Discurso durante a Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Análise das causas da violência no Estado do Pará.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA. POLITICA FUNDIARIA. REFORMA AGRARIA.:
  • Análise das causas da violência no Estado do Pará.
Aparteantes
José Jorge, Sibá Machado.
Publicação
Publicação no DSF de 23/02/2005 - Página 1890
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA. POLITICA FUNDIARIA. REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • COMENTARIO, VIOLENCIA, HOMICIDIO, IRMÃ DE CARIDADE, ESTADO DO PARA (PA), MOTIVO, DEFESA, MEIO AMBIENTE.
  • REGISTRO, DEPOIMENTO, IRMÃ DE CARIDADE, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), TERRAS, CONGRESSO NACIONAL, DENUNCIA, DIVERSIDADE, CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE, ESTADO DO PARA (PA), PARTICIPAÇÃO, AUTORIDADE.
  • ANALISE, DADOS, ESTATISTICA, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, ZONA RURAL, ESTADO DO PARA (PA).
  • CRITICA, INEFICACIA, ATUAÇÃO, GOVERNO FEDERAL, EXECUÇÃO, PROJETO, REFORMA AGRARIA, QUESTIONAMENTO, INICIATIVA, CRIAÇÃO, DIVERSIDADE, AREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL, REGIÃO AMAZONICA.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente Papaléo Paes, Srªs e Srs. Senadores, o título Crônica de uma Morte Anunciada, obra do escritor colombiano Gabriel García Márquez, poderia ser reproduzido no contexto do assassinato da Irmã.

A morte da missionária católica no dia 12 de fevereiro passado, no Município de Anapu, monopolizou as atenções do País e do mundo para a gravíssima situação fundiária no Estado do Pará e em todo o País.

Em maio do ano passado, a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Terra realizou uma viagem ao Estado do Pará.

Naquela ocasião, colhemos o depoimento da Irmã Dorothy em reunião secreta realizada em Altamira, logo após a audiência pública que ocorreu na Câmara dos Vereadores daquela cidade.

Após ouvir a Irmã Dorothy, alertamos o Ministério da Justiça quanto à necessidade de envio de uma força-tarefa para proteger a população.

Lembro bem, Sr. Presidente, desta tribuna mesmo, numa sexta-feira pela manhã, alertamos o Governo Federal para a iminência de uma tragédia anunciada naquela região do Pará.

Estivemos em Eldorado dos Carajás, visitando uma invasão com mais de mil famílias. Conhecendo a tensão do clima que persistia já há algum tempo e, sobretudo, diante do que pudemos constatar, vigorar a lei da selva naquela região do País, pedimos ao Governo Federal providências imediatas para conter o processo de violência que se tornava avassalador naquele momento. De nada adiantou o apelo desta tribuna, de nada adiantou o alerta feito, de nada resolveram as sugestões apresentadas no que diz respeito a providências que o Governo poderia adotar

A irmã Dorothy veio a Brasília, aqui permaneceu por alguns dias, exatamente tomada pelo receio de que o pior poderia acontecer, depois da incursão feita pela CPMI da Terra, pela abordagem em relação aos conflitos lá existentes naquele momento. Foi preciso que ocorresse esse crime brutal, com repercussão internacional, para finalmente o Governo cumprir o seu dever.

Mas é preciso ressaltar que a irmã Dorothy não é a única vítima da violência naquela região. Vamos apresentar aqui um relatório, vamos apresentar números sobre a violência que faz vítimas, de forma a nos surpreender e a nos assustar diante da paralisia governamental. A ausência da autoridade naquela região estimula a violência. Mas, antes disso, quero, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, referir-me às denúncias apresentadas pela irmã Dorothy em seu depoimento à CPMI, que ratificaram pontos já conhecidos da questão fundiária em nosso País.

