Discurso durante a 19ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre os pronunciamentos dos Senadores Alvaro Dias e Demóstenes Torres, solicitando esclarecimentos sobre matéria da revista Veja, que denuncia doação de dinheiro das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia ao Partido dos Trabalhadores.

Autor
Aloizio Mercadante (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Aloizio Mercadante Oliva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Considerações sobre os pronunciamentos dos Senadores Alvaro Dias e Demóstenes Torres, solicitando esclarecimentos sobre matéria da revista Veja, que denuncia doação de dinheiro das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia ao Partido dos Trabalhadores.
Publicação
Publicação no DSF de 15/03/2005 - Página 4987
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • RESPOSTA, DISCURSO, SENADOR, DENUNCIA, IRREGULARIDADE, FINANCIAMENTO, CAMPANHA ELEITORAL, ESCLARECIMENTOS, DIRETRIZ, DEMOCRACIA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), OPOSIÇÃO, TERRORISMO.
  • DEFESA, CONVOCAÇÃO, COMISSÃO MISTA, CONTROLE EXTERNO, AGENCIA BRASILEIRA DE INTELIGENCIA (ABIN), DISCUSSÃO, DENUNCIA, ESCLARECIMENTOS, DOCUMENTAÇÃO, DIVULGAÇÃO, NOTICIARIO.
  • ESCLARECIMENTOS, AUSENCIA, VINCULAÇÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), GRUPO, TERRORISMO, PAIS ESTRANGEIRO, COLOMBIA, LEITURA, NOTA OFICIAL, REPRESENTAÇÃO PARTIDARIA, REPUDIO, INEXATIDÃO, ARTIGO DE IMPRENSA, FALTA, ETICA, PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), COMPROVAÇÃO, AGENCIA BRASILEIRA DE INTELIGENCIA (ABIN).

O SR. ALOIZIO MERCADANTE (Bloco/PT - SP. Pela liderança do Governo. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, faço questão de vir à tribuna para responder, sobretudo, às duas últimas intervenções, a do Senador Alvaro Dias e a do Senador Demóstenes Torres.

Em primeiro lugar, gostaria de afirmar que o nosso Partido, o PT, vem de uma longa tradição democrática. É um Partido que, ainda na ditadura militar, optou pela democracia, lutou pela liberdade de expressão e de manifestação e buscou, exatamente por meio das lutas sociais e dos espaços institucionais que foram sendo construídos pela luta democrática do povo brasileiro, construir a sua presença na vida pública nacional. Somos, portanto, um Partido que optou pela democracia como valor fundamental, que reivindica o Estado de direito, o controle do Estado pela sociedade civil, o pluralismo partidário, a alternância de poder, a liberdade de expressão.

Essa tradição de 25 anos do nosso Partido inspirou, inclusive, muitas forças políticas na América Latina. A Frente Sandinista, que chegou ao poder no passado por meio da luta guerrilheira, posteriormente, optou pelo caminho da democracia. Perdeu eleições, ganhou outras, governa uma parte do país, tem uma forte presença no parlamento e pode voltar a governar a Nicarágua. Eu diria que o nosso exemplo ajudou a opções como esta, não apenas na Nicarágua, como em toda a América Latina: a democracia como único caminho de transformação consistente, sustentável e duradoura de uma sociedade.

É exatamente por essa opção - que tem uma longa história - que nos sentimos muito confortáveis para responder ao tema apresentado da tribuna, pelo Senador Demóstenes Torres com certo cuidado e com certa cautela, pelo Senador Alvaro Dias, eu diria, S. Exª incorreu em informações precipitadas, que, tenho certeza, saberá reconsiderar após o debate da matéria.

Em primeiro lugar, por ser matéria de responsabilidade do Congresso Nacional, proponho a convocação imediata da Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência, presidida pelo Senador Cristovam Buarque, para que seja discutida essa matéria. O General Jorge Armando Félix apresentou requerimento solicitando a convocação da referida Comissão para discutir esse assunto, e tenho certeza de que o Presidente o fará o mais brevemente possível. Espero que, no máximo, nas próximas 48 horas essa Comissão possa se reunir.

Por que é fundamental a reunião dessa Comissão? Porque compete a ela controlar as atividades de inteligência e esclarecer esse episódio, sobretudo aquilo que se afirma ser a participação da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) nesse caso.

