele país.

O mesmo se diga com relação ao ranking. Não é verdade dizer que o Brasil vem piorando na classificação dos países corruptos. Seu índice permanece estável. O que vem ocorrendo é que a Transparência Internacional está anualmente ampliando o número de países que participam da pesquisa e, eventualmente, alguns deles entram em posição melhor do que a do Brasil. Assim é que, em 2002, o Brasil ocupou a 48a posição num universo de 102 países (salientando-se que a 1a posição é a do menos corrupto); em 2003, esteve na 53a colocação de um universo de 133 países, e, por fim, em 2004, foi colocado no 59o posto, de um total de 146. Vê-se, assim, que a maior parte dos países “novatos” entraram abaixo do Brasil, embora alguns tenham obtido melhores conceitos.

Vemos, ademais, que, embora a própria Transparência não se comprometa com a análise no tempo dos dados fornecidos por ela, na prática, a tendência dos números em quase todos os países avaliados é manter-se dentro da margem de erro (geralmente 3% para mais ou para menos) em relação ao ano anterior.

Na América do Sul, os países em geral têm-se situado em níveis separados, com nítida vantagem para a avaliação chilena, seguida por um nível compartilhado pelo Brasil e pela Colômbia e por outro, onde se acotovelam a Venezuela, a Bolívia e o Paraguai. A única exceção notável é a da Argentina, que, após a crise de 2002, sofreu forte abalo em sua imagem internacional, justificando, pois, uma oscilação muito mais abrupta, a qual, ainda assim, foi diluída justamente ao longo dos três anos em que foram utilizadas bases antigas. Isso fez com que, entre 2002 e 2004, a Argentina caísse do patamar brasileiro e colombiano de percepção da corrupção para o mesmo patamar em que se situam os países com pior avaliação.

Na prática, pois, a tendência é mesmo a estabilidade das avaliações pelos motivos já expostos, ou seja:

As bases de dados são utilizadas por três anos, de modo que se diminui o impacto de uma determinada avaliação num ano excepcionalmente mal ou bem avaliado; e

As pesquisas baseiam-se na opinião das pessoas consultadas, o que, muitas vezes, tarda bastante para alterar-se, ainda que sejam tomadas duras medidas de combate à corrupção.

As medidas que vêm sendo saudavelmente adotadas pelo Governo Lula, portanto, especialmente por meio da Controladoria Geral da União e da Polícia Federal, apresentarão impacto apenas ao longo dos próximos anos, quando as bases de dados tiverem sido 100% geradas em seu período de governo e quando a opinião pública internacional, viciada por uma imagem negativa herdada de décadas de pouca seriedade com a coisa pública brasileira, tiver a oportunidade de perceber os novos tempos.

Não se há que negar a existência ainda de corrupção no Brasil. Dolorosamente, ela segue a empobrecer nossa Nação, ao passo que enriquece aqueles de sórdida ausência de sentimento público. No entanto, afirmar que, há sete anos, não decresce a corrupção neste País com base tão-somente no trabalho da Transparência Internacional, por todos os fatos demonstrados, não é apropriado.

Sem dúvida, aquela ONG não merece ser condenada por buscar fazer um trabalho pioneiro, que, eventualmente, apresente ainda problemas; porém, tampouco merece o Brasil, nos dias de hoje, a imagem que vem sendo sobre ele apresentada.

Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/02/2005 - Página 1770