Crime ambiental. Quanto à exploração ilegal de madeiras na região, a Irmã Dorothy apontou no mapa os rios por meio dos quais grande quantidade de madeira é transportada clandestinamente. A Irmã Dorothy afirmou que, em cinco anos, ou seja, desde 1999, um cidadão de nome Dério Fernandes, vizinho do Plano de Desenvolvimento Sustentável (PDS), fez corte raso de 12 a 13 mil hectares (“ botou fogo e nunca tirou sequer uma tora”) - são palavras da Irmã Dorothy, que mostrou no mapa a localização exata dessa área.

A Irmã denunciava a inércia do Poder Público. Os crimes ambientais foram comunicados pela Irmã ao Incra e ao Ibama, que nada fizeram, de fato, para impedi-los. A Irmã Dorothy afirmou que o Superintendente do Incra chegou a conversar com o fazendeiro a fim de demovê-lo da idéia de um desmatamento. O fazendeiro simplesmente ignorou o pedido, e o Poder Público nada fez.

Poder Público ligado a latifundiários. Segundo a Irmã Dorothy, alguns dos fazendeiros são militares - citou um sargento do 51º Batalhão de Infantaria de Selva, que é vizinho do PDS; citou o juiz federal que assumiu em Marabá e, segundo ela, seria suspeito, pois revogou, só em janeiro de 2004, mais de dez decisões judiciais que favoreciam o Incra; apontou fraudes contra o Estado. Segundo ela, foram aprovados ilegalmente 17 projetos da Sudam, em Anapu. Os valores ultrapassaram R$100 milhões.

Portanto, são denúncias da maior gravidade e que não poderiam, de forma alguma, ser ignoradas pelo Poder Público.

Repito, a Irmã Dorothy denunciou que foram aprovados ilegalmente 17 projetos da Sudam, em Anapu, com valores superiores a R$100 milhões.

Um relatório da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, de 2002, afirma que a Sudam tem 22 projetos ilegais naquela localidade.

Portanto, comprova-se a veracidade das denúncias apresentadas pela Irmã Dorothy.

O conflito agrário no Pará é bastante singular. A violência está estampada nos números que apresento agora. O Pará apresenta o maior número de assassinatos ligados às disputas de terra. Entre 1985 e 2001, quase 40% das 1.237 mortes de trabalhadores rurais no Brasil aconteceram no Estado.

No Pará, a explicação para a violência no campo não pode deixar de contemplar dois fatos: a política de colonização agrária iniciada na década de 70 e o papel desempenhado pelos representantes do Poder Público na região.

A política de colonização no Pará previa a distribuição de áreas grandes e pequenas. A maioria dos pequenos beneficiários não conseguiu se manter e vendeu seus lotes aos latifundiários vizinhos ou para fazendeiros recém-chegados de outra parte do País. Esse fenômeno, que é combatido pelos sem-terra da região, denomina-se “reconcentração de terras”. Os que se recusam a vender seus lotes são, em muitos casos, forçados a abandonar as suas terras.

A Irmã Dorothy relatou o caso de uma área de 45 lotes em que o último lote de pequeno agricultor só foi vendido recentemente, mais de 30 anos depois, ao irmão de um grande proprietário local.

Outros fatores devem ser mencionados no quadro da violência predominante na região: o passado de convivência do Poder Público com a grilagem de terras públicas no Pará; a chegada de fazendeiros dispostos a investir naquela região remota era vista como boa para o desenvolvimento econômico local; em alguns casos, a distribuição de lotes de colonização agrária desrespeitou ou ignorou a presença de antigos posseiros da região, mostrando a fragilidade das instituições públicas na maior parte dos municípios paraenses; e, por fim, o fato de Poder Público se encontrar nas mãos dos proprietários rurais contra os quais lutam os trabalhadores que desejam a ocupação daquelas áreas.