Anteciparei as informações que recebi do Ministro-Chefe da Secretaria de Assuntos Institucionais. Segundo S. Exª, parte da documentação lida pelo Senador Alvaro Dias - inclusive apresentada por um Parlamentar no Jornal Nacional - não pertence à Abin. Apenas pelas imagens da televisão, eles identificaram, de forma cabal, que aquele documento nunca foi produzido pela Agência Brasileira de Inteligência.

Mais do que ninguém, temos interesse em que essa investigação seja aprofundada e que se chegue à origem da informação, lançada dessa forma neste momento da história do País. É muito grave o que foi feito. É muito grave por nossa tradição....

(A Srª Presidente faz soar a campainha.)

O SR. ALOIZIO MERCADANTE (Bloco/PT - SP) - Peço à Presidência, dada a relevância da matéria...

A SRª PRESIDENTE (Serys Slhessarenko. Bloco/PT - MT) - V. Exª ainda dispõe de três minutos.

O SR. ALOIZIO MERCADANTE (Bloco/PT - SP) - Não, eu pediria que tivesse o tempo necessário para responder à matéria de tamanha importância para o País e tendo em vista o tempo concedido aos outros interlocutores.

Pediria a tolerância da Mesa, dispondo-me a conceder o meu tempo, em outros momentos e em outras sessões, para compensar, se for possível. Ou, então, que o Senador Alberto Silva possa me conceder o seu tempo, se for necessário, e eu, depois, poderei retribuir a gentileza a S. Exª.

Peço esse tempo porque pretendo ler a nota do Partido dos Trabalhadores e, depois, reafirmar o que dissemos.

Lembro que essas informações foram produzidas em torno de março e abril de 2002, ainda no Governo Fernando Henrique Cardoso. Também naquela ocasião, o jornal O Estado de S. Paulo publicou a seguinte manchete, com grande destaque: “PT organiza Comitê Pró-Farc.”

Naquele mesmo momento, eu fiz o seguinte pronunciamento:

O Deputado Aloizio Mercadante (SP), Secretário de Relações Internacionais do PT, reagiu, ontem, às informações de que seu Partido vai inaugurar um comitê de apoio às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), em Ribeirão Preto [na verdade, era Campinas, mas o jornalista se confundiu], no interior paulista, no dia 20.

Embora o Prefeito da cidade, Antônio Palocci Filho, pertença aos quadros do PT, (...) a iniciativa - segundo ele - partiu do Secretário Municipal de Esportes, Leopoldo Paulino, que pertence ao PSB [na realidade, ele era ex-Secretário Municipal de Esportes].

“O êxito político do PT inspirou várias organizações políticas latino-americanas a optarem pela democracia, que, para nós, é um princípio fundamental”, disse Mercadante. A posição do PT com relação à Colômbia é pela retomada do diálogo, a favor da paz e do desarmamento. Ele revelou que o Partido havia enviado, na semana passada, uma carta aos dirigentes da guerrilha colombiana, pedindo a imediata libertação da Senadora e candidata à Presidência Martha Catalina Daniels, seqüestrada e depois assassinada pelas Farc.

“Sobre esse comitê, vocês devem perguntar ao Governador Anthony Garotinho”, sugeriu Mercadante.

A SRª PRESIDENTE (Serys Slhessarenko. Bloco/PT - MT) - Senador Aloizio Mercadante, um instante.

Gostaria de consultar o Plenário sobre a solicitação do Líder do Governo, Senador Aloizio Mercadante, que pede um tempo de dez minutos, prazo idêntico ao de inscrição, tendo em vista a relevância dos esclarecimentos que S. Exª pretende prestar. (Pausa.)

Não havendo objeção, S. Exª dispõe de dez minutos.

O SR. ALOIZIO MERCADANTE (Bloco/PT - SP) - Portanto, o nosso Partido, já naquela ocasião, não patrocinou nenhuma iniciativa de montagem de comitês pró-Farc. Qualquer iniciativa dessa natureza não teve apoio do Partido dos Trabalhadores. Sobretudo as informações dos seqüestros, particularmente do seqüestro da candidata à Presidência da República, Ingrid Betancourt, do Partido Verde, no então processo eleitoral que a Colômbia vivia, significou, sob o nosso ponto de vista, uma atitude em relação a qual o nosso Partido não poderia tomar outra decisão. Não cabia qualquer tipo de solidariedade ou manifestação de comitês pró-Farc patrocinada pela Partido dos Trabalhadores.