Enfim, o conflito em Anapu, como no resto de todo o Pará, parece ser o resultado da organização de ex-posseiros e ex-colonos em busca de terras públicas griladas. A estratégia é ocupar essas áreas e, em seguida, forçar o Incra a promover a reforma agrária nesses locais. Os conflitos maiores surgem quando as áreas estão ocupadas por grileiros violentos ou quando as terras não são públicas e seus donos legítimos pretendem defendê-las a todo custo. A razão de a violência eclodir com maior intensidade em determinadas áreas do Estado do Pará do que no resto do País pode ser atribuída à fragilidade das instituições públicas locais.

Esse é um diagnóstico inquestionável. Não estamos tentando defender este ou aquele, não estamos tentando responsabilizar este ou aquele, não estamos nos colocando de um lado ou de outro - do lado do Poder Público ou do setor privado -, mas estamos tentando apresentar um diagnóstico da realidade que agride a sensibilidade social de qualquer cidadão brasileiro.

A execução da missionária católica nascida nos Estados Unidos e naturalizada brasileira, ocorrida a 780 quilômetros de Belém, colocou à mostra a “terra sem lei”. Não há como não denominar de terra sem lei ou onde prevalece a lei da selva porque, lamentavelmente, o Pará é detentor do título de campeão nacional de mortes no campo e, ao mesmo tempo, de campeão da impunidade. Um em cada três casos de assassinatos no campo acontece no Pará; 40% das vítimas estavam no Estado do Pará; só 3% dos casos foram julgados, Senador Sibá Machado; apenas cinco mandantes e oito executores foram condenados. (Dados de 1985 a 2003, da Comissão Pastoral da Terra).

É evidente que a prevalência da impunidade estimula a violência. Daí a razão direta do crescimento avassalador dos índices de criminalidade naquela região do País. Nesse cenário, o Pará é justamente o Estado campeão da violência (de 1985 a 2003). O Pará lidera com 327 casos que resultaram em 521 homicídios. 521 homicídios! Para se ter uma idéia, Mato Grosso, o 2º no ranking da violência, registrou 110 vítimas na luta pela terra.

A organização não-governamental - Justiça Global - divulgou que, no ano de 2003, 73 trabalhadores rurais foram mortos no Brasil em disputas por terras, um aumento de 69,8% em relação a 2002. Essa é a comprovação de que a política de reforma agrária, adotada pelo atual Governo, fracassa, frustra, desencanta, promove o inconformismo e estimula naturalmente a violência, já que o atual Governo gerou enorme expectativa quando o Presidente Lula, em campanha, anunciava que era o único candidato à Presidência da República capaz de promover a reforma agrária no País em paz, em tranqüilidade e sem violência. Esse é o contraste gritante entre o discurso e a prática, entre a perspectiva gerada e os fatos alimentados pela ação governamental.

O Presidente Lula considerou que o assassinato da missionária Dorothy Stang foi uma reação à implantação dos programas do Governo Federal voltados para o ordenamento fundiário e à preservação ambiental no Paraná. Desculpe-me o Presidente Lula, Senador Tião Viana, que preside esta Casa, mas essa é uma afirmação infeliz, para não dizer falaciosa.

Em face da explosão da violência no Pará, o Governo foi forçado a lançar um novo pacote ambiental. As ações do Governo naquela região ou em qualquer parte do País, em matéria de reforma agrária, sempre foram marcadas pela timidez e pela ineficácia da execução. Se podemos contestar o plano de reforma agrária - há quem conteste - temos que, sobretudo, condenar a ineficácia da sua execução, porque exatamente a ausência de competência na execução do programa de reforma agrária é que promove o crescimento da rebeldia, da insatisfação, o que nos leva a esse espetáculo de violência no campo sem precedentes no Brasil.

O Governo anunciou, na noite do dia 17 de fevereiro, a criação de novas unidades de conservação na Amazônia, a maioria no Pará, somando mais de cinco milhões de hectares, o equivalente ao tamanho do Estado do Rio Grande do Norte. O mosaico de áreas protegidas vinha sendo discutido desde 2002, e as audiências públicas para a sua criação foram concluídas em dezembro de 2004.

O primeiro equívoco do Governo foi a Portaria do Incra de nº 10, de 1º de dezembro de 2004. Essa portaria veio envolta numa categoria legal meio incerta, a de posse por simples ocupação e, portanto, sujeita a várias interpretações, além de encurtar o prazo para iniciar o processo de regularização. Dez dias depois da publicação da portaria do Incra, o Diretor de Florestas do Ibama recomendou, em memorando aos gerentes executivos do órgão na Amazônia, que os planos de manejo já aprovados em áreas de posse entre 100 e 400 hectares fossem suspensos.

Tal recomendação teve reflexos na região oeste do Estado do Pará, uma das principais zonas de conflito fundiário no Estado.

O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Senador, permite-me um aparte?

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Mais um instante, Senador Sibá Machado, e concederei, com prazer; apenas concluirei esse tópico do nosso pronunciamento.

Foram suspensos 39 planos de manejo de madeira em pequenas e médias propriedades.

Até então, eles estavam regulados por termo de ajustamento de conduta (TAC) feito em 1999, determinando que as propostas de manejo seriam aceitas pelo Ibama desde que acompanhadas de declaração de órgão competente dizendo que a regularização da propriedade da área estava em andamento.

Vou conceder o aparte em respeito ao Senador Sibá Machado, que, certamente, tem contribuição de valor a oferecer a este debate.

O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Senador Alvaro Dias, agradeço a V. Exª o aparte. Fiz questão de fazê-lo apenas para repor algumas informações ao seu pronunciamento. Considero que toda violência daquela região do Pará ao longo desses 30 anos, depois da instalação da rodovia Transamazônica, deu-se diante da impunidade. Quero acreditar que o que ocorre naquela região é uma afronta às medidas que o Governo está instalando na região. Lembro que, exatamente no dia do assassinato da Irmã Dorothy, a Ministra Marina Silva encontrava-se no Município de Porto de Moz, no entorno de Altamira, criando uma unidade de conservação de mais ou menos um milhão de hectares. O Governo já estava pronto para decretar - e o fez logo em seguida - a unidade de conservação de Terra do Meio, com mais ou menos 3,5 milhões de hectares. E foi o atual Governo que instalou naquela área de Anapu - são 45 lotes de três mil hectares cada um - uma modalidade de assentamento de reforma agrária que tem o nome de Projeto de Desenvolvimento Sustentado, PDS. Tal ação culminou com aquela reação violenta daqueles maus empresários. Considero alguns até bandidos, travestidos de empresários, que vão para aquela região disputar terra de forma ilegal. E mais: a Portaria nº 10, do Ministério do Desenvolvimento Agrário, determina que todas as terras na Amazônia superiores a uma área de 100 hectares sejam novamente cadastradas no Incra, inclusive com georeferenciamento, para que de uma vez por todas possam ser detectadas as terras de propriedade legal dessas pessoas que se dizem posseiras e as terras de propriedade da União. Ainda ontem, assisti a uma entrevista do Governador do Estado do Pará, Simão Jatene, que abordou um problema que consideramos grave, o de que existe nas Polícias o mau policial. Vimos ainda a morosidade da Justiça, que não julga os casos em tempo hábil, que não prende os verdadeiros bandidos que ali estão. Portanto, estamos entre a implementação do Governo, a instituição do Governo que chega à região, e, infelizmente, a impunidade que permeia aquela área. Parabenizo V. Exª pelas ações da CPMI da Terra. E até pediria que, baseados nesses fatos, pudéssemos insistir para que outras questões que ainda se encontram sem resposta fossem elucidadas naquela região. Parabéns a V. Exª!

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Muito obrigado, Senador Sibá Machado.

Sr. Presidente, concluirei, mas peço permissão apenas para encerrar em mais alguns segundos.

O Sr. José Jorge (PFL - PE) - V. Exª me permite um aparte?

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Se o Presidente autorizar; diante da gravidade do tema, talvez se justifique.