Nós tínhamos uma posição clara, nítida, uma carta de protesto e de repúdio ao seqüestro, deixando claro que o Partido, como instituição, não patrocinaria e não participaria de qualquer atividade dessa natureza.

Não apenas isso, o Presidente Lula respeitou a vontade do povo, a soberania de um país vizinho, a autodeterminação de um povo e estabeleceu com o Presidente eleito, Alvaro Uribe, relações bilaterais de alto nível. Recentemente, quando do conflito entre Colômbia e Venezuela, o Brasil foi colocado como mediador e nos dispusemos a mediar os problemas relacionados à disputa militar que existia desde que a ONU solicitasse, como iniciativa de um organismo multilateral, a quem cabe, sim, buscar soluções pacíficas. E houve um momento de diálogo e de tentativa de desarmamento, de busca de uma saída negociada na Colômbia, como se deu em outros países de forma exitosa na América Latina.

Essa era a nossa atitude, esse era o nosso comportamento.

Por tudo isso, a matéria contém, eu diria, afirmações precárias sobre o envolvimento do Partido dos Trabalhadores, que absolutamente não condizem com a nossa história, com o nosso comportamento, com as nossas atitudes.

Quero ler a nota que o Partido dos Trabalhadores publicou, esclarecendo a posição do partido em relação à matéria:

Nota Oficial

1) O Partido dos Trabalhadores vem a público declarar seu repúdio à matéria de capa publicada pela revista Veja desta semana, intitulada “Tentáculos das Farc no Brasil”. A referida reportagem, ao arrepio da verdade, trata de estabelecer os supostos vínculos financeiros entre petistas e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia. Essa intenção inescrupulosa está registrada sob título “Espiões da Abin gravaram o representante da narcoguerrilha colombiana anunciando doação de US$5 milhões para candidatos petistas na campanha de 2002”.

2) A matéria tem como única fonte um lote de supostos documentos da Abin. [volto a afirmar que queremos a reunião da Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência para demonstrar que o que foi apresentado como documento da Abin não são documentos da Abin; esse material será tecnicamente desmascarado no momento oportuno], eventualmente elaborados por agente infiltrado em uma festa, na qual o padre Olivério Medina, apresentado como “embaixador” das Farc em território brasileiro, teria declarado sua intenção de apoiar financeiramente candidatos petistas nas últimas eleições gerais. Não há, no entanto, reprodução de algum destes documentos: a revista alega, segundo consta do próprio texto, que foi esta a precondição para que tivesse acesso às presumidas “informações secretas”.

É interessante notar que a revista não publicou os documentos, mas os documentos circulam nas mãos de Parlamentares da Oposição. Entretanto, poderemos discutir isso, porque, pelas imagens da televisão, sabemos quais são os documentos e vamos demonstrar que eles não são da Abin.

Continua a nota:

Tampouco qualquer das testemunhas presentes à festa citada, das diversas ouvidas por Veja, corrobora o fato narrado pela revista, sequer apelando para o sigilo de uma declaração em off.

3. Não bastasse a irresponsabilidade no levantamento dos fatos, que são levados ao leitor sem evidências ou provas sustentáveis, a reportagem fica definitivamente desmascarada quando revela, com todas as letras, que a revista “não encontrou indícios suficientemente sólidos de que os 5 milhões de dólares tenham realmente saído das Farc e chegado nos cofres do PT”.

A matéria parte de documentos que são tidos como documentos da Abin, mas que não são da Abin. Vamos demonstrar que não é da Abin aquilo que foi mencionado por dois Parlamentares; um deles, inclusive, falou desta tribuna. Vou reler o que a própria revista afirma, que “não encontrou indícios suficientemente sólidos de que os US$5 milhões tenham realmente saído das Farc e chegado aos cofres do PT”.

Continua ainda a nota:

Logo a seguir, o artigo assinado por Policarpo Jr. [por sinal, um excelente jornalista; lamento que a edição tenha sido feita dessa forma] esclarece o que entende por “suficientemente sólidos”, ao deixar claro que “a investigação de Veja não avançou um milímetro” na comprovação desta suposta movimentação financeira. Mesmo assim, os editores da publicação não hesitaram em estampar, na capa da revista, como um fato averiguado, que o representante das Farc anunciou a doação milionária para petistas.