O SR. PRESIDENTE (Tião Viana. Bloco/PT - AC) - A Mesa faz apenas um apelo a V. Exª, entendendo a relevância do assunto e a importância do aparte do Senador José Jorge, que sejam atenciosos com a objetividade que o tempo nos impõe.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Sr. Presidente, prometo concluir rapidamente, após o aparte do Senador José Jorge.

O Sr. José Jorge (PFL - PE) - Eu gostaria de solidarizar-me com V. Exª nesse tema tão grave para o País. Mas o que estranho no discurso da Bancada do Governo é o fato de que, aparentemente, o Governo fez as coisas certas, e, no entanto, a cada dia, morre uma pessoa no Pará. Na realidade, devemos ter um pouco mais de humildade. Realmente, este Governo não tem culpa em relação a esse problema, pois isso já existia em outros Governos. Mas, a meu ver, se o Governo tivesse feito tudo certo, ninguém teria morrido. Isso precisa ficar registrado, para que não se pense que a situação está indo tão bem quanto alguns querem fazer crer.

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Senador José Jorge, V. Exª aparteia com muita sapiência, porque é preciso registrar, sim, como diz V. Exª, com imparcialidade.

A autoridade pública está ausente daquela região, por isso se estabeleceu a lei da selva e por isso os crimes são continuados e impunes, lamentavelmente. O Governo se apressa, diante da repercussão internacional desse fato, a anunciar um pacote ambiental, mas esse pacote é passível de críticas, talvez até pelo apressamento: não estabelece critérios claros de sustentabilidade, propõe assentamentos de reforma agrária em áreas florestais e ainda prevê concessões para atividades diversas nas florestas.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Concluirei, Sr. Presidente, pedindo apenas permissão para ler mais dois tópicos desta questão.

O que o Governo não disse, ao anunciar a criação de cinco milhões de hectares de áreas protegidas na Terra do Meio (Região do Xingu), é de onde virá o dinheiro!

Para implementar o novo mosaico de áreas protegidas no Pará, estima-se que sejam necessários R$ 360 milhões (o cálculo é do próprio Ministério do Meio Ambiente).

Sr. Presidente, peço a V. Exª que autorize a publicação do restante deste pronunciamento, porque se dá no momento das conclusões.

A ausência de políticas públicas claras e o ambiente de desordem fundiária na região abriram espaço para o poder da pistolagem definir quem é o dono das terras e como elas devem ser utilizadas. E esta não é, sem dúvida, a melhor forma de definição.

Peço a V. Exª que autorize a publicação do restante das conclusões.

 

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SEGUE, NA ÍNTEGRA, PRONUNCIAMENTO DO SR. SENADOR ALVARO DIAS.

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O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Crônica de uma morte anunciada, obra do escritor colombiano Gabriel García Marquez, poderia ser reproduzido no contexto do assassinato da irmã Dorothy Stang.

A morte da missionária católica no dia 12 de fevereiro passado, no município de Anapu, monopolizou as atenções do país e do mundo para a gravíssima situação fundiária no Estado do Pará

Em maio do ano passado, a CPMI da terra realizou uma viagem ao estado do Pará.

Naquela ocasião, colhemos o depoimento da irmã Dorothy, em reunião secreta realizada em Altamira, logo após a audiência pública que ocorreu na Câmara dos Vereadores daquela cidade.

Após ouvir a irmã Dorothy Stang alertei o ministério da justiça quanto à necessidade de envio de uma força-tarefa para proteger a população.

Foi preciso que ocorresse um crime brutal, com repercussão internacional, para finalmente o governo cumprir o seu dever.

As denúncias apresentadas pela missionária católica, no seu depoimento à CPMI, ratificaram pontos já conhecidos da questão fundiária no Pará.

Principais denúncias feitas por irmã Dorothy:

Crime ambiental - quanto à exploração ilegal de madeiras da região, irmã Dorothy apontou no mapa os rios por meio dos quais grande quantidade de madeira é transportada clandestinamente.

Principais denúncias feitas por irmã Dorothy:

Crime ambiental - irmã Dorothy afirmou que, em cinco anos, ou seja, desde 1999, Dério Fernandes, vizinho do plano de desenvolvimento sustentável (pds), fez corte raso de 12 a 13 mil hectares (“botou fogo e nunca tirou sequer uma tora”) - Dorothy mostrou no mapa a localização exata da área.

Inércia do poder público - os crimes ambientais foram comunicados por irmã Dorothy ao Incra e ao Ibama, que nada fazem, de fato, para impedi-los. irmã Dorothy afirmou que o superintendente do incra chegou a conversar com um fazendeiro (“taradão”) a fim de demovê-lo da idéia de um desmatamento. o fazendeiro simplesmente ignorou o pedido, e o poder público nada fez.

Principais denúncias feitas por irmã Dorothy:

Poder público ligado a latifundiários - segundo irmã Dorothy: (1) alguns dos fazendeiros são militares - tem um sargento do 51º batalhão de infantaria de selva que é vizinho do pds; (2) o juiz federal que assumiu em marabá seria suspeito, pois revogou, só em janeiro de 2004, mais de 10 decisões judiciais que favoreciam ao Incra.

Fraudes contra o Estado - segundo irmã Dorothy, foram aprovados ilegalmente 17 projetos da Sudam em anapu - os valores ultrapassam R$100 milhões.

Um relatório da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, datado de 6/8/2002, afirma que a Sudam tem 22 projetos ilegais em anapu ( veracidade comprovada)

A violência dos conflitos agrários na região.

O conflito agrário no Pará é bastante singular.

A violência está estampada nos números:

O Pará apresenta o maior índice de assassinatos ligados às disputas de terra. entre 1985 a 2001, quase 40% das 1237 mortes de trabalhadores rurais no Brasil aconteceram no Estado.

No Pará, a explicação para a violência no campo não pode deixar de contemplar dois fatos: a política de colonização agrária iniciada na década de 70 e o papel desempenhado pelos representantes do poder público na região.

A política de colonização no Pará previa a distribuição de áreas grandes e pequenas. a maioria dos pequenos beneficiários não conseguiu se manter e vendeu seus lotes aos latifundiários vizinhos ou para fazendeiros recém-chegados de outra parte do país. esse fenômeno, que é combatido pelos sem-terra da região, denomina-se “reconcentração de terras”.

Os que se recusam a vender seus lotes são, em muitos casos, forçados a abandonar suas terras. irmã Dorothy relatou o caso de uma área de 45 lotes, em que o último lote de pequeno agricultor só foi vendido agora, mais de trinta anos depois, ao irmão do grande proprietário local.

Outros fatores que devem ser mencionados no quadro da violência predominante na região:

(1) O passado de conivência do poder público com a grilagem de terras públicas no Pará - a chegada de fazendeiros dispostos a investir naquela região remota era vista como boa para o desenvolvimento econômico local;

(2) em alguns casos, a distribuição de lotes de colonização agrária desrespeitou ou ignorou a presença de antigos posseiros na região;

(3) a fragilidade das instituições públicas na maior parte dos municípios paraenses e;

(4) o fato de o poder público encontrar-se nas mãos dos fazendeiros contra os quais lutam os trabalhadores da região.

Resumo: o conflito em anapu, como no resto do pará, parece ser o resultado da organização dos ex-posseiros e ex-colonos em busca das terras públicas griladas.

A estratégia a estratégia é ocupar essas áreas e, em seguida, forçar o incra a promover a reforma agrária nesses locais. os conflitos maiores surgem quando as áreas estão ocupadas por grileiros violentos, ou quando as terras não são públicas e seus donos legítimos pretendem defendê-las a todo custo.

A razão da violência eclodir com maior intensidade em determinadas áreas do estado do Pará do que no resto do país (como em Anapu, por exemplo) pode ser atribuída a fragilidade das instituições públicas locais.