4. Vale lembrar que a exploração deste tema, as relações da guerrilha colombiana com o PT, não é uma novidade. Nas eleições presidenciais de 2002, o então candidato do PSDB, José Serra, também foi por este caminho em seu programa de televisão. O Tribunal Superior Eleitoral considerou denúncia vazia sua desesperada tentativa eleitoreira, concedendo imediato direito de resposta ao nosso partido. Também não se deve esquecer que os supostos documentos que teriam inspirado a revista Veja foram datados em 25 de abril de 2002, quando era Presidente da República o Sr. Fernando Henrique Cardoso e muitos arapongas andavam como serpentes pelo País, em busca de alguma situação que pudesse impedir a livre vontade do povo brasileiro de votar por mudanças.

5. Por fim, em respeito à opinião pública, reiteramos que o Partido dos Trabalhadores não tem e jamais teve relações financeiras com as Farc. Tampouco apóia, no país vizinho, qualquer saída para a longa situação de beligerância [são quase 40 anos] vivida pelos colombianos que não esteja baseada em um acordo democrático, pacífico e constitucional. O PT tem posição histórica contra o terrorismo de Estado ou de grupos armados. No mais, são inumeráveis as provas de que a política do PT é marcada pelo respeito à autodeterminação dos povos e à soberania das nações, a partir de uma política de não ingerência nos assuntos internos de cada país. Em nenhuma hipótese aceitaríamos, portanto, que nossa vida política sofresse a interferência de governos ou grupos estrangeiros de qualquer origem.

6. Consideramos a reportagem da revista Veja, pelos motivos apresentados, uma agressão à verdade dos fatos, à honra do Partido dos Trabalhadores e à ética jornalística. Aventuras deste naipe prejudicam a vida democrática de nosso País.

Portanto, volto a solicitar desta tribuna a convocação imediata da Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência.

Quero aqui saudar a iniciativa do Senador Demóstenes, que, antes de se precipitar em acusação, ofereceu um requerimento e pediu que fosse apurado.

Adianto que o Ministro-Chefe da Secretaria de Assuntos Institucionais nos informou que os documentos que foram apresentados não pertencem à Abin, e eles vão demonstrar isso, de forma cabal, nessa audiência.

Quero lembrar que essa suposta investigação da Abin data de abril de 2002; foi realizada, portanto, ainda no Governo anterior. Quero lembrar também que, ainda no Governo anterior, esse Padre Olivério foi preso pela Polícia Federal. E há uma reportagem da própria revista Veja nesse sentido, chamada “Caça às Bruxas”. O então Governo Fernando Henrique Cardoso saudou a liberação desse senhor, que havia sido preso pela Polícia Federal naquela ocasião.

É verdade que era um momento em que havia um esforço de negociação e de paz na Colômbia. Não sei se foi solicitada a extradição, mas a Polícia prendeu e soltou o mencionado Padre Olivério Medina - que não é propriamente o nome desse senhor.

Por tudo isso, queremos debater esse assunto e queremos que isso seja definitivamente esclarecido.

Ressalto que é só olhar para a história de 25 anos do nosso Partido, de compromisso com a transparência, com a ética, com a luta democrática, com a busca da solução negociada e pacífica de todos os conflitos internacionais. É uma história de não ingerência em assuntos de outras nações, de respeito, de autodeterminação à soberania dos povos. Sempre buscamos uma saída negociada e pacífica para esse conflito e para todo e qualquer conflito dessa natureza.

O Partido não patrocinou qualquer montagem de comitê de solidariedade. Não nos associaremos a organizações que praticam seqüestros como esses que ocorreram na Colômbia. Manifestamo-nos publicamente contrários a seqüestros, particularmente o da então candidata a Presidente, Ingrid. Desautorizamos toda e qualquer iniciativa de montagem de comitê dessa natureza.

A própria revista reconhece que isso não está comprovado. Não há indícios que comprovem que tenha sido feita essa transferência de recursos. Não creio que isso tenha acontecido. Mas não temos qualquer restrição a que isso seja investigado com todo o rigor.

Proponho a convocação imediata da Comissão para ouvirmos a Abin, que é a fonte dessa denúncia, e veremos, nessa audiência, que a Abin vai demonstrar, de forma cabal, técnica e consistente, que esses documentos não lhe pertencem. Inclusive, o General Félix conversou com o General Cardoso sobre esse assunto e reafirmou essa análise apresentada pelo Ministro, que era então o Ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Institucionais, responsável pela Abin no Governo anterior. O General Félix reafirmou que, de fato, os fatos são esses.

Portanto, peço a convocação da reunião, para que possamos discutir essa matéria.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/03/2005 - Página 4987