            Esse diagnóstico é inquestionável!

A execução da missionária católica nascida nos eua e naturalizada brasileira, Dorothy Stang, ocorrida em anapu, a 780 km de Belém, colocou à mostra a “terra sem lei”.

O Pará é detentor do título de campeão nacional de mortes no campo e impunidade:

Um em cada “03” casos de assassinato no campo do país acontece no estado;

40% das vítimas estavam no estado;

só 3% dos casos foram julgados;

apenas 05 mandantes e 08 executores foram condenados. ( dados de 1985 a 2003, cpt)

Nesse cenário, o Pará é justamente o Estado campeão em violência( de 1985 a 2003):

O Pará lidera com 327 casos que resultaram em “521” homicídios;

para se ter uma idéia, mato grosso, o 2° no ranking da violência, registrou “110” vítimas na luta pela terra.

A Organização não-governamental justiça global divulgou que ano de 2003, 73 trabalhadores rurais foram mortos no Brasil em disputas por terras, um aumento de 69,8% em relação a 2002.

O Presidente Lula considerou que o assassinato da missionária Dorothy Stang, foi uma reação à implantação dos programas do Governo Federal voltados para o ordenamento fundiário e a preservação ambiental no Pará.

Afirmação falaciosa: em face da explosão da violência no Pará, o governo foi forçado a lançar o novo pacote ambiental.

O Governo anunciou na noite do dia 17 de fevereiro, a criação de novas unidades de conservação na Amazônia, a maioria no Pará, somando mais de 5 milhões de hectares, o equivalente ao tamanho do Estado do Rio Grande do Norte. O mosaico de áreas protegidas vinha sendo discutido desde 2002, e as audiências públicas para sua criação foram concluídas em dezembro de 2004.

O primeiro equívoco do governo foi a portaria do Incra n°10, de 1° de dezembro de 2004.

Essa portaria veio envolta numa categoria legal meio incerta, a de posse por simples ocupação, e portanto sujeita a várias interpretações, além de encurtar o prazo para iniciar o processo de regularização.

Dez dias depois de publicação da portaria do Incra, o diretor de florestas do Ibama, recomendou em memorando aos gerentes executivos do órgão na Amazônia que os planos de manejos já aprovados em áreas de posse entre 100 e 400 hectares fossem suspensos.

Tal recomendação teve reflexos na região oeste do Estado do Pará, uma das principais zonas de conflito fundiário no estado. foram suspensos 39 planos de manejo de madeira em pequenas e médias propriedades.

Até então, eles estavam regulados por termo de ajustamento de conduta (tac) feito em 1999, determinando que as propostas de manejo seriam aceitas pelo Ibama desde que acompanhadas de declaração de órgão competente dizendo que a regularização da propriedade da área estava em andamento.

No tocante a MP 239, de 21 de fevereiro, o governo resolveu criar mais uma forma de intervenção da união na propriedade privada, visando coibir distorções existentes na área do conflito.

É questionável a intervenção do poder público na propriedade privada por um período de um ano, sem falar que não há previsão de indenização na esfera administrativa, obrigando o proprietário a trilhar a via judicial. a ineficiência do governo, faz que o prazo para realização do estudo seja tão extenso, 60 dias deveriam ser suficientes.

No tocante à regulamentação da gestão de florestas públicas o pacote ambiental do governo é passível de críticas:

Não estabelece critérios claros de sustentabilidade, proprõe assentamentos de reforma agrária em áreas florestais e ainda prevê concessões para atividades diversas nas florestas.

O que o governo não disse, ao anunciar a criação de 5 milhões de hectares de áreas protegidas na terra do meio (região do xingu), de onde virá o dinheiro!

Para implementar o novo mosaico de áreas protegidas no Pará, estima-se que sejam necessários 360 milhões de reais (o cálculo é do próprio ministério do meio ambiente).

Conclusões e dados:

1. A ausência de políticas públicas claras e o ambiente de desordem fundiária na região, abriu espaço para o poder da pistolagem definir quem é o dono das terras e como elas devem ser utilizadas.

2. A violência é gerada na esteira do desmatamento e conflitos por terra.

3. O objetivo da irmã dorothy era criar dois projetos de desenvolvimento sustentável em anapu: um em cada lado da transamazônica, que corta o município paraense.

4. O objetivo seria usá-los para ordenar o espaço antes da chegada dos grileiros.

5. Um estudo de pesquisadores do instituto de economia da UFRJ, André Albuquerque Sant’Anna e Carlos Eduardo Young, mostra que existe uma relação direta entre desmatamento e violência no campo. Os dois são frutos de direitos de propriedades mal definidos e exclusão de acesso a terra.

6. O desmatamento, queimadas e a extração ilegal - segundo o ibama- atinge 70% da produção da madeira no Pará.

7. Pela avaliação preliminar do sistema de detecção de desmatamento do Inpe - instituto de pesquisas espaciais - é possível identificar um forte aumento do desmatamento em 2004, principalmente nas regiões da BR-163 e da terra no meio, no Pará. na região central da BR-163 foi registrado um aumento em até 511% do desmatamento em relação ao ano de 2003.

8. O Pará foi o primeiro Estado a instalar o núcleo do programa nacional de proteção aos defensores dos direitos humanos, lançado em outubro do ano passado, pela secretaria especial dos direitos humanos.

Vamos acompanhar cada ação da implementação desse programa que deverá ser mais eficaz que o manual de auto- ajuda lançado junto com o programa.

9. É preciso romper com o modelo vigente em toda a Amazônia que oscila entre extrativismo e grilagem.

10. O agravamento da questão fundiária no Pará é inegável, a despeito do estado já ter sido palco de tragédias como aquela em que dezenove sem-terra morreram em confronto com a polícia numa estrada de Eldorado dos Carajás, em abril de 1996.

11. A tese da soberania compartilhada da Amazônia pode vir a ser reavivada num cenário de descontrole da região.

12. A prisão do acusado de ser o executor do crime, o pistoleiro Rayfran das Neves Sales, conhecido por “fogoió”, e as informações veiculadas sobre os possíveis mandantes, não devem ser comentadas em razão de ter sido decretado segredo de justiça no inquérito que investiga o assassinato da missionária.

13. Ações tópicas e retóricas não resolvem a grave situação fundiária e ambiental do Pará

14. Mais da metade das florestas do Brasil está em terras que pertencem à União, Estados e Municípios. só na Amazônia, as chamadas terras devolutas (sem registro de propriedade definido) chegam a 75%, tornando-se alvo de grilagem, ocupação ilegal, desmatamento e queimadas.

15. Como presidente da CPMI da terra, estou consciente da necessidade de contribuirmos para a formulação de um novo modelo de desenvolvimento para a Amazônia.

16. O especialista no estudo das máfias, o renomado escritor siciliano Leonardo Sciascia costumava afirmar que “o crime organizado quando reage às leis do estado oficial faz vítimas anônimas e cadáveres excelentes”.

A irmã Dorothy Stang foi o “cadáver excelente” ao qual o escritor siciliano se referia na sua importante obra.

Ao eliminar uma figura de destaque, por acréscimo, se dissemina o medo e se enfraquece as iniciativas capitaneadas pela “liderança incômoda”.

O autor siciliano que tão bem desnuda o fenômeno mafioso, distingue duas máfias na análise que faz, de seu país, uma de comportamentos e outra de matanças.

No contexto da violência generalizada no Pará, os conceitos de Leonardo Sciascia são mais que adequados.

Nesse momento é visível distinguir operando nas áreas deflagradas do Pará: a máfia dos valores morais, a máfia das atitudes psicológicas e sociais, do autor siciliano.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/02/2005 - Página 1890